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TEOLOGIA
DA FAMÍLIA E DO MATRIMÔNIO
Setembro de 2009
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Na época patriarcal podemos identificar uma praxe bastante bem definida com respeito
ao Matrimônio, seguindo tradições contidas no Código de Hamurabi (1700 a.C ). O
matrimônio se situa dentro de um contexto de família patriarcal. A fecundidade é um
grande valor. A descendência se conta por linha masculina garantindo a perpetuidade da
raça e da família. A herança se transmite por linha masculina. Segundo o Código
Hamurabi, o homem tem uma esposa e só pode tomar uma segunda esposa se a
primeira for estéril, mas assim mesmo ele perde tal direito se a esposa lhe dá uma
escrava como concubina. Esse caso se vê bem nítido em Abraão com Sara e Agar (Gn.
16. Is). Jacó já tem duas esposas que lhe dão duas concubinas para se aumentar a
descendência (Gn 29, 15-30). Esaú tem três esposas.
- A bigamia é encontrada com mais frequência. A concubina (escrava ou livre) era ainda
urna mitigação ainda maior da poligamia, pois em qualquer hipótese a concubina tinha
menos direitos que a esposa. O Deuteronômio permite a bigamia simultânea (Dt. 21,15-
17) e a união com mulheres capturadas na guerra (Dt. 21.10- 14).
- O Divorcio é permitido por Deuteronômio 24,1-4 por “algo que desagrade” o marido.
Proibe-se retomar a esposa repudiada. A iniciativa é deixada ao marido. Esta lei visa
evitar um mal maior que seriam ‘guerras’ dentro da família, opressão mútua entre
marido-mulher, assassinato da mulher por parte do marido para este se ver livre dela.
Jesus dirá sobre isso: ‘foi pela dureza dos vossos corações que Moisés permitiu o
divórcio “(cfr. Mc. 10).
O amor conjugal, em nível de esposos. embora durante muito tempo empanado por
outros valores considerados maiores, como a descendência, e obstáculo por questões
culturais, como a hegemonia do homem sobre a mulher que é literalmente comprada,
não obstante tudo isso, vemos crescer no pós-exílio, com a monogamia, a exaltação do
amor entre os esposos. (A própria Lei mosaica protege o primeiro amor: o marido, ao se
casar pela primeira vez, tem um ano livre de incumbências publicas ‘para que possa dar
alegria à mulher que tomou’ (Dt. 24.5). Ao mesmo tempo, a esterilidade de alguns
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Na vida familiar, notamos uma pesada carga cultural que sobrecarrega a mulher. O ideal
de esposa e mãe é aquela que serve ao marido com sua beleza e muitos trabalhos.
mostra-se infatigável, fiel, caridosa e prestativa, podendo o marido se gloriar dela ‘nas
portas da cidade’ (veja Prov. 31, 10-31- Veja também Sir. 26). O adultério é
culturalmente insuportável e, consequentemente, não admitido em nível sócio-religioso.
Já o Dt. 22.22-24 o pune com a pena de morte para ambas as partes. Entretanto, nem
sempre tal pena se aplicará. A mulher adúltera,porém, em qualquer hipótese deverá ser
repudiada, publica ou secretamente. (Em Malaq. 2,16 encontramos a expressão “odeio o
repudio, diz o Senhor”. Trata-se de um divórcio com mulher israelita a fim de se casar
com urna infiel pagã.- não se trata portanto de condenação profética do divorcio pura e
simplesmente). De resto, não existem maiores preocupações quanto a problemas como
a limitação da natalidade, aborto, etc O contexto sociocultural é bem outro.
Oséias é o primeiro a abertamente utilizar tal simbologia. O profeta toma uma prostituta
que lhe dá filhos da prostituição, significando Javé que toma o povo pecador de Israel
como seu povo. O profeta continua a amar a prostituta, embora ela adúltera, resgata-a e
a toma por mulher (o que é paradoxal para a mentalidade da época). Deus persegue a
esposa infiel com seu Amor, Leva-la-á a recordar, na decepção de seus amantes, o amor
antigo que Ele tem por ela e que ainda lhe é fiel (2,9) Deus a conduz ao deserto e lhe
fala no coração (2,18), e tudo se resolve, pois ela se converte para Ele, sendo conduzida
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Segundo uma tradição, aceita pelos pais da Igreja (apesar de reconhecerem a autoria
mosaica), os rolos foram perdidos devido a um incêndio, e foram totalmente reescritos
mediante inspiração do Espírito Santo por Esdras. Esta tradição está apoiada em um
escrito apócrifo – 4 Esdras 14.21,22:
“Porque a tua lei foi queimada, de modo que ninguém sabe as coisas que foram
feitas ou serão feitas por ti. Se tenho achado graça diante de ti, envia o Espírito
Santo a mim, e escreverei tudo que tem acontecido no mundo desde o princípio, as
coisas que foram escritas na tua lei, afim de que homens possam ser capazes de
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encontrar o caminho, e a fim de que aqueles que desejam viver nos últimos dias
possam viver”
Já nos primórdios da era cristã, alguns começaram a duvidar da autoria mosaica, tais
como os nazarenos e os ebionitas. Mas as primeiras argumentações de peso começaram
na Idade Média, com pensadores tais como Ibn Ezra. Isto prosseguiu na Idade Moderna,
com Baruque Espinosa, Carlstadt e Andreas Masius.
A Teoria Documentária, segundo a qual várias fontes foram unidas para formar o
Pentateuco – tornando-o um livro de vários autores – começou a ser delineada em 1753
pelo professor de Medicina em Paris, Jean Astruc. Observando a freqüência com que
aparecem os nomes divinos Elohim e Yahweh, elaborou a tese de que foram usados dois
documentos para a redação do Pentateuco.
Esta idéia evoluiu no final do século XIX para a “hipótese Graf-Wellhausen”, elaborada
por Julius Wellhausen e Karl H. Graf, segundo a qual o Pentateuco era o resultado de
quatro documentos: Javista (J, cerca de 950 a.C.), Eloísta (E, século VIII a.C.),
Deuteronomista (D, século VII a.C.) e Sacerdotal (P, século V a.C.). Desde então, esta
hipótese tem servido de base para a crítica literária do Antigo Testamento. Hoje, ela está
bastante elaborada, e muitas das vezes cada um desses documentos ou fontes é
subdividido em documentos e/ou fontes menores. Vale salientar que muitos aceitam
uma fonte G (do alemão Grundlage, “fundamento”), onde as tradições J e E estão de tal
forma fundidas que é impossível separá-las. Isto seria indicado pelo uso feito em muitas
passagens da combinação Yahweh Elohim – cerca de 417 vezes.
Inicialmente, era tida como a fonte que utilizava exclusivamente o nome Yahweh. Hoje,
essa tradição é assim conhecida pela preferência que dá em utilizar o nome Yahweh
(Javé). Deste modo, muitas passagens que sequer utilizam o Tetragrama Sagrado são
reputadas javistas, como o longo trecho de Gn 42 - 47. Ainda segundo esta tradição, o
nome divino Yahweh é utilizado desde os tempos pré-diluvianos (Gn 4.26). Desconhece
então a suposta revelação deste nome divino, feita somente na época de Moisés (Êx
3.14,15).
O estilo javista é vívido e colorido, numa forma cheia de imagens e com um modo de
narrar realmente magistral. Combina simplicidade com grandeza; tradições simples e
agrupamentos de tradições, solidez de enredo e depuração de estilo, economia de
expressão e controle emocional. Prima pela explicação de etimologias: o homem (Adam)
assim é denominado por ter sido formado do pó da terra (adamah); a mulher (ishah) por
que foi tomado do homem (ish); a torre de Babel por que ali o Senhor confundiu (balal)
a língua de toda a terra; e assim por diante.
Teologicamente, não está tão preocupado com uma declaração religiosa formal; antes,
ela dá uma resposta profunda aos graves problemas que se apresentam a todo o
homem, e as expressões humanas de que se serve para falar de Deus
(antropomorfismo) encobrem um senso muito elevado do divino, destacando a
proximidade de Deus e o seu íntimo relacionamento com o homem. Como prólogo à
história dos antepassados de Israel, ela colocou um sumário da história da humanidade
desde a criação do primeiro casal. Desta forma, ressalta a continuidade do propósito de
Deus desde a criação, passando pelos patriarcas até o papel de Israel como seu povo.
