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Alcoolismo: Conceitos e

práticas

Intervenção Cognitivo-Comportamental
em Adultos II
FPCE – UC

16 de Abril de 2008

Vera Maria de Sá Raposo


(…) No planeta seguinte vivia um bêbado. Foi uma visita muito curta, mas que
mergulhou o principezinho numa grande melancolia.
-O que é que estás a fazer? – perguntou ele ao bêbado que foi encontrar muito
calado, diante de uma colecção de garrafas vazias e uma colecção de garrafas
cheias.
- Estou a beber – respondeu o bêbado com um ar lúgubre.
- E porque é que estás a beber? – perguntou o principezinho.
- Para me esquecer – respondeu o bêbado.
- Para te esqueceres de quê? - perguntou o principezinho, que já começava a ter
pena dele.
- Para me esquecer de que tenho vergonha – confessou o bêbado, baixando a
cabeça.
- Vergonha de quê? – tentou informar-se o principezinho, cheio de vontade de o
ajudar.
- Vergonha de beber – concluiu o bêbado, fechando-se definitivamente no seu
silêncio.
E o principezinho foi-se embora, perplexo. (…)

A. de Saint-Exupéry, “O principezinho”
Um pouco de história…

Lucia Hinz – “O fim de uma história


sem começo”
• Período paleolítico –
prática de transformar o
açúcar de frutos e
sementes de frutos em
álcool etílico através da
sua fermentação;
• Período Neolítico – A
cerveja e o seu fabrico
já eram do
conhecimento do
Homem;
• Civilizações chinesa,
egípcia, hebraica, grega e
romana – abundantes
registos de consumo e
abuso de álcool;
• 800 D.C – Descoberta da
destilação pelo químico
persa Rhases
• Séc. XI – Generalização
da destilação do vinho
pela Europa; o álcool
entra nos hábitos
alimentares da população;
• Conotação à religião –
sensação de irrealidade e
de sobrenatural;
experiência espiritual
positiva; efeitos
“reconfortantes” do vinho
na mitigação da
infelicidade; simbolismo do
álcool para a igreja cristã;
• Utilização na medicina –
anestésico;
• Séc. XVII/XVIII –
funções socialmente
integradoras: taberna
como centro de
actividades
económicas, sociais e
políticas;
Séc. XIX – Abordagem médico-científica dos problemas
ligados ao consumo de álcool:

• Crescente consumo anual de álcool (capitação anual


superior a 3 litros de álcool);
• Elevada proporção do número de tabernas por
habitante;
• Progressos no conhecimento da fisiologia da célula
nervosa e dos efeitos de álcool sobre o SN;
• Aumento do número de alcoólicos entre a população de
manicómios e estabelecimentos afins;
• Primeiro estudo do quadro clínico de Delirium Tremens
(Thomas Sutton).
• Benjamin Rush (1785-1844) –
Primeiro tratado científico que
abordava o alcoolismo como
uma doença
• Magnus Huss (1851) –
Alcoolismo crónico como uma
síndrome autónoma, como
uma forma de doença
correspondendo a uma
intoxicação crónica; descreveu
quadros patológicos
desenvolvidos em pessoas
com hábitos excessivos e
prolongados de bebidas
alcoólicas; apontou o álcool
etílico como agente patogénico
de numerosas situações
mórbidas do Homem.
• Magnan, Lasegue e Mignot
(finais séc. XIX) – Primeiras
análises descritivas e
classificativas das formas
agudas, sub-agudas e
crónicas do alcoolismo;

• Escola americana de Jellinek


(1940) e sua expansão à
Europa (1945) – abordagem
multidisciplinar - efeitos do
consumo excessivo e
prolongado de bebidas
alcoólicas, que acaba por
determinar um estado de
“dependência” ao álcool,
responsável por doença física,
psíquica e social do indivíduo;
Epidemiologia e prevalência (1)
• Uso largamente difundido um pouco por toda a
parte, à excepção das sociedades árabes e da
maioria dos países asiáticos;
• Portugal:
• forte produção nacional (7,8 milhões de HL
vinho – 9º maior produtor mundial; 6,8 milhões
de HL cerveja, em 1999);
• Cada português gastava em 1995, em média,
150 euros em bebidas alcoólicas por ano,
montante que sobe para os 1500 euros/ano no
caso dos indivíduos alcoólicos;
• Os custos para a sociedade das consequências
do consumo abusivo de álcool estão estimados
em 5 mil milhões de euros (Morais, 2000).
Epidemiologia e prevalência (2)
• Em 2003, o consumo per capita médio de álcool
puro foi de 9,6 L (58,7 L de cerveja; 42 L de
vinho e 1,4 L de bebidas destiladas);
• É o 8º maior consumidor da União Europeia;
• Em Portugal estima-se que existam 1 milhão de
bebedores excessivos e 700 000 alcoólicos
crónicos (Mello et al, 2000)
• Estima-se que 10% da população apresenta
graves incapacidades ligadas ao álcool (Mello et
al,2002);
Epidemiologia e prevalência (3)
• Mais de 80% dos homens e 50% das mulheres
consomem bebidas alcoólicas;
• Consumo crescente de cerveja (incremento superior a
390% entre 1970 e 2000), de bebidas destiladas, mais
fortemente alcoolizadas (aumento de 180% entre 1970 e
2000) e de novas bebidas (sumos com álcool, shots,
etc);
• Crescente consumo de bebidas alcoólicas pela mulher;
• Início dos hábitos de consumo é precoce (mais de 60%
dos jovens entre os 12 e os 16 anos e cerca de 70% de
jovens com idade superior a 16 anos consomem
regularmente bebidas alcoólicas);
• Crescente consumo de bebidas alcoólicas pelos jovens,
por vezes integrado em quadros de politoxicomanias;
• Aumento do consumo nos homens acima dos 45 anos,
nas mulheres acima dos 50 anos e nos indivíduos com
um grau de educação mais elevado (Vidal e Dias, 2005).
Epidemiologia e prevalência (4)
• Diminuição da esperança de vida do bebedor excessivo;
• 8-10% mortes anuais de indivíduos entre 16-74 anos
estão relacionadas com o consumo excessivo de álcool;
• Relação entre alcoolismo e suicídio (entre 1931 e 1989,
20% dos suicídios masculinos em Portugal podem ser
atribuídos ao álcool);
• Principal causa de morte em acidentes na estrada (40 a
50%);
• Incidência do alcoolismo ronda os 90% nas hepatopatias
e os 60% nas pancreopatias;
• Papel causal, co-causal ou de agravamento da doença
cardiovascular, dos AVCs e da doença oncológica.
Alcoolismo: conceitos e definições (1)

