You are on page 1of 24

Desafios da Regulação

do Setor Elétrico, modicidade tarifária


e atração de investimentos
Diretor-geral
Jerson Kelman

Diretores
Eduardo Ellery
Paulo Pedrosa
Isaac Averbuch
Jaconias Aguiar

Textos para discussão


Está publicação tem o objetivo de divulgar estudos e trabalhos desenvolvidos por servidores e
colaboradores da ANEEL.
As opiniões emitidas nesta publicação são de exclusiva e inteira responsabilidade dos autores,
não exprimindo, necessariamente, o ponto de vista da Agência Nacional de Energia Elétrica ou do
Ministério de Minas e Energia.
Textos para discussão - I

Desafios da Regulação
do Setor Elétrico, modicidade tarifária
e atração de investimentos

Brasília
2005

* O autor agradece a Jerson Kelman pelo estímulo a inaugurar uma Série que contribuirá para o debate
de temas regulatórios, a jornalista Salete Cangussu pelo aperfeiçoamento do texto e pela motivação,
aos publicitários Estevão Augusto e Marcelo Miranda pelo trabalho de criação e edição.
** Todos os erros remanescentes são de inteira responsabilidade do autor.
Agência Nacional de Energia Elétrica
Endereço: SGAN 603 Módulos I e J
Brasília - DF
CEP: 70830-030
Fone: (61) 426-5600

CIP. Brasil. Catalogação-na-Publicação


Centro de Documentação – CEDOC

Pedrosa, Paulo Jerônimo Bandeira de Mello. P372d

Desafios da regulação do setor elétrico, modicidade tarifária


e atração de investimentos / Paulo Pedrosa. – Brasília :
ANEEL, 2005.

17 p. : il. (Textos para discussão ; 1)

Inclui o conteúdo utilizado na apresentação do Curso de


Formação da ANEEL, ESAF, 27 de abril de 2005.

1. Setor elétrico. 2. Regulação. 3. Brasil. I. Agência Nacio-


nal de Energia Elétrica. II. Título. III. Série.

CDU: 35.078.2:621.3(81)

©
ANEEL 2005
Sumário

Apresentação 0

Regulação, instituições e desenvolvimento 1

A criação do Regulador independente 2

Evolução do Marco Legal 4

Encargos, tributos e subsídios 6

Os investimentos e a remuneração do capital 8

Construção do ambiente regulatório 10

Sinais econômicos e geração de valor 13

O futuro do setor elétrico 15

Princípios da ação do regulador 16


Desafios da Regulação do Setor Elétrico,
modicidade tarifária e atração de investimentos (*)

Apresentação
O regulador tem a responsabilidade de apresentar soluções às difíceis questões trazidas à pauta
pelos agentes, pelo Governo e pelos consumidores. É necessária também ao regulador a capacidade
de formular as questões que, quando respondidas, ajudem a aperfeiçoar o marco regulatório. Apti-
dão demonstrada pelo diretor da ANEEL, Paulo Pedrosa, na aula que deu aos concursandos da A-
gência, em maio de 2005, cuja transcrição editada inaugura esta nova linha de publicações, chama-
da de “Textos para Discussão”.

As publicações desta série traduzem o ponto de vista do autor. Não carregam a visão institu-
cional da Agência, devidamente fundamentada em resoluções aprovadas por sua Diretoria, e que
compõem a matéria prima de uma outra série, recém-lançada, os “Cadernos Temáticos”.

As reflexões do diretor Pedrosa sintetizam a experiência vivida na implementação do marco


regulatório, bem como o conhecimento de quem teve que tomar decisões de alta complexidade.
Trata-se de leitura indispensável aos que querem atuar com isenção e com sabedoria na regulação
do setor elétrico.

Jerson Kelman
Diretor-geral

(*)
Paulo Pedrosa é diretor da ANEEL
O conteúdo, salvo algumas alterações, foi utilizado originalmente na
apresentação no Curso de Formação ANEEL, ESAF, 27 de abril de 2005.
Sugestões para: paulopedrosa@aneel.gov.br
Desafios da Regulação do Setor Elétrico,
modicidade tarifária e atração de investimentos

Quatro anos de experiência na regulação coloquial e não acadêmica, como uma con-
não podem ser apresentados com profundi- tribuição para que cada um amadureça e con-
dade em pouco tempo ou algumas páginas. solide sua própria visão.
Mas é possível aproveitar nosso breve conta- Difícil não ser nostálgico na contagem
to para falar sobre uma jornada que trouxe regressiva para fechar uma etapa, mas, vou
amigos, colegas de aprendizado, companhei- compartilhar um pouco do que, hoje percebo,
ros de caminhada e professores em muitos gostaria de ter recebido quando cheguei à
momentos. Alguns deles, para a felicidade da Agência. Questões talvez simples, que po-
ANEEL, comporão o quadro permanente da dem parecer óbvias, mas que representam o
Agência. É o sentimento de gratidão que me acúmulo de vivências e reflexões. Apesar de
faz trazer este ponto de vista pessoal sobre o insuficientes para a formação de uma visão
serviço público e a indústria de energia elé- completa do processo regulatório são, certa-
trica no País, apresentado de maneira mente, necessárias.

Regulação, instituições e desenvolvimento

Não há respostas fáceis na regulação. Ex- que com os acertos de outros. É isso que faz
periências e modelos bem sucedidos não se valiosos os nossos erros e torna perigosa a pos-
transplantam entre países. Fatores históricos, sibilidade de esquecê-los. São nos erros que
econômicos, culturais e políticos tornam as residem a principal fonte de aprendizado e a
realidades tão diferentes vacina para que não se
que a compreensão das repitam.
condicionantes particulares Não há respostas fáceis na A regulação está no
fica prejudicada. Até o centro da construção de
diálogo entre reguladores
regulação. Experiências e mo- um futuro próspero. Dire-
flui com dificuldade. Um delos bem sucedidos não se tamente relacionada com
interlocutor, por exemplo, transplantam entre países. os pilares de promoção do
pode estar atento ao moni- desenvolvimento: institui-
toramento do mercado
Cabe ao Brasil, portanto, de- ções consolidadas, infra-
varejista de energia, via senvolver suas próprias solu- estrutura e investimentos
Internet, e com o desen- ções, aprendendo, infelizmente, sustentáveis. Cada vez
volvimento de novos deri- mais se entende que boas
vativos financeiros que
muito mais com suas falhas do instituições e boas regras
mitiguem riscos de inves- que com os acertos de outros. são a condição mais im-
timento. O outro, preocu- portante para o crescimen-
pado com índices de furto to de um País, mais do
de energia e inadimplência superiores a 50% e que recursos naturais e mais do que a disponi-
com um mercado que não tem poder aquisitivo bilidade local de capitais. Para alguns autores,
compatível com a remuneração dos investi- de um campo da economia chamado de Nova
mentos necessários. Como fluiria o diálogo Economia Institucional, são as instituições
entre os dois? Cabe ao Brasil, portanto, desen- (que formulam as regras do jogo) e o cum-
volver suas próprias soluções, aprendendo, primento das regras (ou seja, o jogo propri-
infelizmente, muito mais com suas falhas do amente dito) que diferenciam os países. A

