Professional Documents
Culture Documents
Texto 14:
As diferentes formas de administração do processo de trabalho no
Capitalismo moderno
Ao longo do século XIX, a divisão do processo de trabalho acentuou-se e foi por Marx
denominada divisão tecnológica do trabalho por conformar-se às exigências da introdução de
novos instrumentais de trabalho, isto é, às exigências de um sistema de máquinas que, ao
desenvolver-se, propiciou uma total reorganização do interior da fábrica.
No entanto, até o final daquele século o trabalho industrial ainda era realizado por operários
profissionais, conhecedores da matéria-prima e de todas as etapas de sua transformação num
produto final. Seu conhecimento advinha da experiência vivida no chão da fábrica e lhes garantia
autonomia profissional. Dada a inexistência de uma programação da produção, predominava a
organização autônoma do trabalho do operário profissional ou qualificado, que Alain Touraine,
sociólogo francês, qualificou de Sistema Profissional ou Fase A do processo de organização e de
qualificação do trabalho. A qualificação do operário é, sobretudo, indicada por seu poder de
143
Taylorismo e fordismo
Porém, nas últimas décadas do século XIX, Frederick Taylor, engenheiro norte-americano,
desenvolveu um novo método de organização do processo de trabalho industrial, apresentado em
sua obra Princípios de Administração Científica, publicada em 1911, com a qual ficou conhecido
como o pai da administração científica, também denominada taylorismo, para aumentar o volume
de produção, a fim de atender à demanda crescente pela conquista de novos mercados e
“assegurar o máximo de prosperidade ao patrão e, ao mesmo tempo, o máximo de prosperidade
ao empregado.” (TAYLOR, 1966, p. 29), sendo esse o principal objetivo da administração.
O ponto de partida da obra de Taylor é a sua constatação de que o trabalhador é, por
princípio e definição, vadio, trabalhando muito menos do que é fisicamente capaz, tal como afirma
nessa passagem extravagante que, com certeza, a todos atordoa já pelo título “Vadiagem no
Trabalho”:
Os ingleses e americanos são os povos mais amigos dos esportes. Sempre que um americano
joga basquetebol ou um inglês joga cricket, pode-se dizer que eles se esforçam, por todos os
meios, para assegurar a vitória à sua equipe. Fazem tudo a seu alcance para conseguir o maior
número possível de pontos. O sentimento de grupo é tão forte que, se algum homem deixa de
dar tudo de que é capaz no jogo, é considerado traidor e tratado com desprezo pelos
companheiros.
Contudo, o trabalhador vem ao serviço, no dia seguinte, e em vez de empregar todo o seu
esforço para produzir a maior soma possível de trabalho, quase sempre procura fazer menos
do que pode realmente – e produz muito menos do que é capaz; na maior parte dos casos, não
mais do que um terço ou metade dum dia de trabalho, é eficientemente preenchido. E, de fato,
se ele se interessasse por produzir maior quantidade, seria perseguido por seus companheiros
de oficina, com mais veemência, do que se tivesse revelado um traidor no jogo. Trabalhar
menos, isto é, trabalhar deliberadamente devagar, de modo a evitar a realização de toda a
tarefa diária, fazer cera, [...] é o que está generalizado nas indústrias e, principalmente, em
grande escala, nas empresas de construção. (TAYLOR, 1966, p. 32)
Taylor fez surgir uma nova estrutura administrativa com fundamento na idéia de tarefa e deu
início à chamada Fase B ou Sistema Técnico de organização do trabalho.
A idéia da tarefa é, quiçá, o mais importante elemento na administração científica. O trabalho
de cada operário é completamente planejado pela direção, pelo menos, com um dia de
antecedência e cada homem recebe, na maioria dos casos, instruções escritas completas que
minudenciam a tarefa de que é encarregado e também os meios usados para realizá-la. [...] Na
tarefa é especificado o que deve ser feito e também como fazê-lo, além do tempo exato
concebido para a execução. (TAYLOR, 1966, p. 51)
Assim, não mais havia necessidade de “homens extraordinários”, com exceção dos membros
da gerência. As práticas de seleção e treinamento visavam apenas conhecer as aptidões dos
candidatos a um emprego e treinar os selecionados de acordo com o método planejado. “A seleção,
então, não consistiu em achar homens extraordinários, mas simplesmente em escolher entre
homens comuns os pouco especialmente apropriados para o tipo de trabalho em vista” (TAYLOR,
1966, p. 76). Daí deriva o princípio da escolha do homem certo para o trabalho certo, cujas
qualidades deveriam ser a força física e/ou a rapidez de percepção e reação na inspeção de
qualquer objeto, mas de todas, sem exceção, a qualidade essencial deveria ser a capacidade para
a obediência estrita.
