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Seminário dos Alunos de Pós-Graduação em Comunicação Social da PUC-Rio


04, 05 e 06 de novembro de 2013

A Ley de Medios argentina e o discurso antirregulação


em jornais brasileiros1

Igor Waltz2
Universidade Federal do Rio de Janeiro

Resumo: O artigo faz uma reflexão sobre o papel do Estado na regulação do campo das
comunicações, sua relação com empresas privadas de mídia e as implicações da adoção do
modelo neoliberal para o setor, como a re-regulação e a marketização. A contenda entre o
governo argentino e o Grupo Clarín tem suscitado debates na imprensa brasileira a respeito da
intervenção estatal como uma ameaça à imprensa independente. Acerca dessa questão, são
analisados editoriais publicados pelos jornais O Globo e O Estado de S. Paulo no período de
abril a julho de 2013.

Resumen: El artículo es una reflexión sobre el papel del Estado en la regulación del campo de
la comunicación, la relación con los medios de comunicación privados y las implicaciones de
la adopción del modelo neoliberal para el sector, tales como la re-regulación y la
mercantilización. La disputa entre el gobierno argentino y el Grupo Clarín ha depertado
debates en la prensa brasileña sobre la intervención del Estado como una amenaza para los
medios de comunicación independientes. Sobre esta temática, se analizan los editoriales
publicados en los periódicos O Globo y O Estado de S. Paulo de abril a julio de 2013.

Palavras-chave: Ley de Medios; Regulação; Conglomerados de imprensa; Estado.

1. Introdução

Eventos recentes ocorridos na Europa e na América Latina abriram uma brecha para
um tímido debate acerca da regulação estatal sobre o campo das comunicações, uma pauta
pouco corriqueira na mídia brasileira. Em março de 2013, no Reino Unido, após escândalos

1
Artigo apresentado no GT Jornalismo e Política do X Seminário de Alunos de Pós-Graduação em Comunicação
da PUC-Rio, realizado no Rio de Janeiro, RJ, em novembro, 2013. Trabalho produzido originalmente no âmbito
da disciplina “Comunicações, Estado e Sociedade”, ministrada pelos professores Suzy dos Santos (ECO/UFRJ) e
Murilo César Ramos (FAC/UnB), em 2013/1.
2
Jornalista. Mestrando em Comunicação pela Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(ECO/UFRJ). E-mail: igor.waltz2@gmail.com.
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de escutas ilegais, que resultaram no fechamento do tabloide News of the World, o governo
britânico firmou um acordo com os partidos políticos para a criação de um órgão
independente responsável por fiscalizar e punir más condutas de veículos de imprensa. Já em
maio, na América Latina, após disputas judiciais, a presidente da Argentina, Cristina
Kirchner, deu mais um passo na intervenção do Grupo Clarín para enquadrá-lo na lei de
combate ao monopólio midiático, o que obrigaria a holding a abrir mão de parte de suas
concessões. No mês seguinte, a Assembleia Nacional do Equador aprovou a criação de uma
Lei da Comunicação, que prevê a criação de órgãos de regulamentação da imprensa.
Apesar das distintas características e contextos dos três casos supracitados, todos
carregam o traço em comum: a tentativa de intervenção estatal em um setor considerado
chave na nova economia, com vistas a contornar “falhas no mercado” (seja para evitar a
concentração da propriedade, seja por razões éticas de normatização das condutas e atuações
profissionais).
Fiani (1998) conceitua regulação como uma ação do Estado com o objetivo de limitar
os graus de liberdade que os agentes econômicos possuem em seu processo de tomada de
decisões. Já para Marques Neto (2005), em uma visão mais ampla, a regulação seria mais do
que a correção de falhas para garantir o equilíbrio interno do sistema regulado, mas também a
manutenção do funcionamento do mercado e a introdução de objetivos de ordem geral que
não seriam atingidos exclusivamente pela iniciativa privada.
A respeito desses objetivos de ordem geral, o caso argentino é bastante paradigmático.
A lei 26.522, popularmente chamada de Ley de Medios, aprovada em 2009, estabelece o
limite de um terço das concessões de rádio e televisão do país para empresas privadas, um
terço para empresas públicas e um terço para entidades sem fins lucrativos. Além disso,
impõe níveis mínimos de difusão de conteúdo nacional e de conteúdo educativo no caso da
empresas privadas. Apesar de contar com apoio de amplos setores da sociedade civil
argentina, a lei é tida como uma tentativa de enfraquecer economicamente uma das principais
vozes de oposição ao governo Kirchner, o Grupo Clarín, maior conglomerado de mídia do
país, cujo poderio foi constituído principalmente durante o período da ditadura argentina.
Este artigo pretende analisar como veículos de mídia brasileiros, filiados a grandes
conglomerados nacionais, ponderam os acontecimentos no país vizinho e o “ataque” sofrido
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por seu confrade argentino. Para tal, foram selecionados editoriais publicados pelos jornais O
Globo e O Estado de S. Paulo, e veiculados em suas versões online, entre abril e julho de
2013. Tais publicações foram selecionadas por estarem vinculadas às Organizações Globo, da
família Marinho, e ao Grupo Estado, da família Mesquita, duas das maiores corporações de
mídia do Brasil, atuantes em diversos setores das comunicações e símbolos da concentração
dos meios de comunicação no país.