1
tradição em estabelecer do comparados com nos-
boas regras e cumpri-las é sos principais competido-
um dos determinantes do
Cada vez mais se entende que res - Rússia, China e Índia
desenvolvimento do con- boas instituições e boas regras - países com território,
tinente Europeu e dos são a condição mais importante população e necessidade
Estados Unidos. de capitais significativos
Para o Brasil, a conso-
para o crescimento de um País, como os nossos. Em 1998
lidação da ANEEL e da mais do que recursos naturais e o Brasil era o primeiro na
confiança dos investidores mais do que a disponibilidade confiança dos investidores
no cenário regulatório é internacionais, segundo
fator preponderante na
local de capitais. estudo da AT Kearney.
estabilidade institucional e Hoje estamos em 17°
na promoção do desenvol- lugar.
vimento. Essa condição não está apenas inseri- Há décadas o Brasil é classificado como
da no papel da Agência, é, principalmente, o emergente, mas, matematicamente segue uma
motivo da criação de um regulador indepen- trajetória submergente. O fato é que ainda cres-
dente. cemos menos do que a média mundial. Mesmo
A oscilação da confiança dos investidores nos nossos melhores momentos apresentamos
internacionais no país nos últimos anos merece taxas de crescimento inferiores ao resultado
atenção. Perdemos posições importantes quan- global consolidado. Se tivéssemos crescido
com a mesma taxa da média
mundial nos últimos vinte
anos, nosso PIB seria supe-
rior em quase 20%. O resul-
tado da economia no ano
passado, apesar de significa-
tivo, foi ainda 0,6 % menor
do que a média mundial. Para
este ano nossa previsão de
crescimento está em torno de
3,5%, enquanto o FMI prevê
um aumento de 4,2% para o
PIB global. Este fenômeno
não é conjuntural, é estrutu-
ral, acompanha o País nos
últimos anos. Só mudanças
estruturais, como o fortale-
cimento das instituições e
regras podem alterá-lo.
Crescimento do PIB: Brasil x média mundial.s

A criação do Regulador Independente

Para discutir a questão da criação “do coordenaria e promoveria os investimentos


regulador independente” temos que voltar a no setor elétrico, atuando diretamente ou
um período em que era premissa que o Go- através de empresas estatais.
verno consolidaria os interesses da socieda- Na condução dos necessários investimen-
de, incluindo consumidores e contribuintes, tos o governo se financiaria nas fontes disponí-

2
veis no Brasil e exterior e utilizaria recursos dos Além dos conflitos de interesse entre os
consumidores arrecadados nas tarifas. O próprio segmentos de governo, investidores e consumi-
Governo determinaria as tarifas de energia, dores, os interesses de governo tendem a ser,
considerando as necessidades gerais da econo- de alguma forma, conflitantes entre si. De um
mia nacional. Com esta concepção, a atração de lado, sempre houve a necessidade de arrecada-
investimentos e a eficiência do sistema depen- ção fiscal e uma tendência de transferir ao con-
deriam diretamente da gestão pública. sumidor obrigações que poderiam ser vistas
O modelo reconhecidamente se esgotou e como típicas de financiamento pelo contribuin-
ficou cada vez mais evidente, independente- te, como a condução de políticas sociais. De
mente de qualquer viés ideológico da análise, outro a importância da modicidade tarifária
que haveria necessidade de recursos privados como fator de promoção da competitividade da
para atender à necessidade do setor. Hoje 42% economia, de qualidade de vida da população e
do PIB correspondem aos gastos públicos e é de desenvolvimento.
evidente que não haverá recursos para atender Neste conflito a modicidade não encabe-
a enorme demanda do segmento de infra- çou a lista de prioridades. Os consumidores de
estrutura. Segundo analistas, para o setor de energia que já contribuíam para a arrecadação
energia há necessidade anual de investimentos de recursos para as diversas esferas de Gover-
da ordem de R$ 20 bilhões. A capacidade do no, passaram a arcar com os custos da implan-
setor público, considerando o superávit fiscal, é tação de políticas sociais nas tarifas. Arcaram
de aportar algo entre R$ 4 a 6 bi por ano. Res- também com o crescimento de tributos como
tarão de R$ 14 a 16 bi a serem atraídos na for- ICMS e PIS/COFINS e da criação de novos
ma de capitais privados. como a Contribuição de Iluminação Pública.
Adicionalmente, é fato que a eficiência do Os subsídios aos consumidores rurais, de
sistema, desestimulada pelas regras que assegu- sistemas isolados e de baixa renda, além da
ravam o retorno dos investimentos, estava se universalização são mais alguns exemplos.
afastado de padrões desejáveis e que os interes- Somam-se a estes as políticas de desenvolvi-
ses de consumidores, contribuintes, investido- mento regional, de desenvolvimento tecnológi-
res e do próprio Governo nem sempre eram co, como os programas de pesquisa e desen-
convergentes. volvimento e um conjunto de políticas energé-

Consumidores
Governo

Políticas
Políticas Modicidade
Modicidade
Públicas
Públicas
Equilíbrio fiscal Inclusão Social
Gera / consome ANEEL
ANEEL Qualidade de vida
recursos Competitividade
Segurança

Sustentabilidade Remuneração
Remuneração
Atração de Investimentos

Investidores
Equilíbrio entre visões de governo, consumidores e investidores.

3
ticas de objetivos estratégicos como a energia dente, impulsionada pela constatação de que o
de Itaipu, nuclear, o Proinfa, etc. setor precisa de capitais e pelo reconhecimento
Outro conflito de interesses é que os con- de que as visões e interesses de governo, con-
sumidores, por sua vez, tendem a desejar ener- sumidores e investidores podem não ser neces-
gia abundante e barata. Enquanto os investido- sariamente convergentes no curto prazo e pre-
res desejam maximizar o retorno, os lucros, de cisam ser equilibrados. Este ponto faz toda a
suas aplicações no setor tendo em vista os ris- diferença entre o antigo DNAEE, uma autar-
cos associados aos investimentos. quia subordinada ao ministério, e a ANEEL,
A identificação dos papéis e expectativas uma Agência independente, que deve obediên-
de consumidores, investidores e Governo (con- cia a Leis e políticas delas decorrentes.
tribuintes) também ajuda a dar clareza a um O regulador, como um órgão de Estado,
conjunto de transferências que, historicamente, tende a ter uma visão que alcance todo o perío-
vêm ocorrendo entre os três segmentos. De ma- do necessário à amortização dos investimentos
neira pendular, evoluímos de modelos que asse- capital intensivos do setor, compatíveis com a
guravam o retorno do investimento (indexado ao duração dos contratos de concessão, prazo
ouro no início do setor elétrico ou, em outro algumas vezes equivalente ao de oito governos
ciclo, aos próprios custos do serviço, somados a eleitos. Da mesma forma não deve ser seduzido
uma remuneração garantida) a outros em que a pela idéia de uma energia barata no presente a
tarifa foi comprimida para conter a inflação. Em ponto de afastar investimentos futuros. Cabe ao
alguns momentos consumidores financiaram os regulador, portanto, construir o equilíbrio entre
investimentos, antecipando recursos, em outros estes interesses, basicamente protegendo con-
o contribuinte assumiu este papel. Cada movi- sumidores e agentes do abuso de poder de mer-
mento, ao favorecer um segmento, sempre trou- cado, garantindo rentabilidade adequada aos
xe conseqüências aos demais. investidores que atuem de forma eficiente e
Nesse contexto, surge a necessidade da protegendo consumidores e investidores de
implantação de um órgão regulador indepen- eventuais “oportunismos” políticos.

