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1. APRESENTAÇÃO
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Este texto tem origem na tese de doutorado Paulo EmílioEmilio e a emergência do Cinema nNovo,
defendida na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo no ano dem 2008, sob
orientação do professor Ismail Xavier, com apoio institucional da Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado de São PauloFAPESP.
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Professor da Universidade Federal do Paraná, pesquisador e docente junto ao Programa de Pós-
Graduação em História na mesma universidade.
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sua tese para a banca composta por Gilda de Mello e Souza, Décio de Almeida Prado e
Alfredo Bosi, em 1972.
Será importante recuperar a narrativa de fatos desste trecho de sua vida do
crítico-professor e intelectual Paulo Emilio Sales Gomes e articulá-los em relação às
questões que permeavam um período em que, em primeiro lugar, temos a contribuição
do crítico e do especialista já consagrado —– o que torna os seus projetos e suas
posturas problemáticos de saída. Será necessário compreender a inserção do trabalho do
crítico e conservador-chefe nesste contexto que é marcado, na intelectualidade, pela
desilusão frente às esperanças na “revolução que faltou ao encontro”. Tal enfrentamento
entre projetos da esquerda intelectual no Brasil e a realidade do jogo no campo de forças
político-institucional é a pedra de toque das discussões após o golpe de 1964. Já em
1967, em texto clássico que marcou época, o acontecimento foi identificado por Octavio
Ianni como fazendo “parte do processo geral do estabelecimento de uma nova
concepção de ‘'civilização ocidental’”'“6, inserido como fato significativo da modulação
mais ampla das relações militares, econômicas e políticas entre Brasil, América Latina e
Estados Unidos. A ideia de uma dependência estrutural é orientadora das teses,
interessante para o estudo do cinema pelo simples fato de falar de sociedade de massas,
de que “o populismo brasileiro é uma forma política assumida pela sociedade de
massas,”, ou de que, com o “colapso de 1964”, “o populismo terá sido apenas uma etapa
na história das relações sociais entre classes”7.
Esstas discussões marcaram os projetos de cinema com programas
revolucionários, uma vez que as mudanças político-institucionais do capitalismo tardio
local estavam se consagrando-se principalmente em termos de hábitos de consumo e
inserção social de novas mediações8 —– a exemplo da articulação do modelo de
televisão de canais de alcance nacional e revistas de ampla difusão. Trata-se do
conhecido “desenvolvimento” do mercado de bens materiais, sobretudo na vertente de
comércio de bens culturais, que se destacou entre os anos 1960 e 1970 pela dimensão e
pelo volume atingidos9. É o momento de plena expansão do mercado editorial, com da
Abril Cultural, e de crescimento, por exemplo, da Rede Globo de Televisão e Rádio.
Assim, diante de um novo mercado, relativamente modernizado, de consumo de bens
6
IANNI. Octávio. O colapso do populismo no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967. p. 180.
7
IANNI. Octávio. O colapso do populismo no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967. p. 180.
8
Ver NOVAIS, Fernando; e MELO, João Manuel Cardoso de. “Capitalismo tardio, sociabilidade
moderna” In. : SCHWARCZ, Lilia Moritz (oOrg.). História da vida privada no Brasil: contrastes da
intimidade contemporânea. Vol. 4. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. v. 4.
9
ORTIZ, Renato. A Mmoderna tradição brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1988. p.111.
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culturais, os projetos de cinema do período do regime militar iriam conviver com aquilo
que Marcos Napolitano bem resumiu como “dilema Corisco ou Zé do Burro” —– que
remetendo a dois personagens de filmes de construções formais antagônicas, O
Ppagador de promessas (Anselmo Duarte, 1962) e Deus e o diabo na terra do sol
(Glauber Rocha, 1964): aderir a uma estética repisada na formação industrial-burguesa
dos estúdios hollywoodianos ou ao modo de construção modernista explicitamente
politizado, a exemplo do manifesto “UPor uma estética da fome”, de Glauber Rocha,
que veio a público em 1965. Este tipo de alternativa marcava, na perspectiva de um
impasse a ser superado, a arte engajada brasileira10.
Todavia, houve um reposicionamento das polarizações depois da nova
conjuntura que se configurou desde meados do ano de 1964. O campo da realização
cinematográfica como meio de intervenção política viu-se compelido a autocríticas
radicais ou contemporizadoras, “tentando se livrar das ilusões políticas e ideológicas
que estavam por trás dos elementos culturais e estéticos que compunham a cultura
nacional-popular e seu mito da aliança de classes” 11. O endurecimento do regime até o
final da década de 1960, a expansão sem precedentes dos meios de comunicação de
massa e o caminho da resistência democrática na década seguinte são elementos
agravantes na tomada de decisões tanto para o cinema engajado quanto para os projetos
alternativos a ele, como, por exemplo, para a comédia erótica (ou “pornochanchada”),
para o cinema “marginal” (ou “cinema do lixo”) eou para o que restou do cinema
popular, que formara gerações anteriores com Mazzaropi e com o cinemafilmes de
gênero.
13
CANDIDO, Antonio et al& outros. A Ppersonagem de ficção. 10ª. ed. 1ª reimp. São Paulo :
Perspectiva, 2004.
14
SALES GOMES, Paulo EmílioEmilio Sales. O cinema brasileiro na década de 1930. São Paulo. 26 p.
mmanuscrito. Conferência apresentada no IEB - Instituto de Estudos Brasileiros. 16 fev. 1973. Acesso:,
BR CB PE/PI. 0296. Publicado posteriormente em: CASTILHO, Ataliba Teixeira de; PRETTI, Dino
(oorgs.). A língua falada culta na cidade de São Paulo: materiais para seu estudo. São Paulo: T. A.