2. O Estado e a definição das políticas

Na década de 1980, com a expansão do ideário neoliberal de “redução” do Estado e


intervenção mínima na economia, é considerável a perda de legitimidade do poder estatal,
especialmente no contexto da América Latina em processo de redemocratização. O terreno da
cidadania e da política cede espaço ao consumo como modo basal de representação, uma vez
que o mercado assume para si o papel de regular relações sociais, econômicas e políticas.
Obviamente, a inserção de diferentes parcelas da população na esfera de consumo não é
igualitária. E uma vez inseridos no campo do consumo, não são garantidas a amplos setores
sociais condições de acesso à educação de qualidade e aumento da participação política.
No campo das políticas de comunicação, durante o período, é notável o abandono da
ideia da forte presença estatal na definição de tais diretrizes. Sob a máscara da não-
regulamentação das comunicações, há a presença do Estado para garantir uma estabilidade na
atuação dos oligopólios, o que dificulta uma concessão pluralista de vozes.
No contexto europeu, o estabelecimento de um modelo comunicacional baseado em
serviço público se manteve até a década de 1970, apoiado inclusive pelos setores comerciais e
industriais. Mesmo depois do abandono do apoio dos setores econômicos e de parte da classe
política, as corporações públicas já haviam obtido um peso próprio dentro das sociedades,
com amplo apoio das audiências e da academia. O espírito do serviço público é enraizado de
tal forma na sociedade europeia que mesmo canais comerciais adotam critérios de
programação do serviço público (Mastrini & Mestman, 1996).
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Diferentemente, na América Latina, houve tentativas ao longo dos anos 1970 de


implementação, com pouco sucesso, das chamadas Políticas Nacionais de Comunicação,
desenvolvidas segundo as recomendações da Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) (Ramos, 1992; Mastrini & Mestman, 1996). Mas
com a consolidação do neoconservadorismo, do discurso do livre-mercado e da desregulação
dos serviços públicos, setores de telecomunicações e radiodifusão passaram a assumir um
lugar estratégico na chamada “sociedade da informação” e não escaparam ilesos ao processo.
Como aponta Ramos, no que diz respeito ao sistema de telecomunicações brasileiro, “a
privatização foi mais radical [...]. Neste, ao contrário dos sistemas elétrico e de petróleo,
ocorreu uma transferência maciça de ativos estatais para o setor privado, acompanhado de
uma quase total desnacionalização”. (RAMOS, 2005, p. 19).
O autor aponta a centralidade das agências reguladoras, tanto em países periféricos
como centrais, nos processos de liberalização e privatização, uma vez que, pelo menos em
teoria, elas seriam capazes de regular um mercado privatizado de maneira “equidistante das
influências do Estado, dos interesses privados e dos consumidores”. (idem, p.29). Essas novas
entidades na verdade simbolizam a transferência de parte das atividades detidas pelo Estado
ao setor privado e a sua nova postura como “fiscalizador”. Assegura-se, assim, uma
autonomia às agências, conferindo a elas um caráter despolitizado, apartado das demais
decisões executivas. Um ente de caráter meramente técnico.
A respeito disso, Nogueira (2001) observa que essa é a característica própria da
tecnocracia que vem se afirmando nos dias atuais. Esta seria uma “política sem política”, com
uma hipervalorização da técnica e da gestão. Em decorrência da dimensão tecnicista, o
cidadão cede terreno ao especialista e sua participação no jogo político fica reduzida à função
de eleitor, de “homologador de decisões”.
Ressalta o sociólogo brasileiro que, com o atual campo ideológico, centrado no
indivíduo consumidor e na valorização do mercado e do econômico, há um rebaixamento dos
valores públicos e a conversão da Política em “política de interesses”. Essa ideia pode
contribuir para o nosso entendimento a respeito do debate pouco politizado, ou de caráter
estritamente técnico, em torno da regulação na área de comunicações.
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3. Delicada relação entre Estado e empresas de mídia