Sem dúvida, o taylorismo permitiu aumentar consideravelmente a produtividade do
trabalho, reduziu os custos de produção e os preços das mercadorias e, sobretudo, permitiu
aumentar consideravelmente os lucros dos capitalistas, “assegurando ao máximo a prosperidade
do patrão”. Mas, e quanto à prosperidade do empregado? A “prosperidade do empregado”,
acreditava Taylor, estaria assim assegurada:
Na tarefa, é especificado o que deve ser feito e também como fazê-lo, além do tempo exato
concebido para a execução. E, quando o trabalhador consegue realizar a tarefa determinada,
dentro do tempo-limite especificado, recebe aumento de 30 a 100% do seu salário habitual.
(TAYLOR, 1966, p. 51)
145
enfrentar esse problema, mas os trabalhadores sempre reagiram, e sempre reagem, às condições
impostas, organizando-se politicamente em sindicatos e em movimentos sociais reivindicatórios
de diferentes naturezas, muitos deles bem-sucedidos, que lhes garantiram alguma melhoria nas
condições de trabalho e de vida. Conciliar interesses divergentes é o desafio maior a ser
confrontado pelo capital, pelo administrador, pelos governos estabelecidos e pelos próprios
trabalhadores, num esforço conjunto para a promoção do desenvolvimento e redução da
desigualdade social.
:: A profunda insatisfação com as condições de trabalho é causa da evasão no lazer em suas mais
variadas formas – desde o simples passatempo diante da televisão até os esportes agressivos e
jogos de azar – como necessidade visceral de preencher o vazio da alma e combater o tédio
provocado pelo trabalho massacrante porque insignificante, desinteressante, repetitivo, alienado
e alienante, submisso, disciplinado e humilhante.
Tudo aquilo de que se viram privados no trabalho – iniciativa, responsabilidade, realização –
os trabalhadores buscam reconquistar no lazer. Constatou-se, durante os últimos dez anos,
uma fantástica proliferação de “manias”, de passatempos (art and craft hobbies), às quais se
acrescentam todas as espécies de lazeres ativos, fotografia, cerâmica, eletrônica, rádio etc.,
todas as categorias daquilo que Erich Fromm, por seu lado, opondo-se aos serviços “aperta-
botão” das máquinas automáticas, chama de “do it yourself activities” (atividades “faça você
mesmo”). Bell acrescenta, que se ajusta plenamente às interpretações que, antes, déramos
desses fatos: a América viu multiplicar-se o “amador” numa escala até então desconhecida. E
se nisso há, em si, um bem, ele foi obtido a um preço muito elevado: o da satisfação no trabalho.
(FRIEDMANN, 1972, p. 159)
Assim, o século XX, tendo divorciado o trabalho do lazer, do prazer, da alegria da busca da
autoestima e da auto realização, transformando a experiência e a vivência do trabalho em castigo,
punição, expiação do pecado original, tal como o interpretaram as tradições religiosas do
Ocidente, ofereceu como compensação o alargamento do tempo livre para não só possibilitar a
reposição saudável da força de trabalho e o aumento do consumo da produção em massa, mas
também para possibilitar (muito embora essa não fosse a intenção) a reversão no e pelo lazer das
privações do desenvolvimento da individualidade no e pelo trabalho a que submeteu milhões de
trabalhadores.
Taylorismo/fordismo geraram uma massa de trabalhadores insatisfeitos, entediados,
frustrados, infelizes, alienados de si mesmos, de sua própria natureza, cujas potencialidades não
puderam se efetivar na realização de um trabalho arte-criação-ação inteligente e transfiguraram
o papel da Razão na História em racionalidade instrumental das grandes organizações racionais
do mundo moderno.
A organização racional é, assim, alienadora: os princípios orientadores da conduta e da
reflexão, e com o tempo também da emoção, não estão centralizados na consciência individual
do homem da Reforma, ou na razão independente do homem cartesiano. Os princípios
orientadores são, na verdade, alheios e em contradição a tudo o que se tem compreendido
historicamente como individualidade. Não será demais dizer que no desenvolvimento
extremo a possibilidade de razão que tem a maioria dos homens é destruída, à medida que a
racionalidade aumenta e sua localização, seu controle, passa do indivíduo para a organização
em grande escala. Há, então, racionalidade sem razão. Essa racionalidade não está de acordo
com a liberdade, sendo, antes, a sua destruidora. (MILLS, 1965, p. 185)
Os Anos dourados
A maioria dos seres humanos atua como os historiadores: só em retrospecto reconhece a
natureza de suas experiências. Durante os anos 1950, sobretudo nos países “desenvolvidos”
cada vez mais prósperos, muita gente sabia que os tempos tinham de fato melhorado,
especialmente se suas lembranças alcançavam os anos anteriores à Segunda Guerra Mundial.
Um primeiro-ministro conservador britânico disputou e venceu uma eleição geral em 1959
com o slogan “Você nunca esteve tão bem”, uma afirmação sem dúvida correta. Contudo, só
depois que passou o grande boom, nos perturbadores anos 1970, à espera dos traumáticos
1980, os observadores – sobretudo, para início de conversa, os economistas – começaram a
perceber que o mundo, em particular o mundo do capitalismo desenvolvido, passara por uma
fase excepcional de sua história; talvez uma fase única. Buscaram nomes para descrevê-la: “os
trinta anos gloriosos” dos franceses (les trente glorieuses), a Era de Ouro de um quarto de
século dos anglo-americanos. O dourado fulgiu com mais brilho contra o pano de fundo baço
e escuro das posteriores Décadas de Crise. (HOBSBAWM, 1995, p. 253)
Esse é o parágrafo inicial das mais de 100 páginas da parte II do livro de Eric Hobsbawm, A
Era dos Extremos, dedicada exclusivamente a apresentar e analisar as expressões materiais e não-
materiais da prosperidade sem precedentes que se estendeu do período imediato ao pós-Segunda
Guerra Mundial, em 1945 a 1973, e atingiu não só a Europa e o Japão, mas também alguns países
da América Latina, ra-zão pela qual o título dessa parte do livro é A Era de Ouro, também
denominada por diferentes autores de Os Anos Dourados, Os Anos Gloriosos, As Décadas de Ouro.
No Brasil, esse momento da história ficou popularmente conhecido como Os Anos Dourados
que, entre nós, tiveram curtíssima duração, pois foram interrompidos pelos Anos de Chumbo da
ditadura mili-tar. Os Anos Dourados, no Brasil, se iniciaram no governo de Juscelino Kubitschek
1
As teorias da motivação foram elaboradas por Maslow (1970); Herzberg, Mausner e Snyderman (1959); Mumford
(1970); Wroom (1964); Argyris (1973); Myers (1964).
149
(Os Anos JK) em 1956, que, no seu programa de governo, o conhecido Plano de Metas, prometia
“cinqüenta anos de desenvolvimento em cinco”, dinamizando a economia brasileira com a
construção de Brasília e a entrada do capital estrangeiro para a produção de bens duráveis. Em
1957, Juscelino inaugurou a pedra fundamental da Volkswagem do Brasil, inaugurando, ao mesmo
tempo, outra fase da industrialização nacional: a industrialização de bens duráveis com capital
estrangeiro. A construção de Brasília e os investimentos estrangeiros no país geraram milhares
de empregos e transformaram o ABC paulista (Santo André, São Bernardo e São Caetano) no pólo
industrial de ponta da América Latina, com tecnologia estrangeira e administração fordista do
processo de trabalho.
Porém, os Anos Dourados no Brasil chegaram ao im com a Revolução de 1964 que
interrompeu o processo político democrático, pois, de acordo com todos os autores dessa época,
a Era de Ouro significou um momento marcado não só pelo crescimento e desenvolvimento
econômicos, mas também pela democratização das instituições políticas e sociais.
Por isso, havia muitas razões para justificar as denominações desse período de 30 anos do século
XX e para preencher as 100 páginas da parte II do livro de Hobsbawm. São elas:
:: Altíssimo crescimento econômico;
A economia mundial crescia a uma taxa explosiva. Na década de 1960, era claro que jamais
houvera algo assim. A produção mundial de manufaturas quadruplicou entre o início da década
de 1950 e o início da década de 1970, e, o que é ainda mais impressionante, o comércio mundial
de produtos manufaturados aumentou dez vezes [...].
A produção agrícola mundial também disparou, embora não espetacularmente. E o fez não tanto
(como muitas vezes no passado) com cultivo de novas terras, mas elevando sua produtividade.
(HOBSBAWM, 1995, p. 275).
:: Pleno emprego, pois a média de desemprego na Europa Ocidental estacionou em 1,5% e em 1,3%
no Japão.
:: Elevação dos salários, graças ao aumento da oferta de empregos e graças ao fortalecimento dos
sindicatos, cujo poder de barganha também aumentou; acrescente-se a isso a distribuição de
benefícios sociais, tais como educação fundamental, assistência médica e hospitalar, seguro-
desemprego etc. que também contribuíram para aumentar o poder aquisitivo dos assalariados.
:: Desenvolvimento científico e tecnológico que permitiu inundar os mercados de novos produtos a
preços populares: televisão, discos de vinil, rádios portáteis transistorizados, relógios digitais,
calculadoras de bolso a bateria e depois a energia solar, e produtos de uso industrial e comercial:
motor a jato, transistor, energia nuclear etc. (HOBSBAWM, 1995, p. 261).
:: Multinacionalização do capital, isto é, transferência do capital de grandes corporações para o
Leste Asiático e a América Latina à procura de mão-de-obra barata e politicamente desorganizada,
dando origem a uma nova divisão internacional do trabalho ao permitir a industrialização de bens
duráveis (eletrodomésticos, automóveis, tratores etc.) em países até então produtores e
exportadores de bens primários – commodities – e produtores de bens industrializados de
consumo (produtos alimentícios, de higiene pessoal, tecidos, sapatos etc.).
:: A economia mundial tornou-se internacional, com a criação de instituições internacionais, como
o Banco Mundial (Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento) e o Fundo
Monetário Internacional (FMI) – para a promoção do investimento internacional, manutenção da
150
estabilidade do câmbio “desde os Acordos de Bretton Woods de 1944, o dólar americano passou
a ser papel-moeda reserva internacional em substituição ao padrão ouro da moeda”, além de
tratar de balanças de pagamento (HOBSBAWM, 1995, p. 269).
:: Os Estados Nacionais adotaram políticas intervencionistas na economia, subsidiando,
sustentando, supervisionando, planejando e também administrando indústrias de toda natureza
e construindo a infraestrutura necessária para o seu desenvolvimento, ao mesmo tempo em que
adotaram políticas da socialdemocracia com a universalização de benefícios e programas sociais
graças ao grande volume de impostos arrecadados, fazendo nascer os Estados de Bem-Estar
(Welfare States).
:: Mudanças culturais profundas em todas as esferas da vida, ressaltando-se as que atingiram a
música, com Elvis Presley e as bandas dos Beatles e Rolling Stones; a família e os relacionamentos
entre os sexos, com a pílula anticoncepcional e a instituição do divórcio em muitos países; a
universalização do blue jeans que revolucionou a moda; os movimentos feministas e a liberação
feminina; os movimentos antirracistas etc.
No entanto, a prosperidade dos Anos Dourados foi desigual e a pobreza em muitos países
da África, da América Latina e da Ásia continuou a atingir milhões e milhões de pessoas, apesar do
crescimento econômico também dessas regiões. Por quê? Um parêntese deve ser aqui aberto para
apontar as causas do fraco desenvolvimento econômico e social da América Latina e, em especial,
do Brasil, mesmo durante o curto período dos Anos Dourados.
Os Anos Dourados chegam ao fim na década de 1970, quando começa a se configurar uma
crise de consumo com o acirramento da competição internacional. Para enfrentar a crise, procede-
se a uma total reestruturação da economia mundial que, inevitavelmente, provoca uma total
reestruturação das empresas e dos mercados de trabalho. Por isso, para compreender a nova
forma de administração do processo de trabalho, em consolidação também no Brasil, será preciso
compreender as razões da crise e a reorganização da economia mundial, com suas consequências
sobre o mundo empresarial e dos mercados de trabalho.