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Cobra Jr.
O MÚSCULO DA ALMA:
A CHAVE PARA A SABEDORIA CORPORAL
Editora Voo
2016
O Músculo da Alma: a chave para sabedoria corporal © Nuno Cobra Jr., 2016
Priscila Seixas
e-ISBN: 978-85-67886-07-7
Todos os direitos reservados, incluindo o direito de reprodução deste livro ou partes dele,
em qualquer formato. Para mais informações, entre em contato com a Editora Voo.
www.editoravoo.com.br
Dedico este livro às mulheres que fazem parte da minha vida.
Falar de meu filho Nuno é falar da própria vida. Com seu equilíbrio e bom senso, ele é
uma mistura entre a sensibilidade e a praticidade. Com sua leveza e bom humor consegue
tirar de uma ideia cada detalhe que margeia o nível da verdadeira sabedoria. Com sua
forma prática de ver as coisas nos oferece sempre uma visão mais real de nosso
caminho. Ele enxerga os acontecimentos muito mais à frente e, ao mesmo tempo,
também ao lado, mostrando-nos sempre uma nova perspectiva da vida, e, assim,
consegue tocar profundamente pela sua forma singela de ser e de ver as coisas.
Meu filho Nuno sempre foi um artista nato, dotado de uma sensibilidade incomum. Por
esse motivo, sempre foi como que um farol me orientando nos momentos de tomar
decisões importantes. Fui sempre guiado por seus decisivos e inteligentes conselhos. Ele
sempre me trouxe soluções criativas que, muitas vezes, fizeram toda a diferença. Por tudo
isso, tenho por ele muito respeito e admiração, e estou sempre muito atento às suas
sábias palavras.
Vocês irão se deliciar e até mesmo se empolgar com seus relatos sempre muito sutis,
inteligentes, e com uma criatividade que tem a cara dele: corajosa, perto de ser atrevida.
Suave, delicado, decidido e corajoso... Ele mostra toda a sua força neste livro simples,
didático, mas extremamente profundo, e que todo mundo precisa ler, de modo a
compreender, de uma vez por todas, o que seria realmente cuidar bem do próprio corpo.
Sinto-me muito orgulhoso por vê-lo se envolver tão apaixonadamente, por 12 longos anos,
numa luta contínua, pesquisando e escrevendo centenas de laudas. Ele ficava noites a fio
buscando a melhor e mais clara forma de colocar um assunto tão complexo e delicado de
forma a ficar bem claro para as pessoas as barbaridades a que o nosso corpo é
submetido atualmente, principalmente por se tratar de algo da mais alta seriedade e
importância para o nosso bem estar e saúde. Não deve ter sido fácil, depois de tantos
anos de um envolvimento grandioso, ter que colocar tantos assuntos em poucas páginas,
buscando síntese e praticidade.
O universo do conhecimento corporal nunca mais será o mesmo após este livro.
Porém, devo advertir que, ao final, você terá uma surpresa: perceberá que este livro é
muito mais do que uma nova abordagem sobre o corpo e a saúde; na realidade, ele é o
prenúncio de uma nova consciência.
Nuno Cobra
APRESENTAÇÃO
A PONTA DO ICEBERG
Sono, alimentação e movimento. Com essa tríade básica que chamo de a “Santíssima
Trindade”, você preserva um alicerce essencial ao seu equilíbrio integral e à sua saúde.
No entanto, a saúde e o equilíbrio dos quais falo aqui não podem ser atingidos com
qualquer tipo de atividade física, principalmente aquela que você está acostumado a
pensar como uma forma saudável de exercício, ligada à indústria do fitness.
Este livro é um alerta sobre o que a sociedade de consumo fez com o nosso corpo.
Estrategicamente, ele foi transformado em um bem de consumo, uma “roupa” que
usamos como forma de aumentar o poder de sedução e o status social.
Quando vejo alguém dizer que o seu sonho de consumo é ter uma barriga tanquinho,
constato que o corpo se transformou em um produto.
O “Santo Graal” da felicidade e do equilíbrio estava bem onde você menos esperava: em
seu próprio corpo.
O que seu corpo significa para você? O quão perto você está deste “Santo Graal”?
Somos todos frutos da nossa educação, do nosso meio cultural, da nossa herança
emocional e genética, e também de todos os ideais martelados em nossa mente,
diariamente, pela sociedade de consumo. Esses ideais inseridos em nosso HD criam
diversas cortinas e camadas que não nos permitem enxergar a realidade e,
principalmente, criam e alimentam um sentimento específico dentro de nós: o medo, esse
agente silencioso que nos guia constantemente, sem que possamos perceber por que
estamos tomando diversas atitudes com base em seu poder obscuro.
O medo se apega ao que é conhecido e seguro, ao que é comum. A partir daí, passamos a
buscar falsos ideais de felicidade e sucesso que nos são vendidos como um caminho
comum e assertivo.
E, nessa busca, nos perdemos. Nos perdemos de nós mesmos. Então, começamos a
alimentar mais e mais os nossos medos. E eles são muitos.
Temos medo de sermos nós mesmos, medo de errar, de não estar à altura dos desafios,
de mudanças, da escassez, da solidão, entre tantos outros. Tudo colabora para nos
paralisar e nos fazer sentir pequenos frente às nossas idealizações.
(Les Brown)
Nesta nova versão, ser um “loser” é ser capturado e tapeado pelo marketing do consumo
e ter os seus valores, foco e energia vital aprisionados aos bens materiais como forma de
status e sentido de vida. Ser um “loser” é ser escravo de um sistema de trabalho vazio e
massacrante, que só visa o lucro e o acúmulo de riqueza.
Ser um “loser” é perseguir uma ilusão de felicidade que nunca se realiza, através da fama,
do dinheiro e do sucesso.
Já percebeu como nós estamos cegos e alheios às coisas mais básicas e importantes da
nossa vida e da nossa natureza?
O que poucos se deram conta é de que resolveríamos a imensa maioria dos nossos
problemas apenas cuidando do nosso próprio equilíbrio corporal, mental, emocional e
fisiológico. Coisas básicas que todo mundo já conhece e está cansado de escutar. Essa
realidade é a matéria-prima do meu trabalho há muitos anos. Aos cinco anos de idade,
lembro-me de assistir ao meu pai trabalhando e de acompanhar os treinamentos da sua
equipe de atletismo. São minhas primeiras memórias de infância, e alguns desses
ensinamentos eu guardo até hoje.
Meu pai, Nuno Cobra, tornou-se um dos maiores nomes do treinamento físico e mental
no Brasil. Isso se deve à enorme revolução que ele propõe em sua visão do corpo e do
treinamento, como veremos mais adiante. Com esse grande mestre, aprendi toda a base
do meu conhecimento.
Eu costumava ouvir algumas pessoas se consultando com ele. Elas chegavam vomitando
problemas de todas as ordens e eram convincentes em afirmar que a vida estava um
verdadeiro caos. E, para essas pessoas, ele calmamente falava:
“Esses problemas não existem, o único problema é que você não ‘está’ você.
Durante seis meses, vá ao encontro de si mesmo, priorizando-se, habitando seu
corpo e buscando o seu equilíbrio. Daqui a seis meses, você me conta se esses
problemas ainda existem.”
As nossas prioridades e o nosso estilo de vida não colaboram para o nosso equilíbrio
pessoal e saúde, pelo contrário.
A pergunta que não quer calar é: esta busca realmente traz felicidade?
Podemos notar isso observando as últimas três décadas. O que fizeram com o corpo? Ele
foi artificializado.
Esse corpo se isola do mundo através de uma camada generosa de músculos, e isso
fortalece ainda mais o sentido de “eu”. Ele se torna artificial, constituído à base de
anabolizantes, treinamentos radicais, uso indiscriminado de suplementos e toda forma de
artifícios.
Tais corpos buscam estar em conformidade com um modelo de beleza criado pela
indústria de consumo. Esses modelos alimentam diversos segmentos, como a indústria
do emagrecimento, das clínicas de estética, dos suplementos, das técnicas cirúrgicas
milagrosas, farmacêutica e a própria indústria do fitness, que, juntas, representam um
grave problema de saúde pública, atualmente.
IDENTIDADE CORPORAL
Você já pensou que, de certa forma, o seu corpo não lhe pertence? Ele pertence aos
especialistas que o reformam ou lhe dizem o que fazer com ele.