Exalta os grandes patriarcas, mas não esconde os erros destes, trazendo um retrato
humano bastante realista: a embriaguez de Noé (Gn 9.18 – 27); a mentira de Abraão
em contar que Sara era sua irmã, e não esposa (Gn 12.10 – 20); os enganos de Jacó,
como em Gn 27; a violência de Moisés (Êx 2.11 – 23).
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Esta tradição teve origem em Judá e talvez tenha sido escrita no reinado de Salomão,
entre 950 e 850 a.C. O autor é desconhecido, mas provavelmente recebeu apoio
governamental para elaborar uma espécie de “epopéia nacional”, como uma exaltação
nacionalista do jovem reino de Davi e Salomão. Este ímpeto nacionalista leva o javista,
por exemplo, a ignorar que Abraão tenha sido guiado por Deus a Canaã, e evita utilizar
o nome cananeu El para Deus. A situação política no reinado salomônico era propícia:
paz, prosperidade, e o reino na sua máxima expansão. Observe o texto de 1 Reis 3.20 –
28:
“Eram, pois, os de Judá e Israel muitos, como a areia que está ao pé do mar em
multidão, comendo, e bebendo, e alegrando-se. E dominava Salomão sobre todos os
reinos desde o rio Eufrates até à terra dos filisteus, e até ao termo do Egito; os quais
traziam presentes e serviram a Salomão todos os dias da sua vida. Era, pois, o
provimento de Salomão, cada dia, trinta coros de flor de farinha e sessenta coros de
farinha; dez vacas gordas, e vinte vacas de pasto, e cem carneiros, afora os veados, e
as cabras monteses, e os corços, e as aves cevadas. Porque dominava sobre tudo
quanto havia da banda de cá do rio Eufrates, de Tifsa até Gaza, sobre todos os reis da
banda de cá do rio; e tinha paz de todas as bandas em roda dele. Judá e Israel
habitavam seguros, cada um debaixo da sua videira e debaixo da sua figueira, desde Dã
até Berseba, todos os dias de Salomão. Tinha também Salomão quarenta mil estrebarias
de cavalos para os seus carros e doze mil cavaleiros. Proviam, pois, estes provedores,
cada um no seu mês, ao rei Salomão e a todos quantos se chegavam à mesa do rei
Salomão: coisa nenhuma deixavam faltar. E traziam a cevada e a palha para os cavalos
e para os ginetes, para o lugar onde estava cada um, segundo o seu cargo”
A fonte javista está distribuída pelos livros de Gênesis, Êxodo e Números. Alguns alegam
que Deuteronômio 34 e determinadas partes de Josué, Juízes e Samuel também
receberam influência javista. No conjunto de textos que lhe são atribuídos, distingue-se
às vezes uma corrente paralela que tem a mesma origem, mas que reflete concepções
por vezes mais arcaicas e por vezes diferentes, designadas pelas siglas JI (javista
primitiva), L (javista leiga) ou N (javista nômade).
Gn. 2,18-24. Esse relato é o mais antigo dos dois, remontando ao século X antes de
Cristo. Ele se distingue por seu conteúdo fortemente personalista durante muito tempo
esquecido:
- Supondo a existência da união matrimonial e da família (“. ..deixará Pai e Mãe”) o
relato javista pretende basicamente explicar a forte inclinação que existe entre o homem
e a mulher
- A explicação dada pelo relato não se funda no instinto de procriação (note-se bem
isso!), mas sim na verificação de que o homem e a mulher são partes complementares
(“costela” - “ossos de meus ossos”). Ambos são companheiros destinados a formarem
urna unidade perfeita, destinados a formarem uma só carne.
- A concepção cultural de hegemonia masculina leva o autor à colocação de Eva como
procedente de Adão, o que seria provavelmente invertido se a cultura fosse matriarcal.
- Com isso, o relato javista ressalta fortemente o aspecto unitivo do Matrimônio,
enquanto tal união concorre para a realização da pessoa humana como Deus a criou.
Esse aspecto é de capital importância para uma visão personalista do matrimônio,
abertamente favorecida hoje pela Gaudium et Spes 48-51 e Humanae Vitae 1- 10.
Fonte Sacerdotal Gn. 1,26-28: Essa tradição, posterior à primeira (séc.V a.C.) não visa
oferecer uma reflexão explícita sobre o Matrimônio. Trata-se antes de explicar
religiosamente a constituição do homem em seu ser. Nesse relato, os versículos que
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mais chamam a atenção dizem respeito ao “crescei e multiplicai”. Entretanto, muito mais
do que isso, o relato chama a atenção para a capacidade
integral da pessoa humana. Ressaltamos:
- A expressão “imagem de Deus” segundo a qual o homem é criado, é uma expressão
muito discutida entre os exegetas Mas enquanto persiste uma discussão sobre seu
conteúdo, existe por outro lado um consenso em afirmar que se trata de uma expressão
em qualquer hipótese funcional: com ela não se visa mostrar “o que” mas o “para que” o
homem é semelhante a Deus, possuindo inteligência, dominar o mundo, dar o nome aos
animais, ter um relacionamento com o próprio Deus e com os seus semelhantes. Assim,
“imagem de Deus” não se refere a um aspecto externo, mas a um fundamental
relacionamento e comportamento diante de Deus, dos semelhantes e das coisas. Aqui o
homem é mostrado como um ser dialogável com Deus e com seus semelhantes.
- Nesse contexto se coloca a bissexualidade do homem. É interessante que não se
propõe ali uma criação andrógina como na tradição javista, mas simplesmente se afirma
que Deus criou o Homem como macho e fêmea. Isto pode significar a afirmação de que
homem e mulher estão em pé de igualdade e que a pessoa humana é um ser recíproco,
complementável.
- Este ser assim criado e visto por Deus como bom e abençoado. A multiplicação na
fecundidade traz o selo da benção de Deus. A questão da fecundidade é então ai um
dado importante, mas não pode ser entendida como o polo de toda questão, O relato
sacerdotal fala da procriação, mas como vimos, seu contexto é sem dúvida mais amplo
que isso.
Conclusões Teológicas: dessa leitura podemos condensar algumas conclusões
teológicas principais:
- A bissexualidade é o modo de ser do homem como Deus o criou. A sexualidade então
não é sacral, mas é natural ao homem, segundo Deus o fez. Não há lugar para uma
interpretação dualística do ser humano.
- As relações sexuais matrimoniais e a constituição de uma família são conseqüência
natural da criação e não “permissão positiva” ou instituição posterior, segundo afirmação
baseada em preconceitos maniqueus.
- É bastante clara a afirmação da complementaridade entre o homem e a mulher em
nível de paridade de condições, em nível de ser integral e não simplesmente a nível
genital.
- A potencialidade generativa é afirmada como um dom de Deus, natural e abençoado,
ao mesmo tempo em que é colocado sob a responsabilidade do homem.
- Não parece ser possível deduzir desses textos a monogamia. Seria forçar o texto, pois
a referência embora indique concretamente um casal e se diga “uma só carne”, ela
valeria tanto para o casal como para uma comunidade familiar fundada numa
complementaridade entre mais pessoas (cft. F.Boeckie).
- Os relatos javista e sacerdotal do Gênesis não se reduzem a uma visão simplesmente
procriativa da união entre o homem e a mulher, mas ao contrário, a visão que fica mais
ressaltada é exatamente a unitiva,
2. Matrimônio no Novo Testamento
2. 1 Jesus diante da Família
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Existe urna idéia bastante mistificada sobre a experiência familiar de Jesus Por um lado,
através da proposta da “Sagrada Família” como modelo da família cristã, busca-se
introjetar na experiência familiar de Jesus tudo aquilo que se gostaria de ver nas famílias
cristãs de hoje . Essa introjeção naturalmente oculta muitos aspectos conflitantes
experimentados por Jesus. E mais do que Isso, impede em grande parte de se chegar ao
próprio ensinamento de Jesus sobre a Família. Por outro lado, nesta lógica, várias
afirmações de Jesus, que até parecem ser contra a família, ficam sem uma análise mais
global. Não se trata aqui de apurar a experiência familiar do Jesus histórico. Mas
interessa—nos perceber como, a partir de alguma experiência histórica, se propõe um
ensinamento de Jesus que envolve as relações familiares. Para tomar mais fácil, vamos
dividir por pontos:
1- Parece ter havido, inicialmente, uma tentativa dos familiares de Jesus em tirar
proveito do sucesso de Jesus, ou ao menos de aproveitar o sucesso para salvar sua
imagem e sua vida. “Aproximava-se a festa dos judeus, chamada das Tendas. Disseram-
lhe, então, os seus irmãos: ‘Parte daqui e vai para a Judéia, para que teus discípulos
vejam as obras que fazes, pois ninguém age às ocultas, quando quer ser publicamente
conhecido. Já que fazes tais coisas, manifesta-te ao mundo!’ Pois nem mesmo seus
irmãos acreditavam nele” (Jo. 7,3—5)
2- Os familiares, ao perceberem as posições radicais de Jesus, passam a achar que ele
está louco. Diz Mc.3,20-21: “E (Jesus) voltou para casa. E de novo a multidão se
apinhou, a ponto de não poderem se alimentar. E quando os seus tomaram
conhecimento disso. saíram para detê-lo, porque diziam: Enlouqueceu ‘“. O passo
seguinte dos familiares era “se escandalizar dele”. Esta expressão significa
possivelmente que Jesus tenha sido expulso de sua família. Jesus mesmo se queixou
dizendo que “não há profeta sem honra exceto em sua pátria, em sua parentela e em
sua casa’. (veja Mc.6,l -6 e paralelos).
