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137 A DRACMA PERDIDA Ou qual é a mudher que, tendo dex dracmas e perdendo wma dracma, ndo acende a candeia, ¢ nao varre a casa, buscando com dilgéncia até encontré-la? E achando-a, reine as amigas e vizinhas, dizendo: Alegrai- ‘vos comigo, porque achei a dracma que en havia perdido. Assim, digo- ‘vos, hd alegria na presenga dos anjos de Deus por um sé pecador que se arrepende (Le 15.8-10). presente capitulo de Lucas esta repleto de graca e verdade. Como jé foi dito, as trés pardibolas nele contidas sio mera repetigao de uma mesma doutrina, sob a forma de diferentes metiforas; mesmo assim, a verdade que ensinam € tio importante que nao a conseguirfamos dizer de forma plena em nosso sermao. Além disso, tal verdade € do tipo que temos facilidade em esquecer, ¢ é bom, assim, que seja repetida de novo e de novo até que se faga impressa em nossa mente. A verdade aqui ensinada esta : que a misericérdin estende sua mao para a infelicidades que a graga recebe os homens como pecadores; que ambas lidam com 0 demérito, a indignidade e a baixeza; que aqueles que se julgam justos nao sio propriamente objetos da compaixo divina, ao contririo dos iniquos, culpados ¢ vis, verdadeitos alvos da infinita compaixio de io € fruto do nosso mérito, mas da graga divina. Tal verdade, afirmo, € da Deus. A verdade, em poucas palavras, € que a ss maior importéncia, pois encoraja os arrependidos a retornarem ao Pai; mas muitas vezes € esquecida, e mesmo aqueles salvos pela graga muitas vezes caem no espirito do irmio mais velho do filho prodigo da parabola, considerando que a salvagio depende das obras dalei As trés narrativas deste capitulo, queridos amigos, no so, no entanto, a repetigéo umas das outras; todas declaram a mesma importante verdade, mas cada qual a revela sob diferente perspectiva. Sio como trés lados de imensa piramide da doutrina do evangelho, cada um deles contendo uma diferente inscrigdo. Na semelhanga entre elas, assim como no ensino abrangido por essa similitude, h4 variedade, desenvolvimento, abrangéncia e distingio. Basta que as leiamos atentamente para descobrirmos que, nessa trindade de pardbolas, ha unidade na verdade essencial diferenciagSo nas descrig6es. Cada uma das pardbolas se faz necesséria as outras, e, quando combinadas, apresentam uma exposicdo completa da doutrina que carregam como jamais o fariam individualmente. Observemos por um instante a primeira delas, que traz & cena um pastor em busca da ovelha perdida. A quem se refere? Quem € 0 pastor de Israel? Quem traz de volta aquele que se havia afastado? Nao podemos entio discernir claramente o sempre glorioso e abengoado Pastor do rebanho, capaz de entregar sua vida para salvé-lo? Vemos assim, sem déivida, na primeira pardbola, a obra de nosso Senhor Jesus Cristo. J4 a segunda parabola se encontra exatamente onde deveria estar. Representa, nao haja duvida, a obra do Espfrito Santo, operando, mediante a igreja, pelas almas perdidas, mas preciosas, dos homens. A igreja é a mulher que vatre a casa para encontrar a dracma perdida, e nela o Espirito realiza seu propésito de amor. © trabalho do Espirito Santo segue 0 trabalho de Cristo. Assim como vemos o pastor em busca da ovelha perdida e depois lemos sobre a mulher que busca sua dracma perdida, o grande Pastor redime e o Espirito Santo renova em seguida a alma Percebemos que cada pardbola é inteiramente compreendida nos mfnimos detalhes quando assim interpretadas. O pastor busca a ovelha que voluntariamente se desgarrou, e até ai esté presente 0 pecado; j4 a dracma perdida nfo evoca a mesma ideia, nem era necessirio que o fizesse, pois essa segunda parabola nio lida com 0 perdo do pecado, como a primeira. A ovelha, por outro lado, no é de todo irracional nem esté morta; mas a dracma perdida é algo absolutamente insensivel e desprovido de qualquer poder, servindo como emblema do homem que o Espirito Santo busca: morto pela fio e pelo pecado. A terceira paribola evidene no transgre o di Pai em seu abundante amor, recebendo o filho perdido que a ele retorna. E provavel que essa terceira narrativa seja apenas parcialmente compreendida sem a correlagao com as duas primeiras. Por vezes, ouvimos sobre ela apenas que 0 prodigo é recebido assim que retorna, sem haver qualquer mengio ao Salvador que 0 procura e salva. E possfvel ensinar todas as verdades em apenas uma parabola? A primeira nfo trata do pastor que busca a ovelha desgarrada? Por que entdo a necessidade de repetir o que foi dito anteriormente? J4 ouvi dizer também que o prédigo teria voltado por vontade propria e que nao ha indfcios da atividade de um poder superior no coragio dele, como se ele proprio, espontaneamente, dissesse: Levantar-me-ei, inei ter com meu pai [..] (Le 15.18). A resposta correta € que a obra do Espirito Santo foi claramente descrita na segunda parébola e nao precisaria ser novamente demonstrada. Se voce alinhar os quadros pintados por cada uma delas, vera que, juntos, retratam todo o panorama da salvagio, mas, individualmente, cada um representa a obra de cada uma das pessoas divinas da Santa Trindade. © pastor, com sofrimento sacrificio, busca a ovelha desgarrada e perdida; a mulher diligentemente busca pelo dinheiro, insensivel, mas perdido; 0 pai recebe o filho perdido que retorna. O que Deus une homem nenhum jamais separaré. Os trés exemplos sdo um s6, ¢ uma tinica verdade 6 ensinada no conjunto dos trés; no entanto, cada exemplo difere do outro e é, por sis6, bastante instrutivo. Que Deus nos ensine, a medida que buscarmos desvelar a intengio do Espirito nessa parabola da dracma perdida, que, acreditamos, representa a obra do Espitito Santo na igreja ¢ por seu intermédio. A igreja costuma ser representada nas Escrituras por uma mulher, seja ela a casta noiva de Cristo ou a devassa cortesa de Babilénia. Como bom exemplo, essa mulher varre a casa; sob aspecto diverso, o Senhor a mostra, em outra ilustragao, colocando fermento misturado & massa até que fique tudo levedado. Para Cristo, uma esposa; para os homens, uma mie — assim é retratada a igreja como uma mulher. Uma mulher, eis a ideia do texto, com total dominio da casa, o marido ausente, estando a seu encargo a administragio doméstica: tal a situaggio da igreja desde o retorno do Senhor Jesus para o Pai. Ao analisarmos cada parte do texto, veremos © homem sob trés perspectivas — perdido, procurado e encontrado. 1. Primeiro, a parabola trata o homem, objeto da divina misericérdia, como reRDipo. Note-se, para comecar, que o dinheiro estava perdido no po. A mulher que havia perdido sua dracma deveria varrer a casa para encontréla, o que sugere que a moeda havia caido em algum lugar poeirento, ou caido na terra, fieando oculta em meio A poeira e A sujeira. Todo homem, nascido de Adio, € como uma dracma, perdido, caido, desonrado, acabando alguns até enterrados na impureza. Se deixarmos cair algumas moedas, podertio cair em diferentes lugares: uma talvez caia em um lodagal, ali se perdendo; outra pode ter como destino um carpete, um assoalho impo e bem polido, mas perdendo-se igualmente. Quando se perde dinheiro, a perda ser sempre igual, nfo importa o lugar. Do mesmo modo perdem-se os homens, apesar de a aparéncia da perdigio nao ser a mesma. Um homem bem cuidado desde a infaincia e que recebe boa educagio talvez nfo venha a mergulhar em vicios e comportamentos 0s mais grosseiros e brutais; pode nunca ser um blasfemador, talvez no seja alguém que afirme abertamente nao guardar o dia do Senhor, mas mesmo assim poderé se perder. Outro homem poder cair em enorme devassidao e acabar se acostumando com a impureza ¢ toda sorte de mal, tornando-se extremamente perdido. Talvez haja aqui esta manha (e desejamos sempre tratar com a verdade no decorrer do nosso sermao) alguns que estejam perdidos em meio A pior das corrupgées: pego a Deus que tenham esperanca e aprendam, por meio dessa pardbola, que o Espirito do Senhor ¢ a igreja de Deus os esto buscando e que ainda podem pertencer ao grupo dos achados. Por outro lado, como hé muitos aqui que no cafram em lugares tio impuros, gostaria de Ihes lembrar que, nao obstante, esto perdidos também e precisam ser encontrados pelo Espitito de Deus, da mesma forma que estivessem entre os mais vis dos vis. A divina graca ha de salvar quem tem boa moral do mesmo modo norais. Se voc8 est perdido, caro ouvinte, de que precisa salvar os nada adianta perecer de maneira respeitavel, cercado de companhia decente; se apenas uma coisa Ihe falta, ainda assim essa deficiéncia seri fatal, ¢ no ser consolo algum Ihe haver faltado apenas um requisito. Nao serve de consolo & tripulagio do navio que afunda sem saber que a causa do desastre € apenas uma pequena rachadura. Uma Gnica doenga pode matar uma pessoa; ela pode até ser saudavel em muitos drgios, mas de nada The serviré de consolo saber que talver tivesse vivido um pouco mais caso nao tivesse aquele tinico 6rgio doente. Se vocé nao tiver outro pecado que nao seu coragio descrente, querido ouvinte, mesmo sendo toda a sua vida exterior amavel e confortavel, se esse Ginico pecado permanecer em voe@, pouco ou nenhum console haveri a ser buscado naquilo que voc’ considera bom: vocé est perdido por sua natureza e deverd ser buscado e encontrado pela graga, onde quer que esteja. Nesta parabola, aquilo que estava perdido ignorava completamente sua perdicao. Nao sendo uma criatura viva, a dracma, evidentemente, nfo tinha a menor conscigncia de