OMS (1980) – Alcoolismo


como doença
Alcoolismo e alcoólico
como doença e
como doente,
alcoólico como mas
doente, mas “O Alcoolismo não constitui uma
ultrapassandooomodelo
ultrapassando modelo
entidade nosológica definida, mas
médicoeemédico-social
médico médico-socialdede
alcoolismo,focado
focadono
no a totalidade dos problemas
alcoolismo,
indivíduoeena
indivíduo napossibilidade motivados pelo álcool, no
possibilidade
de tratamento de
(OMS, indivíduo, estendendo-se em
tratamento.
1980). vários planos e causando
perturbações orgânicas e
psíquicas, perturbações da vida
familiar, profissional e social, com
as suas repercussões
económicas, legais e morais”.
Alcoolismo: conceitos e definições
(2)

“Problemas ligados ao álcool ... é


uma expressão imprecisa mas cada
vez mais usada nestes últimos anos
para designar as consequências
nocivas do consumo de álcool. Estas
consequências atingem não só o ►Alcoólico é o indivíduo
bebedor, mas também a família e a
colectividade em geral. As que perdeu a
perturbações causadas podem ser capacidade de decidir
físicas, mentais ou sociais e entre beber e não beber,
resultam de episódios agudos, de
um consumo excessivo ou de beber só até um
inoportuno, ou de um consumo limite e não deixar de
prolongado” (OMS, 1982)
beber num determinado
momento” (OMS, 1982).
Critérios de Diagnóstico – C.I.D.-10 (OMS, 1992)
• – Dependência de substâncias psicoactivas: álcool é
integrado no grupo de substâncias psicoactivas
passíveis de induzir perturbações de vária ordem, sendo
que o diagnóstico de dependência é estabelecido se 3
ou mais das seguintes ocorrências foram experienciadas
durante algum tempo nos 12 meses anteriores à
observação:

1-Um forte desejo ou compulsão para consumir a


substância;
2- Estado de abstinência fisiológica no caso de redução ou
cessação do uso da substância;
3- Uso da substância com a intenção de alívio ou
evitamento dos sintomas de privação;
4- Evidência de tolerância, sendo requeridas doses mais
altas para a obtenção dos efeitos previamente
produzidos por doses quantitativamente inferiores;
Critérios de Diagnóstico – C.I.D.-10 (OMS, 1992)

5- Estreitamento do reportório pessoal dos padrões do uso


da droga (por ex. tendência para ingerir bebidas
alcoólicas do mesmo modo em dias úteis e nos fins-de-
semana, sejam quais forem os constrangimentos
sociais);
6- Negligência progressiva de gratificações e interesses
alternativos, num processo de centração no uso da
droga;
7- Persistência no uso da substância apesar da clara
evidência de consequências manifestamente nocivas,
com consciência da natureza e alcance dos prejuízos;
8- Evidência de que o retorno ao uso da droga após um
período de abstinência conduz a uma mais rápida
reinstalação do síndrome de dependência que noutros
indivíduos não dependentes
Critérios de Diagnóstico – C.I.D.-10 (OMS, 1992)
• Uso nocivo de substâncias psicoactivas (CID-10):
1- Evidência de um dano físico ou mental atribuível ao uso da
substância;
2- Ocorrência frequente de críticas por parte de outrém e
consequências sociais, familiares ou legais de vária ordem
decorrentes directamente do uso da droga.
Deve ser excluído se síndrome de dependência, estado psicótico ou
outra forma específica de distúrbio relacionado com o uso da
substância.

• Outras classificações:
- Estados de privação (com ou sem delirium);
- Distúrbios psicóticos (alucinose alcoólica, ciúme alcoólico, paranóia
alcoólica e outros estados psicóticos);
- Síndromes mnésicos com graves comprometimentos cognitivos (ex.
psicose de Korsakov e as condições psicóticas residuais de início
tardio relacionados com o uso de drogas como estados demenciais
e outras persistentes disfunções com graves défices cognitivos.
Critérios de Diagnóstico – D.S.M.–IV-TR (APA, 2000)

Perturbações da utilização do álcool:


- Abuso do álcool;
- Dependência do álcool;

- Perturbações induzidas pelo álcool:


- Intoxicação por álcool;
- Abstinência por álcool;

• Outras perturbações induzidas pelo álcool


Abuso de álcool (D.S.M.–IV-TR, APA, 2000)
Padrão desadaptativo de utilização de substâncias levando a défice ou
sofrimento clinicamente significativo, manifesto por um (ou mais)
dos seguintes, ocorrendo num período de doze meses:
1- Utilização recorrente do álcool resultando na incapacidade de
cumprir obrigações importantes no trabalho, na escola ou em casa
(por exemplo, ausências repetidas ou fraco desempenho
profissional relacionado com a utilização de álcool, suspensões ou
expulsões escolares relacionadas com o álcool; negligência de
crianças ou deveres domésticos);
2- Utilização recorrente do álcool em situações em que este se torna
fisicamente perigoso (condução, trabalho com máquinas);
3- Problemas legais recorrentes relacionados com a substância (ex.
prisões por comportamentos desordeiros relacionados com o
álcool);
4- Continuação da utilização da substância apesar dos problemas
sociais ou interpessoais, persistentes ou recorrentes causados ou
exacerbados pelo efeito do álcool (ex. discussões conjugais sobre
as consequências da intoxicação, lutas físicas);

– Os sintomas nunca preencheram os critérios de Dependência


do Álcool;
Dependência do álcool (D.S.M.–IV-TR, APA, 2000)
Padrão desadaptativo de utilização do álcool levando a défices ou
sofrimento clinicamente significativo, manifestado por três ou mais
dos seguintes, ocorrendo em qualquer ocasião, no mesmo período
de doze meses:

1- Tolerância definida por qualquer um dos seguintes:


