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História da Cultura e das Artes I

Profª Marta Esteves

A TEORIA MUSICAL GREGORIANA


 No início do séc.IX, embora ainda se preservem e se leiam as obras de Boécio (Roma – séc.VI),
Cassiodorus e de Isidoro de Sevilha (Espanha – séc.VII) começam a surgir os primeiros tratados
sobre teoria musical:
 De Harmonica Institutione (ano 880) – tratado sobre teoria musical, escrito por
Hucbaldo (840-930), um monge beneditino francês e teórico musical, com referências
baseadas em Boécio e que irá servir como base de toda a harmonia medieval. Neste
tratado podemos já encontrar a utilização de 2 linhas de pauta (5ª) e a inversão do
Grande Sistema Perfeito com o acrescento de uma nota – aa.

 Dialogus Musicae - tratado do início do séc.X, presumivelmente escrito por Odon de


Cluny (878-942), abade francês que propõe um sistema de notação alfabética adaptado a
cada um dos graus do Grande Sistema Perfeito, evitando assim utilizar o nome completo
de cada nota. Introduz mais uma nota inferior a que chama Gama e sobe o âmbito até bb
e cc.
L A B C D E F G a b c d e f g aa bb cc

 Apesar de todos estes tratados continuamos com um sistema que não permite ler à primeira
vista.
 Tanto Odon de Cluny como Aurelianus Reomensis usaram os modos a partir das escalas gregas,
tal como foram transmitidas por Boécio, o que perpetuou o erro de transmissão feito por Boécio
em que este identificou de forma diferente o modo dórico, que na Grécia correspondia a Mi e na
Idade Média é identificado como sendo Ré.

 São utilizados 4 modos:


Ré, Mi, Fá e Sol (Protus, Deuterus, Tritus e Tetrardus)

 Para se definir o modo de um cântico temos que identificar:


A finalis (tónica) – nota de repouso, quase sempre a última.
A nota tenor (dominante) – nota principal da melodia.
O âmbito – a extensão melódica da peça.

Os 8 modos gregorianos

 Eram usados 4 modos: ré, mi, fá e sol.


 Cada modo consiste numa espécie de oitava com diferentes disposições de tons e meios-tons
em volta da dominante e da final.
 A finalis do modo é indicada por uma breve.
 A nota tenor é indicada por uma semibreve.
 Cada par de modos com a mesma finalis tem uma forma autêntica e uma forma plagal, que
diferem na nota tenor.

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 O mesmo modo pode ter diferentes notas tenor embora a finalis seja a mesma.
 Os modos I, III, V e VII são autênticos e os modos II, IV, VI e VIII são plagais.
 Acabaram por dar nomes gregos aos modos:

Autênticos Plagais
Dório Hipodório
Frígio Hipofrígio
Lídio Hipolídio
Mixolídio Hipomixolídio

 A forma de identificar os modos é ter presente as seguintes regras:


o Nos modos autênticos a nota tenor é sempre uma 5ª acima da finalis.
o Nos modos plagais a nota tenor é sempre uma 3ª abaixo da nota tenor do respetivo
modo autêntico.
o Sempre que a nota tenor recaia em Si sobe para Dó.

 A única alteração utilizada na notação do cantochão é o Si b. Os acidentes só eram necessários


quando uma melodia era transposta. Por exemplo, se um cântico no 1º modo fosse escrito em Sol,
era necessário usar um bemol.

 Porque razão não havia os modos de Lá, Si e Dó?


 Porque se os modos de Ré, Mi e Fá fossem cantados transpostos e com si bemol no de fá,
passavam a ser iguais aos modos de Lá, Si e Dó, tornando-os desnecessários.
 As escalas modais autênticas são semelhantes a escalas nas teclas brancas do piano, partindo
das notas Ré, Mi, Fá e Sol e as plagais uma 4ª abaixo.

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Características práticas da música gregoriana

Âmbito – o âmbito encontrado na maioria dos cânticos vai de Dó até Lá ou Si agudo. Este âmbito
era menor com toda a certeza, uma vez que os cânticos eram executados pelos monges - âmbito
masculino e sabemos que as mulheres permaneciam caladas, excepto nos conventos de freiras.

Intervalos – os mais utilizados são os graus conjuntos e depois a 3ª e 4ª. Surgem poucas 5ªs e as
6ªs eram combinadas em 3ª+4ª e as 8ªs são raras.

Linha melódica – forma um ou vários arcos e por vezes pode formar um arco invertido.

Cadências – (clausulae) são figuras melódicas que conduzem até à nota que fecha uma frase ou o
cântico. A mais comum é por grau conjunto ou 3ª descendente.
Há 3 tipos de cadências ou cláusulas:
o Cláusula final – termina na finalis.
o Cláusula média – pode terminar na final, na dominante ou uma 3ª acima da final.
o Cláusula de passo – todas as outras notas.