Apesar do discurso enérgico contra qualquer forma de regulação, que para os grandes
conglomerados de imprensa seria equivalente à censura estatal ou ao cerceamento da
liberdade de expressão, as relações entre governo e as empresas são mais complexas do que
este aparente antagonismo. Camuflado sob a ideologia do livre mercado e da liberdade de
expressão, há um Estado muitas vezes atuante na defesa da hegemonia dos meios de
comunicação privados de caráter comercial e na contenção da entrada de novos players no
setor. Esse fator é ainda mais significativo em um país como Brasil, onde uma parcela
significativa de membros da classe política é detentora de veículos de comunicação,
administrados com vistas mais à obtenção de capital político do que lucro financeiro.
Desde os primórdios da radiodifusão no Brasil, suplantada a fase do radioamadorismo
do início do século XX, o Estado sempre desempenhou o papel central na formulação e
implementação de políticas de comunicação, seja como proprietário, promotor ou regulador.
(Torres, 2012). Durante a Era Vargas, mesmo veículos de oposição ao governo valiam-se da
publicidade estatal como parte de sua fonte de renda, em troca da publicação de material
editorial produzido pelos serviços de propaganda. Mesmo com o ideário, nos dias atuais, de
despojamento do poder de regulação, a presença do Estado é considerada pertinente desde que
para garantir os interesses dos oligopólios.
O próprio conceito de regulação aparece de forma problemática na fala produzida por
esses veículos, apontado muitas vezes como sinônimo de cerceamento. Apesar de não haver
um consenso em torno do conceito, Mitnick (1989) aponta que o elemento central em
diferentes considerações a respeito de regulação é a interferência em alguns tipos de
atividade, que podem ser regidas, controladas, alteradas, guiadas, limitadas ou mesmo
incentivadas por uma entidade externa. Para o autor, o conceito mais abrangente seria o da
“vigilância, de acordo com a regra, das opções de atividade de um sujeito e provém de uma
entidade que não é parte direta nem está envolvida na dita atividade” (MITNICK, 1989, p.26).
O autor estadunidense aponta que esse papel de entidade externa à atividade seria
atribuído geralmente ao Estado. Contudo, pensá-lo como uma entidade neutra, despida de
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interesses, pode limitar nosso entendimento acerca das decisões políticas. Como pensar a
participação popular e a garantia dos interesses da sociedade civil em uma ambiente onde os
legisladores são cooptados pelo mercado? Especialmente na área da Comunicação, políticas
seriam criadas para atender a interesses privados e do Estado, em detrimento do interesse
público.
A respeito disso, o sociólogo canadense Vincent Mosco (1988) coloca o Estado no
cerne do conceito de regulação. Para ele, ela seria um dos instrumentos de ação política para
corrigir “falhas de mercado”. A partir da análise dos serviços de comunicação de sociedades
capitalistas desenvolvidas, Mosco aponta que a natureza desses serviços é definida de acordo
com que papel o Estado adota para si. O autor estabelece quatro modelos de governança —
regulação, competição privada, conselho de especialistas e corporativismo —, todos com
maior ou menor participação estatal. Nenhuma dessas formas de governança prescinde do
Estado.
Enquanto a regulação e o corporativismo dizem respeito a uma participação mais
direta do ente governamental, a competição e o conselho apontam para uma participação
indireta, delegando ao mercado um modo mais livre de agir. À competição é atribuído pelos
meios de imprensa o posto de “verdadeira entidade reguladora” do campo das comunicações
(“O único controle de mídia é o controle remoto”)3, uma vez que caberia ao mercado atender
às demandas da sociedade. Mas Mosco lembra que mesmo os mercados não são mecanismos
autossustentáveis, e “quem cria e sustenta os mercados” e “para benefício de quem” são
consideradas questões fundamentais.
Já o corporativismo confere maior autoridade a indivíduos que representam
componentes específicos da divisão econômica do trabalho, particularmente diferenciados dos
setores executivos, tais como trabalhadores e consumidores. Por sua vez, o conselho de
expertise atribui mais poder aos detentores do conhecimento técnico, como consultores e

3
Resposta dada pela então candidata à Presidência da República Dilma Rousseff, durante entrevista à TV Brasil,
a críticas ao seu programa de governo. Após ter entregue um primeiro programa ao Tribunal Superior Eleitoral
(TSE), em que defendia o controle social dos veículos de comunicação, o Partido dos Trabalhadores (PT)
apresentou um segundo texto retirando a proposta. Disponível em:
<http://ultimosegundo.ig.com.br/eleicoes/dilma-afirma-que-unico-controle-da-midia-e-o-controle-
remoto/n1237724826114.html>. Acesso em 25 de julho de 2013.
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especialistas. Trata-se de uma visão tecnicista que afastaria uma discussão mais plural a
respeito das políticas.
Mosco afirma que a regulação oferece representatividade ao Estado em uma estrutura
de mercado privado. Sob a capa de defesa dos interesses públicos, que concederia voz àqueles
que têm pouca participação, os agentes reguladores atuariam na verdade de maneira manter o
status quo da estrutura de mercado.
Essa característica é própria das economias que adotam o modelo neoliberal. Com o
lema do “Estado mínimo”, tais economias abraçariam uma espécie de “ausência de
regulação”, na qual o Estado abriria mão de regular, mas não seria completamente apartado
do processo. Uma das novas funções assumidas por ele seria a manutenção de novos players
fora do mercado, por meio da seleção e do gerenciamento dos competidores. Dessa forma o
Estado minimizaria os efeitos da competição, vista por alguns estudiosos, como Melody
(1997), como uma forma de regulação.
O autor dinamarquês enxerga que a competição advinda da liberalização dos mercados
pode ser sim uma ferramenta de regulação, uma vez que o agente regulador minimize
barreiras para a entrada de novos competidores no mercado. Concentrando suas análises ao
campo das telecomunicações, Melody acredita que os reguladores devem agir para maximizar
as oportunidades de competição e prevenir comportamentos anticompetitivos. Em um setor
dinâmico, onde novas tecnologias e novas demandas gerariam constantemente novas
oportunidades de negócios, a regulação estatal deveria ter como objetivo a garantia do acesso
de todos a um determinado serviço por preço razoável, e tal fim seria atingido pela
competitividade.
Este objetivo poderia ser desmembrado em duas metas: uma de caráter econômico,
que seria o de atender as demandas dos consumidores com eficiência; e outro social, por meio
da extensão de serviços de telecomunicações para um nível mínimo de inclusão digital e
participação política na chamada “sociedade da informação”.
O que Melody não reconhece é que um Estado aliado ao mercado dificilmente
impediria a formação de oligopólios, e ao contrário do que diz o receituário neoliberal, um
mercado pouco regulado poderia facilmente tender a políticas pouco competitivas. No campo
da comunicação no Brasil, observa-se uma tendência à concentração das propriedades de
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emissoras de rádio e TV no setor comercial nas mãos de poucas famílias, o que prejudica a
diversidade de vozes nesses meios, e consequentemente, a participação política e o real
atendimento aos interesses públicos.
Mas a opção política por deixar de intervir nas forças de mercado — a desregulação
— apregoada pelos defensores da política neoliberal para o crescimento e fortalecimento das
economias na verdade resguardaria aquilo que vários autores afirmam ser uma re-regulação
(Mastrini & Mestman, 1996; McChesney, 2003; Porter 1993), ou seja, uma nova regulação
que atenda às demandas dos conglomerados multimídia. McChesney, por exemplo, critica a
ideia de que as únicas opções de políticas de comunicação girem em torno da dicotomia
“regulação governamental” e “desregulação e livre-mercado”. Nas palavras do autor
estadunidense,

todos os sistemas de mídia são resultados de políticas governamentais explícitas,


subsídios, garantias de direitos e regulamentação. Transmissões via terrestre,
satélite ou cabo são baseadas concessões governamentais de parcas frequências
e franquias. Se um ente privado tenta transmitir a uma frequência já licenciada
pelo governo, estará sujeito a responder um processo criminal. Mesmo
publicações, músicas e filmes exigem regulação governamental para existirem
como tais. Considera-se, por exemplo, o papel do copyright. (McCHESNEY,
2003, p.126, tradução nossa).