– necessidade de quantidades crescentes de álcool para atingir a
intoxicação ou o efeito desejado;
– diminuição acentuada do efeito com a utilização continuada da
mesma quantidade de álcool;

2- Abstinência manifestada por qualquer um dos seguintes:


– síndrome de abstinência característica do álcool (critérios A e
B);
– a mesma substância (ou outra relacionada) é consumida para
aliviar ou evitar os sintomas da abstinência;
3- O álcool é frequentemente consumido em quantidades superiores
ou por um período mais longo do que o que se pretendia;
Dependência do álcool (D.S.M.–IV-TR, APA, 2000)

4- Existe desejo persistente ou esforços, sem êxito, para diminuir ou


controlar a utilização do álcool;
5- É despendida grande quantidade de tempo em actividades
necessárias à obtenção e utilização do álcool e à recuperação dos
seus efeitos;
6- É abandonada ou diminuída a participação em importantes
actividades sociais, ocupacionais ou recreativas devido à utilização
de álcool;
7- A utilização do álcool é continuada apesar da existência de um
problema persistente ou recorrente, físico ou psicológico,
provavelmente causado ou exacerbado pela utilização do álcool
(ex. manutenção do consumo apesar do agravamento de uma
úlcera devido ao consumo deste).

Especificar se:
- Com Dependência Fisiológica
- Sem Dependência Fisiológica
Abuso ou dependência?

O que distingue a Dependência do Álcool


do Abuso do Álcool é que no primeiro
quadro existe uma evidência de:

• tolerância;
• abstinência (privação) ou
• comportamento compulsivo

relacionado com a utilização do álcool!


Intoxicação pelo álcool (D.S.M.–IV-TR, APA,
2000)
• Ingestão recente de álcool;
• Alterações comportamentais ou psicológicas desadaptativas,
clinicamente significativas (ex. comportamento sexual ou
agressivo desadequado, labilidade do humor, perturbações
do discernimento, diminuição do funcionamento social ou
ocupacional) que se desenvolvem durante ou pouco depois
da ingestão de álcool;
• Um (ou mais) dos seguintes sinais, durante ou pouco depois
da ingestão de álcool:
- Discurso empastado;
- Descoordenação;
- Marcha instável;
- Nistagmo;
- Défices na atenção ou memória;
- Estupor ou coma.
• Os sintomas não são devidos a um estado físico geral ou a
qualquer outra perturbação mental.
Abstinência do álcool (D.S.M.–IV-TR, APA, 2000)
• Interrupção (ou redução) da utilização maciça e prolongada de álcool;
• Dois (ou mais) dos seguintes, que se desenvolvem entre várias horas ou
poucos dias após o critério A:
- Hiperactividade autonómica (ex. diaforese ou pulsação superior a 100);
- Tremor aumentado das mãos;
- Insónia;
- Náuseas ou vómitos;
- Alucinações ou ilusões visuais, tácteis ou auditivas, transitórias;
- Agitação psicomotora;
- Ansiedade;
- Convulsões do tipo grande mal;
• Os sintomas do critério B causam sofrimento ou défices clinicamente
significativos no funcionamento social, ocupacional ou noutras áreas
importantes;
• Os sintomas não são devidos a um estado físico geral ou outra perturbação
mental.

• Especificar se Com perturbações da percepção


Outras perturbações induzidas pelo álcool (D.S.M.–
IV-TR, APA, 2000)
• Delirium de intoxicação pelo álcool;
• Delirium de abstinência pelo álcool;
• Demência persistente induzida pelo álcool;
• Perturbação mnésica induzida pelo álcool;
• Perturbação psicótica induzida pelo álcool, com actividade delirante;
• Perturbação psicótica induzida pelo álcool, com alucinações;
• Perturbação do humor induzida pelo álcool;
• Perturbação de ansiedade induzida pelo álcool;
• Disfunção sexual induzida pelo álcool;
• Perturbação do sono induzida pelo álcool;
• Perturbação relacionada com o álcool sem outra especificação.

Estas perturbações são diagnosticadas em vez de Intoxicação ou


Abstinência apenas quando os sintomas excederem os
habitualmente associados à Intoxicação ou Abstinência e forem
suficientemente graves para requererem atenção clínica
independente.
Delirium alcoólico

- Em intoxicações alcoólicas avançadas;


- Desencadeados pela supressão do álcool
(sevrage), mas também por um aumento brusco
de consumo ou por um traumatismo, uma
intervenção cirúrgica, uma infecção aguda ou
mesmo um traumatismo psíquico;
- Traduz uma ruptura de um equilíbrio e vai
manter-se até que os processos psicológicos
sejam restabelecidos;
- 2 tipos: delírio alcoólico sub-agudo e delírio
alcoólico agudo ou delirium tremens;
Delírio alcoólico sub-agudo

- Intensificação dos sistemas de privação;


- Estado confuso-oniróide, com certo grau de
agitação (contudo, o estado físico do doente é
geralmente mantido);
- Alucinações visuais (zoópsicas ou de conteúdo
profissional; podem apresentar um carácter
terrífico e podem ser acompanhadas de
confabulações);
- Pode agravar-se e evoluir para delírio alcoólico
agudo.
Delírio alcoólico agudo ou delirium tremens
• Quadro psicótico grave, associando sintomas psíquicos,
neurológicos e mau estado geral do doente;
• Precedido de acentuação dos tremores e dos episódios
confuso-oníricos ou subitamente instalado, após uma ou
mais crises convulsivas;
• Confusão, alucinações visuais, auditivas e cinestésicas,
delírio ocupacional e intensa agitação com insónia total;
• Tremor generalizado e contínuo, movimentos
masticatórios, disartria, suores profusos, palidez,
hipertermia, taquicardia;
• Pode evoluir para um quadro de desidratação intensa,
hipotensão arterial, com colapso cardiocirculatório e
morte;
• Pode evoluir favoravelmente em 4-5 dias, se intervenção
terapêutica, podendo no entanto observar-se a
persistência de sequelas do tipo alucinose pós-onírica,
delírio crónico e delírio de ciúmes.
Demência persistente induzida pelo álcool (1)
• Desenvolvimento de défices cognitivos múltiplos
manifestados por :
- Diminuição da memória (diminuição da capacidade para
aprender nova informação ou para recordar informação
previamente aprendida;
- Uma ou mais das seguintes perturbações cognitivas:
- afasia (perturbação da linguagem);
- apraxia (diminuição da capacidade de desenvolver
actividades motoras apesar da função motora
permanecer intacta);
- agnosia (incapacidade de reconhecer ou identificar
objectos apesar da função sensorial permanecer
intacta);
- perturbação da capacidade de execução (planeamento,
organização, sequenciamento e abstracção).
Demência persistente induzida pelo álcool (2)