3 – Jesus, em sua missão, se coloca desde o início acima de toda instituição humana,
acima dos compromissos familiares. Está bastante clara esta sua posição no evangelho
da infância, com o episódio da “perda de Jesus no Templo”. (Lc 2,41-52)
4- Dos discípulos, Jesus exige desvinculação da família quando isso é requerido pelo
serviço ao Reino de Deus. Varias contraposições de Jesus à família se colocam nesse
contexto. Ficam particularmente claras
a) no chamado (vocação) dos apóstolos, em que a exigência de deixar pai, mãe e
família é evidente (Mc 1,20: Mt.4,20-22), b)no reconhecimento de Jesus de que
há nisso um grande valor ‘Em verdade vos digo que não há quem tenha deixado
casa, irmãos, irmãs, mãe, pai, filhos ou terras por minha causa ou por causa do
Evangelho, sem que receba cem vezes mais: agora, neste tempo, casas, irmãos e
irmãs, mãe e filhos e terras, com perseguições, e no mundo futuro, a vida
eterna.”(Mc 10, 29-30 cfr paralelos)
5 - As afirmações de Jesus são também contundentes ao dizer que a Justiça do Reino
traz divisão na família. Jesus mesmo se coloca como sinal de contradição dentro das
famílias, colocando ‘pai contra filho e filho contra pai, mãe contra filha e filha contra
mãe, sogra contra nora e nora contra sogra” (Lc. 12,51-53, cfr Mt 10,34- 36). Jesus
anuncia o ódio de familiares para com seus discípulos e as brigas e mortes dentro da
família (Mc 13, 12-13: Mt 10,21-22: Lc. 21,6-17)
6- Existe outro grupo de afirmações de Jesus que propõe o discipulado como uma
vivência do Reino de Deus acima dos laços familiares.É muito conhecida a expressão:
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“Se alguém vem a mim e não odeia pai e mãe, mulher, filhos, irmãos, irmãs e até a
própria vida, não pode ser meu discípulo” (Lc 1 4,26-27.cfr.Mt. 10, 37-38). A expressão
semita “odiar” mostra a radicalidade com que se deve priorizar o discipulado. Neste
mesmo sentido, há outras passagens que passam despercebidas, mas que se referem a
relações familiares. Por exemplo, a expressão “deixe que os mortos enterrem seus
mortos” (Mt 8,21-22, Lc 9,54-60) diz respeito diretamente a vínculos familiares enterrar
um morto significava a obrigação, pelos laços de sangue, de vingar a morte de seus
parentes nos casos de litígio. Obviamente, Jesus está aqui se contrapondo aos laços
familiares em torno da vingança (Veja também Lc. 9,6 1-62)
7 - Deve também ficar muito claro que no ensinamento de Jesus, o Reino de Deus se
realiza para alem dos laços familiares. Em torno da parábola do Grande Banquete, deve-
se notar que entre as desculpas para não se participar no Reino de Deus, Jesus coloca o
‘casei-me, e por esta razão não posso ir.”Ao mesmo tempo em que seu ensinamento é
este: 'Quando deres um almoço ou um jantar não convides os
Amigos, nem os irmãos, nem os parentes, nem os vizinhos ricos (.. . mas) chama
pobres, estropiados. coxos, cegos” (Lc 14,12-24)
8 - A “vontade de Deus”, sua “Palavra”, são o referencial condutor para nossas relações
humanas. As relações familiares ficam em segundo plano, subordinadas à vontade de
Deus, de que vivamos na união e solidariedade. É este o contexto forte da pergunta de
Jesus “Quem é minha mãe e quem são os meus irmãos?“ e em seguida, sua resposta:
“Quem cumpre a vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe” (Mc 3,
31-35; Mt 12,46-50; Lc 8, 19-21). É interessante também a observação de Jesus diante
da mulher entusiasmada que elogiava “os peitos que O amamentaram”. Jesus
contrapõe: “Antes bem-aventurados os que ouvem a Palavra de Deus e a põem em
prática” (Lc. 11,27-28).
Em uma leitura conclusiva, procurando sintetizar a compreensão dessas contraposições
de Jesus diante da família e ao mesmo tempo seu ensinamento, podemos dizer:
a) Jesus se dá conta de como a Família entra na estrutura da sociedade de seu tempo. A
organização dos clãs familiares estabelece muitos vínculos que colocam os laços de
sangue acima da justiça, como p ex. no caso da vingança. Mas também o “bom nome”
da família cria exigências sobre seus membros inibindo o exercício do profetismo e da
gratuidade em favor dos pobres. Além disso, existem estruturas injustas atingindo
relações como a dependência da mulher e dos filhos sob a autoridade paterna. Neste
contexto se entendem as contraposições de Jesus em torno à família.
b) O ensinamento de Jesus, entretanto, utiliza as relações familiares para falar do Reino
de Deus. Pode-se dizer então que a família é uma grande figura do Reino de Deus. Jesus
proclama que Deus é PAI de todos e todos somos IRMÃOS E IRMÃS.
Isto significa que a Jesus valoriza a figura existencial Da família e sua experiência
familiar, mas não se pode perder de vista que as relações familiares entram aqui como
um recurso para se falar de algo maior, mais amplo e exigente que é a justiça do Reino
de Deus. A justiça é esta, que nos assumamos uns aos outros como irmãos, pois Deus é
Pai de todos. Por esta justiça, Jesus aproveita a solidariedade circunscrita, mas muito
sólida da família terra, para propor a solidariedade mais ampla para com nossos
semelhantes, a começar pelos empobrecidos e desvalidos.
c) Existe, portanto, no ensinamento de Jesus, a exigência de que a família passe pelo
crivo do Reino de Deus. Isto significa uma relativização de suas instituições diante da
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Aos discípulos Jesus reforça: todo aquele (marido ou mulher) que repudiar e se casar de
novo, comete adultério.
Diante desses elementos, a reflexão teológica atual ressalta alguns pontos interessantes
que vale a pena notar aqui:
a) A pergunta feita pelos fariseus teria sido um fato real? Muitos exegetas negam,
observando que para o judeu o repúdio era um ponto pacifico desde que instituído pela
lei mosaica. O relato traduz então provavelmente a reflexão da comunidade judeu-cristã
sobre o divorcio a partir dos ensinamentos de Jesus. (Observe-se ainda nessa questão
redacional que a citação de Gn 2,24 segue a tradução dos LXX. (“os dois serão uma só
carne...”).
b) Jesus, diante do mandamento mosaico, lembra que foi devido à dureza dos corações
que Moisés teve que regulamentar a questão para coibir abusos piores Ora, a norma
evangélica que Ele vem propor visa superar também tais abusos que são inaceitáveis no
Reino de Deus.
c) A ordem ou disposição da criação mostra a evidencia do ideal a ser vivido pelos
esposos: formar uma só carne. A frase “o que Deus uniu o homem não separe” é um
reforço ao vínculo de tal união, pois querer institucionalizar a separação seria uma
intromissão na ação criadora de Deus.
d) Estando a sós com os discípulos, volta-se ao assunto. Isso significa que o conteúdo
proposto só pode ser entendido por aquele que tem fé e está de coração aberto para o
Reino de Deus.
e) Na resposta dada aos discípulos é interessante observar detalhes que vão além de um
contexto histórico de Jesus, deixando portanto a probabilidade maior de ser reflexão da
comunidade de Marcos sobre o tema. Nota-se ali:
1. Supõe-se que a mulher também possa dar o repúdio: ora isto contradiz a concepção
hebraica vigente e só é mais consoante com a concepção romano-helenista:
2. Fala-se também em segundo casamento: “se repudiar e se casar com outro”: mas a
argumentação de Jesus por si é contra a própria separação e repúdio, independente de
novo casamento: isso parece confirmar a situação da comunidade diante de casos
concretos. Essas observações são importantes para entendermos também mais adiante
a cláusula de Mateus.
