Professional Documents
Culture Documents
99
133
Resumo
O estudo objetivou analisar a percepção de professoras de Educação Física, que realizaram cursos de pós-
gradução Lato Sensu, sobre o seu processo de formação continuada, seus saberes, sua prática pedagógica em sua
trajetória profissional. Pautou-se na pesquisa qualitativa e no estudo de caso, utilizando como instrumento de
pesquisa a narrativa oral. Participaram três professoras de Educação Física que haviam realizado formação
continuada. Nas suas trajetórias profissionais, o curso de formação continuada acrescentou maturidade,
melhorou a prática pedagógica, abriu os horizontes, pois possibilitou uma predisposição a olhar para si, a pensar
sobre, a questionar-se, a refletir sobre sua prática docente.
Palavras-chave: Pós-graduação; Formação continuada; Trajetória profissional; Educação física.
The Lato Sensu graduate education in the career of Physical Education teacher
Abstract
This study aimed to analyze the perception of Physical Education teachers, who performed post-graduate Lato
Sensu, about their process of continuing formation, their knowledge, their knowledge, their pedagogical practice
in their professional career. If based on qualitative research and in case study, using as a research instrument the
oral narrative. Participated three teachers of Physical Education that had realized continuing formation. Their
professional careers, the course of continuing formation added maturity, improve the pedagogical practice, to
open the horizons, because made it possible a predisposed to look for yourself, to think about, to wonder, to
reflect on their teaching practice.
Keywords: Graduate; Continuing education; Trajectory professional; Physical education.
marco fundamental também da nossa trajetória experiências como professoras com seus alunos e
profissional, pois como afirma Marques (2000, p.51): seus colegas de trabalho. É nesta convergência,
[...] as complexidades do exercício das nestes encontros, nos diferentes lugares e pelos
profissões no mundo atual exigem processos de vários olhares que o professor se faz professor.
formação explícitos e formais, em que se Neste viés, a formação de professores, o
condensem, sistematizem e generalizem conhecimento a respeito da docência, não se inicia
competências comunicativas e habilidades
apenas quando se ingressa em um curso de
cognitivas instrumentais, desde a educação
básica. formação, mas sim, sua aprendizagem sobre o
ensino, sobre o ser professor, inicia-se ainda quando
As experiências marcam significativamente o aspirante a professor era aluno da Educação
nossa vida, tanto que deixam profundas evidências, Básica. Esta constatação vem sendo reafirmada por
traços na construção do nosso ser pessoa, e do nosso diversos autores como Tardif (2002), García (1999),
ser professor. Essa experiência que nos marca de modo que Silva (2005, p.34) em conclusão
durante nossa Educação Básica nos faz pensar, afirma “[...] antes de ser professor, ele já foi aluno
ainda quando alunos, sobre o papel do professor na [...]. E, como tal, aprenderam a acreditar em
escola, o objetivo do professor em determinada algumas ideias e valores [...]”.
disciplina, principalmente quando optamos pela Sendo assim, cabe então conhecer como
formação docente. Neste ponto a experiência da ocorreu o processo de escolha da profissão, sua
Educação Básica nos faz pensar e nos faz construir formação inicial e a entrada na carreira. Todos esses
um conhecimento, um saber a cerca do que é ser momentos, apesar de apresentarem-se
professor e pensar e eu, como vou ser, quando separadamente no tempo, são entrecruzados e
professor? rearticulados de acordo com a necessidade e os
interesses pessoais e profissionais dos professores.
Essas significações, sobre a docência e sobre o
professor, são construídas desde o momento que Da escolha pela formação profissional à entrada na
entramos numa sala de aula, como aprendizes, carreira: o processo de reconstrução
nos diferentes momentos da escolarização, e
mesmo antes de entrar nela. Temos uma Para aqueles que têm a possibilidade de
representação do que seja um professor, uma fazer um curso superior, o período que antecede esta
sala de aula, uma avaliação, uma escola, enfim, entrada, o período da escolha, é cercado por dúvidas
estas imagens se configuram em saberes e incertezas, também pelo medo por ter que fazer
construídos ao longo de nossas histórias de vida.
uma opção para a vida. Esta opção pode acontecer
Estes saberes são significativos nos processos de
formação inicial e continuada, no sentido de aleatoriamente, por identificação, pela família, os
possibilitar a reconstrução de imagens da/na motivos da escolha são infinitos. Para as nossas
docência que também nos produzem professores professoras, Joaninha, Beija-Flor e Borboleta, a
(OLIVEIRA, 2006, p.176). escolha pela profissão de professor na área de
Educação Física deu-se por diferentes razões. Por
Durante as narrativas, as professoras, gostar de esporte, por segunda opção, pela vontade
seguindo um roteiro, narraram sobre sua experiência mesma de ser professora.
com a Educação Física durante o Ensino Quando optaram pelo curso de Licenciatura
Fundamental, para que fosse possível Plena em Educação Física, as professoras tinham
compreendermos como se produziram professoras conhecimento que iriam cursar uma graduação que
de Educação Física no decorrer de suas trajetórias, e formava professores e que, consequentemente,
como estes fatos e acontecimentos vieram a somar, seriam professoras de Educação Física. Apesar de
acrescentar na sua trajetória profissional. terem consciência deste fato, duas das professoras
A vivência no contexto escolar como alunas se identificaram com esta escolha apenas durante o
fez com que as professoras construíssem saberes a curso de formação, quando puderam experimentar
respeito da profissão docente e da Educação Física. situações de prática docente.
Estes saberes, construídos através das experiências Neste sentido é que a formação inicial
vividas, vieram a embasar a escolha pela profissão e precisa abarcar uma amplitude de conhecimentos
também as suas ações como professoras, quando bases para a formação de professores que darão a
esta experiência uniu-se às experiências vivenciadas ele subsídios para desenvolver a sua prática
durante o curso de formação e depois se somando às pedagógica, destacaremos alguns deles segundo
García (1999). O conhecimento psicopedagógico processo contínuo e sistemático passando por todas
volta-se para os conhecimentos sobre o ensino, a as fases da carreira docente onde cada uma
aprendizagem, os alunos, princípios gerais. O apresenta necessidades específicas e exigências de
conhecimento dos conteúdos implica o nível pessoal profissional, organizacionais,
conhecimento que o professor deve ter a respeito da conceituais e psicológicas diferenciadas.
matéria que irá ensinar. Já o conhecimento didático Assim, o início da docência é um momento
do conteúdo é a combinação entre o conhecimento de intensa aprendizagem, reconhecimento,
da matéria a ensinar e o conhecimento pedagógico e adaptações, uma busca intensa pela procura até, às
didático de como ensinar. E o conhecimento do vezes, desesperada, por alguém ou algo que possa
contexto, diz respeito ao conhecimento que os ajudar. Erros, acertos, erros acertados e acertos
professores precisam adquirir sobre o local onde se errados. Mas sim, sem dúvidas, um período intenso
ensina e quem se ensina. na busca por aprender a ser professor.
As experiências da Educação Básica, da As experiências narradas pelas professoras a
formação inicial, deixam marcas na maneira de partir das suas histórias particulares de formação e
sermos professores. Os professores que passaram de percepção sob esta formação vêm a se desenrolar
pela nossa formação, muitos, quando nos tornamos até de uma forma semelhante umas das outras,
professores, nos servirão de modelos que talvez com experiências muito próximas, mas a
procuraremos copiar na nossa prática pedagógica. maneira como cada uma significou e/ou foram
Porém, é a entrada na carreira, nos primeiros anos interpeladas por esta experiência, por cada momento
de docência em que elegemos tais professores para de formação, apresenta-se de forma ímpar, pois são
servirem de referência para nossa prática histórias singulares construídas de pluralidades.
pedagógica, até termos a possibilidade de
delinearmos nossa identidade como professor. A formação continua: à busca, à volta à academia
A entrada na carreira marca o momento
onde deixamos de ser alunos/acadêmicos e No transcorrer do exercício profissional,
assumimos o papel de professores. Apesar de as cedo ou tarde, surge à necessidade de voltar, voltar
professoras estudadas enfrentarem as dificuldades a estudar e, muitas vezes, esta vontade sugere a
de início de carreira, elas assumiram uma posição volta aos bancos acadêmicos. Para as professoras, o
ativa, uma atitude de descoberta frente aos novos trabalho na escola e suas relações não respondiam
desafios impostos pelo período inicial da docência. as suas necessidades formativas, talvez por não
No entanto, como se pode observar em suas existir espaço para maiores discussões, ou por
narrativas, principalmente a professora Joaninha, motivos outros, mas a questão é que as professoras
que narra que saiu da universidade cheia de ideias, buscaram respostas para sua prática docente nos
querendo fazer de um jeito diferente a Educação cursos de formação continuada ao nível de Lato
Física, deparou-se com um contexto já acomodado, Sensu, ou seja, de especialização.
muitas vezes viciado, que não se deixa levar pelo A sobrecarga e o isolamento da profissão
novo. Para tanto, é preciso ter cuidado e atenção docente acarretam a dificuldade de o professor
para a aceitação acrítica de ideais, normas, desenvolver atividades que não somente beneficiem
regulamentos, pois, “as tradições escolares, o ensino, mas que viria a beneficiar sua formação
sobretudo aquelas pregadas pelos professores mais profissional e pessoal. Fato este que estimula os
antigos, podem levar a um despojamento do saber professores a buscar este compartilhamento de
academicamente constituído” (SILVA, 2005, p. 36). conhecimentos em cursos fora da escola, por
Isso acontece muitas vezes, quando os professores entenderem que o contexto da escola não
acabam se deixando levar pelo que já está posto, proporciona esta possibilidade de troca, de escuta,
pelo instituído. de olhar o outro.
É principalmente no início da carreira, que E este sentimento de buscar fora, acaba,
os professores principiantes compreendem as muitas vezes, sendo um fator angustiante para os
implicações das características da escola de uma professores, essa necessidade de voltar torna-se
outra forma, mesmo tendo passado nela boa parte da preponderante, indispensável para elas. Nas
sua vida, agora assumem outro papel, no qual narrativas das professoras, a formação continuada
precisam se inserir em uma cultura organizacional parece ser uma contingência da sua trajetória
de um modo diferenciado. Segundo García (1999), a formativa, como se o curso de especialização da
formação profissional dos professores é um universidade fosse tirá-las da menoridade na qual se
objetivo previsto, até uma meta que se conhece de In: COSTA, M.V. (Org.). Caminhos investigativos:
antemão, mas uma abertura para o desconhecido, novos olhares na pesquisa em educação. Rio de
para o que não se pode antecipar nem ‘pré-ver’ nem Janeiro: DP&A, 2002a.
‘pré-dizer”. O curso de especialização promoveu
esta abertura, esta disponibilidade ao porvir, um __________. Notas sobre a experiência e o saber de
olhar aprofundado, um pensamento mais flexível experiência. Revista Brasileira de Educação, n.19,
em relação a sua docência. p.20-28, jan./abr., 2002b.
A proliferação dos cursos de especialização,
muitas vezes não comprometidos com suas funções MARQUES, M.O. A formação do profissional da
é consequência desta busca desenfreada pela educação. Ijuí: UNIJUI, 2000.
informação, como se os esses fossem resolver os
problemas que envolvem a educação, mas ao MOLINA, R.M. O enfoque teórico metodológico
contrário, somos nós mesmos a partir daquilo que qualitativo e o estudo de caso: uma reflexão
nos acontece que temos a possibilidade de introdutória. In: MOLINA NETO, V.; TRIVINÕS,
formarmo-nos, de transformarmo-nos. Não A.S. (Orgs.). A pesquisa qualitativa na Educação
precisamos estar periodicamente recebendo Física: alternativas metodológicas. Porto Alegre:
informações de fora para que nossa formação UFRGS/Sulina, 2004, p.95-105.
continue, porque cada vez estamos mais na escola e
na universidade, mas cada vez temos menos tempo, MOLINA NETO, V. et al. Pesquisar exige
então é necessário que paremos para escutar-nos, interrogar-se: a narrativa como estratégia de
para ouvir o silêncio, para nos olharmos, para pesquisa e de formação do(a) pesquisador(a).
caminharmos para nós, para dar sentido àquilo que Movimento, v.12, n.2, mai./ago., 2006, p.09-33.
fazemos e queremos, para produzir experiência,
saber da experiência. OLIVEIRA, V.F. Narrativas e saberes docentes. In:
OLIVEIRA, V.F. (Org.). Narrativas e saberes
docentes. Ijuí: UNIJUÍ, 2006, p.169-190.
Referências
RODRIGUES. A.; ESTEVES. M. A análise de
DINIZ-PEREIRA, J.E. Formação continuada. In: necessidades na formação de professores. Porto:
OLIVEIRA, D.A.; DUARTE, A.C.; VIEIRA, L.F. Ed. Porto, 1993.
(Orgs.). Dicionário de trabalho, profissão e
condição docente. Belo Horizonte: UFMG, 2010, SILVA, R. de C. O professor, seus saberes e suas
p.11-42. crenças. In: GUARNIERI, R.M. (Org.). Aprendendo
a ensinar: o caminho nada suave da docência.
GARCÍA, C.M. Formação de professores: para Campinas: Autores Associados, 2005, p.25-44.
uma mudança educativa. Porto: Ed. Porto, 1999.
TARDIF, M. Saberes docentes e formação
LARROSA, J.B. Literatura, experiência e formação. profissional. Petrópolis: Vozes, 2002.
Sobre os autores
Ana Paula Bernardi é Mestre em Educação (UFSM) e Professora da Faculdade do Futuro (MG).
Franciele Roos da Silva Ilha é Mestre em Educação (UFSM), Doutora em Educação (UFPel) e Professora da
Universidade Federal de Pelotas (RS).