RESUMO: Aqui pretendemos comunicar resultados preliminares de uma pesquisa
desenvolvida no âmbito do curso de Mestrado do Programa de Pós-graduação em Linguística Aplicada da Universidade Estadual de Campinas. Analisamos narrativas de trabalhadoras e trabalhadores rurais não-escolarizados, integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), sobre como estes sujeitos significam suas experiências com a escrita e a sua inserção em práticas no cotidiano de um acampamento de trabalhadores rurais em luta pela posse da terra nas quais se faz uso da escrita: reuniões de núcleos de família, assembléias, reuniões de setor, etc. O corpus por nós analisado faz parte do banco de dados do curso de Letras para educadores de área de reforma agraria, da Universidade Federal do Pará- Campus de Marabá, financiado pelo Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA). Nesta investigação nos perguntamos como esses sujeitos significam sua relação com a escrita. A partir da reflexão acerca dos sentidos do letramento para esse grupo de adultos não-escolarizados se objetiva contribuir para potencializar uma compreensão de alfabetização de jovens e adultos do campo (PAIVA, 1987) na qual a vivência, a história e a cultura destes sujeitos não sejam apagadas em nome de um letramento autônomo (STREET, 1984), como preconiza a escola que valoriza as práticas de leituras individuais acima das práticas sociais. O estudo desenvolveu-se a partir do trabalho de campo, com registro das práticas sócio-discursivas nos diversos eventos de letramento em que esses sujeitos se inserem, e da descrição de como tecem suas relações com o Outro, interlocutor e co-responsável na construção do seu dizer e de sua(s) identidade(s) (BAKHTIN, 2004). Essa opção metodológica se pauta no pressuposto de que se deve investigar a linguagem em uso, uma vez que o sujeito e seu contexto sócio-cultural consituem o fazer científico (MOITA-LOPES, 2006; SIGNORINI e CAVALCANTI,1998). Pautamo-nos pela concepção de letramento social ou letramento ideológico (KLEIMAN, 1995, SOARES, 2005) para as reflexões empreendidas nesta pesquisa. Concepção esta a partir da qual se admite que as práticas de leitura e escrita situam-se além de uma relação entre indivíduo e código lingüístico, vão além das práticas agenciadas pela escola. Assim, o letramento é compreendido numa perspectiva sócio- histórica, ou seja, entende-se que o que orienta a forma como o sujeito deve entrar em contato com os acervos e suportes de leitura e escrita são os contextos, os interesses e as especificidades sócio-culturais que demandam dos sujeitos, para fins utilitários ou não, a realização das práticas de letramento. Afirmamos isto por acredtiar que antes mesmo de adentrar a escola os sujeitos que vivem em sociedades altamente letradas como a nossa não podem ser tratados como se tivessem “grau zero” de letramento, pois diversos são os contextos sociais que demandam práticas constituídas de habilidades de leitura e escrita e a escola nesse contexto, por si só não contempla todos os eventos de letramento que constituem o cotidiano dos educandos (Tfouni, 2006), ou seja, pessoas não alfabetizadas podem realizar, segundo seu nível de letramento, atividades que para uma concepção etnocêntrica e positivista, somente aqueles alfabetizados teriam a competência necessária. Entende-se que os discursos de sujeitos não-escolarizados acerca dos sentidos que atribuem às suas práticas sociais de uso da leitura e escrita podem revelar o controle exercido pelo discurso escolarizado, posto que historicamente os trabalhadores rurais não tiveram acesso à educação escolar e, quando isto ocorreu, foi ínfimo o tempo em que permaneceram na escola. Seus discursos podem revelar ainda os ditames da escola que são propagados num corpo social que se incumbe de policiar, de cobrar, de exigir certos modos de letramento, demonstrando como, numa sociedade das letras (RAMA, 1984) se percebem aqueles que não se apropriaram das tecnologias de escrita e leitura. A concepção de letramento entendida como prática social de leitura e escrita para além das atividades escolares pode proporcionar o redimensionamento de objetivos no processo de alfabetização em turmas de Educação de Jovens Adultos de Escolas do Campo, superando práticas que assumem metodologias orientadas por atividades de ensino aprendizado da escrita e leitura de textos construídos artificialmente. Para refletir sobre esta questão e problematizar o fato de que os sujeitos do campo ao adentrarem a escola têm contato com uma língua que não é a sua, posto que esta seja eminentemente de tradição oral e não reconhecida oficialmente a não ser como uma variedade, um dialeto; e que a escola não sabe (ou não quer) refletir e trabalhar com a língua e as práticas de linguagem destes sujeitos, assumimos a perspectiva de Cavalcanti (1999) quanto à existência de um mito de monolinguismo no Brasil que eficazmente apaga as práticas linguísticas das minorias (indígenas, quilombolas, migrantes) e das maiorias tratadas como minorias (os falantes de variedades despretigiadas do português ou dialetos), aí se incluindo os sujeitos do campo. Admitimos que no espaço escolar do campo ocorre um bilinguismo (RAJAGOPALAN, 1998), e não apenas o contato com outra variedade do português. Os resultados preliminares nos mostram que as práticas sociais de letramento dos sujeitos desta pesquisa não adentram o contexto escolar, refletindo a consequência de uma metodologia de ensino de língua materna centralizada na realização de práticas arbitrárias de leitura e escrita que não possibilitam um diálogo com a vivência que os educandos têm com eventos e práticas de letramento fora da escola. As primeiras análises apontam para a necessidade de se repensar as políticas e o planejamento linguístico (CANAGARAJAH, 2005) nas escolas do campo a fim de se construir um presente possível aos excluídos dos benefícios do desenvolvimento. Assim, o lugar que ocupam adultos com baixo grau de escolaridade num contexto social em que se exige cada vez mais habilidades de leitura/escrita àqueles que queiram estar inseridos nos diversos eventos de letramento, diz muito no sentido de compreendermos as vozes entrecortadas constituintes das identidades que se configuram de forma fragmentada (HALL, 2005). Os dados apontam para demandas de políticas públicas do campo, sempre considerando as realidades dos sujeitos enraizados nestes espaços sociais. As demandas são de ruptura com um modelo educacional que sempre tomou os sujeitos descolados de suas práticas sociais, por isso mesmo o fracasso sempre tido como do povo e não um fracasso produzido para o povo.
PALAVRAS-CHAVE: Letramento(s). Educação do Campo. Política linguística.