• Os défices cognitivos podem causar deficiências


significativas no funcionamento social ou
ocupacional e representam um declínio significativo
em relação a um nível prévio de funcionamento;
• Os défices não ocorrem exclusivamente durante a
evolução de um delirium e persistem para além da
duração habitual da intoxicação ou abstinência de
substâncias.
Outros aspectos clínicos relacionados
com o álcool
• Sindrome de Korsakoff;
• Epilepsia/Convulsões;
• Complicações ao nível
dos sistemas:
- Cardio-vascular;
- Muscular;
- Digestivo;
- Hematopoiético.
Síndrome de Korsakoff ou encéfalo-
polinevrite de Korsakoff:
- Quadro frequente em doentes com intoxicação
alcoólica grave, com carência de vitamina B1,
entre outras;
- Perturbações mnésicas, alteração do humor,
cefaleias, insónia e sintomatologia de polinevrite
sensitivo-motora dos MI;
- Amnésia (anterógrada e eventualmente
retrógrada) é acompanhada de desorientação
espácio-temporal, falsos reconhecimentos e
confabulações;
- Geralmente evolui para estado de deterioração
mental ou para uma psicose confusional grave
ou encefalopatia de Gayet-Wernicke.
Epilepsia/Convulsões (1)
- A frequência de crises epilépticas/convulsivas
no alcoolismo varia entre 5-35%, sendo as
crises grande-mal mais frequentes dos que as
pequeno-mal e psicomotoras;
- A intoxicação prolongada pode traduzir-se por
alterações de dessincronização, frequentes na
encefalose e as provas de activação podem por
em relevo um abaixamento do limiar
epileptogéneo.
Epilepsia/Convulsões (2)
- Doença epiléptica já existente, em que o álcool funciona
como desencadeador da crise e factor de agravamento;
- Indivíduo com predisposição genética, “terreno”
favorável, embora sem crises até ao momento em que o
álcool vai facilitar a sua eclosão;
- Crise convulsiva, na privação alcoólica, com o
significado de um 1º sintoma de delírio agudo ou sub-
agudo;
- Crise convulsiva em indivíduo com alcoolismo agudo,
sem antecedentes epilépticos, onde a crise é apenas um
sintoma de ingestão maciça de álcool ou da
hipoglicémia presente na embriaguez;
- Crises epilépticas desencadeadas por lesões cerebrais
aparentes, causadas pelo álcool na intoxicação crónica;
- Crises epilépticas em alcoólico crónico sem
antecedentes de epilepsia ou predisposição e sem
lesões aparentes – epilepsia alcoólica.
Sistema cardio-vascular
- Hipertrofias e dilatação com insuficiência
cardíaca, arritmia;
- Quadros de miocardiopatia alcoólica (pode
originar insuficiência cardíaca congestiva);
- Fragilidade das paredes vasculares e
hemorragias;
- Aparecimento de coloração típica da face e
sintomas vasculares locais (dado o efeito
vasodilatador do álcool);
- Hipertensão arterial (40g/dia aumenta a tensão;
2º factor de risco depois da obesidade).
Sistema muscular
- Atrofia muscular e cansaço muscular (músculo
estriado), mialgia, caimbras, atrofias;
- Miopatia alcoólica (devido a deficiência de
fósforo, magnésio, potássio, a interferência no
transporte do cálcio, a alteração das enzimas
musculares, a alterações vasculares, a
carências nutricionais, à acção directa do álcool
sobre a célula muscular);
- Miocardiopatia.
Sistema digestivo
- Esófago – refluxo gastroesofágico, laceração da
mucosa esofágica, cancro do esófago;
- Estômago – gastrite, úlcera gástrica, cancro do
estômago;
- Intestino – diarreia, síndrome de mal nutrição,
anomalias histológicas e estruturais, úlceras
pépticas;
- Pâncreas – pancreatite, desnutrição e diabetes;
- Fígado – esteatose alcoólica
(fígado gordo), hepatomegalia,
hepatite alcoólica, cirrose hepática.
Sistema hematopoiético
- Anemia devido a deficiências nutricionais,
hemorragia gastrointestinal crónica,
disfunção hepática e/ou efeitos tóxicos de
etanol na entopoiése;
- Macrocitose (aumento globular médio dos
eritrócitos);
- Trombocitopenia.
Co-morbilidades
• Deficiência mental:
- Diagnóstico diferencial com défices cognitivos
induzidos; adaptações ao nível da intervenção
(controlo de estímulos)
• Perturbações de personalidade:
- Sub-diagnóstico, prognóstico, agravamento do
compromisso funcional (álcool como trigger)
• Perturbações do humor:
- Primárias ou secundárias; importância do
diagnóstico diferencial (pistas para o mesmo:
sexo, tipo de bebidas, contextos de ingestão),
álcool como estratégias desadaptativas de
coping; intervenções complementares
• Perturbações de ansiedade, ansiedade social
em particular:
- Álcool como desinibidor, factor “anestésico”;
importância de se tratar o quadro de base
• Quadros psicóticos:
- Ingestão de álcool como alívio da sintomatologia
produtiva
• Politoxicodependências
Modelos de abordagem do
alcoolismo
• Modelo Moral
• Modelo Espiritual (Enlightment Model)
• Modelo Médico/Doença
• Modelo Bio-Psico-Social ou Modelo Compensatório
(Brickman e col., 1982)