Evolução do Marco Legal

Mas as questões não são sempre claras no tável, quando os consumidores de certas distri-
setor elétrico. Nosso marco legal teve uma buidoras tiverem que assumir os custos – mesmo
evolução complexa e lenta, com objetivos mui- os eficientes – de suas áreas de concessão.
tas vezes divergentes e uma série de mudanças A complexidade e lentidão provocaram o
de rumo que perturbaram a clareza do cenário afastamento do que seria um roteiro lógico, um
institucional. cronograma adequado de implantação de mu-
Tivemos vazios significativos. Disposi- danças e redefinição de papéis. Assim, não
ções da Constituição de 1988 referentes ao ficou claro para a sociedade quais eram os ob-
setor levaram oito anos para ser regulamenta- jetivos das intervenções no setor. Com uma
das, produzindo um enorme vácuo legal em motivação preponderantemente fiscal, as em-
que não se outorgaram novas concessões. Os presas foram privatizadas antes da consolida-
sistemas isolados até hoje não são regidos por ção do modelo institucional e das instituições
um conjunto de regras específicas. Acabamos necessárias ao seu bom funcionamento. As
com mecanismos de estímulo a ineficiência que regras de revisão tarifária foram definidas e
marcaram a era da tarifa pelo custo. A desequa- aplicadas depois que as empresas tinham sido
lização tarifária, prevista na Lei 8.631/93, está vendidas com base em projeções de fluxo de
sendo implementada somente dez anos depois, caixa que não consideravam as revisões.
com as revisões tarifárias. Mesmo passado todo Decisões foram tomadas na compra de
este tempo, não temos respostas sobre como ativos de geração e na autoprodução a partir
lidar com uma realidade tarifária, talvez insupor- de uma projeção de preços futuros que não

4
se realizou em função das mudanças de re- particularmente vulnerável a propostas focadas
gras. O mercado de comercialização livre foi em questões particulares, voltadas a viabilizar
estabelecido como regulado e gerido pelos segmentos de consumidores ou agentes. Inde-
próprios agentes antes da definição dos pa- pendentemente de seu mérito, cada uma das
péis e das responsabilidades de cada segmen- propostas é implementada às custas dos demais
to. Naquele momento, não houve o necessá- segmentos que arcam com os incentivos na
rio diálogo com o setor de gás e nem com a forma de subsídios cruzados e aumento de
área de meio ambiente. custos. A complexidade do setor, das regras de
Mais de um quarto do PIB brasileiro, o seu mercado e da operação do sistema pode
segmento dos grandes consumidores, tem na fazer com que um novo e pequeno benefício,
energia até 35% de seus custos e foi particu- estabelecido para incentivar a poucos, aumente
larmente afetado com as indefinições do Marco desproporcionalmente o risco e desestimule a
Setorial. Os efeitos atingem não só a competi- muitos. Merece registro que a maior parte des-
tividade da produção nacional de commodities, sas inclusões é incorporada ao Marco Legal
mas se propagam em nossas cadeias produtivas durante a conversão de medidas provisórias em
atingindo a economia como um todo. Decisões leis. Neste caso a celeridade do procedimento
de investir tanto nas plantas industriais quanto de aprovação compromete a análise do impacto
em autoprodução de energia foram “postas em de alterações propostas durante a tramitação.
xeque” por aumentos dos encargos setoriais, Foi assim na criação de diversos incentivos a
impostos e do custo do transporte de energia. energias alternativas e de aumentos da CCC
De certa forma, as regras do jogo, ou (Conta de Consumo de Combustíveis) – como
grande parte delas, foram sendo definidas no caso da inclusão de cerca de R$ 500 mi-
quando o jogo já tinha começado. Fundamen- lhões adicionais por ano, relativos ao ICMS do
talmente, a grande questão do setor não foi combustível, obrigação trazida na tramitação
tratada com clareza necessária: qual a fronteira da MP que alterou a alíquota da COFINS.
do serviço público de energia. Estaria restrito Tudo isso levou à necessidade de um re-
ao serviço de transporte, monopólio natural cente rearranjo do setor, o Novo Modelo do
regulado ou alcançaria o próprio produto tran- Setor Elétrico, que procurou reordenar o siste-
sacionado e sua produção e comercialização? ma e recuperar muito do que se perdeu na ca-
A falta de clareza tornou o setor elétrico pacidade de planejamento e na clareza das re-

1988
1988 1993 1995 1996 1997
Constituição Lei 8.631 Lei 8.987 Lei 9.427 Lei 9.433
Concessão de
Federal Fixação dos níveis das Serviços Públicos Criação da ANEEL Política Nacional de
(Artigos 175 e 176) tarifas de energia Recursos Hídricos
elétrica e extinção do
Lei 9.074
Regime de
Concessão de Lei 9.478
Serviços de Energia CNPE e ANP
Remuneração Garantida Elétrica
Decreto 2.335
Regimento Interno da
ANEEL
Implantação da ANEEL

1998 1999 2002 2003 2004


Lei 9.648 Lei 9.984 Lei 10.438 Lei 10.762 Dec. 4.970
MAE e ONS ANA Expansão da oferta, Programa Emergencial Aproveitamento ótimo
RTE, baixa renda e
universalização dos Dec. 4932 Lei 10.847 Cria a EPE
serviços Delega à ANEEL o
Poder Concedente Lei 10.848
Lei 10.433 Modelo Institucional
Cria o MAE
Lei 10.871
Lei 10.604 RH das Agências
Tarifa Baixa Renda
PL nº 3.337
Gestão das agências
Evolução do marco legal do setor elétrico. Dec. 5.163
Comercialização e Outorga