2.2.2. Mateus 19,3-9
A redação de Mateus (paralela a Marcos), além da clausula sobre a pornéia que
trataremos à parte. oferece um conteúdo bastante próximo ao de Marcos. Note-se o
seguinte:
a) A própria pergunta dos fariseus revela um contexto judaico: “É lícito repudiar por
qualquer motivo?” Por trás da pergunta estaria a questão de duas escolas rabínicas Hiliel
e Shammai que se posicionavam diferentemente sobre o assunto. Hiliel defendia que o
motivo para o repúdio legal podia ser qualquer coisa, mesmo sem importância, enquanto
que Shammai, bem rigoroso, admitia apenas o adultério como motivo para o divorcio A
pergunta visava também envolver Jesus nessa discussão.
b) A resposta de Jesus é substancialmente a mesma que já vimos em Marcos.
c) Na resposta aos discípulos, identificada pela expressão “eu porém vos digo”, note-se
que a hipótese de repúdio é deixada somente ao homem, o que revela um contexto bem
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bom ao homem não tocar em mulher” (v. 1) A resposta de Paulo a essa questão não é
frontal, mas nem por isso deixa de ser completa e rica.
- Sobre a ideia mestra de que casar-se ou não, é um “dom particular”, Paulo em seguida
não justifica o matrimônio em vista da procriação. Ele entende que o amor conjugal se
justifica em si, e nesse ponto, ele diverge de uma forte opinião entre rabinos do tempo
pela qual se permitia o casamento apenas em vista da procriação (veremos a
acentuação dessa opinião mais ‘procriativa’ na evolução da moral matrimonial,
especialmente a partir de S.Agostinho).
- No entender de Paulo, o amor conjugal deve ser santificado pelo ágape cristão (Amor
Pascal), pelo que ele insiste (Col. 3,9; Ef 5, 25) a que os maridos amem suas esposas
como Crista amou a Igreja.
- As relações conjugais, para quem tem o dom para o Matrimônio são um dever mútuo
entre os cônjuges: caso contrário eles incorrem na fornicação (vv 2-4). Nos vv.3-5,
Paulo chama a atenção até contra um rigorismo ascético que separasse os cônjuges das
relações. Poderia assim subentrar uma tentação de incontinência. Paulo ressalta que no
Matrimônio os cônjuges se fazem doação um para o outro de modo que o cônjuge deve
deixar que o outro dele disponha inteiramente (v 4).
- A “concessão” mencionada no v.6 se refere certamente aos períodos de abstinência.
Paulo reconhece ali que a abstinência não é para os casados, pois o dom deles é diverso
do dom do celibato. Então, para evitar mal entendido de que ele estivesse insinuando ou
indiretamente impondo abstinência, ele ressalta que a abstinência é feita como
concessão, e não como insinuação e muito menos imposição. (Inácio de Antioquia
insistirá também na virgindade como um “carisma” - Carta a Policarpo c 5,2)
- Nos vv 8-9, Paulo mantém a opinião diante dos solteiros e viúvas de que o melhor
seria permanecerem assim. A impressão ali é de que Paulo entenda o matrimônio como
uma fraqueza diante da concupiscência. Mas tal impressão é falsa. pois ele atribuiu
explicitamente isso à diversidade de vocações ou dom de Deus’ (v 7). Veremos mais
adiante, por outro lado, que a vivência concreta mostrará a Paulo inclusive a
inconveniência de se forçar a vida na direção do celibato, quanto a pessoas que não tem
o dom para isso. Paulo mesmo dirá a 1 Tim. 5,14 desejar que as viúvas jovens se casem
de novo.
VV. 10-16: Divórcio e casamentos mistos
Paulo distingue aqui os “casados” e os “outros” . Os primeiros são os casados cristãos, e
os “outros” são casais mistos cristão-pagão. Ele ressalta a proibição do divórcio,
expressamente tanto para o marido como para a esposa, como um mandamento do
Senhor. É curioso, porém, que quanto ao segundo casamento a proibição seja feita
explicitamente só quanto à mulher. Foi um desejo de ressaltar só a questão da mulher
divorciada, ou haveria certa tolerância quanto ao recasamento de homens divorciados?
Essa questão tem razão de ser diante do posicionamento da Igreja dos primeiros séculos
frente ao divórcio.
VV 12-16. Sobre os casamentos mistos, Paulo se vê na obrigação de fazer uma
interpretação própria, pois ele não conhece nenhum “mandamento do Senhor” a
respeito. Concretamente ele não recusa a união matrimonial entre o cristão e o pagão,
desde que vivam em paz. O pressuposto é facilmente perceptível, a união homem
mulher é por si algo que remonta à ordem da criação. Assim, um casamento, mesmo
realizado antes da conversão, não contradiz a salvação em Cristo e, por isso, deve ser
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continuado. Não só o marido ou esposa (lado pagão) mas os próprios filhos participam
da santidade que o cônjuge cristão traz para tal matrimônio. Mas, há uma questão.
“Privilégio Paulino”: Paulo supõe, ou melhor, certamente enfrenta situações em que o
cônjuge pagão cria dificuldades de convivência conjugal. Ele entende que então ali se
deva abrir unia exceção à indissolubilidade do Matrimônio (vv 15—16). Se o cônjuge
pagão insistir na separação, separa-se,. e o cônjuge cristão está livre. Paulo não fala
explicitamente em segundo casamento, mas sempre se entendeu que isso seja possível,
contanto que desta vez se faça no Senhor’ (v 30), isto é, com um parceiro cristão. Esta
permissão de divórcio para uniões mistas entrou na Igreja com o titulo de “privilégio
Paulino”.
A motivação de tal permissão vai no V 15c: “foi para viver em paz que Deus vos (nos)
chamou”. Parece estar aí uma subordinação do vinculo institucional ao bem das pessoas.
O V 16 traduz ainda uma preocupação do cônjuge cristão: talvez se mantendo unido ao
cônjuge pagão a qualquer preço, um dia ele poderá se converter para a fé. Mas Paulo
replica como você tem certeza disso?
VV. 17-24: lmportância da Vocação Cristã
Paulo insiste em que as condições humanas - até mesmo a escravatura – são situações
muito relativas diante do Reino. Por si não há necessidade de mudança de condições
humanas de existência (cfr. circuncisão), desde que elas não se oponham à vivência da
vocação cristã. Ressalta assim a supremacia da Vocação Cristã que dá sentido a todas as
formas de vida humana.
VV. 25-38: Virgindade e celibato
Aqui se trata ao que parece de uma questão levantada pelos Corintios: convém que os
solteiros se casem ou não? Respondendo a isso, Paulo declara que não conhece “preceito
do Senhor” sobre o assunto. Ele expõe então sua própria opinião, sem mandar. Sua
opinião é que o melhor é não casar. A motivação que ele traz é de que os casados
submetem-se a muitas preocupações e encargos da vida familiar e ficam divididos entre
atender às necessidades do cônjuge e satisfazer o Senhor. Devem cuidar de tantas
coisas do mundo. Subjacente a esta sua opinião está a idéia da iminência da escatologia
e a transitoriedade do objeto de tantas preocupações e ocupações na vida conjugal e
social. A harmonização desse texto de Paulo com Ef. 5 ‘ em que se recomenda aos
esposos viverem o amor pascal de Jesus para com a Igreja, não é de todo fácil. De
qualquer forma, porém, Paulo acha que a vida celibatária é mais desembaraçada para
que a pessoa possa buscar o que é o definitivo, deixando em segundo plano “a figura
desse mundo que passa” (v.31).
Nos vv. 36-58 há uma questão especial. A interpretação clássica (S.João Crisóstomo) vê
ali o problema de um pai diante da conveniência ou não de fazer casar sua filha virgem.