Você aceita exercícios padronizados, de forma obediente, sem questionar se lhe caem
bem, se servem para o seu caso específico. Exercícios que você faz por obrigação, sem
nenhuma consciência do que está fazendo, e, na maioria das vezes, mesmo sem gostar
ou sentir qualquer prazer em realizá-los. O seu corpo pertence à cultura em que você está
inserido, que dispõe dele ao sabor dos modismos e apelos midiáticos.
O seu corpo pede relaxamento, pede alongamento, pede aprofundamento, mas quem diz
que você é capaz de perceber isso? Quando vai ficando mais velho, esse descaso vai
cobrando o seu preço. E você só percebe à medida que começa a envelhecer.E acha
normal. A partir desse ponto, o seu corpo vai estar cada vez mais desgastado, maltratado
e doente.
O seu corpo é resultado de uma pressão cultural dominante, voltada para valores
racionais e materiais que o escraviza. Sendo assim, habitar o próprio corpo é o primeiro
passo para a liberdade.
Como podemos “ser”, por inteiro, sem nos apropriarmos do nosso corpo? Como
podemos ser, em toda nossa potência, sem termos uma identidade corporal? E o que isso
significa? Significa cuidar, alimentar e prover seu corpo com aquilo de que ele necessita.
Desenvolver sua inteligência e seus recursos corporais em toda a sua complexidade. Só
assim ele pode florescer, cheio de vitalidade, personalidade e identidade. E isso não se
relaciona a nenhum modelo ideal de corpo, só não vale abandoná-lo, deixá-lo sem
estímulo. Esta identidade acontece quando a nossa criatividade e aquilo que somos se
manifestam em nosso corpo de uma forma potente.
O seu próprio corpo é um universo insondável. Você pode estudá-lo e explorá-lo através
da Yoga, Tantra, Chi Kung, Medicina Chinesa, Feldenkrais ou outras técnicas, por 60 anos
ou mais, e mesmo assim nunca será suficiente.
Observe as crianças: elas trazem uma escuta afiada de suas necessidades corporais.
Estão atentas aos aspectos fisiológicos como sono, alimentação, afeto, movimento, entre
tantos outros. No adulto, essa escuta é bastante limitada, sendo eclipsada pelas
demandas do dia a dia.
É preciso redescobrir as chaves que abrem o universo que é o corpo. Só assim, ele pode
ser seu novamente. Este livro busca trilhar um caminho para encontrar essa chave.
Porque ela é única. E só você a possui.
MANUAL DO LEITOR
Este livro tem uma arquitetura muito própria. Quero experimentar, aqui, um novo
desenho: o conceito de “janelas do conhecimento”. Inspirei-me na internet, que traz
janelas à medida que vamos abrindo as pesquisas referentes a cada assunto.
Durante muitos anos, meu pai fez um programa na rádio Eldorado chamado “Minuto
da saúde”. Eu escrevia os textos que deveriam ser condensados em apenas um minuto.
Foi assim que nasceu a paixão pela escrita.
Uma herança muito forte que recebi desde pequeno foi a vontade de fugir do
convencional.
Com este livro, quero testar a teoria de que é possível falar de saúde de uma forma
profunda e complexa, sem que isto seja uma leitura chata. Busco traduzir e simplificar
com absoluta clareza um universo do corpo que não é acessível ao público em geral.
Este livro exige uma participação ativa do leitor, muitas ideias levantadas em um
capítulo só se fecham muitos capítulos depois. Algumas dessas ideias só se fecham,
mesmo, através de pistas e chaves que estão escondidas pelo livro.
Para um pesquisador com uma visão integral (um caçador de tesouros), todos os
conceitos e ideias se comunicam de uma forma complementar e sinérgica. E, assim,
esse nosso manual é um pequeno universo colaborativo que se abre em links que dão
acesso a conteúdos e textos complementares ao conhecimento apresentado.
Acompanhando o conceito de “mundo dentro de mundos”, que desenvolvo mais
adiante, este livro leva a outros textos e livros, que levarão também a outros tantos, e
assim por diante.
Este livro permite ao leitor uma navegação criativa, em que ele pode abrir
aleatoriamente uma página em busca de uma mensagem, na forma de uma consulta a
um oráculo. A magia, que atribuímos a fatores externos, está sempre em nós, não nas
coisas. (Acredite nisso!)
Sempre que você se sentar em silêncio, respirar três vezes com intensa profundidade e
sentir atentamente, com calma, o seu corpo, integrando esta imagem corporal desde o
pé até a cabeça, sentindo o fluxo de seu sangue correndo vigorosamente em suas
veias, e conseguir esvaziar sua mente de qualquer pensamento, você estará pronto
para fazer uma pequena consulta.
Abra cuidadosamente este livro em alguma página sem pensar, e lá você encontrará o
que está procurando. Se você não encontrar o que busca, pelo menos terá feito uma
pequena meditação… (risos)
Ah, e você perceberá aqui, em alguns momentos, doses de humor e ironia, que são
pontuadas com risos, ao final. Quanto mais divertido for o processo de aprendizado,
maiores as chances de fixação desse conhecimento.
Não se esqueça: viver leve é a arte de ser maleável, de não se levar muito a sério! Este
exercício é extremamente recomendável para qualquer profissional. Devemos sempre
relativizar e estar abertos a rever os nossos conceitos, ou mesmo nos contradizer, sem
qualquer receio.
Aqui, por mais que os assuntos mudem a cada capítulo, alternando-se em temas como
saúde, treinamento, comportamento, e bebendo em fontes como a filosofia, sociologia,
psicologia, entre outras, temos um fio condutor costurando todos os temas e provando
que tudo está interligado. É bom avisar que a lógica do encadeamento e ordenação dos
capítulos não é linear, não de uma forma convencional de continuidade, mas de uma
forma intuitiva e integrada.
Esta pista irá colaborar na solução do enigma e tornar este livro mais abrangente e
divertido. Sugiro que você deguste essas chaves das seguintes maneiras:
Entenda que o marketing do consumo o trata como uma criança, subestimando sua
inteligência e transformando tudo em produtos mais “palatáveis ao gosto do grande
público”. Nesse processo, existe uma pasteurização, esquematização e uniformização
deste conteúdo.
Ao ler este livro, devo adverti-lo de que você estará sujeito a uma certa contaminação,
já que ele não foi pasteurizado. Sendo assim, é de sua inteira responsabilidade
continuar a leitura.
A minha maior preocupação não foi manter um certo “padrão editorial”, e sim a minha
autenticidade. A ideia, aliás, é fugir dos padrões. Pensar fora da “manada” é item
essencial para se destacar em qualquer mercado. Seguir padrões que remontam ao
século 18 não faz mais sentido nos dias atuais, como você verá mais adiante.
Este livro pretende ser fiel ao que ele é, em sua essência: um diário de anotações, uma
colcha de retalhos, sem maquiagem e sem disfarces. O leitor, assim como um voyeur,
vai poder entrar, sorrateiramente, em meu universo particular de ideias, conceitos e
reflexões.
Nesta época, as pessoas ainda caminhavam muito, em média de seis a oito quilômetros
por dia, afinal, os veículos eram uma raridade.
Muitas tinham uma pequena horta, onde cuidavam mais da própria terra, subiam
escadas, usavam pilão para fazer farinha, lavavam roupa na mão, entre outras atividades
que as deixavam naturalmente mais ativas.
Um indivíduo acorda de manhã, depois de passar oito horas deitado, e se senta para
tomar seu café da manhã. Em seguida, ele desce de elevador até a garagem de seu prédio
e senta-se em seu carro para se dirigir ao trabalho. No final da manhã, após ficar outras
cinco horas sentado trabalhando, ele vai de carro até um shopping, sobe algumas escadas
rolantes ou elevador e fica novamente mais alguns minutos sentado para o almoço. Após
passar o dia grudado numa cadeira, em frente ao computador, ele chega em casa e senta-
se para o jantar.
Depois de tudo isso, como ele está muito cansado (afinal, ele ficou sentado o dia inteiro!),
finalmente, liga a TV e fica mais algumas horas nessa mesmíssima posição.
Por que será que ele tem uma hérnia de disco ou está com diabetes, pressão alta e
apresenta diversos desequilíbrios orgânicos? A resposta é que não nascemos para viver
sentados.