Para McChesney, o que está realmente em jogo é uma regulação que atenda aos
interesses públicos versus uma regulação que atenda a interesses privados. Uma maior
participação popular resultaria em políticas para atender às necessidades dessa população,
mas o que se assiste é um processo de desregulação encabeçado por corporações que usam
seu poder político, econômico e cultural para influenciar o debate em favor de seus interesses.
O autor é categórico ao apontar que a mídia é um bem público, por isso não pode ser
tratada como qualquer outra categoria econômica. Os meio são responsáveis por transmitir
cultura, jornalismo e informações politicamente relevantes, por isso não se poderia aplicar a
lei de oferta e demanda a esse setor. Importante salientar que McChesney traz à tona a
discussão em torno do conteúdo, uma vez que o debate a respeito da regulamentação,
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especialmente no contexto da América Latina, gira em torno principalmente da estrutura de


propriedade.
Mastrini & Mestman (1996) acentuam ainda que vários estudos nas áreas de ciência
política e economia, marcadamente de caráter marxista, apontam a intervenção pública como
forma de garantir a democratização dos sistemas de mídia e a ampla capacidade de
participação de distintos atores sociais. Mas, na América Latina da década de 1980, com uma
nova estrutura de capital cada vez mais concentrado, houve um rearranjo por parte dos
governos para o estabelecimento de novas regras em favor dos oligopólios e por meio da
restrição de uma oferta verdadeiramente pluralista. Por isso, propõem o uso do termo “re-
regulação” no lugar de “desregulação”.
É notável que o discurso da desregulação apareça em um momento de
redemocratização das economias do continente, o que poderia significar a expurgação de
traços autoritários das políticas para comunicação. Discurso esse que na verdade velava um
processo de concentração e privatização do mercado. Apenas na última década, com a
chegada das esquerdas ao poder de países como Argentina, Venezuela, Peru e Equador,
começaram a haver tentativas de repolitização do processo, ao passo que no Brasil, onde uma
fatia dos meios é voltada para atender interesses políticos locais, a tentativa de criação de um
marco regulatório das comunicações do governo Lula (2003-2010) foi solapado de vez
durante a gestão Dilma Rousseff (2011-atualidade).
O estudioso da área de mídia e indústria cultural David Hesmondhalgh (2008) prefere
usar outra conceituação no lugar de desregulação/re-regulação: marketização. Para o
acadêmico britânico, durante a década de 1990, sob a égide do chamado “imperialismo
cultural”, os processos de desregulação na verdade serviriam a uma preparação das economias
para adoção da lógica internacional de mercado. Essa nova lógica diz respeito a uma
inovadora forma de concentração de capital: a acumulação por desapropriação. Ou seja, a
assimilação dos campos da cultura e do conhecimento pelo setor privado, por meio de
políticas como a do copyright. A queda das barreiras regulatórias nacionais serviria a valores
internacionais tidos como hegemônicos, únicos.
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4. Regulação na imprensa: o caso argentino

Diante desse cenário, a tentativa do governo da Argentina de politizar o debate acerca


da regulação das comunicações encontrou forte oposição dos grandes conglomerados de
mídia não apenas dentro de seu país, mas também fora dele. A questão tem sido reduzida
pelos veículos de imprensa brasileiros a uma ameaça à liberdade de imprensa. A cobertura em
geral exclui informações importantes, como as consultas populares realizadas nas províncias
argentinas para gerar um consenso em torno do texto da lei ou o reconhecimento como
modelo de liberdade de expressão feito pela Organização das Nações Unidas (ONU)4.
Fato é que os espaços onde transitam frequências de rádio e televisão são bens
públicos, cabendo ao Estado deliberar sobre a concessão para entidades privadas. Com a lei
aprovada em 2009, o Grupo Clarín perderia cerca de 70 de suas 230 concessões e teria de se
adequar às novas regras no período de um ano (prazo estendido por sucessivas liminares
judiciais). Ainda que pouco tenha sido feito pelo governo para ampliar o pluralismo e a
participação das produções nacionais nos meios privados de comunicação, tal lei suscitou um
importante debate na sociedade argentina.
Ainda que a descentralização e a concessão de discurso aos mais variados segmentos
da sociedade seja um dos passos para uma mídia mais democrática, o gigantismo das
empresas de mídia é defendido como uma forma de manutenção da independência editorial,
como afirma o editorial de O Globo de 7 de abril de 2013.