O sistema hexacordal

 Por volta do séc.IX começam a desenvolver-se todas as definições teóricas tonais sobre o Canto
Gregoriano.
 O hexacorde (6 notas) será a base do sistema tonal gregoriano e obtém-se pela junção de 3
tetracordes ligados pelo mesmo meio-tom. Assim:
Dó Ré Mi Fá
Ré Mi Fá Sol resulta um hexacorde em Dó natural – dó ré mi fá sol lá.
Mi Fá Sol Lá

 Com os tetracordes:
Sol Lá Si Dó
Lá Si Dó Ré resulta o hexacorde em sol (durum) com si natural –
Si Dó Ré Mi (com um b quadrado) sol, lá, si, dó, ré e mi.

 Com os tetracordes:
Fá Sol Lá Sib
Sol Lá Sib Dó criamos o hexacorde em Fá (b mole=b redondo) –
Lá Sib Dó Ré fá, sol, lá, sib, dó e ré.

 Os intervalos do hexacorde mantêm-se sempre iguais e em qualquer altura sonora - T T S T T –


tal como faziam os gregos com os tetracordes.
 Nesta altura será aplicado o alfabeto latino às 2 oitavas de Lá a Lá’, acrescentando uma nota
inferior – Gama.

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O sistema de Solmização

 Este sistema consiste em derivar cada nota do hexacorde nas notas com que começava cada
verso de um Hino de S. João Baptista, que tinha uma melodia muito conhecida na altura.
 Este sistema foi criado por Guido d’Arezzo (992 - 1050) - um monge italiano que dirigia o coro
da Catedral de Arezzo e que se dedicou à criação de metodologias de ensino que ajudassem a
aprender o reportório de uma forma mais fácil e rápida.
 A melodia do Hino continha os 6 graus da escala do hexacorde e Guido atribuiu um nome a
cada grau a partir da primeira sílaba do texto do Hino.
 O Hino tem 7 versos – 7 sílabas.

Hino S. João Baptista

Tradução: "Para que os teus servos possam cantar as maravilhas dos teus atos admiráveis, absolve as faltas
dos seus lábios impuros".

 Mais tarde ut foi substituído por do, de Giovanni Battista Doni, um músico italiano que achava a
sílaba incómoda para o solfejo, e foi adicionada a sílaba si, como abreviação de Sante Iohannes
("São João").
 A sílaba sol, mais tarde, foi encurtada para so, para uniformizar todas as sílabas, mas a mudança
acabou por ser novamente revertida.
 As sílabas ut, ré, mi, fa, sol e lá, não correspondiam a alturas absolutas na escala, mas apenas
aos graus num hexacorde e eram designadas por letras de A a G. A partir de um trecho escrito
num modo qualquer, podia-se transpor uma quarta, quinta ou oitava sem modificar nenhuma das
sílabas sobre as quais o trecho seria cantado.
 Por exemplo, uma sequência ré-mi-fa transposta uma quarta continuava a ser considerada ré-
mi-fa, na solmização, e não sol-lá-sib como no sistema actual, embora fosse designada por G-A-Bb
em vez de D-E-F.
 Os países latinos adotaram a designação "dó ré mi fá sol lá si dó" para representar "C D E F G A
B C".

Mutação

 Quando a melodia excedia o âmbito das 6 notas do hexacorde, saltava-se para o outro
hexacorde e a este processo chamava-se Mutação (Mutatione). Ex: a nota Lá no hexacorde de Dó
corresponde a Ré no hexacorde de Sol.
 Funcionava como uma modulação.

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A Mão Guidoniana

 Guido d’Arezzo foi também o responsável pela criação de


mais um instrumento auxiliar de ensino musical – a Mão
Guidoniana.
 Para isso, marca na palma da mão inúmeros pontos que
representam cada uma das 20 notas do sistema melódico
podendo assim os alunos aprender a cantar à 1ª os intervalos
enquanto ele apontava para determinados pontos da mão.
 Esta mão surge em todos os tratados da época e também
nos do Renascimento o que mostra a sua importância e
utilização.
 Numa carta enviada a um amigo, Guido relata como
inventou um sistema em que os cantores podem cantar
música que nunca ouviram antes, tendo chegado a visitar o
Papa para este experimentar.
 O Papa gostou tanto, que mandou ensinar este sistema
em todas as escolas monásticas e igrejas.
 Guido d’Arezzo é também o autor do tratado –
“Micrologus” (1025-1028).

O Ritmo Gregoriano

 Ao contrário do que se pode pensar, o Canto Gregoriano não é arrítmico. A ordem rítmica neste
tipo de música evidencia-se através de um arco ou curva que se forma a partir da elevação e
repouso do canto.
 O ritmo é livre mas resulta de uma sequência contínua de conjuntos binários e ternários de
valor indivisível, e que são identificados pelo ictus.
 É sobre essas unidades que se estabelece a relação rítmica da arsis e da tesis (elevação e
repouso) e que adquire dimensões de acordo com o arco rítmico que constitui toda a peça.
 Pontos intermédios do arco serão o incisum, o membrum, a frase e o período.

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