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A INVESTIGAÇÃO DO DIREITO VIVO

(Eugen Ehrlich)

CIÊNCIA DO DIREITO. TRADIÇÃO.


OBJETO DE ESTUDO: PRESCRIÇÕES JURÍDICAS. LEIS E CÓDIGOS. GENERALIDADE E ABSTRATIVIDADE. PODER
SOBERANO. TODO O DIREITO DE UM POVO?!

NORMAS JURÍDICAS: DETERMINAÇÕES JURÍDICAS EM AÇÃO. O DIREITO COMO RELAÇÕES JURÍDICAS CONCRETAS E
AUTÔNOMAS, INDEPENDENTE DAS PRESCRIÇÕES JURÍDICAS. O DIREITO É RESULTANTE DAS CONDIÇÕES
(ESPECÍFICAS) DE EXISTÊNCIA DO HOMEM, I.E., DE SUAS RELAÇÕES COMO FATOS EMPÍRICOS.
PREOCUPAÇÃO COM O PLURALISMO JURÍDICO. OBSERVAÇÃO EMPÍRICA. DOCUMENTOS. COSTUMES.
O ORDENAMENTO JURÍDICO-POSITIVO É INCOMPLETO. INFLUÊNCIA DO HISTORICISMO. O DIREITO É PRODUTO DA
HISTÓRIA. HOSTILIDADE À CODIFICAÇÃO. AMOR AO PASSADO. CONSCIÊNCIA COLETIVA E ESPÍRITO POPULAR.

PLURALISMO JURÍDICO
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EHRLICH SANTOS
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HISTÓRIA SOCIEDADE
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PASSADO FUTURO
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TRADIÇÃO MODERNIDADE

O ponto de partida do autor é reconhecer que, do ponto de vista da modernidade, a ciência do direito tem como objeto de estudo as
leis e códigos, caracterizadas pela abstratividade e generalidade. Essas são características geralmente atribuídas ao direito do Estado como
poder soberano. O Estado detém o poder e a sociedade é destituída de poder político. Todo o direito moderno é visto como o direito do
Estado, encontrado em leis e códigos.

O autor usa o termo prescrição jurídica como sinônimo de lei e código, de direito geral e abstrato, de direito do Estado. É este o
direito moderno, caracterizado pelas rupturas: Estado/sociedade, direito/moral, etc. Um dos elementos da modernidade, do ponto de vista
ideológico, é a igualdade. Se ela fundamenta a revolução que rompeu com o passado, ela passa a basear o direito que estará voltado para o
futuro. O moderno, sendo uma ruptura com o passado, separa a sociedade e o poder, a sociedade e o Estado - antes, o poder era fragmentado,
heterogêneo, havia um amplo pluralismo.

Diante disso, os costumes não eram tratados como fonte do direito, bem como a mediação também não o integrava, igualmente a
jurisprudência, etc. O direito era somente a lei.

O autor afirma que há direito fora da lei, fora dos códigos, um direito que não é estatal, mas sim societal, que está fora do direito
positivo. Ele é resultante de relações concretas, sendo chamado de norma jurídica - que é o direito resultante dessas relações e definem
condições específicas de existência do homem em sociedade. São normas extraídas do que é vivido e observado da sociedade.

A Alemanha, diferentemente dos EUA e da Inglaterra, sofreu um atraso do ponto de vista do desenvolvimento, em todos os seus
aspectos. A Alemanha não fez revoluções, historicamente revelando hostilidades com relação ao moderno, ou seja, à codificação do direito,
que supõe a afirmação da igualdade, que está por base da abstração que neutraliza tudo o que é específico e diverso, de forma a se produzir
um único direito, consequência de um único Estado. As revoluções rompem com a tradição, com o passado e com a história.

Assim, o direito vivo é esse direito que está fora dos códigos, e é ele que vai mostrar as condições da sociedade. Há disposições
acerca dos contratos, e os cumprimos por que tememos as sanções previstas em lei ou por que tememos os efeitos da transgressão social de
normas não positivadas? Na verdade, o medo é a perda do crédito do ponto de vista econômico. A razão do cumprimento não
necessariamente decorre do direito legal, mas sim do direito societal. É aí que o autor afirma que existe que há normas jurídicas societais que
não estão positivadas.

As prescrições jurídicas (direito do Estado, reflexo deôntico, extraído do dever ser) se relacionam com as normas jurídicas (direito
societal, reflexo ôntico, extraído do ser), não necessariamente refletindo uma oposição. Seus campos podem se tangenciar e, mais realmente,
se interseccionar.