Formulações de leitura do alcoolismo a um nível geral,


que citam pressupostos de interpretação do fenómeno,
incluindo a etiologia, o desenvolvimento e o tratamento
Modelo Moral
• Perspectiva derivada da moral cristã;
• Atribui à pessoa toda a responsabilidade quer
pela existência do problema, quer pelas acções
tendentes à sua solução;
• Baseia-se em considerações de “falta de
carácter” e “força de vontade” por parte dos
indivíduos alcoólicos, que não conseguiram
resistir à “tentação” do impulso de consumir
bebidas alcoólicas;
• Julgamento, estigmatização e condenação
social do alcoolismo: “Lei Seca” (E.U.A., 1922-
1933)
Modelo Espiritual
• Modelo originário dos princípios de grupos de
auto-ajuda como os “Alcoólicos Anónimos”
• Perspectiva que centra no individuo toda a
responsabilidade pela sua história de
alcoolismo, mas que o considera incapaz de
lidar com o problema sem o apelo à intervenção
de instâncias superiores de referência;
• Sujeito sem poder de auto-regulação face à
bebida, sendo o indivíduo considerado ao
mesmo tempo responsável pelo problema e
vítima pelo facto de não ter capacidade de o
controlar;
• “One drink away from a drunk”.
Modelo Médico/Doença
• Modelo “inaugurado” por Benjamin Rush (séc. XIX) e
sistematizado nos finais da déc. 40 do séc. XX por
Jellinek e cols. do Yale Center of Alcohol Studies;
• Perspectiva que considera o alcoolismo uma doença
progressiva, centrada no primado da dependência
fisiológica;
• Os mecanismos biofisiológicos e genéticos seriam a
causa subjacente do desejo compulsivo de beber, o que
impossibilita o exercício de qualquer controlo voluntário
face à bebida;
• Ênfase primária colocada em processos fora do controlo
volitivo num organismo passivo;
• Coloca o alcoolismo num plano de possibilidade de
intervenção terapêutica, encorajando a procura de
tratamento, tendo removido o estigma associado com a
imoderação alcoólica e os sentimentos de culpa
experienciados pelo indivíduo – paradoxo do controlo;
• “Uma vez alcoólico, sempre alcoólico”.
Modelo Bio-Psico-Social ou
Compensatório
• Alcoolismo como fenómeno multifactorial
(factores biológicos, farmacológicos,
psicológicos, situacionais, interpessoais e
sociais);
• Não sendo responsável pelo início e
desenvolvimento do problema, o sujeito tem
capacidade de “compensar”, de exercer controlo
e responsabilidade nos processos de mudança
(sujeito pró-activo na procura de soluções);
• Ênfase na auto-determinação comportamental:
“não dar o peixe mas ensinar a pescar”
(Maimonides)
Em síntese…

Modelo Responsabilidade Responsabilidade


do sujeito pela do sujeito pela
origem mudança

Moral
+ +

Espiritual
+ -

Médico/Doença
- -

Compensatório
- +
Teoria da aprendizagem social
Teoria da aprendizagem social

• Teoria interaccionista que postula o


comportamento enquanto resultado da
interacção multidireccional entre factores
intrapessoais e situacionais;

• Revela o papel que variáveis mediacionais


de ordem cognitiva desempenham no
comportamento e na aprendizagem,
assumindo o indivíduo um papel activo na
construção do seu devir (Bandura, 1977).
Teoria da aprendizagem social e alcoolismo (1)

• A cultura e os agentes de socialização exercem


influências directas (modelamento e reforço social;
mensagens veiculada pelos media) e indirectas
(expressão de crenças, expectativas e atitudes
gerais face ao álcool) sobre a aprendizagem do
consumo de bebidas alcoólicas;

• Os resultados das primeiras experiências directas


com o álcool revelam-se como centrais na
continuidade do consumo, dadas as propriedades
da substância – em parte devido às expectativas
prévias do sujeito – na produção de (iniciais)
estados eufóricos e de alívio de tensões (por
mecanismos de reforço positivo e negativo);
Teoria da aprendizagem social e alcoolismo (2)

• Factores predisponentes de ordem biológica, genética e


farmacológica podem, em conjunção com aspectos
psicossociais, constituir factores sensíveis de
vulnerabilidade para a imoderação do consumo;

• Estes factores de vulnerabilidade interagem com os


perfis específicos das situações vivenciadas pelo
indivíduo e, particularmente, com o seu grau de auto-
eficácia (convicção de que se é capaz de executar com
êxito o comportamento requerido para a produção de
um dado resultado – Bandura, 1977) – expectativas
aprendidas de resultados positivos do beber poderão
implicar a selecção do consumo como forma
preferencial de lidar a curto prazo com esses contextos;
Teoria da aprendizagem social e alcoolismo (3)

• O desenvolvimento da tolerância aos efeitos directos e


imediatos do álcool poderá incrementar o consumo no intuito
da obtenção dos efeitos anteriormente referidos, funcionando
assim como um factor de 2ª ordem (mecanismos de reforço
negativo no evitamento dos sintomas de privação poderão
manter os consumos); a dependência progressiva do álcool
para atingir gratificações a curto prazo e as situações-
estímulo ambientais vão-se constituindo em determinantes
imediatos do desejo intenso de beber;

• O abuso alcoólico produz consequências mal-adaptativas na


interacção do sujeito com o meio ambiente, as quais, por sua
vez, exacerbam a tensão, diminuem a auto-eficácia e inibem
a capacidade de lidar adequadamente com as situações;
produzem-se deste modo as condições para o aumento das
quantidades de álcool ingerido que irão criar mais
perturbações funcionais (determinação recíproca);
Teoria da aprendizagem social e alcoolismo (4)
• Existem múltiplas vias conducentes aos diversos
padrões de relação com o álcool (desde a abstinência
até ao alcoolismo), reguladas pelos princípios de
aprendizagem cognitivo-social (não existe
necessariamente uma combinação-tipo dos factores que
estão na origem e desenvolvimento da imoderação
alcoólica e do alcoolismo);

• A exploração de modos alternativos de lidar e a


aquisição e exercício de competências do auto-controlo
no gerir a apetitividade do beber são essenciais na
recuperação dos indivíduos com problemas ligados ao
álcool (estilo reflexivo; competências auto-regulatórias e
de capacidade de adiamento da gratificação; o aumento
da auto-eficácia em situações de risco e a modificação
de expectativas positivas relativas aos efeitos do álcool).
Modelo da Prevenção da Recaída

Modelo compensatório
+
Teoria da aprendizagem social
=
Modelo da Prevenção da Recaída
Modelo da Prevenção da Recaída (Marlatt, 85)
• É uma abordagem cognitivo-comportamental,
baseada nos princípios da teoria da aprendizagem
social;
• Programa de “auto-gestão” desenhado para atingir
o estádio de manutenção do processo de mudança
de hábitos;
• Foi inicialmente desenvolvido como um programa
de manutenção comportamental a ser utilizado no
tratamento de problemas aditivos, tendo sido
posteriormente alargado a outros comportamentos
aditivos, que impliquem padrões compulsivos e/ou
uma gratificação imediata;
• No caso do alcoolismo, é um método utilizado para
manter a abstinência e/ou para alcançar um estilo
de vida equilibrado (ex. programas de bebida
moderada).
Prevenção da recaída e estádios
de mudança
• Pré-contemplativo – não é
considerada a possibilidade de
mudança;
• Contemplativo – a mudança tanto
é considerada como rejeitada
(ambivalência);
• De preparação – a mudança é
considerada e vista como
necessária; Pré-
Contemplativo Preparação
contemplativo
• De acção – a pessoa inicia
tarefas com vista à mudança;
• De manutenção – As mudanças
obtidas são mantidas, Recaída Acção
prevenindo-se a recaída (Marlatt Manutenção
e Gordon, 1985);
• De recaída – encarada como
uma ocorrência possível e como
uma possibilidade de
aprendizagem.
Maintenance
Stage

Precontemplation Contemplation Preparation Action


Stage Stage Stage Stage

Relapse
Stage
Motivational
Enhancement Assessment
Strategies & Treatment Relapse
Matching Prevention
& Relapse
Management
Marlatt, 2008
Prevenção da recaída: conceitos

• Lapse, relapse e o Efeito da violação da


abstinência (Marlatt e Gordon, 1980);
Craving; Reestruturação cognitiva

Marlatt, 2008
Prevenção da recaída: conceitos
• Situações de alto risco
Heroin TOTAL
RELAPSE SITUATION Alcoholics Smokers Gamblers Overeaters
Addicts Sample
(Risk Factor) (N=70) (N=64) (N=29) (N=29)
(N=129) (N=311)
INTRAPERSONAL DETERMINANTS

Negative Emotional States 38% 37% 19% 47% 33% 35%

Negative Physical States 3% 2% 9% - - 3%

Positive Emotional States - 6% 10% - 5% 4%

Testing Personal Control 9% - 2% 16% - 5%

Urges and Temptations 11% 5% 5% 16% 10% 9%

TOTAL 61% 50% 45% 79% 48% 56%


INTERPERSONAL DETERMINANTS

Interpersonal Conflict 18% 15% 14% 16% 14% 16%

Social Pressure 18% 32% 36% 5% 10% 20%

Positive Emotional States 3% 3% 5% - 28% 8%

TOTAL 39% 50% 55% 21% 52% 44%

Marlatt, 2008
Prevenção da recaída: conceitos
• Auto-eficácia (auto-controlo percebido);
• Expectativas de resultados positivos,
gratificação imediata (fenómeno PIG) e
adiamento da gratificação;
• Decisões aparentemente irrelevantes;
• Treino auto-instrucional (Meichenbaum, 1977);
• Aquisição de competências (assertivas, de
gestão do stress, de resolução de problemas);
• Balanceamento do estilo de vida, auto-
gratificações e as positive addictions;
• Controlo de estímulos.
Effective coping Increased Decreased
response self-efficacy probability of
relapse

High-Risk
Situation

Ineffective Lapse Increased


coping response (initial use of the probability of
substance)
relapse

Decreased Abstinence
Self-efficacy Violation Effect
¤ ¤
Positive outcome
Expectancies Perceived effects
(for initial effects of of the substance
the substance)

Marlatt, 2008
Self-Monitoring
¤ Mediation, Contract to limit
Inventory of Relaxation Training, extent of use
Drug-Taking Situations Stress Management ¤
¤ ¤ Reminder Card
Drug Taking Efficacy-Enhancing (what to do if
Confidence Imagery you have slip)
Questionnaire

Decreased
Ineffective Self-Efficacy
High-Risk ¤ Abstinence
Situation Coping Lapse Violation Effect
Positive
Response
Outcome
Expectancies

Description of Cognitive
Past Relapses Restructuring
¤ Situational (a lapse is a mistake:
Relapse Fantasies Education about coping vs.
Competency Test
immediate vs.
¤
delayed effects
Coping-Skill ¤
Training Decision Matrix
¤
Marlatt, 2008
ALCOHOL ABSTINENCE ALCOHOL USE

POSITIVE NEGATIVE POSITIVE NEGATIVE

Immediate Consequences Immediate Consequences


Improved Immediate
Frustration; Feeling that
self-efficacy, reduction of
denial of one has
confidence anxiety; revenge
pleasure; lost control;
and esteem; against one’s
anger at anger at family
family approval; spouse; better
oneself for and employer;
better health; feeling about work;
not doing financial loss;
financial gains; immediate
what one wants weakness
continued success gratification
Delayed Consequences Delayed Consequences
Continued
Enhanced ability Feeling as though
deterioration;
to control Denial of one is
loss of one’s
one’s life; immediate caught in a
family; loss of
more money; and seemingly fog, so one
one’s employment;
more respect; easy doesn’t have
poor health;
greater gratification to deal with
loss of friends;
popularity reality
greater self-hatred
Marlatt, 2008
Caso clínico
Avaliação – Entrevista e história clínica (1)

• Observação somática, pesquisa e valorização


de sinais objectivos e muitas vezes
quantificáveis;
• Observação psíquica – exame mental;
• Valorização de todo e qualquer sintoma
incipiente ou queixa isolada (ex. parestesias,
vómitos matinais, lapsos de memória, baixa de
rendimento laboral);
• Relação terapêutica (defesas e
branqueamento/minimização informação).
Avaliação – Entrevista e história clínica (2)
• Motivo do internamento:
- Motivo “real”vs “percebido”;
- Se internamentos prévios (quantos, quando e onde);
- Contextos do internamento (encaminhamento, voluntário,
sob pressão, sem consciência do facto)
• História prévia (factores predisponentes):
- História familiar de alcoolismo/outra perturbação do foro
psíquico;
- Dinâmica do funcionamento familiar durante a
infância/adolescência;
- História do desenvolvimento (ex. psicomotor);
- Percurso académico/profissional (breve exploração do
funcionamento cognitivo);
- Afectividade;
- Outros.
Avaliação – Entrevista e história clínica (3)
• História do problema actual:
- Primeiros contactos directos com o álcool;
- Início da imoderação;
- Evolução dos hábitos de consumo;
- História de tratamentos/intervenções prévias;
- Factores da recaída (quando aplicável);
- Análise topográfico-funcional dos consumos (tipo, quantidades,
onde, com quem, quando, o que acontece antes e depois);
- Compromisso funcional associado ao nível:
familiar (agressões físicas e/ou verbais, passividade, delegação de
competências, insuficiente comparticipação na economia familiar,
rupturas);
laboral (cumprimento inadequado das tarefas, mudanças frequentes
de emprego, absentismo, conflitos inter-pessoais, acidentes de
trabalho, ocorrência ou ameaça de despedimento, reforma
precoce);
social (perca do estatuto social, infantilização, conflitos
interpessoais, perca de amigos, acidentes de viação, problemas
legais);
psicofísico (fenómenos alucinatórios, delírio paranóide de ciúmes,
patologia hepato-biliar, gastro-intestinal, etc).
Avaliação – Entrevista e história clínica (4)

- Factores de risco/manutenção dos


consumos;
- Factores protectores (rede sócio-familiar e
comunitária de suporte);
- Outros quadros/sintomas psicopatológicos
co-mórbidos e diagnóstico diferencial;
- Crenças e expectativas relativamente ao
tratamento;
- Motivação para o tratamento.
Avaliação – Entrevista a familiares e outros
significativos
• Entrevista a familiares:
- História e hábitos actuais de consumo;
- Factores de risco/de manutenção/de recaída;
- Compromisso funcional associado (em particular ao
nível familiar);
- Avaliação do funcionamento sistémico;
- Avaliação das crenças e expectativas da família;
- Identificação de fontes de suporte significativas.
• Entrevista a outros significativos:
- Grupo de pares;
- Figuras de autoridade (ex. patrão);
- Técnicos locais que prestam apoio;
- Médico de família;
- Técnicos de saúde que seguiram o doente;
- Etc.
Avaliação – Meios complementares de diagnóstico (2)

• Escalas e questionários de diagnóstico:


- MAS (Mac Andrew Scale), com 49 ítens, elaborada a
partir do MMPI;
- MAST (Michigan Screeening Test) – diagnóstico
biopsicossocial e a distinção de bebedores-alcoólicos,
bebedores-limite e bebedores bem ajustados;
- CAGE (Cut, Annoyed, Guilty e Eye-opener);
- AUDIT (Alcohol Use Disorders Identification Test); -
método de detecção precoce de transtornos por
consumos desenvolvido e recomendado pela OMS a
partir 1989;
- SADQ – C (Severity of Alcohol Dependence
Questionnaire) –avalia o grau de dependência alcoólica.
Avaliação – Meios complementares de diagnóstico (3)

• Intoxicação alcoólica aguda – determinação da taxa de alcoolémia;


• Intoxicação alcoólica crónica – exames que apresentam a maior
capacidade de traduzir a situação biológica do bebedor –
marcadores bioquímicos:
- Gama GT (gama-glutamil-transpeptidase) – aumentados (pelo
menos uma semana de intoxicação diária), normalizando após um
período de abstinência de 3-6 semanas;
- VGM (volume globular médio) – aumentos significativos em 25-70%
dos casos, sendo um sinal tardio de alcoolismo;
- Transaminases (TGO e TGP) – elevadas em metade dos doentes
alcoólicos; elevação das taxas da 2ª superior à 1ª em casos de
lesão hepática; o inverso do que acontece em casos de hepatite
alcoólica;
- ASAT (aspartato-amino-transferase) e ALAT (alanina-amino-
transferase) – podem ter os seus níveis séricos elevados em
consequência da lise celular hepática – elevados em 50% casos.
Focos de intervenção

• Motivação

• Prevenção da recaída
Motivação e mudança
• Motivação como parte integrante e central
do tratamento;
• Motivação como probabilidade
comportamental (probabilidade da pessoa
iniciar, continuar e aderir a uma estratégia
de mudança específica);
• Motivação como um estado actual (de
preparação para a mudança).
Estádios de mudança (Prochaska e
DiClemente)
• Pré-contemplativo – não é considerada a
possibilidade de mudança;
• Contemplativo – a mudança tanto é considerada
como rejeitada (ambivalência);
• De preparação – a mudança é considerada e vista
como necessária;
• De acção – a pessoa inicia tarefas com vista à
mudança;
• De manutenção – As mudanças obtidas são
mantidas, prevenindo-se a recaída (Marlatt e
Gordon, 1985);
• De recaída – encarada como normal, como uma
ocorrência esperada e como uma possibilidade de
aprendizagem.
Estádios de mudança e tarefas do
terapeuta
Estádio de mudança Tarefas do terapeuta