5
gras e dar a estabilidade necessária ao processo em geral com as diferenças liquidadas na
regulatório. CCEE (Câmara de Comercialização de E-
Mesmo assim, ainda vivemos um cenário nergia Elétrica), mas em alguns casos como
extremamente complexo, que ressalta a impor- contratos de entrega física de energia.
tância da atuação do regula- Uma analogia com
dor. Regulamos energias um campeonato de futebol
velha, nova e botox; de pode ilustrar o conturbado
empresas estatais –federais Tudo isso levou à necessidade processo evolutivo do setor
e estaduais – e privadas; de um recente rearranjo do elétrico brasileiro. Neste
tipo hidráulica – com MRE setor, o Novo Modelo do Setor caso duas coisas aconte-
– e térmica, do PROINFA, cem: Mudanças nas regras
de Itaipu, nuclear, de fontes Elétrico, que procurou reorde- do jogo ao longo do cam-
incentivadas com descontos nar o sistema e recuperar mui- peonato, sejam gerais –
na transmissão ou não, de to do que se perdeu na capaci- como o uso de duas bolas
geradores de serviço públi- em campo simultaneamen-
co, produtores independen- dade de planejamento e na te, sejam específicas, como
tes, autoprodutores, impor- clareza das regras e dar a es- dar a um time o direito de
tadores e comercializadores. tabilidade necessária ao pro- escolher o goleiro adversá-
Esta energia, chega a rio ou reconhecer, a uma
consumidores livres, parci- cesso regulatório. equipe que anteriormente
almente livres, especiais, jogara basquete, o direito
reunidos em comunhão de adquirido de segurar a bola
fato ou de direito e a consumidores cativos com a mão. Neste exemplo do futebol, a falta de
através de distribuidoras, pequenas distribuido- clareza permitiria a entrada em campo de times
ras, cooperativas permissionárias e comerciali- cujo objetivo não seria ganhar o campeonato, o
zadoras. que perturbaria o processo. Igualmente a incerte-
A comercialização dos diversos tipos de za em relação ao cenário e a concentração de
energia aos diferentes grupos de consumido- poder arbitrário no formulador das regras pode-
res se dá por meio de contratos iniciais, bila- ria fazer com que os times não concentrassem
terais, dos novos CCEARs – Contratos de esforços em ter os melhores jogadores e táticas,
Compra de Energia no Ambiente Regulado mas em competir pela influência no processo de
do tipo A-1, A-3 e A-5 e leilões de ajuste, definição das regras.

Encargos, tributos e subsídios

Chama a atenção de forma marcante no te entre todas as instâncias de governo e os


Brasil o papel do setor elétrico como grande investidores pelos recursos dos consumidores
instrumento de transferência de renda e arreca- de energia atingiu proporções que merecem
dação fiscal (produtos com baixa permutabili- atenção da sociedade e podem comprometer o
dade têm tipicamente alíquotas altas de tributa- equilíbrio de longo prazo entre segurança e
ção, e é possível demonstrar que uma tributa- modicidade. Além dos mecanismos visíveis há
ção inadequada distorce o equilíbrio oferta- um conjunto de outros. São seguros (como o
demanda do produto e prejudica toda a cadeia Encargo de Capacidade Emergencial - ESS),
de valor daquela atividade econômica). Um subsídios e transferências implícitas ao processo
diagrama com o fluxo de recursos no setor tarifário que, muitas vezes, passam despercebidas
evidencia que sua dimensão de instrumento de aos consumidores. Alguns decorrem de critérios
transferência de renda se sobrepõe à dimensão técnicos, como aqueles relacionados à segurança
de segmento de infra-estrutura e tem sido defi- do sistema, presentes na definição do risco de
nidora da evolução do setor. A disputa crescen- déficit, do custo do déficit e da curva de aversão

6
Proinfa RTE /
CDE ESS CCC RGR CBEE
Etapa I Percee

UBP
TF

• Baixa Renda
Consumo • Eletrificação
G T D/C
Rural
RGR • Cooperativas
• Transporte
P&D ONS
CF ICMS
RGR

CIP
CPMF, PIS/Confins
PIS/Confins,, CSLL, IR

Municípios Governo Federal Estados

Fluxos econômicos do setor elétrico.

a riscos. Outros decorrem das mais diversas ori- dades que vão além da cobertura dos custos
gens. Decisões de inserção regional, programas com iluminação. Os recursos da Taxa de Fis-
sociais, culturais e de fomento ao desenvolvi- calização e os do Programa de Pesquisa e De-
mento, tomadas pela direção de Itaipu, por e- senvolvimento - P&D, pagos pelo consumidor
xemplo, pelas regras de um tratado internacional, com uma finalidade específica, sofrem o efeito
não submetidas à fiscalização do Regulador, são do contingenciamento orçamentário e passam a
incorporadas às tarifas pagas pelos consumidores colaborar para o ajuste das contas públicas.
cativos de forma compulsória. Este sistema afas- De qualquer forma, considerando apenas o pe-
ta o setor elétrico de uma lógica virtuosa. Im- so dos tributos na Infra-estrutura, a revista Veja
postos são cobrados sobre programas de gover- publicou recentemente estudo que mostra que somos
no que, idealmente, deveriam ser conduzidos campeões mundiais, com participação de 48%. Para
com recursos do Orçamento. Nesse caso, os tanto contribui o fato de que não há informalidade
Tesouros Federal e Estaduais não comprome- no setor elétrico, ao menos no tocante ao surgimento
tem recursos e aumentam a arrecadação. O de uma venda alternativa por uma distribuidora
ônus do aumento das tarifas recai sobre o agen- “pirata” ou de fraude na qualidade do produto. Na
te arrecadador, as distribuidoras de energia. A energia elétrica não ocorre o verificado no campo
enorme complexidade gera situações de bi e até dos combustíveis em que a elevada tributação esti-
mesmo tri-tributação. Os consumidores pagam mulou o surgimento de uma indústria de fraudes e
ICMS ao Estado em que se localizam sobre o sonegação fiscal na produção e comercialização. No
ICMS que foram obrigados a pagar na compra entanto, os efeitos da carga tributária se fazem sentir
de combustível em outros estados. Pagam no segmento do consumo, nos altos índices de furto
ICMS sobre o subsídio ao consumidor de baixa de energia e inadimplência, trazendo riscos aos in-
renda, que também está sendo obrigado a pagar vestidores e custos adicionais aos consumidores
o tributo sobre a parcela da energia subsidiada. bons pagadores. Estes números na verdade variam
Encargos são criados, como a recente CIP de consumidor para consumidor, de distribuidora
- Contribuição de Iluminação Pública e alguns para distribuidora. Mas, de forma geral, é possível
já existentes se afastam de suas motivações afirmar que mais da metade do que se paga nas contas
originais. A CIP chega a mais de 15% da conta de energia elétrica já não corresponde à geração,
média em algumas cidades e há indícios de que transmissão, distribuição e comercialização de ener-
os recursos arrecadados são usados para finali- gia. A abertura nos diversos componentes evidencia o

7
tamanho de cada segmento setorial e os movimentos representar em torno de 5 pontos percentuais a mais
de mudança de participação relativa entre os compo- nas contas dos consumidores.
nentes ligados à energia e aos
encargos e tributos.
Nos últimos movimen-
tos tarifários fica evidente
que a fatia de encargos no
último ano subiu aproxima-
damente 40%, enquanto a
componente relativa ao ser-
viço público de distribuição
aumentou em torno de 8,5%
- menos do que o IGP-M.
O recente aumento das
alíquotas do PIS e da Cofins
tem também importantes im-
pactos tarifários, chegando a

Tributos na infra-estrutura.

Os investimentos e a remuneração do capital

Se, como dito, o objetivo da presença de atração de capitais: a perspectiva de lucro. O


um regulador independente é a promoção do lucro, a remuneração do investidor, é o centro
equilíbrio entre a necessidade de atração de de um processo de definição do custo do capi-
capitais privados – capitais que virão, e tam- tal aplicado, considerando os riscos e a oportu-
bém partirão, de forma voluntária – e a promo- nidade apresentada. O lucro, ou melhor, a pers-
ção da segurança e economicidade do abaste- pectiva de lucro é, enfim, o fator indutor de
cimento, é importante refletir sobre o fator de investimentos e de promoção da segurança do
atendimento, e está no centro do processo.
Segurança do A primeira destas dimensões, a segurança
Abastecimento Modicidade do abastecimento, dependerá da avaliação se a
perspectiva de lucro compensa os riscos asso-
Investimento ciados. Quanto à dimensão da modicidade tari-
fária são os riscos associados e o processo
Custo do Capital competitivo que vão defini-la. Quanto maior o
risco, maior o custo de capital. Quanto mais
Oportunidade eficiente o processo competitivo, mais se esti-
mulará a redução de custos e menores serão os
Risco preços praticados.
Aqui cabe uma reflexão importante sobre
Lucro como nosso “imaginário coletivo” vê o lucro, a
remuneração do capital aplicado nas empresas.
Conforme comprova recente matéria da revista
Exame, nossa sociedade parece subestimar sua im-
portância. Parece considerá-lo como um subproduto
negativo e desnecessário, um ônus como um resíduo
Perspectiva do retorno e atração de investimento. poluente associado a um processo industrial. O
lucro ficou em oitavo lugar entre os objetivos de

8
uma empresa, sendo citado por apenas 10% dos
entrevistados, segundo a mencionada pesquisa, rea-
lizada pelo instituto Vox Populi.
A revista apresenta ainda os resultados alcan-
çados no quesito “desenvolver trabalhos comunitá-
rios” da pesquisa que foram quatro vezes superiores
ao de remunerar os acionistas. “Pagar impostos”
mereceu três vezes mais citações. Gerar empregos
teve nove vezes mais força do que o impopular gerar
lucro como um objetivo empresarial.
É claro que isso é uma distorção. Gerar lucro é
o objetivo de uma empresa. Esta é a motivação dos
que empreendem e arriscam seus capitais. Os outros
itens, extremamente importantes para a sociedade,
são um subproduto – nobre, necessário e que deve
ser induzido e estimulado, mas incapaz de por em
movimento a máquina do investimento privado
voluntário. O ponto de vista do regulador não deve
ser aquele da população em geral, apontado pela
Revista Exame edição de março de 2005
pesquisa de opinião. O regulador precisa estar atento
ao fato de que a perspectiva de lucro, de remunera-
ção do capital aplicado, é aliada do processo regula- justamente em estimular ganhos adicionais
tório e que o desejo de ampliar este lucro por meio para o agente para, nas revisões tarifárias, cap-
de uma maior competitividade é a principal força turá-los no benefício dos consumidores.
motriz promotora de eficiência econômica agregada. Conhecer a si próprio e o ambiente regu-
Muito citado hoje nas estratégias empresariais, lado é uma jornada pessoal que cada um deve
o líder militar chinês Sun Tzu já falava da importân- empreender. Em geral os reguladores, servido-
cia de se conhecer a si próprio e ao adversário no res públicos por opção, concursados ou comis-
documento conhecido como “A arte da guerra”. sionados, são pessoas que privilegiam a segu-
Este ensinamento é fundamental aos regulado- rança ao risco. Muitos são oriundos dos antigos
res: conhecer a si próprio, e ao quadros de empresas esta-
mercado que regula. Quando tais do setor elétrico. Têm,
ele é observado a sociedade de certa forma, natureza
ganha a batalha pelo desen- O lucro, ou melhor, a perspec- distinta daquela do mer-
cado que regulam, que se
volvimento. tiva de lucro é, enfim, o fator fortalece e se torna mais
Nash formulou bri-
lhantemente, em seu “equi- indutor de investimentos e eficiente com a presença
líbrio de Nash”, a melhor promoção da segurança do de agentes com diferentes
graus de apetite para as-
estratégia (no caso, de re- atendimento. sumir riscos e distintas
gulação) para um depende
do que seria a melhor es- expectativas de retorno de
tratégia (de investimentos) seus investimentos.
para o outro. A regulação Cabe aos reguladores
deve oferecer oportunidades de maiores ganhos compreender a lógica das empresas, respeitá-la
àqueles que, ao buscar maior retorno do inves- e utilizá-la na construção do cenário regulató-
timento e eficiência nos investimentos e custos rio. As regras devem ser feitas considerando o
operacionais, se alinhem aos objetivos de segu- ambiente em que serão aplicadas e não, sim-
rança da oferta e modicidade tarifária. A Regu- plesmente, refletir a visão e as opções ideais –
lação por incentivos, aplicada no processo da por mais nobres que sejam – daqueles que as
Revisão Tarifária das distribuidoras, consiste elaboraram.

9
Construção do ambiente regulatório

A construção deste ambiente regulatório é ção, contratos, seguros, garantias e transferên-


tarefa gigantesca, mas basicamente definir cias.
regras corresponde, basicamente, a arranjar as Por fim, um conjunto de peças represen-
peças de um enorme quebra-cabeças. tando consumidores, contribuintes e todo o
O primeiro conjunto de peças, definidor conjunto de agentes setoriais.
para todo o processo, é composto por aquelas Essa montagem do “jogo” regulatório po-
que correspondem aos capitais que serão utili- de ser feita de diversas formas, mas haverá
zados. Recursos públicos ou privados? Capital sempre um arranjo ideal para cada objetivo que
próprio de empreendedores ou recursos de se pretenda maximizar. Haverá sempre uma
terceiros? De instituições públicas de fomento, melhor alocação de riscos, na proporção cor-
com recursos recolhidos compulsoriamente? respondente à capacidade de cada segmento de
Fundos incentivados por renúncia fiscal? Re- reagir e lidar com os mesmos, que levará a um
cursos de financiamentos internacionais ou custo global mínimo.
capitais de risco investidos? Associados a fa- O regulador pode contribuir para que se
bricantes e fornecedores? Fundos de pensão? atinja este ponto ótimo, reduzindo os riscos
Resultantes de Project Finance? Mercado de sistêmicos e o risco decorrente da instabilidade
Capitais? Reinvestimento dos resultados dos e imprevisibilidade. Por exemplo, de maneira
agentes atuais? geral, a cada ponto percentual de redução de
Cada uma destas fontes tem um limite, uma riscos corresponderá um decréscimo em torno
disposição particular em correr riscos e uma con- de 3% nos preços finais pagos pelos consumi-
dição de contribuir para a eficiência do sistema. dores. A decisão de investimentos no setor vai
O segundo conjunto de peças diz respeito além de exigir 1% a mais ou a menos de retor-
aos riscos que estarão presentes e os instrumen- no e considera fortemente a confiança de longo
tos para sua mitigação. Assim, serão conside- prazo. Na indústria de energia elétrica, muitas
rados os riscos de natureza legal, técnica, ope- vezes 3% ou 4% a mais de retorno percebido
racional, de mercado e de crédito e os instru- podem não ser suficientes para atrair investi-
mentos para mitigá-los por meio de diversifica- mentos, dependendo da percepção quanto à

Alocação que reduz os Alocação com altos custos


custos globais globais associados aos
associados aos riscos riscos

Alocação de riscos entre agentes, consumidores e contribuintes.