Aliás, em relação à lei penal, p.e., temos uma norma de contravenção que proíbe o jogo do bicho. Ele é um jogo proibido, é uma
contravenção. Porém, vemos que se trata de uma norma apenas formalmente existente. A prisão não é de fato efetuada. Trata-se, assim, de
um direito que não mais orienta as relações sociais, é como que um direito morto. É um direito que não traduz exatamente uma relação que
se dá na sociedade. Nem todo direito positivado corresponde com as normas da realidade, assim como nem todas as normas sociais está
positivada, e é esse o direito que é chamado de direito vivo.

* o Direito estuda os formalismos jurídicos, a partir da sua vigência; a Sociologia Jurídica estuda o direito a partir da sua aceitação social, ou
seja, sua eficácia; a Filosofia Jurídica, por sua vez, estuda os fundamentos do direito, a análise de sua validade.

RELAÇÕES ENTRE O PLURALISMO DE BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS E EUGEN EHRLICH

Enquanto que Boaventura de Sousa Santos identifica um fenômeno jurídico-sociológico, Ehrlich identifica um conceito de direito.
Mas, podemos fazer relações entre as visões: como a experiência de Pasárgada pode ser entendido como sendo uma expressão do direito
vivo? São manifestações de que nem todo o direito do povo é aquele emanado do Estado - da mesma forma que nem todo o direito da
sociedade é direito vivo. Porém, basta reconhecer que há direito da sociedade que não vem imediatamente do povo. O direito alternativo de
Sousa Santos vai ser o direito vivo de Ehrlich.

Há um tipo de direito na Alemanha e em Pasárgada que não são social, ou seja, há pluralismo jurídico. Devemos perceber (i) o ponto
de contato entre ambos - o direito é visto como sendo norma e que (ii) eles se afastam - o pluralismo jurídico de Ehrlich é pensado como
sendo um passado que é preservado, e Sousa Santos identifica o pluralismo como sendo o efeito de o direito não ser igual para todos,
nascendo o pluralismo das diferenças sociais, da forma com que a sociedade se organiza e produz seus elementos regulatórios.

A nossa forma de estudar o direito parte da dedução - reconhece o geral, que á aplicado a fatos particulares. O método da indução
parte da observação de fatos particulares, extraindo-se normas comuns e se procede a uma generalização - mas, as normas serão
generalizadas pecando por estender-se a fatos não-observados. A dedução parte do reconhecimento de um conhecimento genérico, que é
válido para todos, a ser aplicado a casos específicos. O recomendável é juntar ambos os métodos, partindo da análise das normas jurídicas de
forma dedutiva, e das prescrições jurídicas através da análise indutiva.

* o direito do Estado não é necessariamente transgredido pelos habitantes de Pasárgada - não há dois caminhos e um deles, o contra legem,
escolhido pela liberdade da escolha. O direito seguido pela sociedade pode ser diferente daquele direito estatal, seja porque ele não alcança a
sociedade, seja porque ele não é aplicável àqueles habitantes por uma questão eminentemente social.

MODELO DE COMPLEMENTAÇÃO DE JUSTIÇA TRADICIONAL

JUSTIÇA TRADICIONAL: CARACTERÍSTICAS?


JUIZADOS ESPECIAIS DE PEQUENAS CAUSAS. AGÊNCIAS ALTERNATIVAS. INICIATIVA DO EXECUTIVO.
DESREGULAMENTAÇÃO. DESCONGESTIONAMENTO DO JUDICIÁRIO. APLACAMENTO DA VIOLÊNCIA. REGULAÇÃO
SOCIETAL. OBJETIVOS ALCANÇADOS? DEMOCRATIZAÇÃO DA SOCIEDADE E DO ESTADO (BRASIL). FLEXIBILIDADE.
INFORMALIDADE. ORALIDADE. CONCILIAÇÃO.

A justiça tradicional é caracterizada pelo fato de só agir quando acionada; o judiciário é tido como um cenário de luta, de combate,
em que alguém ganha enquanto outro perde, não havendo empate, soma zero; possibilidade de se recorrer, de forma limitada pela coisa
julgada, da decisão em caso de derrota; por isso, costuma ser uma justiça morosa; organização em dois níveis, num duplo grau de jurisdição:
processo de conhecimento (juízo a quo) e instância recursal (juízo ad quem); justiça onerosa, que custa caro: advogados que pressupõem
honorários e ações fundadas em um valor a ela atribuídos e custas processuais; de outro lado, há a assistência judiciária - ou seja, a justiça é
ou para os ricos, ou para os pobres; condições e pressupostos da ação iguais para todos; o direito aplicado é o direito do Estado, estabelecido
em leis e códigos, elaborado modernamente pelo legislador de forma racional.

OBS.: função política da coisa julgada - forma de garantir a estabilidade social dos litígios, bem como protegendo os cidadãos diante da
possibilidade de recurso infinito pelo Estado ou por centros de força, de modo a evitar que a força de alguns se sobreponha à fraqueza de
outros.

OBS.: quem perde, numa justiça morosa, pode acabar ganhando - se o réu aplicar economicamente o dinheiro devido, os rendimentos podem
garantir um ganho - muitas vezes se constata que quem ganha acaba não levando. Sendo assim, a ideia de que a justiça tarda mas não falha
está equivocada.

Quando reconhecemos uma sociedade que não tem seus conflitos solucionados nem pelo Estado, nem por agências societais, temos
uma sociedade litigiosa, uma sociedade marcada pela violência.

Ao sairmos de uma sociedade ditatorial, pensamos num Estado que se democratiza, juntamente com a sociedade. Juridicamente,
pensamos numa ampliação do acesso à justiça por essa democratização.

É dentro desse contexto que reconheceremos que, no Brasil, o Estado toma a iniciativa de, através do seu Direito, por iniciativa do
Executivo, desregulamentar a justiça, através da regulamentação social. É a ideia da criação de uma instância que combinasse essa
desregulamentação e a ampliação do acesso da classe média.

A justiça tradicional não é extinta, ela apenas é complementada pelos juizados especiais. Os métodos serão marcados pela
informalidade e pela celeridade, em contraponto ao formalismo tradicional. É marcada não por uma justiça de combate, mas sim conciliadora
- forma de resolução de conflito que não garante recursos. Há transação, com ambas as partes cedendo e ganhando. As normas aplicadas não
são as prescrições do Estado, mas sim as normas da própria sociedade - as normas são de origem societal.

Se consideramos que na nossa sociedade há uma fragmentação por conta do esgarçamento do tecido social, a liberdade de
negociação entre os desiguais acaba se revelando opressora. A conciliação garante mesmo, de fato, a produção da igualdade? Essa
conciliação se faz muito mais próxima do ideal de justiça e democracia quando se pressupõe uma sociedade menos desigual.

Aliás, é interessante observar que essa justiça acaba se semelhando à justiça tradicional: funcionam em espaço público, com verbas
públicas, regulado por indivíduos que aspiram as funções da justiça tradicional.

(...)
MODELO DE TRANSFORMAÇÃO DA ORDEM ESTATAL

MOVIMENTO DE SUBVERSÃO DA ORDEM JURÍDICO-ESTATAL. FORMALIZAÇÃO E POSITIVAÇÃO DE DEMANDAS


POPULARES. OBJETIVA A OCUPAÇÃO DO ESPAÇO PÚBLICO E TRANSFORMAÇÃO DO ESTADO EM AGENTE
REGULAMENTADOR DE DEMANDAS POPULARES.
VERTENTE: USO ALTERNATIVO DO DIREITO.
ATUAÇÃO DENTRO DO SISTEMA POSITIVADO. JURISTAS COMO ATORES. INTERPRETAÇÃO QUALIFICADA COMO MEIO.
LACUNAS, AMBIGUIDADES E CONTRADIÇÕES.
ETAPA DE REGULAMENTAÇÃO SUJEITA A REGRAS FUNDADAS EM OUTRO PACTO SOCIAL.
ART. 226, § 3º, CF/88: UNIÃO ESTÁVEL ENTRE HOMEM E MULHER = ENTIDADE FAMILIAR. LEIS DE 1994 E 1996.

O curso de direito é baseado numa visão dentre outras. O que o aluno de direito deve entender é que não se deve abandonar essa
visão, mas sim ver o direito como inerente a uma sociedade que se desenvolve e entra em crises, numa sociedade que formalmente não é
igual para todos - como na habitação formal e informal, transporte legal e transporte alternativo, etc.

A intenção do estudo do pluralismo é mostrar uma visão dentre outras, de forma que o estudo estanque de apenas uma visão do
direito, apenas uma de sua forma de pensar e de existir que não comporta crítica, não é ciência - um estudo científico pressupõe crítica. O
dogma é que não comporta crítica. É por ela que é possível encontrar uma outra explicação para um fenômeno.

No outro texto, vimos um alternativo que corre paralelamente e fora do Estado; o alternativo como um círculo estranho ao Estado.
Aqui, vemos uma relação, como o alternativo pertencente ao próprio Estado, ou num círculo, ao menos, secante ao do Estado e seu direito.

Vimos também que deve o Estado reconhecer o direito para que ele de fato exista - a fonte formal do direito é aquela que passa pelo
Congresso e é aprovada pelo Executivo. Aqui, vamos ver que há um direito que existe mesmo dentro do Estado mas que não seguiu o devido
processo legislativo. Pensemos, p.e., que, segundo o art. 226, § 3º, da CF, que é norma geral, diz apenas como deve ser o direito, e não como
é o direito - a especificação dos direito vem através das normas infraconstitucionais, ou seja, as leis e os códigos. A Constituição, como
sabemos, é a política do direito, é como o direito deve ser especificado pelo legislador ordinário. Nesta norma, vê-se que houve mudanças na
estrutura familiar da sociedade, mais especificamente no que tange às suas experiências fáticas. Politicamente, com a mudança do regime, a
Constituição de 1988 reconheceu mudanças sociais, que haverão de se expressar no campo do direito.

Apenas em 1994 e em 1996 é que esta norma foi regulamentada através de leis ordinárias. Neste meio tempo, verificou-se que
houve vários pedidos de mulheres não casadas que reclamavam direitos com base nesta norma constitucional.

O que distingue os direitos do legislador e do juiz? Aquele é geral e abstrato, este é concreto e particular. Sendo assim, o direito só
pode ser generalizado através da lei, visto que quando a justiça decide, ela decide com base em casos levados à justiça, não vinculando outros
níveis políticos, outros Poderes e outros indivíduos. Politicamente, a justiça, quando decidia reconhecendo o direito da mulher não casada,
reforçava um direito que mostrava a necessidade de sua positivação. Isso garante o avanço numa luta pelo direito - um direito que, antes de
vir pelo legislador, vem pela justiça, pelo judiciário. É por isso que se diz que a justiça possui uma função corretiva da tarefa do legislador.
Mostra-se, assim, uma ausência de harmonia total entre os diferentes Poderes. É neste sentido que se reconhece que o informal vem de dentro
do próprio direito do Estado, do direito positivado. A justiça, portanto, mostra sua atuação criativa e criadora.

MARGINAIS E DESVIANTES
AS REGRAS E SUA IMPOSIÇÃO
(HOWARD BECKER)

DEFINIÇÃO. CRITÉRIO. TRANSGRESSÃO OU IMPOSIÇÃO DAS REGRAS.

CRITÉRIOS (TRADIÇÃO). CRÍTICAS.


ESTATÍSTICO (MÉDIA).
MÉDICO (DOENÇA).
SOCIOLÓGICO 1 (DISFUNÇÃO).
SOCIOLÓGICO 2 (FRACASSO).

SENSO COMUM (VULGAR E ELABORADO): EXISTE ALGO INERENTEMENTE DESVIANTE NO ATO DE TRANSGREDIR.
CARACTERÍSTICAS DESVIANTES NA PESSOA DO DESVIANTE. VISÃO LIMITADA. DESVIO E DESVIANTE: DADO
NATURAL?! CONSTRUÇÃO HISTÓRICO-SOCIAL.

OS GRUPOS SOCIAIS CRIAM O DESVIO AO FAZER AS REGRAS CUJA INFRAÇÃO CONSTITUI O DESVIO.

APLICAÇÃO DE REGRAS A PESSOAS PARTICULARES. ROTULAÇÃO DE DESVIANTES COM SUCESSO. PROCESSO


INFALÍVEL? CONDIÇÕES.

REGRA VIOLADA. PUBLICIDADE DO ATO E DO AUTOR. PROCESSO PUNITIVO.

A visão luhmaniana do direito pressupõe um consenso, de modo que a relação com os sujeitos seria normativa, e não
cognitivamente. Aquele que age segundo expectativas próprias é tido como desviante - ele não age normativamente, mas sim segundo
expectativas que não são tidas como corretas. O normativo não pode ser deixado de lado, prevê um comportamento de que não se pode
afastar.

O direito visto como consenso social traduz, assim, uma orientação normativa, que é ideal - e todos os demais são vistos como
desviantes. Há críticas acerca da produção do consenso - sobre quem participa, em que condições, etc. Porém, retira do direito o caráter
coativo, visto que exprime um consenso, sendo, portanto, normativo.

À luz dessa concepção, quem age segundo a orientação normativa é normal (age segundo a norma), sendo os demais tidos como
desviantes.

O nosso objetivo é tentar a se chegar a uma definição geral e abstrata de desvio e de desviantes.

Os critérios definidores de desvio, segundo as concepções tradicionais:

(i) De acordo com um critério estatístico, o desvio é definido segundo uma variação em relação à média - o desviante é aquele que varia em
relação à média. Leva em conta também uma visão ideal.