A indústria dos alimentos ainda engatinhava e o fastfood nem dava sinais de vida. Apesar
de consumir alguns alimentos pesados, como a banha de porco, as pessoas almoçavam e
jantavam em casa, pois a maioria delas morava próximo do trabalho. Se não moravam,
carregavam consigo uma marmita caseira, como opção lógica de refeição para o almoço.
Em relação ao sono, elas iam se deitar por volta das oito horas da noite, já que não existia
televisão ou o conceito moderno de vida noturna. Elas iam se deitar com as galinhas e
dormiam em paz, com silêncio e tranquilidade, visto que não havia muitas atividades nas
ruas.
Sim. O mundo está insone e sem tempo. As pessoas não têm tempo e nem energia para
fazer uma simples caminhada. Elas comem fastfood, bebem refrigerante, consomem
alimentos saturados, químicos e industrializados de uma forma indiscriminada.
O mundo sofre de uma crise crônica de ansiedade, e, sendo assim, come de forma
apressada, sem nem pensar no que está comendo, pois está preso ao celular.
O mundo está doente, obeso, flácido, sem energia e sem tônus, pois se movimenta cada
vez menos. O mundo toma remédios, pois tomar remédios é a opção mais rápida e mais
prática para continuar sobrevivendo.
Resumindo, é isso: nós não estamos mais vivendo, nós estamos apenas sobrevivendo.
Vejo isso diariamente em meu trabalho, em que me encontro com grupos heterogêneos,
que, de certa forma, são até homogêneos, já que quase todos dormem mal, são
sedentários, estão ansiosos, depressivos e sem energia, entre dezenas de outros
desequilíbrios.
Outro dia, num dos grupos que atendo, chegou um rapaz com uma história curiosa e,
infelizmente, bastante comum. Aos 28 anos, ele já tinha quase todos os cabelos brancos,
não dormia, não se movimentava e comia muito mal. Além disso, sofria de ansiedade e
depressão. Trabalhando com tecnologia da informação, ficava no computador até às duas
ou três horas da manhã, pois tinha que levar trabalho para casa, para dar conta dos
prazos e metas que lhe eram impostos. No outro dia, acordava às sete horas da manhã e
começava tudo de novo.
Que sistema de vida é esse que inventamos? Ele, claramente, não estava vivendo, estava
apenas, male e male, sobrevivendo. Aos trancos e barrancos, da forma como lhe era
possível.
Mas, será que as pessoas sabem que a nossa performance cai 60% quando dormimos
mal? Será que as empresas sabem disso? Será que elas sabem que, agindo da forma
como estão agindo, estão matando a criatividade e a produtividade do seu funcionário? E
eu me pergunto: até quando faremos tudo dessa maneira?
É esse mundo que queremos para os nossos filhos? Será que as pessoas estão
anestesiadas, estão dopadas? Ou é só falta de consciência mesmo? Quando você vai
acordar desse pesadelo? Ou você está achando normal ver tanta gente doente,
desequilibrada, cansada, estressada e deprimida? Quando vai acordar para o fato de que
sem o seu corpo, sem a sua saúde você é alguém pela metade? Que você é apenas um ser
insone que sobrevive, longe da sua verdadeira capacidade, vitalidade e potência?
O que acontece quando uma pessoa procura um médico? Em primeiro lugar, é provável
que esse profissional vá receitar alguns remédios.
O combo é grande – temos remédio para dormir, para ficar menos ansioso, para tratar a
depressão, para estabilizar a pressão arterial, para o colesterol e até para manter a pessoa
acordada.
A pergunta é: você acha que isso vai realmente resolver o problema ou apenas adiá-lo?
Qual seria a forma de curar esse paciente de uma maneira definitiva? A resposta é:
devemos atacar a verdadeira causa do problema.
E essa causa, na imensa maioria das vezes, está ligada aos desequilíbrios encontrados na
“Santíssima Trindade” do corpo, que são sono, alimentação e movimento equilibrado.
“Poxa, Nuno, mas se é tão simples assim, porque não fazemos nada a respeito?”, você
deve estar se perguntando.
Dizem que nosso método é mágico, mas eu vou lhe contar um segredo: na realidade, não
existe segredo algum, nós apenas ajudamos as pessoas a saírem dessas prisões
comportamentais em que elas mesmas se inseriram.
COFFEEHOLIC
Em uma sociedade que glamouriza a performance, somos convencidos de que extrair o
máximo de nós mesmos é uma autoimposição desejável, sendo levados a acreditar que o
sucesso seria resultado de um sacrifício. Todos podem ter sucesso, caso sigam sua mente
positiva e poderosa. É o que nos dizem.
Mas, e o corpo? O que fazemos com o corpo? Esse limitador da performance, esse
empecilho. A fórmula é simples: doses cavalares de cafeína e energéticos acrescidos de
juventude, mais cinco colheres de força de vontade, dão conta do recado. Mesmo que à
custa de um cansaço crônico, esgotamento nervoso, pânico e depressão. Nesse contexto,
os ansiolíticos, antidepressivos e toda forma de anestesiar a consciência são bem-vindos.
Haja Rivotril! Aliás, por mais absurdo que possa parecer, o Brasil é o maior consumidor do
mundo, em volume, de clonazepam, o princípio ativo do remédio. Foram 2,1 toneladas em
2010, o que coloca o Rivotril no topo das paradas farmacêuticas daqui. É o segundo
remédio mais vendido no país, à frente de nomes como Hipoglós e Buscopan. (Fonte:
Revista Superinteressante, ed. 280.)
Como a competitividade é algo que se acentua e se refina, nos tornamos escravos de uma
engrenagem perversa. A competição é algo que pode ficar fora de controle. Um bom
exemplo é a Coreia do Sul. Pesquise no Google: “Coreia do Sul: A República do suicídio”.
Nesse país, aos poucos, criou-se um grande mercado de ensino preparatório para a
faculdade. Alguns pais direcionam quase todo o fruto de seu trabalho para cursos
preparatórios de modo a propiciar ao filho chances nas melhores faculdades. Com o
tempo, o ensino foi se tornando mais sofisticado e subindo o sarrafo da competitividade.
O resultado foi que isso se tornou uma espécie de corrida armamentista. Ou seja, quando
o seu concorrente desenvolve armas mais eficientes, isso o força a criar armas ainda
melhores. Neste processo, entrar em uma boa faculdade passou a exigir, em média,
quinze horas de estudo diário, incluindo os finais de semana. Nesse nível estratosférico de
dedicação, muitos alunos ficam pelo caminho, enlouquecem ou chegam ao cúmulo de
cometer suicídio.
Hoje, ao invés do sonho de economistas como Adam Smith, que previam um cenário em
que, no século 21 as pessoas trabalhariam muito menos e seriam mais felizes, o que
assistimos é exatamente o contrário. A lógica e o ritmo alucinante do mercado de
trabalho atropelam tudo.
Agora, onde eram necessárias duas pessoas para dar conta do recado, colocam apenas
uma. O pior é que, se você não quiser a vaga, a fila de pretendentes é enorme.
A grande verdade é que estamos sempre ativos e trabalhando, seja estudando nas horas
vagas para nos mantermos atualizados e competitivos, seja levando trabalho para casa.
Com o computador, a nossa própria casa virou uma extensão do trabalho. Todos já estão
bem treinados. Explorar a si mesmo e trabalhar além do limite humano tornou-se uma
condição inerente para quem almeja sucesso e felicidade. É o que nos dizem.
E aí valem as soluções mais criativas. Um amigo, por exemplo, não tem tempo nem de ir
ao banheiro. Devido a esse péssimo hábito, ele sofre de uma prisão de ventre crônica. E
adivinhem qual solução ele encontrou?
Se engana quem respondeu respirar, fazer meditação e trabalhar menos. Para ele, isso
seria mera perda de tempo. Então, ele resolveu colocar um notebook sobre uma mesa
retrátil em frente ao vaso sanitário. E, hoje, ele se gaba de poder fazer suas necessidades
enquanto assiste ao Jornal Nacional (risos). Quem diria, até esse último santuário está
ameaçado.
O quarto de dormir já foi invadido por TVs e smartphones há muito tempo. Já era. Nesse
mundo 24 horas, em que as pessoas nunca se desligam, o trabalho invade até os nossos
sonhos.
MOVIDO A VENTO
Em nossas férias de final de ano, em Ubatuba, estávamos na casa dos nossos amigos
Cadu e Melissa. Eu estava escrevendo à mão alguns capítulos deste livro e, por sorte,
conheci um simpático italiano chamado Roberto, que nos convidou para passear em seu
veleiro. Um simples passeio me fez pensar em muitas coisas.
Quem já experimentou essa sensação, vai entender o que estou falando: logo que
entramos no canal, ele desligou o motor e começou a içar as velas, o que transformou o
passeio em outra viagem e nos fez vibrar em outra sintonia.
A sensação de deslizar pelo mar de forma natural e silenciosa é maravilhosa. Todos foram
para a parte dianteira do veleiro e, com o vento suave soprando em nossos corpos,
abrimos os braços e nos entregamos ao balanço hipnótico das ondas.
A sensação de liberdade e integração que experimentamos naquele dia foi incrível e, logo,
entregues à velocidade que essa interação permite, outros animais começaram a
participar de nosso passeio. Peixes, golfinhos e tartarugas se aproximaram, e, então,
passamos a nos sentir como parte integrante desta natureza tão exuberante.
De tempos em tempos, o Roberto se envolvia com o manejo dos cabos e velas, o que,
além de ser uma atividade física vigorosa e divertida, requer uma integração profunda
com o mar. Neste meio tempo, algumas lanchas, maiores e mais modernas, passavam
por nós de forma rápida e barulhenta, remexendo todo o mar e estragando a nossa paz e
tranquilidade. Consequentemente, afastando os animais que “curtiam” o passeio ao redor
da nossa embarcação.
Nesse instante, o Roberto fez alguns comentários comparando estas duas formas de
navegar. Quem navega nestas lanchas potentes e rápidas quase não curte a relação com
o mar e a natureza. Só está interessado em chegar o mais rápido possível ao seu destino,
não curte o caminho. Eles quase não conversam, devido ao intenso barulho do motor e,
como viajam com enormes solavancos, não têm paz e tranquilidade para desfrutar a
paisagem.
Para nós, o que aconteceu foi, exatamente, o contrário. Quando terminamos o passeio,
estávamos em estado de graça, calmos e relaxados, embalados por este ritmo envolvente
e meditativo que é ser movido por uma força da natureza: o vento.
Percebi, então, que essa é uma ótima metáfora para explicar a nossa proposta de
treinamento corporal. Uma forma de treinamento totalmente integrada com o ritmo da
natureza, um passeio agradável e meditativo, com um sentido profundo de conexão.
Fico pensando, então, no maior de todos os equívocos, que perdura até os dias de hoje: o
grande enfoque dado ao levantamento de peso. Estrategicamente, tal treinamento não é
estimulante ao aluno. De maneira unânime, ele é considerado uma das atividades mais
chatas e monótonas que existem.
Instintivamente, se você puder evitar levantar algo pesado, você vai evitar. O nosso
cérebro e o nosso organismo buscam a todo custo fugir do desgaste e do stress causados
quando levantamos algo pesado. Não é à toa que o ser humano foi desenvolvendo tantos
aparatos que fazem esse trabalho por nós, como a roda, os elevadores e outros.
Responda sinceramente: qual é a primeira sensação quando alguém lhe pede ajuda para
carregar um móvel pesado, em uma mudança? Você, provavelmente, sente uma enorme
resistência e preguiça, não é?
Por isso, o melhor tipo de atividade física, aquela que podemos chamar de natural e
instintiva, é aquela em que nem percebemos que estamos treinando.
Isso ocorre com atividades lúdicas e desafiadoras, algo que requer um aprendizado e um
desafio motor, como o slackline, a capoeira, o surf ou o tênis. Ou seja, nessas atividades
você brinca e se diverte, podendo, assim, aprimorar e desenvolver a sua técnica e,
consequentemente, as suas habilidades corporais e mentais.
A musculação, ao contrário, não estimula nenhuma evolução mais profunda e
significativa. Ela é um fim em si mesma. Você vai fazer, eternamente, os mesmos
movimentos monótonos e repetitivos, e o seu cérebro nunca vai entender muito bem qual
o sentido de tudo aquilo.
A grande população, que não tem “nada a ver com isso”, é impelida e condicionada,
através do marketing agressivo desta indústria do bodybuilding, a seguir esse modelo de
beleza artificial. Na década de 1990, o cinema de Hollywood assumiu um papel
determinante na fixação desse modelo no inconsciente coletivo, por meio da
glamourização de heróis com corpos extremamente “bombados”, em blockbusters
protagonizados por grandes astros, como Arnold Schwarzenegger e Sylvester Stallone.
Esse “modelo” de corpo virou um bem de consumo a ser conquistado. Há, também, um
marketing poderoso inserido de maneira subliminar nos realities shows, nas
propagandas, nas novelas, nas revistas e nos programas de maior audiência da TV.
Seguir este padrão de beleza por meio de um treinamento artificial e radical pode ser, sim,
uma escolha. Mas, deixo aqui o meu alerta de que essa não é, e não deve ser, a única
opção possível.
ILHA DESERTA
Imagine a seguinte situação: um grupo de pessoas ficam isoladas durante 30 anos em
uma ilha deserta. Nesse período, elas desenvolvem um outro sistema e uma outra visão
de vida.
Imagine que as informações ligadas aos seus interesses cheguem à ilha pelo correio, em
forma de livros, jornais, revistas e outros meios. Ao voltar para o convívio social, elas
desenvolvem um senso crítico e um olhar externo muito apurado acerca daquela
realidade. Esse é o melhor exemplo do que ocorreu com o método Nuno Cobra.
Eu, meu pai e meus irmãos passamos os últimos 30 anos isolados, em um universo
bastante particular, trabalhando com centenas de atletas e empresários. Nesse período,
desenvolvemos uma metodologia que busca uma integração do conhecimento corporal,
um aprofundamento dos conceitos do treinamento com foco em saúde, assim como uma
individualização radical em relação ao treinamento ideal para cada tipo físico. O know-
how ficou restrito à nossa família, pois não formamos outros professores. Devido ao
número restrito de professores e ao grau de sofisticação do treinamento, ele se tornou
acessível apenas a uma pequena elite.
Existem duas principais vertentes do treinamento físico, que, devido ao seu foco e
interesse, adotam caminhos opostos em relação à forma de aplicar o treinamento. De um
lado, está a indústria do fitness, direcionada para os resultados estéticos, apoiada em
formas radicais de treinamento, visando resultados a curto prazo. Do lado oposto,
encontramos um pequeno grupo de treinadores que trabalham com grandes atletas, em
que o foco do treinamento são os resultados a médio e longo prazo. A preocupação,
nesse caso, é criar uma forma de treinamento que permita ao atleta atingir o máximo de
sua performance sem se lesionar.
Quando, em 1984, meu pai criou sua metodologia voltada para empresários, ele adotou a
mesma forma de treinamento que aplicava em seus atletas. Os resultados foram
surpreendentes. Ele constatou que, por meio desse enfoque, é possível obter o máximo
de produtividade em cada fase do treinamento.
O VISIONÁRIO
Meu pai é uma pessoa que pensa fora da “manada”, de uma forma mais livre e profunda.
Aliás, tudo nele é excepcional e diferente. Nós brincamos dizendo que ele veio de outro
planeta, pois é muito romântico, não tem os pés no chão. Ele é uma pessoa
extremamente emotiva e sensitiva. E criou um modo e uma visão de vida muito
particulares.
Aprendi com ele que o pensamento intuitivo está sempre muito à frente da ciência oficial.
Aliás, o pensamento intuitivo ou conhecimento de campo é o disparador inicial que cria a
pesquisa, o motivo de estudo, que, por vezes, leva décadas para ser finalizado.
Decididamente, ele é um visionário. Alguém à frente de seu tempo.
Assisti, ao longo da minha vida, diversas teorias suas serem validadas pela ciência, por
vezes, mais de 50 anos depois. Por exemplo: apenas em 2014, a ciência finalmente
comprovou o que meu pai já dizia há muitas décadas: que o sono é um elemento
primordial na performance de um atleta. Tente imaginar a reação, quando em 1958, o
meu pai defendia junto ao mundo acadêmico da preparação física que o sono era o
elemento mais importante no desempenho de um atleta. Isso, é claro, gerava muitas
risadas e muitos deboches.
Por isso, ele foi sempre taxado de excêntrico e utópico em seu campo de trabalho. E qual
foi seu mérito em relação ao sono? Ele apenas estudou a fundo os benefícios do sono ao
organismo humano e, através do pensamento intuitivo, juntou uma coisa com a outra.
Caso você abra o seu livro A semente da vitória, lançado há mais de duas décadas, vai ler
que o sono é o primeiro pilar e o “A” do nosso Método, como ele sempre diz.
Devido à sua personalidade, o meu pai continua até hoje com um modo artesanal de
trabalho. Ele nunca teve empresário, assessoria de imprensa ou equipe de treinadores.
Continua atendendo sozinho a um grupo pequeno de pessoas, como sempre fez. Optou
pela simplicidade, o que, de certa forma, é bastante inteligente, pois permite a ele manter
a qualidade total do trabalho e gera muito menos stress. Ele, provavelmente, é um dos
maiores treinadores do último século.
Eu não conheço ninguém que tenha treinado atletas campeões em mais de dez esportes,
como tênis, natação, basquete, futebol, atletismo, golfe, vela, motovelocidade e judô,
entre tantos outros, sendo que alguns desses atletas conquistaram títulos mundiais.
Eu, como seu discípulo direto, tomei como uma missão traduzir e atualizar o seu método
para o grande público. A minha missão se tornou explicar da forma mais clara e didática
possível essa metodologia tão simples e, ao mesmo tempo, tão abrangente e filosófica.
Na realidade, o grande mérito do meu pai foi estudar outras áreas da ciência, como a
psicologia, a filosofia, a antropologia, a sociologia e muitas outras. Em vez de se
especializar e se fechar em sua área, como ele é muito curioso, foi buscar em outras áreas
algumas respostas para as suas dúvidas e inquietações.
Ele não criou sua metodologia como quem tira um coelho da cartola. Ele, primeiro,
tornou-se um virtuose em sua área de estudo, para, depois, poder desconstruir e criar a
sua própria visão do treinamento. Uma das suas maiores contribuições foi inaugurar uma
abordagem filosófica e holística do treinamento físico.
Até onde pude pesquisar, não encontrei ou conheci até hoje nenhum preparador físico
que seja um conceitualizador e filósofo, que junte ao treinamento elementos tão diversos
que integrem, realmente, corpo, mente, emoção e espírito.
A preparação física segue como uma ciência muito lógica e pragmática, interessada em
aplicar fórmulas mecânicas de crescimento muscular e performance. Talvez, por isso, ele
não goste quando o chamam de “preparador físico”. Ele sabe que esse rótulo restringe
imensamente a abrangência do seu trabalho.
Nós, brasileiros, com nosso “complexo de vira-lata”, como dizia Nelson Rodrigues,
tendemos a valorizar apenas o que vem de fora, e nos esquecemos de valorizar nossas
descobertas e nossos talentos.
Este conhecimento já está disponível aqui, em solo nacional. Não precisa esperar alguém
de fora escrever um bestseller para trazer credibilidade e comprovar esses conceitos. Um
bom exemplo disso ocorreu recentemente, com o lançamento de um bestseller norte-
americano chamado Mini habits: smaller habits, bigger results, de Stephen Guise, um
grande especialista sobre o assunto. O livro inteiro é feito em cima de uma teoria muito
familiar a mim, e que me fez voltar aos meus 20 anos de idade, em 1986.
Foi a primeira vez que perguntei ao meu pai o porquê de ele começar um treinamento
com alguém sedentário com uma proposta de apenas 20 minutos de caminhada leve e
suave. Ele me respondeu: “Filho, o nosso foco inicial em um treinamento para sedentários
deve ser sempre a mudança de hábitos, não a performance. A estratégia que criei foi
oferecer uma proposta acessível, quase irrecusável de treinamento. Qual a melhor forma
de se introduzir um hábito ligado ao treino cardiovascular? Com uma caminhada leve de
20 minutos ou com uma corrida de 30 minutos? Qual desses treinamentos esse sujeito
específico será realmente capaz de manter? E mais importante, qual ele vai sentir prazer
em realizar? Toda a minha metodologia é baseada nesse conceito. O foco é sempre a
mudança de hábito realizada por meio de um passo a passo, suave e prazeroso”.
Bom, foi assim que eu aprendi que a melhor estratégia para se mudar um hábito é
começar por algo fácil e acessível, exatamente a mesma teoria deste bestseller norte-
americano.
Às vezes, eu tenho a impressão de que cada uma das centenas de ideias e conceitos
desenvolvidas por meu pai renderiam um grande livro nas mãos de um pesquisador mais
organizado e pragmático. Os exemplos são muitos.
O meu pai já falava em inteligência emocional muitas décadas antes desse conceito se
tornar conhecido. Toda a fundamentação do treinamento funcional, que está tão em
moda atualmente, é a base da nossa metodologia desde 1956. Outro exemplo seria o
coaching. Desde a década de 1980, ele já aplicava nosso modelo atual, uma consultoria
em relação ao movimento, sono e alimentação, como também aos hábitos e padrões,
realizando uma forma de coaching em qualidade de vida e alta performance, para a vida.
Ele é um poeta, um romântico, um visionário. Alguém que vive em outra sintonia. Flutua
em um mundo mais imaterial e etéreo. Alguém que derrama sua poesia por onde passa,
lança ao mundo pequenas sementes. Essa é a sua arte, o seu destino e a sua missão.
Como herdeiro desse mistério e conhecimento, ainda artesanal e secreto, a minha missão
é pegar as sementes e fazê-las germinar.
Nuno Cobra, em 1955, ensaiando uma sequência de acrobacias com seu grande parceiro, Pedro “Pexexa” Nogueira.
DUAS GERAÇÕES
Dizem que o bom discípulo supera o mestre. Eu prefiro reformular o conceito: cada
pessoa é única e insubstituível. Os grandes mestres são absolutamente insuperáveis.
Ao meu ver, o conceito correto é que o bom discípulo pode ir além do mestre,
simplesmente porque tem mais tempo e juventude para trilhar e ampliar esse caminho.
Como um processo natural do amadurecimento contínuo de uma ideia ou de uma prática.
Um bom discípulo não pode ser apenas uma cópia, alguém que reproduz de forma
automática o que aprendeu, ou alguém sem individualidade, sem criatividade e sem alma.
O bom discípulo é alguém apaixonado, vivo e criativo.
O conhecimento só pode avançar e tornar-se mais profundo, quando ele tem uma
continuidade através de uma transmissão e uma herança que atravesse gerações. Uma
vida é muito pouco tempo para desenvolver e aprofundar um conhecimento.
Em 2014, meu pai completou 60 anos de trabalho e estudo. Ele nos entregou, e bandeja,
todo um caminho já aberto em uma mata ainda inédita de conhecimento, possibilidades e
descobertas. Sendo assim, acho natural que nós, meus irmãos e eu, cada um com as suas
individualidades e talentos, sigamos explorando e descobrindo novas paisagens e novas
janelas desse conhecimento. Afinal, é importante que cada profissional possa adaptar e
colocar sua identidade e pesquisa naquilo que faz.
Gosto muito do conceito inovador do nosso método, que funciona como uma consultoria.
No processo, iremos ensinar, informar e prover o aluno com o conhecimento sobre o
corpo e a mente, para que, assim, ele desenvolva sua autonomia, consciência e escuta de
si mesmo.
Mais uma vez, de forma visionária, o meu pai criou uma função bem mais profunda e
necessária para o treinador, que se transforma em um terapeuta, uma espécie de
coaching em qualidade de vida e alta performance. Mais do que isso, extrapolando essa
ideia, o treinador se torna um conselheiro, um guru. Qual o grande segredo por trás da
metodologia que meu pai desenvolveu, e que lhe permitiu ter tanto sucesso e operar
verdadeiros milagres na vida de tantas pessoas? O segredo se chama paixão e amor.
A relação terapêutica que estabelecemos com nossos alunos é feita com total parceria e
envolvimento. É um vínculo emocional e afetivo em que as dificuldades, as angústias e os
problemas dos nossos alunos se tornam também nossos problemas.
Qual a nossa maior dificuldade em transpor esse modelo tão afetivo, artesanal e
individual para uma forma mais acessível e replicável de treinamento em grupo? Um dos
maiores desafios é que a forma como a metodologia era aplicada dependia muito de um
canal de troca bem estruturado, um coaching realizado de forma individual, dedicada e
dinâmica.
Além disso, o meu pai construiu toda a sua forma de trabalho em cima da sua própria
personalidade e carisma. Por isso, nunca conseguiu replicá-la. É impossível formar outro
Nuno Cobra. Foi, então, que percebemos que sua proposta teria que ser revista e
adaptada. Nos últimos anos, eu e o Renato, meu irmão, testamos diversos modelos e
chegamos ao formato mais simplificado possível para aplicá-lo em pequenos grupos,
além de diversas possibilidades de desenvolvimento para empresas, atletas e
corporações.
Autonomia é uma grande pedra no sapato para a nossa sociedade. Somos totalmente
dependentes da autoridade do especialista, como você verá mais à frente. Por isso, a
autonomia se torna tão essencial, afinal, você é o maior especialista em relação ao seu
próprio corpo.
Como já falei sobre meu pai, gostaria, agora, de falar um pouco sobre meu irmão. Desde
2013, o Renato é a minha principal referência, afinal, ele enriqueceu e expandiu o universo
do nosso método. Por ser cinco anos mais velho, sempre fui a maior referência e
influência para o meu irmão. Porém, chega um ponto em que o processo se inverte: o
mestre é quem passa a aprender coisas novas com o discípulo. Na verdade, podemos
aprender com todos à nossa volta, somos todos mestres e aprendizes. Meu irmão trouxe
um novo sentido e profundidade ao treinamento físico, que irá resignificar a forma de se
entender o corpo e o treinamento. A sutileza e riqueza do conhecimento corporal vivida
por ele se deve às suas próprias experimentações. Ele é um ex-tenista talentoso, um
surfista completo, um incrível bailarino, um malabarista e mestre circense de mão cheia,
um pesquisador incansável das técnicas corporais somáticas e do movimento, entre
outras nuances.
O valor efetivo de um treinador pode ser medido no treinamento com atletas. É lá que o
nosso trabalho se sobressai e faz realmente diferença na performance esportiva. Em
nossa forma de treinamento integral, não somos apenas preparadores físicos. Somos
treinadores acrescidos a consultores em diversos setores complementares à
performance de um atleta, como o sono, a alimentação, o treinamento mental e
emocional, entre outros.
Quanto mais forte e intenso for um treinamento, mais resultados vamos ter, certo?
Errado.
Mas, é bom ressaltar que leve desconforto não é dor. Sofrer durante o treinamento quer
dizer que o estrago foi muito além do que o seu organismo é capaz de compensar. Sendo
assim, o resultado do treinamento será muito menor e, além disso, a evolução do aluno
será mais lenta. Surpreso?
No entanto, não podemos nos esquecer de que o corpo não é um bem de consumo e não
segue a lógica do mercado de mais resultado no menor tempo possível. Parece óbvio,
mas nem todo mundo pensa desse jeito.
Como assim, Nuno? É que os resultados no curto prazo podem ser satisfatórios, no
entanto, são desastrosos no médio e longo prazo, na imensa maioria dos casos.
Devido ao fenômeno das academias, grande parte do treinamento físico feito no mundo é
o que podemos chamar de um treinamento estético, ou “treinamento cosmético”.
Pouco se fala sobre o impacto que o treinamento de alta intensidade representa ao nosso
organismo. Ele pode ocasionar um stress severo, causando um envenenamento do
sangue, devido ao aumento dos radicais livres e dos resíduos metabólicos do exercício.
Além disso, de forma geral, esse tipo de atividade pode diminuir a vida útil das nossas
articulações e cartilagens.
Uma cartilagem que poderia durar 80 anos ou mais, pode ser consumida em apenas cinco
ou dez anos em provas de corrida contra o relógio, levando a uma artrose definitiva. Aliás,
você sabia que uma leve perda em um disco intervertebral em nossa coluna pode
representar uma incapacidade de se exercitar para o resto da vida?
Para as formas de treinamento da moda, a alta intensidade pode chegar a mais de 60% do
volume de treino. Segundo o fisiologista norte-americano Matt Fitzgerald, ao analisarmos
o treinamento dos maiores atletas, como Mo Farah, bicampeão olímpico dos cinco mil e
dos dez mil metros no atletismo, veremos que a alta intensidade representa apenas 20%
do seu treinamento.
Não é curioso?
Esse padrão se repete na elite dos nadadores, triatletas, ciclistas e outros atletas.
Traduzindo, podemos afirmar: para a elite dos treinadores e para a ciência do esporte,
menos é mais. Ou seja: no treinamento de alta performance desenvolvido para atletas, a
curva evolutiva é mais rápida, eficiente e produtiva quanto mais respeitamos o equilíbrio e
o bom senso no treinamento.
(Matt Fitzgerald)
Por tudo isso, é bom os treinadores irem se acostumando, o slogan “menos é mais” veio
para ficar. Eu já treinei diversos corredores amadores que alimentavam a fantasia de que
treinar mais e com mais intensidade iria trazer melhores resultados. Mas, nos últimos
anos, isso tem sido cada vez mais desmistificado, como, por exemplo, no livro Treine
menos, corra mais, escrito por Bill Pierce, Scott Murr e Ray Moss, professores da
Universidade de Furman (EUA), um dos principais centros de pesquisa e treinamento de
corrida no mundo.
Em resumo: um lobby da indústria do fitness divulgou uma pesquisa que mudou a forma
de treinamento nas academias.
As novidades do treinamento vão parar na capa das maiores revistas do país e estimulam
uma indústria bilionária, que – adivinhem só – não para de crescer.
A grande verdade é que o modelo atual de treinamento de alta intensidade pode até ser
interessante para treinar o exército americano para combater no Afeganistão, onde o
soldado precisa resistir e se adaptar a uma rotina estressante e radical.
Mas, a pergunta é: como esse modelo, de uma hora para outra, tornou-se um modelo de
treinamento indicado para a maioria da população? E a resposta é: alguém descobriu que
ele traria ganhos estéticos acelerados.
Neste exato momento, milhares de pessoas estão se lesionando em todo o mundo devido
a esse modelo de treinamento.
EUREKA
De maneira alguma, podemos colocar todos os treinadores no mesmo saco. Claro que
existe uma enorme diferença entre cada profissional, e é assim que funciona em todas as
profissões.
Durante muito tempo fiquei intrigado – era inexplicável constatar que quase ninguém no
universo do treinamento compartilhava da mesma visão que nós. Eu, meu pai e meus
irmãos desenvolvemos uma forma bastante particular de entender o corpo e o
treinamento, como você viu no item “Ilha deserta” da Apresentação.
Nos últimos anos, conversando com alguns dos maiores especialistas do corpo e do
treinamento (doutores em educação física, fisiologistas, cardiologistas, ortopedistas,
fisioterapeutas, entre outros), pude constatar que eles também, obviamente, defendem
um treinamento com moderação e um foco maior na prevenção e na saúde. Bom, a partir
daí, a minha dúvida só aumentou. Se os especialistas defendem isso, porque é tão raro
encontrar treinadores que adotem, efetivamente, esse modelo em seu dia a dia?
Demorou, mas o que estava velado se revelou logo após suas observações: “Nuno, eu até
tento, ao máximo, recomendar um treinamento mais moderado e cuidadoso. Mas a
batalha é inglória. Fica difícil argumentar e convencer a maioria dos alunos de que um
treinamento mais leve irá trazer melhores resultados no médio e longo prazo. Isso é
quase impossível, é como nadar contra a correnteza. A cultura do treinamento é o oposto
disso. Por exemplo, se eu disser a um aluno que quer correr e está acima do peso, que
caminhar seria mais produtivo e eficiente, ele vai embora. Simples assim. Então, a gente
vai se adaptando, vai abrindo exceções e, de certa forma, vai se moldando ao mercado.
Para os alunos que confiam mais em mim e estão comigo há muito tempo, eu até passo
um treinamento com mais moderação. Só não posso contar isso para eles, né? (risos)”
Fiquei absolutamente chocado com essa revelação. Quer dizer que o mercado e a cultura,
de certa forma, corrompem e fazem o treinador “desaprender” e descartar coisas básicas
e essenciais que ele estudou na faculdade? Isso é muito maluco!
Adotei esse nome para denominar um tipo de treinamento que, de uma forma infantil,
muitos homens acabam adotando para se exibirem e competirem com seus amigos.
Vemos isso a todo momento nas academias, onde um aluno fica querendo provar ao
outro que consegue treinar mais pesado, eles ficam comparando constantemente o
tamanho dos seus músculos no espelho, ou, ainda, ficam com vergonha de treinar mais
leve diante dos seus amigos.
Para colocar mais pressão e criar uma competição, quem treina com mais consciência e
cuidado é chamado de “franguinho”. A frase a seguir, que escutei outro dia, no parque,
dita por um treinador, é bastante sintomática dentro desse universo do fitness. Ele gritava
com seus alunos no mais alto volume: “Pessoal, vamos colocar mais virilidade neste
treinamento, por favor! Aqui é treinamento para homem, não é para 'mocinha'!"
FAST TRAINING
Uma característica atual do treinamento corporal é o fato de muitos treinadores
praticarem o que eu chamo de “fast training” ou treinamento às cegas.
Quem consome fastfood ingere um alimento vazio, sem qualidade e artificial. Da mesma
forma, quem pratica o fast training faz um treinamento esvaziado de sentido, sem
qualidade e artificial. O princípio é exatamente o mesmo. Ambos são danosos à saúde.
Porque o fast training é esvaziado de sentido? Porque ele é superficial, não é feito com
prazer e profundidade. Não desenvolve a consciência e o autoconhecimento.
A explicação detalhada das “qualidades” do fast training você irá encontrar nas páginas
deste manual.
Mas, Nuno, por que treinamento às cegas? Porque tal modelo não se importa com o que
acontece ao seu corpo internamente, nem com o impacto provocado pela alta
intensidade. Para piorar, ele não leva em conta sua estrutura morfológica (ossos,
cartilagens, ligamentos, músculos, articulações e seu complexo funcionamento). E essa
estrutura varia imensamente de um indivíduo para o outro. (Veja mais detalhes no 8º
paradigma.)
No fast training, com a melhor das intenções, o professor procura motivar e puxar ao
máximo seu aluno para que supere seu próprio limite e faça algo muito além do que o seu
corpo está preparado para fazer. Agindo dessa maneira, o professor comete os dois
maiores equívocos ligados às formas de treinamento atuais:
Para explicar esses equívocos, temos que analisar a própria história da educação física.
Esse é o foco principal, sem que haja, realmente, uma preocupação maior com o impacto
e os efeitos de tais exercícios, já que essa seria uma outra área do conhecimento corporal
(a ortopedia e a fisioterapia).
Veja que inversão de valores: no universo do fitness é o aluno que tem de se adaptar e se
moldar às formas de treinamento radicais, e não o modelo de treinamento que tem de se
adaptar a cada aluno. Nesse formato, a maioria dos professores atuam como sargentos.
Quanto mais autoritário, impositivo e exigente for o professor, melhor ele é avaliado na
cultura do fitness.
Para explicar de forma didática, é como se não houvesse um botão de volume. Alguns
professores colocam a intensidade do treinamento no volume máximo, pedindo,
estimulando e exigindo que o aluno dê o máximo de suas forças em cada atividade, sem
considerar o seu histórico, morfologia ou adaptação muscular.
Eles entendem ser essa a forma correta de atuar e estimular o aluno. Alguns treinadores
que ainda tentam dosar a intensidade e têm uma preocupação maior com a adaptação do
aluno ao exercício, acabam fazendo uma transição apressada, com medo de entediar ou
propor um treinamento que pareça muito fraco ou até mesmo ridículo.
É isso que admiro em meu pai: ele não se importa com o que o aluno vai pensar. Com
toda segurança e confiança, ele opta por ser cuidadoso na fase inicial do treinamento. Na
realidade, o discurso do nosso método prepara e conscientiza o aluno sobre a
importância desta adaptação, o que torna muito mais fácil a aceitação desse treinamento
cuidadoso e gradativo. “Eu prefiro errar para menos do que errar para mais. Se eu errar
para menos, o aluno vai atrasar apenas um pouquinho a sua evolução, se eu errar para
mais, ele pode se lesionar e isso atrasará enormemente a sua evolução. Nós vamos
devagar porque temos pressa.” (Nuno Cobra)
Como a maioria dos treinadores inicia a sua formação profissional na academia, já estão
impregnados dessa cultura e dessa maneira formatada e massificada de aplicar o
treinamento. Atualmente, alguns personais são ex-alunos da academia que se
especializaram em musculação localizada e cultuam o bodybuilding.
O mais grave de tudo é que quando fui pesquisar e escrevi a palavra fast training, no
Google, percebi que os treinadores vendem esse conceito como uma grande vantagem. O
que se vende é a praticidade de dizer adeus às horas perdidas na academia, com um
treino de alto impacto, rápido e eficaz. Não existe nenhuma menção ao fato de ele ser a
“fastfood do treinamento”. Vejam só, chegam ao cúmulo de afirmar que ele pode ser
saudável. Espanta-me que ninguém ainda tenha se debruçado sobre seus efeitos
colaterais, igualmente extremos e radicais.
O marketing realmente aceita tudo, não é? Fica difícil resistir à sedução do “fast
consumo”. Como você já percebeu, existe um equívoco enorme nessa propaganda, já que
esse modelo não é recomendado para mais de 90% da população, nem faz bem à saúde.
Como o HIIT (treinamento intervalado de alta intensidade) é a grande novidade do
treinamento, logo, podemos supor que o modelo atual se aproxima de um esgotamento,
atingindo o ponto máximo de sua radicalidade.
Isso é absolutamente óbvio. Ao exigir do seu organismo um esforço brutal, seu corpo vai
ter de se virar para compensar tal estrago. Os hormônios do stress liberados no processo,
como as catecolaminas, são um sinal de que você levou o organismo a um desgaste
extremo.
Uma questão complexa é o fato de a própria faculdade de educação física estar muito
comprometida com essa visão de treinamento, ainda muito ligada ao desempenho físico
e ao esporte de competição.
2° PARADIGMA: A QUALIDADE DO
MOVIMENTO QUALIDADE
Mexa-se.
Vemos essa afirmação por todos os lados. E cada vez que leio isso, me pergunto: faz
sentido uma recomendação tão generalizada?
O que você pensaria caso se deparasse com uma matéria, numa revista bastante
prestigiada, com o seguinte título: “Durma bem, faça atividade física com moderação e
coma qualquer coisa”.
Parece estranho? Esse foi o impacto que o título a seguir causou em mim: “Dormir bem,
comer melhor e mexer o corpo”. Essa frase estava na capa da Scientific American, uma
renomada revista de psicologia e neurociência.
Aposto que, ao ler a frase anterior, você deve ter achado que ela pode fazer sentido, não
é? Veja mais um exemplo: “Penso que o corpo tem seu próprio tripé de sustentação –
alimentação balanceada, prática de exercícios e descanso adequado.” (Robert Wong). Você
reparou que, em todas as constatações apresentadas nessas frases, o movimento (ou
exercício) não está associado a nenhuma qualidade específica?
Quando falamos do sono, sabemos que existem conceitos associados a ele e certos
estudos que defendem um ideal de quantidade e qualidade. Dormir pouco faz mal, da
mesma forma que dormir muito também faz mal. O mesmo ocorre com relação à
alimentação. Quando pensamos em um ideal, ela sempre está associada a dois adjetivos:
moderação e qualidade. É o que nos dizem os nutricionistas, não é?
O movimento, por mais incrível que pareça, acabou se tornando o primo pobre dessa
equação.
Quando propomos um modelo de treinamento natural e integral, não é apenas uma feliz
coincidência perceber que essas qualidades também estejam profundamente associadas
a uma boa alimentação.
Pois bem, posso ser categórico em afirmar que o tripé essencial que sustenta nossa
saúde é similar e segue um mesmo princípio. Como tudo o que é vivo, esse princípio é
baseado na própria natureza: uma busca constante pelo equilíbrio e pela homeostase. O
equilíbrio está no meio, não está nos extremos. Sem dúvida, quando falamos em saúde
no treinamento, a recomendação, assim como na alimentação, deveria ser a seguinte:
faça atividade física com moderação e qualidade.
Complementando, fiz uma ampla pesquisa e pude constatar que os treinadores mais
famosos e badalados também estão defendendo esse modelo. Até faz algum sentido, já
que, hoje em dia, quanto mais “mainstream” e representante do sistema vigente, mais
visibilidade o profissional acaba adquirindo. Eles embarcam nessas novas tendências e
aproveitam para surfar essa onda.
Será o “vício da novidade” que faz todo mundo aderir a essas modas? A impressão que
fica é a de que, de repente, surge uma pesquisa e todo mundo adere à nova tendência,
sem grandes reflexões e aprofundamentos. Talvez ninguém queira parecer antiquado ou
ultrapassado.