10
Simulador regulatório – Alocação dos riscos

estabilidade regulatória. Em outras palavras, repassadas às tarifas podem produzir também


muitas vezes o risco percebido é critério de exclusão ao reduzirem a competitividade da in-
eliminação e simplesmente, acima de determi- dústria e ao comprometerem a renda dos consu-
nado risco não se investe pois o retorno nesse midores.
nível não seria sustentável no longo prazo. Cada modelo de financiamento de empre-
Decisões regulatórias importantes estão endimentos adotado tem também suas conse-
implícitas no processo. Duas se destacam: qüências. Os modelos de Project Finance, por
ƒ como serão divididas as responsabilidades exemplo, reduzem muito o risco do empreen-
entre contribuintes e consumidores e como dedor, limitado à sua pequena participação no
se perseguirá a eficiência; e capital total. Também podem reduzir o custo
ƒ como equilibrar a alocação de responsabili- do empreendimento e o preço da energia, mas
dades e papéis para a gestão de governo e reduzem o recolhimento do Imposto de Renda
para os agentes setoriais por meio de pro- quando o juro sobre o capital de terceiros é
cessos competitivos. abatido para efeito de cálculo do resultado. Da
Assim, se tivéssemos um simulador regula- mesma forma, quando os investimentos se dão
tório, a partir das definições acima, poderíamos por meio de fundos que contam com isenção
fazer a alocação de riscos entre os diversos seg- fiscal haverá um benefício aos consumidores e
mentos e conferir os resultados em um “painel uma renúncia por parte do Tesouro.
de controle”. Veríamos que não há mágica, não Veríamos que um aumento da incerteza
há almoço grátis. Riscos dificilmente se elimi- global por uma movimentação muito rápida
nam, na verdade se transferem. Se não estiverem dos riscos aumentaria o custo do capital inves-
presentes instrumentos para lidar com os mes- tido. Determinados movimentos atrairiam ou
mos o sistema se afasta de seu ótimo. repeliriam investidores internacionais. Outros
No painel verificaríamos que um aumento ampliariam o espaço de construtores e fabri-
da carga tributária ou na transferência de obriga- cantes nacionais. A cada alteração correspon-
ções de políticas de governo aos consumidores deria uma mudança no custo de capital médio
levaria a preços maiores para a energia e a uma aplicado e nos preços finais.
redução da competitividade da economia, dos Em um simulador completo que projetasse
investimentos no setor e da segurança do abaste- resultados ao longo do tempo poderíamos,
cimento. Observaríamos que políticas de inclusão confirmar a perspectiva de longo prazo nas

11
Painel do Simulador Regulatório

decisões e avaliar como objetivos de curto tas vezes cancelados, adiados ou remaneja-
prazo, fiscais, de controle da inflação ou de dos para outra região ou País.
promoção artificial da modicidade tarifária, Enfim, o simulador e o painel regulatório
por exemplo, comprometeriam resultados exemplificam o desafio de regular o setor elé-
futuros. Veríamos como, em momentos de trico e dão a noção da dimensão da atuação do
baixa segurança do abastecimento e altos regulador independente e das complexas inter-
riscos associados aos investimentos, os con- relações entre suas variáveis.
sumidores ou os contribuintes seriam obriga- O ambiente regulatório define a evolução
dos a assumir elevados custos. A influência dos agentes setoriais. Outra analogia oportuna é
do setor elétrico na economia como um todo a comparação com o processo de evolução das
ficaria evidente. Se o preço da energia não espécies sob a influência do ambiente natural.
for economicamente atrativo, investimentos Se esse ambiente natural, o ecossistema,
no setor industrial – novos projetos ou ex- corresponde ao cerrado brasileiro não se pode
pansões previstas – serão reanalisados e mui- esperar encontrar um urso panda. Lá, prosperarão os

Ambiente e evolução.

12
tamanduás. Ao longo do tempo desenvolveram uma Não se pode perder de vista que energia
anatomia particular e única, incluindo garras e lín- elétrica é um serviço em que é praticamente
guas capazes de alcançar a fonte de proteína e umi- impossível uma retirada imediata por parte do
dade disponível nos cupinzeiros. Adaptaram-se ao investidor. Desse modo os investidores estão
regime de chuvas. Aprenderam a se proteger das vulneráveis a medidas oportunistas que alteram
queimadas. No cerrado não haveria chance para o o ambiente e diminuem o retorno do investi-
urso panda – por mais que ele seja considerado um mento, considerando que não serão abandona-
animal simpático. Ele jamais teria evoluído na região dos, já que o prejuízo seria ainda maior. Con-
e não sobreviveria nas condições locais. A evolução, tudo, uma atitude dessa natureza compromete-
processo de causa e efeito, de sobrevivência do mais ria a atração de novos recursos.
adaptado ao meio, pode levar ao surgimento de O respeito às decisões tomadas nos diver-
soluções curiosas. A exemplo de rios da Austrália sos cenários legais, ou seja, a gestão prudente
onde vivem os ornitorrincos, mamíferos aquáticos, e consistente das expectativas de todos os ato-
marsupiais, com bico, que botam ovos e que se de- res do desenvolvimento do setor elétrico, é
fendem com um esporão venenoso. condição fundamental para a estabilidade e
Da mesma forma é preciso estar atento ao am- evolução sadia do ambiente e dos agentes. De-
biente regulatório e desenhá-lo de forma a que seja cisões não apenas de geradores, transmissores e
“habitado pelo tipo de fauna” que possa produzir os distribuidoras, mas também de consumidores,
resultados desejados. Igualmente e acima de tudo, é em particular aqueles que fizeram importantes
preciso evitar mudanças bruscas que impeçam a investimentos e que têm no custo da energia
readaptação e afastem novos entrantes. mais do que um fator de competitividade, uma
condição de sobrevivência.

Sinais econômicos e geração de valor

O processo adequado, o melhor ambiente sos e precisam ser ajustados de maneira adequa-
regulatório é aquele que promove investimen- da, por serem capazes de induzir comportamen-
tos eficientes e atende às necessidades do mer- tos que poderiam ser vistos como irracionais.
cado com modicidade. Segundo uma “lenda” setorial, por vezes citada
Existem dois tipos de instrumentos para em seminários e eventos e que traduz este racio-
interferir no ambiente regulatório e determinar cínio, em Maracaibo, região rica em gás natural,
o comportamento dos agentes que nele atuam. o governo decidiu fornecer o produto de graça à
O primeiro é o coercitivo, o punitivo, que tem população. Como conseqüência muitos consu-
eficácia limitada e restrita aos agentes já insta- midores, para economizar fósforos, passaram a
lados. Não são capazes de contribuir para a não desligar mais seus fogões.
atração de novos investimentos.
O segundo instrumento é o uso
de sinais econômicos adequados.
Assim aquele agente que se ade- Corretos sinais econômicos alinham e ajustam
quar ao interesse geral de efici- comportamentos de produção, transpor-te, comer-
ência e modicidade será recom-
pensado com a contrapartida de
cialização e consumo de forma otimizada. São
seu próprio interesse, a remune- sinais poderosos e precisam ser ajustados de ma-
ração e o lucro. neira adequada, por serem capazes de induzir
Corretos sinais econômicos comportamentos que poderiam ser vistos como
alinham e ajustam comportamen-
tos de produção, transporte, co- irracionais.
mercialização e consumo de for-
ma otimizada. São sinais podero-

13
Os sinais econômicos são também um po- tamentos ótimos, usinas de 30.000 KW, limite
deroso instrumento de promoção dos interesses máximo para os incentivos de PCHs. Temos
do consumidor, e muitas vezes de forma mais consumidores instalando equipamentos, talvez
efetiva do que a sempre necessária fiscalização. desnecessários, para atingirem a demanda de
Compara-se, como exemplo, os modelos de 3 MW e se habilitarem a se declarar livres.
financiamento habitacional do Brasil, Itália e Temos grandes consumidores procurando cons-
Estados Unidos. Enquanto nos dois primeiros truir linhas próprias para acessar a rede básica
países a legislação estabeleceu um conjunto de em função da forma de alocação dos custos dos
proteções para os que adquirem imóveis, no sistemas de distribuição.
último as regras parecem favorecer aos financi- Os subsídios, ao não explicitar custos, não
adores e permitem a retomada do bem financi- permitem que as informações fluam e afetam
ado com facilidade no caso de inadimplência. as decisões. Assim os consumidores dos siste-
Apesar das aparências, o modelo americano mas isolados não sabem que a geração de ener-
favorece a população e permite milhões de gia na Região custa até cinco vezes mais do
financiamentos a custos baixos. Já no Brasil e que no sistema interligado e não se motivam
Itália os poucos beneficiados por financiamen- para reduzir o consumo. Talvez até as próprias
tos são onerados por pesados riscos incorpora- distribuidoras não se estimulem para promover
dos pela solidariedade aos mal pagadores. a redução do consumo porque os efeitos se fari-
Também aqui não há solução mágica. Ou pa- am sentir na sua própria receita. A circunstância
gam os consumidores, por meio dos custos, ou de a CCC pagar o combustível da geração nos
os contribuintes nos impostos. sistemas isolados poderia estar induzindo a uma
Os sinais econômicos da regulação podem expansão com equipamentos de menor custo de
promover comportamentos que geram ou des- aquisição, de responsabilidade das empresas
troem valor para o setor elétrico, para seus locais, e maior custo de operação, particularmen-
consumidores e para a sociedade. te maior consumo de combustíveis, atribuído ao
Em muitas situações, podemos ver os efei- fundo setorial. Soluções de custo global maior,
tos destes sinais. Temos um número grande de ineficientes, poderiam estar sendo promovidos
inventários de rios apontando, como aprovei- com o sinal econômico contido nas regras.

Processo de geração de valor.

14
Consumidores se declaram livres não por Processos de geração de valor são aqueles
terem encontrado energia mais barata e competi- em que os custos e preços são reduzidos e mar-
tiva, mas para se desvencilharem de elevados gens aumentadas. Ganham os agentes eficien-
encargos setoriais. Empresas compram gerado- tes que ampliaram suas remunerações e ga-
res para reduzir consumo da rede na hora de nham os consumidores, com os quais se dividiu
pico, induzidas por um sinal na tarifa que pode o resultado.
não corresponder à realidade das redes. Perdem Os processos competitivos estimulam a
competitividade os consumidores. Perdem recei- inovação e a criatividade na geração de valor.
ta as distribuidoras. Pagam um pouco mais to- No setor elétrico estes ocorrem de diferentes
dos os demais consumidores no rateio tarifário. formas, e podem contribuir de forma decisiva
Além destes, diversos outros sinais econômicos, para a modicidade tarifária. Temos a competição
como os locacionais no custo de transmissão, no mercado, como quando dois comercializado-
estão presentes nas tarifas, provocando decisões res disputam um consumidor livre. Temos a
cuja eficiência merece avaliação. competição pelo mercado, como no modelo de
Cada segmento de uma cadeia produtiva transmissão e no novo modelo de venda no am-
pode ser decomposto em um conjunto de cus- biente de comercialização regulada. Para o seg-
tos e em uma margem – que inclui a remunera- mento de distribuição temos a competição virtu-
ção do segmento. Da mesma forma toda uma al, com um padrão de referência estabelecido
cadeia pode ser simplificada como custo e pelo regulador nas revisões tarifárias e a compe-
margem, resultando no preço final. tição contra o fator X aplicado nos reajustes.

O futuro do setor elétrico

O setor elétrico tem ainda muito a evoluir. larmente na escolha de seus fornecedores, a-
Tem sido um setor quase imune ao desenvol- contecerá em benefício dos mesmos e dos a-
vimento tecnológico. De forma geral, muito gentes que desenvolvam produtos eficientes,
parecido com o que era há vinte ou cinqüenta agregando valor à energia que passará de sim-
anos, especialmente quando comparado com ples commodity a um produto comercializado
outros setores. sob medida para cada consumidor.
Houve uma revolução na comunicação Em geral, os consumidores desejam con-
nos últimos anos: “faxes”, celulares, computa- forto, qualidade de vida, capacidade de produ-
dores pessoais, internet banda larga. Avanços ção e não elétrons. Energia é percebida como
tecnológicos revolucionaram e criaram novos calor, frio, iluminação, movimento, comunica-
mercados, mas muito pouco aconteceu no ção. Cada vez mais o setor elétrico, seguindo o
campo da energia. Ganhos de eficiência como que ocorreu em outras áreas da economia, vai
na geração a gás natural com ciclo combinado se voltar para as necessidades de seus clientes
são observados, mas nenhuma revolução tecno- consumidores, agregando valor ao produto
lógica, como os supercondutores, fusão nuclear energia, customizando seu fornecimento. Este
ou utilização comercial de células a combustí- novo modelo permitirá cada vez mais sinergia
vel parece estar próxima. interna ao mercado de energia elétrica, entre
No mundo, entretanto, está em curso uma energéticos e com outros setores da economia.
gigantesca transformação na comercialização Atrairá e promoverá comportamentos inovado-
da energia. O campo para o desenvolvimento res e a ampliação do campo do conhecimento.
de novas soluções criativas e inovadoras está A maneira de encarar a realidade será alterada
aberto, com oportunidades de geração de valor. e a regulação continuará em permanente desa-
Algo que dará ao setor a necessária reação da fio.
demanda, para que o mercado de energia possa Sem que o governo precise abrir mão de
se desenvolver em plenitude. O empowerment, seu dever estratégico de acompanhar as soluções
aumento do poder dos consumidores, particu- que se desenvolverão, todos poderão se benefi-

15
Alta
Alta
• Agregação (Geração,
Carga e Serviços)
• Sinergia
• Conhecimento e
Inteligência
Geração
Geração
de
de Valor
Valor
ããoo
v
vaaçç
o
IInno

Produto padronizado
Baixa
Baixa

Produto
Produto Necessidade
Necessidade do
do cliente
cliente
Foco
Foco
Geração de valor setor elétrico.

ciar. Energia poderá ser estocada em produtos, de gerar para a sociedade devidamente reconhe-
se esta solução se mostrar mais racional do que cido no processo regulatório.
manter usinas paradas para uso em limitados A tecnologia também combaterá fraudes e
períodos de tempo. Empresas serão estimuladas furtos e viabilizará formas modernas de comer-
a fazer uma arbitragem entre o uso de diferentes cialização, como a energia pré-paga e a que terá
energéticos e entre diferentes formas e locais de restrição de consumo em alguns horários em
produção e consumo. O aumento da eficiência troca de preços menores. Assim os ganhos se
de processos industriais, a autoprodução, em estenderão até mesmo aos consumidores resi-
particular a cogeração, terá enorme espaço a denciais e cativos que poderão se beneficiar
ocupar quando tiverem o valor que são capazes diretamente dos iminentes avanços tecnológicos.

Princípios da ação do regulador

O modelo da ANEEL e sua forma de traba- naturais riscos de captura, fortalece a instituição e
lho, com diretoria colegiada, mandatos, superin- consolida sua presença no setor elétrico.
tendentes não subordinados diretamente a um Considerando o que foi brevemente apresenta-
diretor, Procuradoria Federal autônoma, adminis- do e, com um olhar direcionado à atuação dos pro-
tração por processos, audiências públicas, reuniões fissionais que se incorporam à ANEEL, é possível
abertas de diretoria com participação dos interes- chamar a atenção para questões que, em breve, farão
sados é uma conquista extraordinária. A sabatina parte do dia a dia de todos.
de aprovação pelo Senado e a exposição nas audi- Primeiro é preciso levar em conta que a com-
ências públicas e reuniões de diretoria abertas plexidade do ambiente regulado é enorme e requer
também contribuem para assegurar que os direto- densidade de conhecimento, abrangência e multidis-
res tenham o perfil técnico e a experiência necessá- ciplinariedade. Está superada a era exclusiva dos
rias à função. Este modelo preserva a Agência dos engenheiros. Hoje economistas e advogados são
igualmente necessários ao setor. Cada regulador pre-

16
cisa ter uma visão do todo, perceber o seu papel e dos. A TRANSPARÊNCIA dos processos e
compreender o contexto de sua atuação. Os sinais decisões deve ser outra marca da ação dos re-
econômicos de cada norma precisam ser analisados e guladores.
seus efeitos antecipados. Uma decisão na área de A clareza de objetivos, o rumo, o compromisso
fiscalização de um agente específico pode trazer com o ponto de chegada são essenciais. É possível, e
significativos impactos no mercado para todos os muitas vezes necessário ou desejável, que se estabele-
outros. Um novo regulamento ou uma decisão çam trajetórias alternativas, desde que não compro-
sobre a operação do sistema, podem provocar metam as metas estabelecidas. O FOCO nos objetivos
custos que não estavam presentes quando decisões e na definição de prioridades evita a dispersão de
foram tomadas, gerando um ônus maior do que o esforços e potencializa a ação regulatória.
previsto ou inviabilizando investimentos. A com- A INDEPENDÊNCIA é fundamental para
preensão das regras do setor, de seus mecanismos, que a Agência possa encontrar o ponto de equilí-
do despacho do sistema, de sua formação de pre- brio de sua atuação e evitar o risco de captura pelo
ços, dos riscos associados, dos aspectos legais e governo, pelos agentes, pelos consumidores, pelos
econômicos de cada ação é hoje uma pré-condição órgãos de controle e pela própria corporação. A
da atuação dos reguladores. A CONSISTÊNCIA independência se completa com a autonomia, em
do conhecimento deve, portanto, ser perseguida. particular na disponibilidade dos recursos necessá-
A presença de agentes de natureza totalmente rios para o desempenho de suas funções.
distinta pede que se preserve a isonomia de tratamen- Por fim, o regulador não tem o domínio absoluto
to no setor elétrico. Se este não fosse o caso, aqueles do conhecimento e da sabedoria. Com humildade,
agentes que entendem que poderiam ser prejudicados deve estar voltado para o aprendizado e para divulgar
por decisões não isonômicas deixarão de investir. o conhecimento acumulado, diminuindo a assimetria
Também é importante que decisões das diversas áreas de informações no mercado de energia. As teses
da Agência sejam compatíveis entre si. A fiscaliza- precisam ser contestáveis para que sejam sólidas e
ção, por exemplo, não pode agir com base em concei- densas sendo necessário ouvir consumidores e agen-
tos individuais do que é certo ou adequado e julga- tes, governo e sociedade. Precisa haver fundamental-
mentos de valor, mas seguindo o previsto na regula- mente diálogo interno entre as diversas áreas da agên-
ção. As decisões do passado e as atuais também pre- cia para promover e estimular a diversidade de co-
cisam estar compatibilizadas. Cada nova obrigação e nhecimento. O DIÁLOGO com os formadores de
flexibilização estabelecida pela regulação técnica opinião, formuladores de política e com a sociedade
precisa ser acompanhada de mudanças na regulação em geral, trazendo as oportunidades de aperfeiçoa-
econômica. A COERÊNCIA das ações e normas mento do ambiente regulatório e de seu marco legal,
também é de grande relevância para o regulador. deve ser exercido com empenho e por iniciativa do
A confiabilidade, estabilidade e previsibi- Regulador. Esta talvez seja a mais importante e subes-
lidade das decisões são também condição para timada dimensão de sua ação.
a consolidação do modelo regulatório, da atra- O cenário atual do setor elétrico, com o Novo
ção de capitais e dos benefícios aos consumi- Modelo, que persegue a estabilidade, atração de in-
dores. É sempre possível e desejável o aperfei- vestimentos e promoção da modicidade tarifária, traz
çoamento do ambiente regulado, mas o regula- a oportunidade de fortalecimento do ambiente institu-
dor não pode agir de forma impulsiva. É i- cional em especial de sua Agência Reguladora.
gualmente importante reconhecer os direitos de Com a compreensão de seu próprio papel, do
agentes de todos os segmentos e de consumido- mercado, dos agentes e dos consumidores, o regula-
res decorrentes do momento em que cada deci- dor estará consolidando mais fortemente sua presen-
são foi tomada. A SEGURANÇA é fator fun- ça. Seguindo as políticas definidas, respeitando a
damental para o estabelecimento de um ambi- segurança jurídica, mas aperfeiçoando as regras,
ente atrativo a investimentos eficientes. estará estimulando a geração de valor para empresas e
A motivação das decisões deve estar clara consumidores. Contribuirá para a atração de investi-
a todos e a reprodutibilidade dos processos mentos para o setor elétrico, a segurança da oferta e a
deve ser sempre possível. Os procedimentos modicidade tarifária nos termos de sua missão: pro-
internos, como, por exemplo, nos cálculos de porcionar condições favoráveis para que o merca-
tarifas, precisam estar aptos a serem reproduzi- do de energia elétrica se desenvolva com equilíbrio
dos externamente com os resultados confirma- entre os agentes e em benefício da sociedade.

17

You might also like