Um exemplo é levar em conta os canhotos, os ruivos, bem como as pessoas desquitadas, etc.

O problema dessa concepção é que ela não lida nem com comportamento e nem com regra - assim, levar em conta características naturais,
físicas, não considera as regras e a transgressão às regras. Vai se trabalhar acerca de um ideal e acerca de um desvio à média, que também é
ideal.

(ii) Segundo um critério médico, o desvio é tido como uma doença. Dependendo do campo da análise, a doença, inclusive, será mental.

Um exemplo é a consideração da homossexualidade como sendo um comportamento, além de desviante com relação à média estatística, que
era tido como uma patologia.

O problema dessa visão consiste na sua incapacidade de afirmar o que seria um comportamento saudável. A doença é tida organicamente, de
forma biologizante - assim, para se dizer de um comportamento doentio, deve-se levar em conta um comportamento saudável. Da mesma
forma, assim como há doenças incuráveis, devia-se admitir, portanto, que haveria comportamentos incuráveis (nem mesmo, há pouco tempo,
os doentes mentais de idade avançada eram recebidos em hospitais psiquiátricos); estes doentes incuráveis deveriam ser retirados do
convívio social, visto que não se teria o que fazer com estes indivíduos. Não haveria como agir nestes casos. Se o diagnóstico não pode levar
a uma ação para dar cabo do problema, essa falta de orientação prejudica a relevância do critério adotado.

(iii) A concepção sociológica que diz que o desviante é um desfuncional considera o desviante como sendo alguém que não colabora para
com a sociedade. Se a função social que garante o equilíbrio do grupo não é exercida, há um desvio funcional, uma disfunção, pois.

É uma teoria bem limitada. O problema é que o que se pode ser considerado como sendo funcional ou não é algo construído política e
socialmente construídos pelos grupos, histórica e socialmente elaboradas. Não é algo universal.

(iv) Outra concepção sociológica é aquela que revela o desviante como alguém que exprime um fracasso diante da obediência às regras -
uma concepção que se exprime as ideias de Luhman. Aqueles que não se orientam normativamente exprimem seu fracasso por não obedecer
as regras - socialmente fracassam; o problema não é o direito, mas sim seu destinatário.

O problema é que essa teoria pressupõe um grupo, uma sociedade mais homogênea - como convivemos com regras diversas, no entanto, não
podemos aplicar tal teoria à nossa sociedade. Pode uma regra ser transgredida em decorrência da obediência a outra, num contexto de
diversidade de regras.
Ir contrariamente à norma é expressão da anomia - negação à norma. Um outro sentido para a anomia seria o reconhecimento de outra
norma, conflitivas entre si, podendo a desobediência a uma corresponder à obediência a outra. Por isso, esse critério é bem limitado e
simplista, pois somos pertencentes a grupos diversificados.

(v) Segundo critérios de senso comum, há quem acredite que exista, no ato de transgredir, alguma propriedade objetiva e inerentemente
desviante - mas há, p.e., alguma propriedade inerente ao ato de tirar a vida do outro? O desvio, portanto, não traduz nenhuma propriedade
que pode ser vista como objetiva e inerente; é ele uma construção histórica que varia de acordo com as sociedades. Há quem busque,
inclusive, elementos naturais do desviante que o leva ao desvio(teoria de Lombroso) - é o desvio um dado natural?
Essa visão é muito limitada, exatamente pela naturalização do desvio, que é, na verdade, algo construído socialmente.

VISÃO DO AUTOR

Para o autor, os grupos sociais criam o desvio através da elaboração das regras sociais - assim, só existe desvio porque há regras
impostas pelos grupos. Na verdade, o estudo do desvio pressupõe um estudo dos grupos sociais e de suas regras. Quem faz as regras? Como
elas são elaboradas?

Assim, os desviantes são criados exatamente pelos grupos - as regras são feitas para serem quebradas.

Mesmo a publicidade do ato, no entanto, pode não se completar através do desconhecimento do autor - não há a publicidade autoral
do desviante. Sendo assim, não se pode completar o processo punitivo.

Portanto, sem a publicidade é como se o desvio se iniciasse mas não se aperfeiçoasse - a regra mesmo não leva à configuração do
desvio. Indo além, num determinado contexto, não bastaria o ato desviante e a publicidade - para se aperfeiçoar o desvio, deveria ser
consumada a punição. Sendo assim, num exemplo em que todos sabem que todos descumpriram a regra, em não havendo iniciativa de
punição, não se pode falar em desvio.

* em grego, a palavra escândalo advém da "pedra que faz escorregar". O desvio, igualmente, pressupõe a repercussão social do ato.

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