que estava perdida e que a procuravam. O dinheiro perdido estaria tio “contente” por estar no chao e na poeira quanto em uma carteira ou tum bolso, fosse sozinho ou em meio a seus semelhantes. Jamais iria saber sobre estar perdido, nem 0 poderia. © mesmo se dé com 0 pecador espiritualmente morto no pecado: nao tem consciéncia de seu estado, nem se pode fazé-lo entender o perigo e o terror de sua situagio. Quando alguém comega a sentir que est perdido € porque algo da obra da graga ja se acha operando. Quando 0 pecador passa a tomar conscigneia de que esta perdido, nfio mais se satisfaz com sua condigéo © comeca a suplicar por misericérdia, prova de que a busca divina ja 0 alcangou. © pecador que nfo se converteu pode afirmar saber que esti perdido por conhecer tal declaragio pelas Escrituras, e a admitird como verdade sem nenhuma admiracao pela Palavra de Deus; mas nao tem ideia do seu real significado, pois, se tivesse, ou negaria a declaragio com orgulhosa indignagio ou passaria a orar pedindo ser conduzido de volta ao lugar de onde caiu, juntando-se assim valiosa propriedade de Cristo. O meus ouvintes, isso é 0 que torna o Espirito de Deus tio necessfirio em todas as nnossas reunides e em todas as préticas referentes & salvaco da alma, por termos de lidar com almas insensiveis. Aquele que leva uma escada a janela de uma casa em chamas pode prontamente resgatar ‘os que lf se encontram se, conscientes do perigo, assomam a janela para recebé-lo e se sujeitam & sua agio de libertagio; mas se houver 1a um insensato que brinque com as chamas, algum cego ou idiota que julgue estar havendo uma feérica iluminagdo, sem nada saber a respeito do perigo, estando apenas “encantado” com o brilho, entio o salvador ter um enorme trabalho para poder resgaté-lo. © mesmo se dé com os pecadores que néio sabem, apesar de dizerem saber, que © pecado significa o inferno, que estar alheio a Deus & estar condenado, que viver em pecado € estar morto enquanto vivo. A insensibilidade da dracma representa justamente muito bem a desmedida indiferenga dessas almas néo avivadas pela divina graga. A dracma estava, porém, perdida, mas ndo esquecida. A mulher sabia ter ao todo dez dracmas; ela as havia contado, e aquele era seu pequeno tesouro, Quando, pois, viu que s6 havia ali nove pecas, percebeu que havia perdido uma dracma, que Ihe pertencia deveria estar em seu poder. Eis a esperanga a alimentar pelos filhos perdidos do Senhor; perdidos, sim, mas nao esquecidos, pois 0 coragio do Salvador de todos se lembra ¢ ora por eles junto a0 Pai. © alma, confio em que vocé seja um dos que Jesus chama de seu; € que ele se lembre das dores que sofreu por redimir vocé; e se lembre do amor do Pai refletido em vocé pela eternidade; ¢ 0 Pai entregue vocé as mios de seu amado Filho. © Espirito Santo nao o esquece, ¢ ainda o esta procurando para levé-lo ao Salvador. A esperanga deste ministro reside em que o Senhor se lembra e nunca se esquece das pessoas, ainda que dele elas se esquecam. Individuos se tornam estranhos a ele, afastados, ignorantes, empedernidos, negligentes, ‘mortos; mesmo assim, 0 corago perpétuo do céu bate com amor por eles; ea mente do Espirito, que opera na terra, esti para eles voltada. Todos, mesmo os contados em tempos idos, constam da relagio da divina meméria e, apesar de perdidos, so sinceramente Iembrados de algum modo. © mesmo pode ser afirmado de cada um dos pecadores aqui presentes. Estio perdidos, mas evidentemente no esquecidos, tanto assim que estou sendo hoje enviado a voces para pregar o evangelho de Jesus. Deus tem pensamentos amorosos em relagéo a vooés ¢ ordena que se voltem para ele e vivam. Tenham consideragio, eu Ihes pego, para com a palavra de salvacio. Sim, a dracma estava perdida, mas era ainda reivindicada. Observe que a mulher a chama a dracma que ew havia perdido. Ao perder seu bem, cla nio perdeu seu direito ao que possuia; a moeda no se tomou posse de outra pessoa ao se perder. Aqueles pelos quais Cristo morreu e a quem salvou nao pertencem a Satands, mesmo que estejam, por ora, mortos em pecado. Talvez ressurjam sob 0 dominio usurpado do diabo, mas este monstro haverd de ser expulso de seu trono. Cristo os recebeu, hé muito, do Pai, ele os comprou com seu precioso sangue e os tera; iré derrotar 0 intruso © reivindicard para si as almas que Ihe pertencem. Assim diz 0 Senhor: E 0 vosso pacto com a morte serd anulado, e a vossa alianca com o Seol nao subsistixd (Is 28.18). Vocés foram vendidos por nada e servo redimidos sem dinheiro algum. Jesus ha de ter consigo os seus, & nenhum deles sera tirado de suas méos; ele ha de defender seu direito de posse sobre eles contra todos os seus inimigos.

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