Em nome da necessidade de se estimular a concorrência no mercado de


imprensa e entretenimento — como se ela já não existisse no país —, força-se a
quebra de conglomerados de comunicação, para que eles passem a depender de
5
verbas públicas, o fim de sua independência.

4
Disponível em: <http://www.onu.org.br/no-brasil-relator-da-onu-fala-sobre-liberdade-de-imprensa-e-o-papel-
do-jornalismo-critica-acao-no-stf-e-elogia-ley-de-medios/>. Acesso em 24 de julho de 2013.
5
“Há regulação da mídia e ‘regulação da mídia’”.[editorial]. O Globo Online. Disponível em:
<http://oglobo.globo.com/opiniao/ha-regulacao-da-midia-regulacao-da-midia-8041002>. Acesso em 28 de julho
de 2013.
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O que o editorial omite é que o estímulo à concorrência não é o único objetivo da lei
argentina. De fato, assim como no mercado brasileiro, há concorrência, mas em um número
reduzido de competidores. E o jornal não leva ainda em consideração a necessidade de abrir
espaço de discurso para entes não comerciais.
Dos três editoriais publicados por O Globo no período analisado — abril a julho de
2013 — apenas dois trataram especificamente da situação política argentina. No editorial cujo
trecho foi destacado acima, o periódico “denuncia” a ameaça de facções internas do Partido
dos Trabalhadores (PT) que criticam a postura do Ministro da Comunicação Paulo Bernardo,
considerada exemplar pelo veículo, de “não dar andamento a uma proposta de ‘regulação da
mídia’ deixada de herança pelo governo Lula”6. O texto aponta a onda de ataques semelhantes
sofridas pela imprensa em diversos países do bloco “bolivariano” e destaca a Argentina como
um caso a parte, ainda que temeroso.
O assunto voltaria a ser abordado com mais profundidade em editorial publicado em
24 de abril de 2013, sobre a tentativa de governos latinoamericanos ditos “autocráticos” de
ignorar a opinião pública. Traçando um paralelo entre o “kirchnerismo” e o “chavismo”, o
artigo de opinião trata a obsessão da presidente por reformar o Poder Judiciário, para
manipulá-lo com vistas de aplicar a temível Lei de Meios. “Se a reforma passar, Cristina terá
mais poder para aplicar outro instrumento de inspiração chavista: a Lei de Meios, que visa a
enfraquecer empresas de comunicação, como o Grupo Clarín, críticas do governo”7.
A questão da reforma do Judiciário voltaria a ser analisada três dias após, com a
turbulenta vitória governista na Câmara dos Deputados. Usando termos como “patacoada
chavista”, o veículo deixa patente sua ojeriza aos projetos de governo de esquerda
latinoamericanos. “O dispositivo tem endereço certo: desbloquear a aplicação plena sobre o
Grupo Clarín, que faz oposição ao governo, da lei que obriga empresas de comunicação a se
desfazer de vários de seus veículos, em nome da “desconcentração” da mídia” 8.

6
Idem.
7
“Governos autocráticos tentam ignorar a opinião pública”. [editorial]. O Globo Online. Disponível em:
<http://oglobo.globo.com/opiniao/governos-autocraticos-tentam-ignorar-opiniao-publica-8194177>. Acesso em
28 de julho de 2013.
8
“Arbítrio ganha espaço na Argentina”. [editorial]. O Globo Online. <http://oglobo.globo.com/opiniao/arbitrio-
ganha-espaco-na-argentina-8224586>. Acesso em 28 de julho de 2013.
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No mesmo período, foram publicados pelo Estado de S. Paulo dois editoriais com
forte teor crítico ao governo do país vizinho. No artigo publicado no dia 14 de maio, a o jornal
cita casos como o da limitação da publicidade e a expropriação de 24% da Papel Prensa, uma
das maiores fabricantes de papel-jornal argentina, ligada aos Grupos Clarín e La Nación,
como “manobras para estrangular o Clarín”. “Na base do histrionismo, o governo Cristina
criou o caso que pode justificar a intervenção no Clarín, mostrando que seu ânimo contra a
imprensa livre não tem nem vergonha nem limites”9, escreve o jornal, naquilo que ele
classifica como uma “ópera-bufa”.
Já o editorial veiculado no dia 15 de abril compara o governo de Cristina à ditadura
militar argentina. Para o jornal, a reforma do Judiciário realizada na Argentina com vistas a
limitar o número de liminares contra o Estado pretende impedir que se repitam situações
como a do Clarín, que conseguiu por repetidas vitórias na Justiça suspender a aplicação da Lei
de Meios.

