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em Adorno
Neri Pies*
Mesmo que o mundo aparenta estar cada vez mais nítido a olhos
nus, que as ideias e as relações se tornam públicas sistematicamente sem
“filtragem”, é imprescindível, para Adorno, ir além da filosofia dos rela-
tos para encontrar efetivamente uma fundamentação reflexiva, uma vez
que “a vida não vive” (ADORNO, 1992, p. 15). Assim, a crítica não se
refere apenas ao fato histórico, mas a instâncias do pensamento que não
conseguiu e ainda não consegue produzir o seu conteúdo de verdade.
Nesse sentido, a reflexão filosófica que Adorno faz nos remete a
tematizar sobre como os indivíduos vivem e de que forma eles buscam
a verdade, sendo que não existe mais uma natureza impositiva que de-
termina a vida, mas ao mesmo tempo as pessoas são dominadas por ou-
tros elementos. Vale enfatizar que o ser humano na modernidade pode
agir em nome próprio sem medo, pois ele pode fazer uso da sua razão
livremente. Entretanto, para Adorno as pessoas estão sob a dominação da
razão, isto é, a ação é pensada de antemão sem que o indivíduo perceba, ele
está condicionado por um sistema totalizador, não sendo livre e nem
autônomo. O indivíduo apenas reproduz o que já está pensado, torna-se
um objeto a favor da sociedade administrada. Entendendo dessa ma-
neira ganha sentido a frase “a dominação universal da natureza volta-se
contra o próprio sujeito” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 34). Sendo
assim, podemos perguntar: como ultrapassar a racionalidade instrumental
e fomentar outra esfera política, outra consciência, imprescindíveis para
Revista Filosofazer. Passo Fundo, n. 46, jan./jun. 2015 131
romper com a lógica absolutista? Ou se quisermos ir mais longe, por que
o pensamento se tornou tímido frente as barbáries constantes, frente a
vida administrada?
Poderíamos situar os questionamentos também da seguinte forma:
o que realmente significa o pensamento crítico, reflexivo, dialético para
Adorno? Existe espaço na atual sociedade para o pensamento livre e
autônomo se realizar, uma vez que, como vimos acima, “nada mais pode
ficar de fora, porque a simples ideia do de fora é a verdadeira fonte da
angústia” (ADORNO, 1995, p. 29)? Qual seria o espaço e como se daria a
sua articulação? Como pensar uma vida e uma sociedade não adminis-
trada dentro de um sistema “unificador”? Lembrando sempre que para
Adorno, “uma sociedade emancipada, contudo, não seria um estado
unitário, mas a realização do universal na reconciliação das diferenças”
(ADORNO, 1992, p. 99).
Essas são algumas questões que acompanham o pensamento do autor
e que nos deixam, de certa forma, inquietos. Ou seja, elas foram tam-
bém, direta ou indiretamente, trabalhadas por Adorno, em parceria com
Horkheimer em um determinado momento e também exclusivamente
por Adorno, por isso escrevem no prefácio da obra Dialética do Esclare-
cimento. “O que nos propuséramos era, de fato, nada menos do que des-
cobrir por que a humanidade, em vez de entrar em um estado verdadei-
ramente humano, está se afundando em uma nova espécie de barbárie”
(1985, p. 11). Portanto, a reflexão filosófica precisa olhar para a maneira
de viver dos indivíduos na contemporaneidade, indo além das normas e
resoluções estabelecidas.
Romper ou resistir ao pensamento totalizador torna-se na filosofia
adorniana uma tarefa elementar, entretanto, a dificuldade em empreender
essa tarefa é enorme, pois “não há mais nenhuma expressão que não tenda
a concordar com as direções dominantes do pensamento, e o que a lin-
guagem desgastada não faz espontaneamente é suprido com precisão pelos
mecanismos sociais” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 12). No en-
tanto, é preciso se aventurar firmemente em águas desconhecidas sem
antecipar categorias prévias e fixas, pois pensamento precisa ser um “ato
de negação e resistência àquilo que lhe é imposto” (ADORNO, 2009, p. 19).
O ato de negação, de resistência, é constitutivo do pensamento e
do método de Adorno. Ele faz um profundo estudo das obras de Kant,
Hegel, Nietzsche, Marx, Freud, entre outros, mas é através do método
A perspectiva política
Considerações finais