Muito mais harmoniosa, porém, é a interpretação que entende ali outra questão de
fundo: a tentativa introduzida de casais cristãos viverem em ritmo de voto de castidade-
virgindade. Assim a questão proposta a Paulo é se pecam ou não ao romper com tal
voto, ou propósito. Paulo diz que não pecam, vivam o casamento plenamente. embora
ele não esconda sua opinião de que o melhor seria manter a virgindade.
VV. 39-40: Segundo casamento e viuvez
Paulo não esconde aqui sua opinião de que para as viúvas o melhor seria não se casar
de novo. É interessante, porém que em 1Tim. 5, 14 Paulo diz: “Desejo que as jovens
viúvas se casem, criem filhos, dirijam sua casa...”. Parece que a evolução das coisas
17
Falando do amor matrimonial, Paulo remonta ao Amor de Cristo pela Igreja, retomando
o Amor de Javé por seu povo (Ex. 16). A referência a “uma só carne” é clara ao propor
Jesus como Cabeça da Igreja e esta o seu corpo. Cristo amou a Igreja a ponto de morrer
por ela. Paulo resume então a referência teológica do Matrimônio dentro de uma visão
da Criação, da Aliança, da Redenção.
O aspecto sacramental compreendido pela Igreja na realidade matrimonial , ocorre
portanto não do temo “misterion’ usado por Paulo mas da aproximação de todo o
mistério da salvação como um apelativo para se viver a realidade matrimonial. Com isso
podemos sem duvida dizer que a visão de Paulo do matrimônio não institucionaliza um
sacramento, mas sim motiva uma ‘vida sacramental’ no matrimônio. A Igreja, em
evolução posterior, irá ressaltar outro aspecto dessa realidade, afirmando que no
Matrimônio se atualiza a redenção de Cristo, sua união com a Igreja. Ora, esta realidade
não se destina só a motivar a vivência do matrimônio, mas faz do próprio matrimônio
um (protótipo, melhor:) símbolo-figura da Aliança e do Amor pascal de Jesus. O
matrimônio se toma, portanto, um sacramento do grande sacramento. Mas vai ai
certamente uma transposição de enfoque. pois em Paulo esta última perspectiva aparece
no Maximo indiretamente.
Concluindo esta visão do matrimônio dentro da Escritura. podemos perceber que a
tônica principal é dada para a vivência da união matrimonial segundo a Aliança. Como
instituição, o Matrimônio é abundantemente refontizado, não em uma sacralização e
motivação que lhe sejam externas, mas sim na própria ordem criacional em que a
pessoa humana foi constituída. De resto, esse lado institucional é deixado às culturas
para que estas lhe dêem ulterior configuração concreta. No Novo Testamento é bastante
evidente a preocupação mais por uma vivência cristã dos casados, do que por uma
definição ou delineamento do matrimônio como um sacramento cristão. Esta vivência é
fortemente motivada, exigindo um amor mútuo, como o próprio Cristo amou a sua
Igreja com Amor pascal: exigindo unia fidelidade que ultrapassa qualquer codificação e
legislação humana. E, ao mesmo tempo, como é a vivência que está acima da
instituição, encontramos também a instituição matrimonial a serviço das pessoas: sobre
o que encontramos talvez no ‘Privilegio Paulino’ e na ‘cláusula de Mateus’ duas
aplicações bem concretas.
gratificação sexual, ao menos no que se referia aos homens. Era permitido aos filhos das
elites serem sexualmente ativos na adolescência e, inclusive, eram incentivados para
isso. Muitas vezes eram providenciadas prostitutas para este fim. Jovens também
tomavam concubinas que geralmente provinham das classes mais baixas da sociedade.
Mesmo após o casamento, não se esperava que os homens limitassem sua atividade
sexual à esposa. O recurso às prostitutas continuou sendo uma válvula de escape
sexual, aceita pela sociedade, bem como, o recurso à atividade homossexual - ainda que
não se esperasse que um homem da elite desempenhasse a parte passiva em ligações
homossexuais. A filosofia estóica, porém, com sua ênfase no autocontrole impassível,
condenava a busca desenfreada do prazer sexual. O divórcio, junto com a possibilidade
de novo casamento. continuou uma opção durante toda a historia do Império Romano.
A decadência política do lmpério Romano favoreceu a entrada de costumes de outros
povos chamados ‘bárbaros’. Os costumes eram variados, abrigando diferentes formas de
se casar (por roubo da noiva, ou por compra. ou por consentimento mútuo, por acerto
entre o pai da noiva e o noivo). diferentes posturas com referência ao concubinato, ao
divórcio, à prostituição.
Neste contexto, se compreende o desafio da elaboração teológica dos SS.Padres. como
Agostinho, para construir uma teologia que se centra sobre os três bens do matrimônio:
a procriação. a fidelidade e o sacramentum. A estrutura familiar irá receber nova forma
apenas entre os séculos VI e IX, quando se define melhor como um espaço composto
fundamentalmente pelos descendentes. Mas mesmo assim, a síntese cristã sobre o
matrimônio, representada por S. Agostinho, foi recebida apenas de modo hesitante e
incompleto durante estes séculos.
O século XI significou o início de mudanças mais consistentes. O crescimento da
autoridade eclesiástica e o florescimento das universidades permitiram avançar na
organização social e na reflexão, responsáveis pela implantação de novas práticas no
campo familiar. Abriu-se o caminho para a formação do direito canônico matrimonial.
Isto significou, em grande parte, uma garantia de que as disputas conjugais fossem
decididas por um tribunal e não simplesmente pelos mais fortes envolvidos. Exigiu,
naturalmente, um referencial teórico constituído de significados e valores.
Em síntese. podem-se colocar ao menos quatro observações conclusivas nesta visão
histórica:
1. As concepções cristãs de casamento e família têm suas raízes em sociedades que
aceitavam como normativas relações familiares bem diferentes do que nós consideramos
apropriados. No processo de lançar raízes e florescer, a visão cristã suplantou
inteiramente estas concepções mais antigas.
2. A visão cristã do casamento e da família não foi estática. Certos pontos, outrora
aceitos como permanentes - como a superioridade hierárquica do estado de virgindade
sobre a de casado - foram agora descartados. Outros pontos - como a exigência de casar
perante um ministro ordenado e duas testemunhas - foram acrescentadas.
3. A visão cristã tradicional do casamento não é necessariamente hostil às tendências
modernas. Na verdade, a síntese que tomou forma nos séculos 11-13 fornece raízes
intelectuais importantes a desenvolvimentos aparentemente modernos como, por
exemplo, a necessidade de as partes consentirem livremente em casar-se, a crença de
que o casamento deveria ser uma relação de igualdade entre as partes e o desejo de
ver o casamento como meio pelo qual as partes possam atingir a realização mútua.
20
núpcias. Nos séculos III-IV entram certos costumes celebrativos como o uso da grinalda
e a junção das mãos.
Circunstâncias sociais trouxeram aos poucos a hierarquia (especialmente bispos) para as
celebrações de núpcias. Primeiramente, a consideração pelos bispos e presbíteros levava
frequentemente a convidá-los para a festa, onde, como veremos. eles começam a dar
uma bênção para os noivos. Mas outro fator é a necessidade de noivos órfãos terem
tutores para o Matrimônio, sendo para isso procurados os bispos. Na Igreja Oriental
vemos frequentemente os bispos nessa tarefa. No Ocidente isto era inicialmente
proibido, mas posteriormente (séc. IV). com Ambrósio e Agostinho, é assumido como
oficio e obra caritativa do bispo. Seja pelo primeiro como pelo segundo fato, Agostinho
já faz referência ao costume de o bispo assinar também o documento do Matrimônio,
quando ele esta presente nas núpcias.
pagamento do dote, remuneração ao pai/tutor da virgem pelo trabalho que este teve em
sua educação e formação. Entre os celtas e anglo-saxões apenas no séc. Xl se admite
certo direito de a mulher dar assentimento em se casar com o noivo determinado.
1 4. Liturgia consolidada mas não obrigatória: Do séc.IV ao séc. XI, nasce e se
enriquece e se define unia liturgia nupcial. mas sem implicâncias jurídicas quanto a
validade do Matrimônio celebrado. A primeira prova de celebração religiosa do
Matrimônio remonta à igreja de Roma no tempo de S. Dámaso papa (366-384) e é
referida pelo Ambrosiaster. No séc.V, S.Paulino de Nola refere a ampliação desse rito de
modo a constituir uma cerimônia completa na igreja. Na metade do séc. V passa-se a
falar também de celebração de missa na ocasião de um Matrimônio celebrado.
Entretanto, isto se faz particularmente na igreja de Roma. Esse modo não era estendido
às demais igrejas, nem como obrigação, nem como costume. Ao contrário, a cerimônia
era sempre negada, mesmo em Roma, para o caso de segundas núpcias e para pessoas
de conduta não exemplar.
Não se consolida uma obrigatoriedade da celebração religiosa do Matrimônio antes do
séc XI. No séc IX iremos ver a primeira tentativa sistemática nesse sentido. Segundo os
costumes locais, até então, a validade de um Matrimônio dependia do:
a) consentimento dos pais (tutores) ou mútuo consentimento dos esposos (assim
em Roma, depoimento explicito do papa Nicolau 1º , ano 866: DS. 643).
b) pagamento do dote (assim, mesmo a bênção nupcial sem o pagamento do dote
não era prova da validade do Matrimônio celebrado).
1. 5. Tendências para formação de um direito eclesial: É facilmente compreensível
que houvesse no direito civil proibições para certos tipos de matrimônio (impedimentos).
No séc.VIII, no tempo de Pepino, o Breve, dada a crescente união entre Igreja-Estado,
as violações eram punidas pela Igreja e Estado, contribuindo portanto a própria Igreja
na vigilância sobre isso. São Bonifácio introduziu, dando sequência a este processo, a
obrigação de um “exame pré-nupcial” em que sacerdotes e parentes deviam investigar
se noivos não incorriam em alguma proibição para o Matrimônio. Carlos Magno impõe
isso a todo o império em 802. Houve assim reforço do caráter público do Matrimônio, ao
mesmo tempo em que unia solicitude pastoral (e portanto social) visando proteger as
uniões matrimoniais. Mas a participação ativa da lgreja nesse trabalho foi praticamente
decisiva para a formação de um direito matrimonial eclesial.
Importante nessa evolução são os “Decretos pseudo-isidorianos” (ano 845) visando uma
renovação religiosa e moral da Igreja franca, propuseram, entre outras, em afirmar a
indissolubilidade do Matrimônio, como meio de controle para se evitarem uniões que se
julgam inconvenientes para as pessoas e para a sociedade. Para ganhar autoridade a
respeito de tal obrigatoriedade, atribuem tais decretos a Papas e Concílios imperiais do
passado, especialmente séc II e III. Segundo as exigências dos decretos, o Matrimônio
só seria considerado válido se:
a) feito com consentimento dos pais tutores:
b) a noiva tinha sido publicamente pedida:
c) o dote foi pago.
d) o Matrimônio foi abençoado pelo sacerdote:
e) a esposa foi entregue segundo a lei e costumes pátrios.
23
2 1 O divórcio e culturas - O divórcio não era problema para a mentalidade não cristã da
época as comunidades eclesiais primitivas. Especialmente os pagãos romanos, mas não
só estes, incluíam em seus costumes a possibilidade do divórcio. De modo geral, nas
diversas culturas, este podia ocorrer:
a) por repúdio - com variação de causas para isso, entre estas porém o adultério é a
causa mais forte.
b) por mútuo consentimento (ou cessando a “affectio coniugalis” segundo a mentalidade
romana de basear o Matrimônio sobre contrato a se fazer ou desfazer pelas duas
partes). Divorciar-se significa a liberdade para se casar de novo e é impensável uma
exigência de que a pessoa fique só ao se separar. A legislação romana tendia inclusive a
condicionar o divórcio ao recasamento da mulher. Em Mt 5,32 percebe-se o
reconhecimento de semelhante condicionamento social; “Todo aquele que repudiar sua
mulher.. faz com que ela adultere”.
A mentalidade cristã inaugura uma visão nova em que a fidelidade emerge como um
valor que vai além do aspecto contratual e dos motivos para o repúdio: apela-se para
uma ordem estabelecida pelo Criador que lesa o casal a se tomar uma só carne.
Entretanto, a preocupação cristã não é fazer do Matrimônio uma nova instituição. Trata-
se simplesmente de trazer uma nova vivência para o Matrimônio vigente. Por isso as
legislações civis sobre o Matrimônio continuam sendo referência para a instituição
matrimonial também para o cristão. A Igreja não se preocupa em ter seu estatuto
matrimonial institucionalizado.
Com isso não aprova. (por força da fidelidade cristã) que os cristãos recorram à lei civil
para se divorciarem e recasarem. Fazer isso implica em infidelidade-pecado, que exige
penitência e reconciliação. Mas, constituído esse novo Matrimônio civil, crestamento
ilícito e pecaminoso, ele é considerado para todos os efeitos como válido, e não se
insiste em separação e volta ao Matrimônio anterior, mesmo quando se faz a penitência
e reconciliação eclesial. Existem somente alguns detalhes sobre as condições que a
comunidade estabelece sobre o caso
22. O repudio entre cristãos- Nos primeiros séculos, grande numero de autores cristãos
interpretam “pornéia” (Mt 19,5) como adultério e vêem na cláusula de Mateus uma real
possibilidade para se admitir em certos casos o divórcio.
— Percebe-se então tolerância
a) O marido pode repudiar sua esposa adultera (em certos casos é ate obrigado a isso,
especialmente se o marido é clérigo).
b) Documentos não falam sobre a obrigação de receber de volta a esposa mesmo se
arrependida e eclesialmente reconciliada.
c) No fim do século II até séc. V - Ocidente, após o repúdio da esposa adúltera, o
homem pode recasar sem romper com a comunhão eclesial (não assim a mulher). Do
fim do séc II ate nossos dias no Oriente, permite-se o recasamento do esposo que se
separa da adúltera (e posteriormente se admite o recasamento da esposa inocente
abandonada).
- Textos antigos (séc. II- não classificam como adúlteros: homem que recasa depois de
repudiar esposa adúltera; homem que recasa depois de ser abandonado por esposa;
mulher que se casa com homem nas situações supra.
26
- Ao contrario, são considerados adúlteros: homem que recasa após repudiar esposa
sem motivo justo; homem que se casa com mulher repudiada-abandonada com ou sem
motivo; mulher que recasa após repúdio do marido sem motivo; mulher que recasa
depois de repudiada justa ou injustamente; mulher que recasa após abandonar marido
adultero, mulher que se casa com quem repudiou outra sem motivo.
No Concílio de Arles (314). Cânon 10 se diz: “Sobre aqueles que surpreendem suas
esposas em adultério, e ainda jovens não podem casar, enquanto possível, dê-se a eles
o conselho de não se casarem de novo enquanto viverem suas esposas embora
adúlteras” (apud Hamel 22). Isto mostra ao mesmo tempo a tendência de se salvar o
valor cristão da fidelidade e do perdão, em uma situação em que se percebe que o peso
da cultura diminui muito a capacidade pessoal do marido traído de assumir tal fidelidade.
Em resumo, até ao séc. V. o adultério da esposa permite ao marido que este se divorcie
e se case novamente, sendo isso tolerado pela comunidade.
2.3 Uma discriminação das Mulheres: Nos primeiros séculos da Igreja não se escapou de
uma discriminação em que os direitos da mulher ao recasamento ficaram em franca
desigualdade com os direitos do homem. Sem dúvida o machismo da cultura tem sua
grande responsabilidade sobre esse fato. Esta discriminação é de certa forma
reequacionada no séc. V por influxo de Santo Agostinho. No Ocidente. estende-se aos
homens o rigor imposto às mulheres, isto é, nem homens nem mulheres ficam livres
para outros casamentos devido à infidelidade conjugal. E no Oriente, ao contrário.
estende-se às mulheres o privilégio concedido aos homens Mantiveram-se então duas
tradições no seio da Igreja a respeito da indissolubilidade do Matrimônio diante do
adultério, e o próprio Concilio de Trento terá uma formulação respeitosa dessas
tradições, ao falar da indissolubilidade do casamento.
2.4. Reconciliação de divorciados na Igreja Primitiva:Como se portou a Igreja
Primitiva diante dos divorciados que recasaram ilicitamente. Eles eram aceitos na
comunidade? Sob quais condições? A questão seria bem moderna. Concretamente temos
muitos casamentos fracassados, seguidos de um recasamento.
Os documentos de que hoje dispomos não permitem suficiente clareza sobre a atitude da
Igreja antes do séc. III quanto à reconciliação de divorciados recasados ilicitamente. Mas
a partir do séc. III percebemos que há uma tendência rigorista (montanistas com
Tertuliano) e outra oposta que é indulgente (Papa Cornélio - Cipriano). Para os
montanistas a questão e vital pois entendem que a Igreja deve reunir apenas os puros e
santos. Para o Papa, tudo se trata de uma questão pastoral, a serviço da qual o rigor e a
benignidade devem se colocar. Com isso, o Papa Cornélio insiste na reconciliação de
adúlteros e recasados. O Concilio de Nicéia
(ano 325-Cânone 8) manda que os cátaros (seita cristã politeísta, herética), se quiserem
entrar na comunhão com a Igreja. aceitem a comunhão com os recasados. Esses são
não só os casais de segundas núpcias por viuvez, mas principalmente por recasamento
após divórcio. A readmissão de divorciados recasados, na comunidade, através da
reconciliação foi ponto certamente defendido na Igreja Primitiva, não obstante a
oposição dos montanistas e cátaros. Mas sob quais condições se fazia tal reconciliação?
O sistema de penitência oficial impunha rigorosa satisfação para tais pecados. Nesse
ponto duas tradições se mantiveram: No Oriente, concluídas as obras de rigorosa
penitência. a reconciliação se fazia sem deixar nenhum interdito nos reconciliados.
permitindo-lhes então manter vida conjugal normal. No Ocidente, a tendência para uma
intransigência que mantém a indissolubilidade do primeiro casamento ganhou grande
27
força com os “Interditos” que restam para os que são reconciliados, pelo que, mesmo
continuando casados ficavam proibidos de manterem relações sexuais etc. Isso
contribuiu muito para se fechar cada vez mais uma compreensão maior no campo
pastoral, para os casamentos fracassados, ou para os fracassos em matéria de
Matrimônio.
3.1. J.Paulo II. Familiaris Consortio, nn. 83—84 “Separados e divorciados sem segunda
união"
A solidão e outras dificuldades são muitas vezes herança para o cônjuge separado,
especialmente se inocente. Em tal caso, a comunidade eclesial deve ajudá-lo mais que
nunca; demonstrar-lhe estima, solidariedade, compreensão e ajuda concreta de modo
que lhe seja possível conservar a fidelidade mesmo na situação difícil em que se
encontra; ajudá-lo a cultivar a exigência do perdão própria do amor cristão e a
disponibilidade para retomar eventualmente a vida conjugal anterior.
Análogo é o caso do cônjuge que foi vítima de divórcio, mas que - conhecendo bem a
indissolubilidade do vínculo matrimonial válido - não se deixa arrastar para uma nova
união, empenhando-se, ao contrário, unicamente no cumprimento dos deveres familiares
e na responsabilidade da vida cristã. Em tal caso, o seu exemplo de fidelidade e de
coerência cristã assume um valor particular de testemunho diante do mundo e da Igreja,
tornando mais necessária ainda, da parte desta, uma ação contínua de amor e de ajuda,
sem algum obstáculo à admissão aos sacramentos.
84. A experiência quotidiana mostra, infelizmente, que quem recorreu ao divórcio tem
normalmente em vista a passagem a uma nova união, obviamente não com o rito
religioso católico. Pois que se trata de uma praga que vai, juntamente com as outras,
afetando sempre mais largamente mesmo os ambientes católicos, o problema deve ser
enfrentado com urgência inadiável. Os Padres Sinodais estudaram-no expressamente. A
Igreja, com efeito, instituída para conduzir à salvação todos os homens e sobretudo os
batizados, não pode abandonar aqueles que - unidos já pelo vínculo matrimonial
sacramental - procuraram passar a novas núpcias. Por isso, esforçar-se-á
infatigavelmente por oferecer-lhes os meios de salvação.
Saibam os pastores que, por amor à verdade, estão obrigados a discernir bem as
situações. Há, na realidade, diferença entre aqueles que sinceramente se esforçaram por
salvar o primeiro matrimônio e foram injustamente abandonados e aqueles que por sua
grave culpa destruíram um matrimônio canonicamente válido. Há ainda aqueles que
contraíram uma segunda união em vista da educação dos filhos, e, às vezes, estão
subjetivamente certos em consciência de que o precedente matrimônio irreparavelmente
destruído nunca tinha sido válido.
Juntamente com o Sínodo exorto vivamente os pastores e a inteira comunidade dos fiéis
a ajudar os divorciados, promovendo com caridade solícita que eles não se considerem
separados da Igreja, podendo, e melhor devendo, enquanto batizados, participar na sua
vida. Sejam exortados a ouvir a Palavra de Deus, a frequentar o Sacrifício da Missa, a
perseverar na oração, a incrementar as obras de caridade e as iniciativas da comunidade
em favor da justiça, a educar os filhos na fé cristã, a cultivar o espírito e as obras de
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penitência para assim implorarem, dia a dia, a graça de Deus. Reze por eles a Igreja,
encoraje-os, mostre-se mãe misericordiosa e sustente-os na fé e na esperança.
A Igreja, contudo, reafirma a sua práxis, fundada na Sagrada Escritura, de não admitir à
comunhão eucarística os divorciados que contraíram nova união. Não podem ser
admitidos, do momento em que o seu estado e condições de vida contradizem
objetivamente aquela união de amor entre Cristo e a Igreja, significada e atuada na
Eucaristia. Há, além disso, um outro peculiar motivo pastoral: se admitissem estas
pessoas à Eucaristia, os fiéis seriam induzidos em erro e confusão acerca da doutrina da
Igreja sobre a indissolubilidade do matrimônio.
Agindo de tal maneira, a Igreja professa a própria fidelidade a Cristo e à sua verdade; ao
mesmo tempo comporta-se com espírito materno para com estes seus filhos,
especialmente para com aqueles que sem culpa, foram abandonados pelo legítimo
cônjuge.
Com firme confiança ela vê que, mesmo aqueles que se afastaram do mandamento do
Senhor e vivem agora nesse estado, poderão obter de Deus a graça da conversão e da
salvação, se perseverarem na oração, na penitência e na caridade.
Os sem-família
85. Desejo ainda acrescentar uma palavra para uma categoria de pessoas que, pela
situação concreta em que se encontram - e muitas vezes não por sua vontade deliberada
- eu considero particularmente junto do Coração de Cristo e dignas do afeto e da
solicitude da Igreja e dos pastores.
autoridades pela força do seu cargo e das responsabilidades consequentes, assim como
às famílias, que devem demonstrar grande compreensão e vontade de ajudar.
Àqueles que não têm uma família natural, é preciso abrir ainda mais as portas da grande
família que é a Igreja, concretizada na família diocesana e paroquial, nas comunidades
eclesiais de base ou nos movimentos apostólicos. Ninguém está privado da família neste
mundo: a Igreja é casa e família para todos, especialmente para quantos estão
«cansados e oprimidos»(181).
4. Sacramentalidade do Matrimônio
Trata-se de ver aqui a evolução teológica pela qual hoje podemos dizer que o Matrimônio
é um sacramento. Mas o que isso significa? Em que consiste tal sacramentalidade?
Conceitos de sacramentalidade: Vimos que a tradição bíblica vê a natural união entre o
homem e a mulher como figura para se entender a Aliança Javé+Povo. Paulo faz o
processo inverso, assumindo o mistério Cristo como motivação moral para se viver a
união matrimonial. Mas para dai se afirmar a ‘sacramentalidade' do matrimônio há uma
história de séculos. Vejamos algumas poucas coisas a respeito.
Os Santos Padres têm certa dificuldade em assumir a própria união matrimonial como
sacramento devido a preconceitos contra a sexualidade. De modo geral, entendem que
Jesus, nas Bodas de Cana, abençoou o Matrimônio e o inseriu no plano da redenção. Mas
as referências patrísticas se colocam mais em um sentido de ‘pastoral familiar’,isto é, de
incentivo da boa vivência cristã no Matrimônio e na família. Mais para frente veremos os
códigos morais que eles propõem. Mas de modo geral, eles procuram dar motivações
para que a união entre os esposos ganhe sua força no amor pascal de Jesus. Assim,
Tertuliano fala do casal: “Onde dois ou mais se reúnem, ali está o Cristo”, atribuindo à
família como autêntico lugar de vida cristã. Orígenes vê o Matrimônio como um DOM
DIVINO pelo fato de ter sido instituído pelo Deus Criador. A referência de Paulo aos
Efésios é entendida corretamente com relação ao Mistério Cristo-lgreja e como
motivação moral e não institucional para o Matrimônio.
Santo Agostinho se ocupa mais com Ef. 5,.21-23. Ele define o Matrimônio como
“sacramento” em dois sentidos:
a) enquanto cria obrigações sagradas, ou seja, é algo de indissolúvel (é sacramento
porque é indissolúvel, é indissolúvel porque é sacramento):
b) como símbolo sagrado da união Cristo-lgreja. Mas Agostinho não sublinha a
simbologia do Matrimônio como se fará posteriormente. Ele vê o Matrimônio como
bonum prolis (idéia que domina a união homem-mulher). bonum lidei (exigência de
fidelidade recíproca, excluindo imoralidades) bonum sacramenti (exigência de
indissolubilidade mesmo em caso de adultério).
Séculos XII-XIII: A concepção agostiniana exerce forte influência nos séculos que
seguem. Mas é na Escolástica que o Matrimônio vai receber unia formulação
sacramentaria mais delineada. Ali o Matrimônio não é mais tomado só como um símbolo
ou figura, mas o Matrimônio enquanto se diz “sacramento” é entendido como símbolo
eficaz que produz algo de objetivo e gera vínculo indissolúvel. Assim, se os Santos
Padres (SSPP) diziam que o Matrimônio não podia ser licitamente dissolvido, os
escolásticos diziam simplesmente que era impossível dissolvê-lo. Para os SSPP o
Matrimônio ‘natural' é um “sacramento” latente e indistinto que quando celebrado entre
os cristãos se toma “sacramento” explícito e claro. Para os escolásticos, o Matrimônio
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religioso (sacramento) produz de fato algo de místico nas núpcias, e portanto algo mais,
embora a base continue sendo o Matrimônio natural.
3.2. O que constitui o Matrimônio como sacramento?
Do século X em diante, quando a Igreja assume jurisdição sobre os casos matrimoniais
fica mais claro também em nível eclesial que a realidade é complexa: o que constituí o
Matrimônio válido entre o homem e a mulher? Não basta afirmar a indissolubilidade: o
que é indissolúvel e a partir de quando? Essas questões, embora definidas
juridicamente, hoje, continuam mesmo atualmente a incomodar.
As tradições sobre conceitos de constituição do Matrimônio eram variadas. Segundos os
romanos: consentimento; saxões, francos, celtas, godos: entrega da noiva após
pagamento do dote. Além disso havia também a idéia de que o Matrimônio só se
consuma na coabitação e assim a “domum ductio’ (procissão com os noivos recém
casados até sua casa) era entre gregos, romanos e bárbaros uni elemento comum de
consumação do Matrimônio. Na Idade Média, essas idéias servirão de base para se
definir o constitutivo do Matrimônio.
No século XI, o tipo de Matrimônio romano por “consentimento” passa a ser refletido
espontaneamente por teólogos longobardos, germanos e francos: mas ao mesmo tempo
eles mantém a convicção de que a indissolubilidade do Matrimônio só nasce com a
primeira coabitação. Dai a questão: o que faz o Matrimônio sacramento:
O consentimento ou a coabitação? Acrescente-se ainda a idéia vigente de que a
finalidade primordial do Matrimônio é procriar. Assim os SSPP achavam que não havia
verdadeiro Matrimônio sem as relações conjugais: apenas Agostinho afirma a
possibilidade de verdadeiro casamento sem o relacionamento sexual genital (entre
outras havia a preocupação de entender o Matrimônio de Maria e José corno verdadeiro
Matrimônio).
Diante de todos esses elementos, criam-se variadas correntes teológicas, algumas dando
mais força ao consentimento, outras à coabitação. Para complicar um pouco mais,
germanos e francos tinham conceitos um pouco mais liberais sobre relações sexuais no
noivado, pois este significava já um compromisso bem mais sério que entre os romanos.
A Escola de Chartres distinguia por isso “fides pactionis” (intenção de se casar) e “fides
consensus” (Matrimônio celebrado pelo consentimento). Romper o primeiro era difícil,
ilícito, mas possível enquanto que o segundo era indissolúvel.
Importante foi a contribuição de Hugo de S. Vitor que conseguiu incorporar os dois
aspectos do Matrimônio em maior harmonia. Ele entende o Matrimônio como uma
comunhão espiritual no viver, no ser e no agir juntos. Com isto, o consentimento deve
ser entendido em urna linha de muito maior profundidade que a simples declaração de
mútua aceitação; as relações sexuais no Matrimônio são decorrência: elas fazem parte
do “oficio” primário do Matrimônio, mas não são indispensáveis para que este se
constitua.
Era 1180, o Papa Alexandre I define a questão. O Papa afirma então que o Matrimônio
se CONSTITUI PELO CONSENTIMENTO MÚTUO E SE CONSUMA PELA CÓPULA. Pelo
consentimento ele se faz sacramento, mas é só pela consumação (cópula) que ele se
toma indissolúvel (DS 754-756). Em qualquer hipótese, a dissolução do Matrimônio não
consumado é entendida pelo Papa corno de jurisdição da Igreja.
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5.1.1- O Mistério de Cristo acima das instituições. Seria um engano querer entender o
sacramento do Matrimônio como algo simplesmente institucional. A sacramentalidade
está reposta sobre o Mistério de Cristo que supera (não quer dizer que prescinde) as
instituições e envolve por dentro a vida e vivência das pessoas. Por isso mesmo, toda a
sacramentalidade do Matrimônio se liga ao ESPIRITO NOVO que o ilumina e conduz sua
vivência. Fundamentalmente o Espírito de Jesus envolve a vivência conjugal do cristão,
comprometendo-se com o Mistério da Aliança em dois sentidos: a) enquanto a Aliança
(Amor pascal) é força-motivo de vivência conjugal; b) enquanto no Matrimônio se figura
a Aliança.
não pode estar desvinculada daquela profunda e misteriosa união escatológica a que
todos somos chamados (Jo 17, 11.22-23). Na escatologia, o Matrimônio será então
superado, não enquanto ele seria agora mesquinho e passageiro, mas enquanto é levado
a sua plenitude. Ali não só “os dois serão uma só carne”, mas todos seremos uma só
carne: “pois fomos todos batizados num só Espírito para ser um só corpo” (1Cor. 12,
13). Vivendo a União, construímos em nós a Escatologia.
5 1 3- Matrimônio Sacramento vivenciado
Sabemos que por muitas razões há diversos níveis de vivência do próprio cristianismo.
De modo geral podemos dizer que quanto mais claramente (explicitamente) se buscar
no Amor Pascal de Cristo a força e a motivação para a vivência do Matrimônio, tanto
mais explicito se torna o Matrimônio como sacramento.
Estamos também habituados a falar em sacramento em termos de graça. Como poderia
ser entendida então a graça sacramental do Matrimônio-Sacramento? Dois aspectos
parecem importantes aqui: a) um é entender a santificação do próprio casal, e sua
família. na medida em que a vivência conjugal é imbuída pelo Espírito da Aliança: a ação
do Espírito impulsiona o casal nos detalhes de sua vida , transformando a vida conjugal
mistério de salvação: e b) outro é entender o Matrimônio intimamente inserido na lgreja,
onde ele não só participa da caridade eclesial. como ele também se torna sinal de graça,
exemplo de Aliança, testemunho para os irmãos.
5.2 Celebração do Sacramento
E fundamental distinguir inicialmente a celebração-vivência e a celebração- momento. O
projeto de viver o Matrimônio na força da Aliança e do Amor Pascal de Jesus conduz
naturalmente o cristão à celebração—momento em nível eclesial. Sintetizando o sentido
da celebração-momento podemos dizer que: - ela é um momento forte em que se
celebra um PROJETO DE VIDA: o casal assume viver o amor matrimonial em dimensão
de Aliança e do Amor pascal de Jesus.
Percebe-se que tal celebração-momento supõe ou sintetiza um processo de vida que
pode ser, e deve ser desdobrado. O importante é que ela mostre a estreita ligação do
sacramento do Matrimônio com o GRANDE SACRAMENTO que é MISTÉRIO DE CRISTO e
de sua IGREJA.
5 3. Características do Matrimônio como Sacramento
Como características próprias do Matrimônio cristão são freqüentemente apontadas pela
teologia a sua unicidade, enquanto se opõe à poligomia , e a sua indissolubilidade. O
realce maior é dado à questão da indissolubilidade. Vimos como a questão da
indissolubilidade do Matrimônio tem uma longa história que remonta ao próprio tempo
de Jesus. Dai o fato de ela se tornar uma acentuada característica do Matrimônio cristão.