Queiroz, Editor, 1986,. p. 90-111. v. 1, Elocuções Formais.
8
Bariloche (1973, Mazzaropi e& Pio Zamuner, 1973), protagonizado pelo próprio
Mazzaropi. No mesmo influxo, indica a assunção total de temas e questões do cinema
brasileiro, remetendo a fatos, prêmios e notícias de seu meio. Assim, o críticoPaulo
Emílio elabora direciona a sua abordagem para objetos pouco notórios, mas que tem
potencial para compor uma narrativa mais ampla e totalizante sobre o cinema brasileiro,
proporcionando a avaliação crítica que mistura visão da conjuntura política, a trajetória
do cinema local e olhar do perito.
Nessta via, poderíamos dizer que o estado de suspensão foi a regra do cinema
realizado no Brasil, e que tal condição unificava, em uma visão global, a narrativa do
texto “Cinema: trajetória no subdesenvolvimento”, publicado no mesmo ano de 1973.
Tal condição peculiar reuniu no mesmo esforço: 1) os pioneiros (nas primeiras décadas
até os anos 1920); 2) o primeiro impulso industrial (a exemplo de Humberto Mauro e da
Cinédia na década de 1930); 3) o cinema popular- musical (a exemplo da Atlântida, a
partir de 1940); 4) o investimento e o fracasso da industrialização pela burguesia
paulista (com a Cia Cinematográfica Vera Cruz, no final dos anos 1940); 5) as
tendências do cinema independente ou disruptivo (a exemplo de Nelson Pereira dos
Santos, de Roberto Santos, do Cinema Novo, do cinema Mmarginal e da comédia
erótica, emergindo a partir de meados dos anos 1950). Ora, o ensaio “Cinema: trajetória
no subdesenvolvimento” foi publicado originalmente no terceiro número da revista
Argumento, em cujas notas da apresentação do primeiro número constavam a expressão
“estado provisório de suspensão”. O texto do ensaio teve imediata repercussão em
amplos setores da intelectualidade, não só entre gente de cinema, e tem a sua razão de
ser pela inclusão do Cinema Novo, dos marginais e da pornochanchadado Cinema do
Lixo (conhecido como Cinema Marginal) e da comédia erótica (conhecida como
pornochanchada) no conjunto mais amplo de uma narrativa marcada por interrupções.
17
Ver SOUZA, Jose Inácio de Melo. Paulo EmílioEmilio no pParaíso. São Paulo Rio de Janeiro: Record,
2002. p. 513-515.
18
SALES GOMES, Paulo EmílioEmilio Sales. tTrazer por escrito o meu agradecimento… São Paulo,
dDiscurso proferido no Clube dos Artistas, Cinemateca Brasileira (BR CB PE/PI. 0166), São Paulo, 1974.
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expondor a pressão. Elasta atitude está alinhada com a via de resistência, que podemos
expor nas atitudes do crítico em mais dois exemplos de postura notável, reportadas pelo
colega Antonio Candido. Quando houve a cassação de Bento Prado Júnior e José Arthur
Gianotti, Paulo EmílioEmilio se notabilizou como a figura que desmontou um
movimento de demissão coletiva em solidariedade aos colegas. Classificou a ideia de
erro absoluto, porque seria entregar o dDepartamento de fFilosofia para a direita,
facilitando o trabalho da ditadura. Segundo o depoimento de Antonio Candido,
reportando as palavras de Paulo Emilio teria dito:
19
Apud SOUZA, Jose Inácio de Melo. Paulo Emiílio no Pparaíso. São Paulo Rio de Janeiro: Record,
2002. p.512.
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em muito porque era metodicamente escandalosa, mas sobretudo porque foi talhada em
asserções extremamente precisas, dialéticas, com construções imprevistas e irônicas. Ou
ainda a instigante pauta gerada com os artigos e a discussão sobre a comédia erótica, por
exemplo, e a valorização do cinema popular ou da Boca do lLixo, que gerou
consternações em quem esperava ler do perito algo sobre a finesse da atualidade
cinematográfica internacional francesa, alemão, sueca ou italiana.
EisEssa é a defesa dae dedicação integral ao cinema brasileiro: finalmente, um
cinema que, se bem lido e pensado em sua modesta história desde as origens, passando
pela chanchada, pela Vera Cruz, pelo Cinema Novo ou pelo novíssimo cinema (o
marginal), seria capaz de satisfazer uma existência, conforme as palavras que
orientaram a famosa fórmula de defesa da dedicação à literatura brasileira, sintetizada
por Antonio Candido em sua Formação da literatura brasileira, quando afirma que, a
partir de certo momento, a exemplo das “grandes” literaturas, — francesa, alemã,
espanhola, italiana —, a literatura brasileira foi capaz de gerar altas emoções literárias.
A apresentação de si e da coluna de cinema no Jornal da Tarde, a escolha dos
materiais abordados, a estrutura dos artigos e o jogo de remissão a fatos do cinema
brasileiro caracterizam a escrita para o jornal no mesmo período em que Paulo Emilio
Sales Gomes contribuiu com a chamada imprensa alternativa. Na revista Argumento e
diante da ameaça de descontinuação do seu trabalho na Universidade de São Paulo, o
crítico mobiliza colaboradores e amigos contra as tentativas autoritárias. Denoda-se,
assim, a face do intelectual que, jovem, havia sido preso na ditadura do Estado Novo ao
combater as formas do fascismo em suas cores locais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASAFIA: