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A

Lê o texto a seguir transcrito. Em caso de necessidade, consulta o vocabulário apresentado.


Neste momento entrava o velho arquiteto, agarrado ao braço de Álvaro Vaz de Almada, que o veio
guiando para o topo da desmesurada banca de carvalho, à roda da qual se travara o diálogo que acima
transcrevemos.
— Dom donzel, onde é que está el-rei? — dizia Afonso Domingues ao pajem, caminhando com passos
5 incertos ao longo do vasto aposento.
D. João I, que ouvira a pergunta, respondeu em vez do pajem:
— Agora nenhum rei está aqui, mas sim o Mestre de Avis, o vosso antigo capitão, nobre cavaleiro de
Aljubarrota.
— Beijo-vos as mãos, senhor rei, por vos lembrardes ainda de um velho homem de armas que para
10 nada presta hoje. Vede o que de mim mandais; porque, de vossa ordem, aqui me trouxe este bom donzel.
— Queria ver-vos e falar-vos; que de coração vos estimo, honrado e sabedor arquiteto do Mosteiro de
Santa Maria.
— Arquiteto do Mosteiro de Santa Maria, já o não sou: vossa mercê me tirou esse encargo; sabedor,
nunca o fui, pelo menos muitos assim o creem, e alguns o dizem. Dos títulos que me dais só me cabe hoje
15 o de honrado; que esse, mercê de Deus, é meu, e fora infâmia roubá-lo a quem já não pode pegar em um
montante para defendê-lo.
— Sei, meu bom cavaleiro, que estais mui torvado comigo por dar a outrem o cargo de mestre das
obras do mosteiro: nisso cria eu fazer-vos assinalada mercê. Mas, venhamos ao ponto: sabeis que a abóbada
do Capítulo desabou ontem à noite?
20 — Sabia-o, senhor, antes do caso suceder.
— Como é isso possível?!
— Porque todos os dias perguntava a alguns desses poucos obreiros portugueses que aí restam como
ia a feitura da casa capitular. No desenho dela pusera eu todo o cabedal de meu fraco engenho, e este
aposento era a obra-prima de minha imaginação. Por eles soube que a traça primitiva fora alte- rada e
25 que a juntura das pedras era feita por modo diverso do que eu tinha apontado. Profetizei-lhes então o que
havia de acontecer. E — acrescentou o velho, com um sorriso amargo — muito fez já o meu sucessor em
por tal arte lhe pôr o remate que não desabasse antes das vinte e quatro horas.
— E tínheis vós por certo que, se vossa traça se houvera seguido, essa desmesurada abóbada não viria
a terra?
30 — Se estes olhos não tivessem feito com que eu fosse posto de banda como uma carta de testa- mento
antiga, que se atira, por inútil, para o fundo de uma arca, a pedra do fecho dessa abóbada não teria de vir
esmigalhar-se no pavimento antes de sobre ela pesarem muitos séculos; mas os de vosso conselho julgaram
que um cego para nada podia prestar.
— Pois, se ousais levar a cabo vosso desenho, eu ordeno que o façais, e desde já vos nomeio de novo
35 mestre das obras do mosteiro e David Ouguet vos obedecerá.
— Senhor rei — disse o cego, erguendo a fronte, que até ali tivera curvada —, vós tendes um cetro e
uma espada; tendes cavaleiros e besteiros; tendes ouro e poder: Portugal é vosso, e tudo quanto ele contém,
salvo a liberdade de vossos vassalos: nesta nada mandais. Não!… vos digo eu: não serei quem torne a
erguer essa derrocada abóbada! Os vossos conselheiros julgaram-me incapaz disso: agora eles que a
40 alevantem.
HERCULANO, Alexandre (2014). A Abóbada. Porto: Porto Editora [pp. 57-60]

1. Localiza o excerto na estrutura interna da obra a que pertence. (20 pontos)

2. Analisa a relação que estabelece entre as personagens intervenientes no excerto. (20 pontos)
3. Comenta o valor expressivo da metáfora no excerto seguinte. (20 pontos)

“E — acrescentou o velho, com um sorriso amargo


— muito fez já o meu sucessor em por tal arte lhe pôr o
remate que não desabasse antes das vinte e quatro
horas.”

4. Considera o excerto transcrito. (20 pontos)

“Respondendo a críticas que o increpavam por


haver alterado a verdade histórica nas suas crónicas-
romances publicadas no Panorama, Herculano respondia
nas colunas da mesma revista: ‘Nós procuramos
desentranhar do esquecimento a poesia nacional e popular
dos nossos maiores: trabalhamos por ser historiadores
da vida íntima de uma grande e nobre, e generosa nação,
que houve no mundo, chamada Nação Portuguesa’. Termina
a sua resposta: ‘Alargámo-nos nesta nota, porque
alguém nos increpou de havermos alterado a história
em várias crónicas-romances que temos publicado,
principalmente no Mestre Gil e na Abóbada; era-nos lícito
fazê-lo; mas cremos que não o fizemos em cousa essencial;
nisto demos crónica, no vestuário com que o
enfeitámos demos romance. Não confundamos ideias; o
extra-histórico não é contra-histórico.’”
CHAVES, Castelo Branco (1980) O romance histórico no Romantismo
português. Lisboa: ICP [pp. 25-26]

4.1. Mostra como as afirmações seguintes se adequam à narrativa A Abóbada.


a. “Nós procuramos desentranhar do esquecimento a poesia nacional e popular dos nossos maiores.”
(20 pontos)

b. “Não confundamos ideias; o extra-histórico não é contra-histórico.” (20 pontos)

Lê o texto seguinte.

O dia em que as Capelas Imperfeitas ruíram


Dois remates de pináculo com 100 quilogramas cada, um da fachada do portal
principal, outro da fachada da porta lateral, caíram do Mosteiro de Santa Maria
da Vitória, na Batalha, pondo em risco o valor do Monumento como Monu-mento
Mundial pela UNESCO.
5 Um sinal de que aquilo que as Capelas Imperfeitas significam já nada tem a ver
com o Portugal do século XXI.
A simples notícia de estragos no Mosteiro da Batalha é o suficiente para gelar a
consciência de qualquer português que conheça o peso que o edifício tem na cons-
ciência coletiva. O Monumento é uma afirmação em pedra da II Dinastia e a sua
10 construção, que se seguiu à vitória de D. Nuno Álvares Pereira em Aljubarrota, pro-
longou-se por gerações e que permanece ainda hoje por terminar nas Capelas
Imperfeitas, um testamento em vida do monarca D. Duarte I.
Poucos países se podem dar ao luxo de ter na sua História monumentos que ma-
terializem a história da Nação como um plano concebido e idealizado. Monumentos
15
que justificam e ampliam os fundamentos da nacionalidade. O Convento de
Cristo, em Tomar, o Mosteiro da Batalha, em Aljubarrota, e o binómio Convento de
Mafra-Baixa Pombalina são os três exemplos maiores de uma comunidade que se
soube reinventar e conceber futuros maiores para uma Nação e uma Europa de-
masiado preocupadas com a sobrevivência diária.
20 D. Duarte ficou conhecido por ter escrito vários tratados de Ética e Moral num
período da história europeia onde esta parecia escassear. As suas obras dirigiam-se à
nobreza nascente que, amiúde, misturava o seu interesse particular com o bem geral.
O Panteão que mandou construir para si no Mosteiro da Batalha é um testa-mento vivo
da grandeza intelectual do monarca e um símbolo maior da Identidade portuguesa,
25 pois a sua não conclusão (daí serem “imperfeitas”) representa o senti-mento nacional
de um projeto que ficou por acabar: tema encontrado com frequên-cia em Fernando
Pessoa e que fundamenta o messianismo pessoano.
O Panteão é um octógono (tal como a Charola do Convento de Cristo em Tomar)
que mais não é do que a estilização da rosa, que, na Idade Média, simbolizava Re-
30 nascimento, que pode ser igualmente encontrada (mais uma vez estilizada) na Cruz da
Ordem de Cristo ao centro com uma cruz branca. Mesmo Lisboa, construída em
função do dia 24 de junho (nascimento de S. João Baptista) justifica (debate que não
caberia num post) que ser-se português, longe de ser uma questão de sangue, reli-gião
ou território, é um ato de consciência, um processo de identificação com um projeto
35 que ultrapassa as gerações e as fronteiras territoriais.
A importância das Capelas é indiscutível no seio da Identidade Nacional; já mais
discutível é a relevância concreta desta no presente e futuro de Portugal do século
XXI. […]
Quando cai uma pedra do Mosteiro da Batalha, não é um pedregulho que cai mas
40 sim um sinal de 8 séculos e 22 gerações que se levantam perante o imenso ridí- culo
que se apossou de nós.
Estará a rosácea das Capelas Imperfeitas a colapsar?

RGS, O Manto do rei [em linha, consult. 30-01-2016, com supressões]

1. Para responderes a cada um dos itens de 1.1. a 1.7., seleciona a opção correta.
Escreve, na folha de respostas, o número de cada item e a letra que identifica a opção
escolhida.
1.1. O texto adota o género textual (5 pontos)
a. exposição sobre um tema.
b. apreciação crítica.
c. artigo de opinião.
d. síntese.
1.2. Ao longo do texto aborda-se como tema predominante (5 pontos)
a. a viagem. d. o turismo.
b. o nacionalismo.
c. a religião.
1.3. Na expressão “O Monumento é uma afirmação em pedra da II Dinastia” (l. 9) , está presente
uma (5 pontos)
a. metáfora.
b. personificação.
c. comparação.
d. enumeração.

1.4. No segundo parágrafo, estabelece-se uma relação


(5 pontos)
a. de analogia entre Portugal e outros países.
b. de oposição entre Portugal e os outros países.
c. de contraste entre o Convento de Cristo, o Convento de Mafra e o Mosteiro da Batalha.
d. de complementaridade entre Portugal e a Europa.
1.5. Para o autor do texto, o tema do messianismo
(5 pontos)
a. está presente na literatura e na arquitetura.
b. opõe-se ao tema do nacionalismo.
c. carece de fundamentação teórica consistente.
d. tem como expoente máximo D. Duarte.
1.6. A informação apresentada entre parêntesis nas linhas 32-33 remete para
(5 pontos)
a. o tema do texto.
b. o contexto de produção do texto.
c. a estrutura interna do texto.
d. a estrutura externa do texto.
1.7. No contexto em que surge, o constituinte “com a sobrevivência diária.” (l. 19) desempenha a
função sintática de
(5 pontos)
a. modificador apositivo do nome.
b. modificador restritivo do nome.
c. complemento do nome.
d. complemento do adjetivo.

2. Responde aos itens apresentados.


2.1. Explicita o processo de coesão lexical predominante no excerto seguinte.
(10 pontos)

“Quando cai uma pedra do Mosteiro da Batalha, não é um


pedregulho que cai mas sim um sinal de 8 séculos e 22
gerações
que se levantam perante o imenso ridículo que se apossou
de
nós.” (ll. 39-41)

2.2. Classifica as orações que constituem a frase “As suas obras dirigiam-se à nobreza
nascente que, amiúde, misturava o seu interesse particular com o bem geral.” (ll. 21-23)
(5 pontos)

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