Pré-contemplação Fornecer informação ou feedback no sentido de


aumentar a consciencialização sobre o problema
(aumentar a dúvida e o conhecimento sobre os riscos)
Contemplação Ajudar a balancear no sentido da mudança (evocar
razões para a mudança e os riscos da não-mudança;
aumentar a auto-eficácia)
Preparação Ajudar o doente a determinar o melhor curso de acção
para obter a mudança
Acção Ajudar o doente a por em prática a mudança de forma
gradual (tratamento)
Manutenção Ajudar o doente a identificar e usar estratégias de
prevenção da recaída (follow-up)
Recaída Ajudar o doente a rever os estádios prévios, sem se
sentir culpado pela recaída
A entrevista motivacional (1)
• Metodologia que procura ajudar a pessoa a
reconhecer um (potencial) problema e a agir sobre
o mesmo;
• A responsabilidade da mudança é colocada no
sujeito;
• Procura aumentar o potencial de mudança que
cada indivíduo detém;
• Abordagem mais persuasiva do que coerciva,
mais de suporte do que de confronto;
• Deriva da terapia centrada no cliente (Carl
Rogers)
A entrevista motivacional (2)
• Cinco princípios gerais:
1) Expressar empatia;
2) Aumentar a discrepância;
3) Evitar o confronto;
4) Lidar com a resistência;
5) Aumentar a auto-eficácia;
Expressar empatia
• A aceitação facilita a mudança e potencia
a auto-estima;
• A escuta reflectida é fundamental;
• A ambivalência é aceite como normal.
Aumentar a discrepância
• É importante tomar consciência das
consequências potencialmente aversivas do
comportamento;
• A discrepância entre o comportamento
actual e os objectivos pretendidos pelo
doente irá motivar para a mudança (deve
ser criada discrepância, dissonância
cognitiva);
• O doente deve ser capaz de apresentar os
motivos para a mudança.
Evitar o confronto
• A “discussão” é contraproducente;
• Lidar adequadamente com a postura
defensiva do doente (postura flexível do
terapeuta);
• A resistência é um alerta para mudarmos de
estratégia;
• Os “rótulos” são evitados.
Lidar com a resistência
• Saber “usar o momento” (reframe);
• A percepção pode ser modificada;
• Novas perspectivas são sugeridas mas não
impostas;
• O doente deve ser considerado como uma
“fonte valiosa” no que diz respeito à
definição de soluções para o problema.
Aumentar a auto-eficácia
• A crença na possibilidade de mudança é
uma importante fonte de motivação;
• O doente é responsável pela escolha e
desenvolvimento das mudanças;
• Há que considerar abordagens múltiplas e
alternativas.
Intervenção psicoterapêutica –
abordagem cognitivo-comportamental
• Terapia cognitivo-comportamental grupal;
• Terapia cognitivo-comportamental
individual;
• Intervenção sistémica;
• Intervenção comunitária e laboral;
• Articulação com os cuidados de saúde
primários;
• Follow-up.
Terapia cognitivo-comportamental grupal (1)

• Reuniões de grupo com projecção de


slides que abordam a problemática do
álcool:

- Fornecer e ajustar informações;


- Modificar expectativas positivas
relacionadas com o álcool;
Terapia cognitivo-comportamental grupal (2)

• Reuniões de grupo tipo “mesa redonda”:


- Registo biográfico;
- Contribuir para o processo de reestruturação
cognitiva através da elaboração narrativa em
relação passado, presente e futuro.

• Visionamento do filme “Uma decisão feliz”:


- Apresentação de um modelo positivo e
estabelecimento de processos identificatórios;
- Aumento do insight;
- Incremento da motivação para a mudança.
Terapia cognitivo-comportamental grupal (3)

• Treino de aptidões sociais e respostas


assertivas em situações de pressão social,
utilizando técnicas de role-playing:
- Aumentar probabilidade de respostas
adequadas em situações de alto risco;
- Promoção do auto-reforço;
- Treino de comportamentos auto-afirmativos;
• Acção terapêutica “F”: exposição in vivo com
métodos de auto-controlo:
- Promover o auto-controlo, a auto-eficácia e a
auto-monitorização emocional e cognitiva.
Terapia cognitivo-comportamental individual (1)

• Confrontar o doente com o seu


comportamento objectivo derivado do
estado de privação alcoólica;
• Promover a estimulação aversiva
associada ao álcool;
• Preencher o “vazio” narrativo decorrente
das condições neuropsicofisiológicas
características do síndrome de privação.
Terapia cognitivo-comportamental individual (2)

• Identificação e modificação de expectativas e


crenças relativas ao álcool (experiência pessoal,
disputa cognitiva; carácter bifásico do álcool);
• Confrontação com estado de privação alcoólica
na altura do internamento;
• Confrontação com os resultados das análises
bioquímicas;
• Treino de competências e estratégias
alternativas para lidar com situações específicas
de alto risco;
• Treino auto-instrucional;
• Modificação do estilo de vida do doente
(gratificações quotidianas).
Intervenção familiar (1)
• Compromisso familiar e a (re)estruturação de
papéis e estatutos familiares em função do
problema de alcoolismo/abstinência;
• Expressividade emocional: que papel nas
recaídas?
• Fornecer informações de interesse no
planeamento e desenvolvimento de objectivos
terapêuticos;
• Ajustar crenças e expectativas dos familiares
face ao consumo de álcool/ao tratamento;
Intervenção familiar (2)

• Potenciar o papel do doente enquanto principal


responsável pelo tratamento;
• Promover um comportamento adequado do meio face ao
doente (ex. redução da expressividade emocional);
• Potenciar o papel de aliado terapêutico dos familiares:
monitorização – e não controlo - do comportamento e
efectivação de suporte/apoio quotidiano (ex. reforço
positivo; identificação e ajuda ao doente na gestão dos
factores de risco);
• Ajudar a (re)estruturação de papéis familiares.
Intervenção nos meios comunitária
e laboral
• Contactos junto de significativos e de
opinion makers da comunidade –
informação relativa às necessidades e
objectivos terapêuticos; comprometimento
com o processo de recuperação;
• Contactos com o meio laboral – arranjo de
apoio/suporte e prevenção de situações de
alto risco;
• Articulação com os serviços de medicina
do trabalho e ocupacional.
Articulação com os cuidados de
saúde primários

• Troca de informações clinicamente


relevantes e discussão de casos;
• Seguimento do doente no seu meio de
referência;
• Despiste e encaminhamento de casos.
Follow-up (1)

• Seguimento como parte integrante do


tratamento – avaliação da efectividade da
modificação comportamental no período
pós alta;
• Feito em Serviço de Consulta Externa
• Primeira observação um mês após a alta
clínica;
• Duração mínima de três anos.
Follow-up (2)
• Avaliação da integração do processo terapêutico
efectuado nas várias esferas da vida;
• Abordagem terapêutica de áreas-problema
(individual, sistémica);
• Avaliação das estratégias de coping utilizadas
em situações de alto risco;
• Reforço positivo da abstinência;
• Promoção de atribuições internas relativas à
mudança verificada;
• Avaliação do risco de recaída;
• Consolidação da mobilização de familiares e
outros significativos.
Programas específicos de
intervenção

• Programa de controlo de estímulos;

• Programa de bebida moderada;

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