A liminar foi dada em favor do Grupo Clarín, hoje o principal porta-voz da


oposição, que seria obrigado a se desfazer de parte de suas empresas. Ao tentar
dificultar a concessão de liminares, algo que enfraquece um dos instrumentos
fundamentais dos cidadãos para contestar os abusos do Estado, a presidente saca
mais uma arma em sua guerra sem trégua contra a imprensa independente
(ênfase nossa)10.

Assim como nos editoriais de O Globo, não há nos textos veiculados pelo Estadão
qualquer menção a outros pontos da Lei de Meios que não sejam a limitação de concessões.
Ainda que não se discuta a importância de vozes dissonantes da “voz oficial” e a obrigação do
jornalismo de desvelar os bastidores do poder, a lei argentina em nenhum momento incide
sobre o conteúdo veiculado pelos meios. Não há impedimento para que eles tratem de nenhum

9
“A guerra de Cristina” [editorial]. Estadão.com.br. < http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,a-guerra-
de-cristina-,1031585,0.htm > Acesso em 29 de julho de 2013.
10
“Cristina quer domar juízes” [editorial]. Estadão.com.br.
<http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,cristina-quer-domar-juizes-,1021059,0.htm>. Acesso em 29 de
julho de 2013.
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tema. A regulação proposta pelo governo argentino diz respeito principalmente ao


funcionamento econômico de tais empresas.
Mas diferentemente da publicação carioca, com editoriais de conteúdo exclusivamente
opinativo, o jornal paulistano procura embasar sua opinião por meio da reconstrução dos
acontecimentos e da concessão de vozes concordantes, como a da Sociedade Interamericana
de Imprensa (SIP, na sigla em espanhol), que classificou a Lei de Meios como retrocesso à
liberdade de expressão e arbitrariedade em função de linhas editoriais. Por motivos óbvios, o
comentário da ONU favorável à lei não é citado.

5. Considerações finais

Como foi visto, as formas de intervenção do Estado em um setor da economia podem


ser mais diversas do que a simples coerção das atividades. Em se tratando do campo das
comunicações, considerado chave na economia atual, a relações entre Estado e mídia podem
ser mais delicadas. Especialmente em um contexto neoliberal, as políticas para o setor
promovidas por um Estado cooptado pelo mercado tendem a favorecer a concentração da
propriedade, em detrimento de uma mídia não comercial e de uma concessão de voz mais
democrática. Qualquer forma de intervenção contrária à concentração é encarada pelos
veículos analisados como uma grave ameaça à independência editorial.
Na análise empreendida dos editoriais dos dois jornais, percebemos um discurso
afinado, em que a formação de grandes impérios de mídia é apresentada como uma forma de
garantir a liberdade de imprensa, uma vez que os veículos não necessitariam da propaganda
estatal para manter-se. Para as duas publicações nacionais, o que está em jogo é a liberdade de
imprensa ameaçada especialmente com os ataques cometidos contra o jornal Clarín, principal
voz de oposição à Casa Rosada. Ambos explicitam sua oposição a qualquer proposta de
intervenção estatal de reforma da regulação ou do sistema midiático.
Essa tendência fica ainda mais clara no aplauso de O Globo à postura do Ministro da
Comunicação brasileiro a enterrar qualquer discussão a respeito de um marco regulatório da
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Seminário dos Alunos de Pós-Graduação em Comunicação Social da PUC-Rio
04, 05 e 06 de novembro de 2013

mídia no Brasil. Cabe ressaltar que a aparente ausência de uma regulação é por si mesma uma
forma de regulação que atenda aos interesses do mercado.
Em todos os editoriais analisados, não há qualquer menção a artigos da Lei de Meios
que não tratem da limitação de concessões. Ainda que caso a expropriação se confirme, o
Clarín mantenha um número expressivo de 160 concessões de rádio e TV. A questão do
conteúdo nacional e educativo e as consultas populares nas províncias a respeito dos
contornos da lei não são tratadas, e quanto à concessão para entidades de caráter não
comercial, os jornais levantam a suspeita de se tratam de “marionetes” pró-kirshneristas. Os
que os veículos não levam em consideração é que o maior ganho para um regime democrático
é a desconcentração de vozes, e não seu inverso.

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