Com certeza, ele não é o ideal para a maioria da população, somando os sedentários,
obesos, alunos com sobrepeso e todos os outros alunos sem adaptação a esse modelo
radical, como já demostrei. Tal conceito é tão idealizado que não faz sentido quando
aplicado a uma realidade mais concreta. Ele só faz sentido como uma hipótese ideal.
Contra todas as formas idealizadas de treinamento, devemos adotar o seguinte
paradigma: não são todos os tipos físicos que deveriam se adaptar ao modelo de
treinamento, mas, sim, o modelo de treinamento que deveria se adaptar a cada tipo físico.
Bingo.
(Paulo Vitiritti)
Hoje, sabemos que provas extremas, como uma maratona, podem trazer danos
irreversíveis ao coração. “Provas extenuantes provocam uma depressão do sistema
imunológico. Os maratonistas ficam vulneráveis a várias infecções após a prova. Uma
delas, a mais grave, inflama o músculo cardíaco e pode provocar fibroses”, afirma o Dr.
Nabil Ghorayeb, um dos maiores especialistas em cardiologia ligada ao esporte.
Pesquisas recentes mostram que não fazer nada ou treinar de forma exagerada pode ser
igualmente prejudicial ao nosso coração e à nossa saúde, de forma geral. É a ciência
chegando ao óbvio ululante (aquilo que está gritando, mas a maioria não consegue
enxergar): os extremos são nocivos à saúde. Ou seja, as pessoas só estão vendo o lado
positivo do treinamento de alta intensidade e do desafio extremo.
Por um lado, enfrentar desafios é realmente uma prova de superação que pode trazer
ganhos mentais e emocionais, mas, por outro, representa ignorar os princípios mais
básicos da saúde e do corpo. Muitas marcas esportivas investem em slogans que
estimulam os consumidores a maltratarem e consumirem o seu corpo, realizando
treinamentos ou desafios extremos, que podem ter como resultado, a médio e longo
prazo, a destruição do seu aparelho locomotor.
Caso isso definitivamente ocorra, você sofrerá com dores crônicas para o resto da sua
vida. Vale realmente a pena apoiar e sustentar esse modelo de treinamento? O marketing
já usou a frase “supere seus limites” à exaustão. Ninguém aguenta mais ser obrigado a
superar seus limites, constantemente. Precisamos fazer o caminho de volta. Voltar à
sanidade.
Eu adoro correr, caminhar, patinar, fazer remo, skate, stand up paddle e outras atividades
cardiovasculares. Existe uma infinidade de variações de movimentos necessárias e
desejáveis para se evitar o esforço repetitivo e o alto risco de lesões. Só não vê quem não
quer. Patinar, por exemplo, pode ser uma atividade tão intensa quanto correr. Além de ser
muito divertida.
A pergunta é: por que poucas pessoas dão bola para esse tipo de atividade? Porque ela
não está na moda. O impacto articular na patinação é mais suave, você desliza pelo chão e
o seu joelho agradece a pausa. Na corrida, você vai aos saltos, colocando todo o peso do
corpo apenas sobre uma perna de cada vez. O que pode representar um alto impacto
articular, dependendo da velocidade em que é praticada.
Aliás, isso me faz lembrar de uma história curiosa. Certa vez, um aluno me disse que a
natação era uma atividade chata. Perguntei a ele se nadar era chato devido ao sistema de
treinamento que ele seguia em aula, muito focado na performance. Ele reconheceu que o
problema era mesmo seguir os exercícios chatos e o esquema cruel de treinamento que
lhe era imposto pelo professor. Então, lhe propus tentar nadar de uma forma mais livre,
curtindo mais o processo e fazendo da natação uma forma de meditação ativa. Quando
passou a usar a respiração e os movimentos para fluir e relaxar, ele passou a enxergar
tudo de outra forma. Hoje, ele me conta que nadar é o melhor momento em seu dia.
Como o seu ritmo cardíaco é moderado, equilibrado e fluido, a atividade se tornou
extremamente prazerosa.
Porém, a natação deve ser mesclada com outras atividades. Ela não colabora na fixação
do cálcio nos ossos.
Treinar sentado também sobrecarrega a coluna lombar, uma região que já é muito exigida
devido ao tempo que passamos nessa posição diariamente.
O que poucos sabem é que, no caso de mais de 90% da população, uma simples
caminhada seria muito mais eficiente como forma de treinamento do que uma corrida,
caso se pense em uma forma de treinamento realmente aeróbia e saudável, como
também numa perda de peso mais eficiente no médio e longo prazo. Caminhar só não vai
ajudar a perder peso se você não fizer mudanças de hábito no outro extremo da balança,
ou seja, na alimentação.
Bem mais tarde, caso a caminhada se torne um estímulo muito leve ao aluno, ou ele
tenha chegado ao seu peso ideal (ou próximo disso), ele poderá migrar para a corrida. O
tempo de migração para a corrida varia imensamente de aluno para aluno.
Não é o que acontece atualmente; em pouco tempo, qualquer aluno que procure uma
assessoria vai estar correndo, independentemente do seu tipo físico, morfologia e
histórico de atividades. Ninguém percebeu o óbvio: para essa fatia da população, o salto
mais essencial é desenvolver uma relação de prazer com a atividade física.
Como isso seria possível com o sofrimento e desconforto imenso vividos no treinamento
de alta intensidade?
Para manter o peso e a saúde, o mais importante é desenvolver uma rotina física e
alimentar que você possa manter, confortavelmente, pelo resto da vida.
Meu pai criou um dos conceitos mais importantes para o treinamento físico nas últimas
décadas e, realmente, acho uma pena que o conceito ainda não tenha chegado ao grande
público.
Ao mesmo tempo, ao contrário do que diz meu pai, não recomendo baixar o centro de
gravidade corporal e alterar o que seria um movimento mais natural de corrida. A
alteração pode levar a uma lesão, devido à mecânica artificial. Portanto, o ideal seria
manter a mecânica natural do movimento, porém, com um ritmo e uma aterrissagem na
pisada da forma mais suave que você seja capaz de realizar. Cumprir a etapa da corrida
intermediária, ou mesmo praticar essa forma de corrida como um modelo ideal de
treinamento, resolveria a questão do excesso de lesões nos praticantes de corrida.
Espero que, no futuro, quando o seu médico indicar uma atividade física, ele possa indicar
precisamente o que seria uma atividade física de qualidade. Hoje, o conceito ainda não é
uma unanimidade. Para os maiores especialistas do conhecimento corporal, ele é bem
claro: não é qualquer forma de exercício ou treinamento que colabora para a sua saúde e
integridade corporal. Existe uma qualidade primordial do treinamento: a moderação.
No dicionário, a palavra moderação tem como significados: na medida exata, sem
exagero. É incrível que, em pleno século 21, eu tenha que vir a público resgatar uma das
sabedorias mais antigas da humanidade. Quando um professor de educação física afirma
que a medida exata não funciona, ele está dando um tiro no pé, está assumindo que se
esqueceu de coisas básicas aprendidas na faculdade. Esse é o resultado de mais de três
décadas de domínio do treinamento hipermasculino e dos treinamentos da moda, em
que o exagero é o correto e todo o resto fica sem validade. Na verdade, não existe apenas
uma maneira de treinar, existem várias maneiras para se atingir o mesmo resultado. Por
exemplo, centenas de alunos em nosso método já perderam de 30 a 40 quilos apenas
caminhando. Se pudéssemos reunir os 100 melhores treinadores do mundo, veríamos
que cada um aplica uma fórmula diferente e, mesmo assim, chegam a resultados
parecidos. Todos os métodos têm vantagens e desvantagens. Porém, quanto mais radical
for um método, mais efeitos colaterais poderá provocar.
Pensar no corpo como uma máquina é uma boa analogia. Imagine que em seu carro um
pequeno defeito ou mau funcionamento de uma peça pode afetar o funcionamento do
carro como um todo. Assim ocorre também em nosso corpo.
Uma das maiores limitações do treinamento atual e da própria educação física está ligada
ao paradigma da integração do conhecimento corporal. Como toda ciência, a educação
física se transforma em uma especialidade, ou seja, coloca um foco intenso e delimitado
sobre uma forma específica de conhecimento.
Imagine a ciência e o conhecimento atual como um corpo. Uma área específica da ciência
estuda o seu pé, outra área o seu tornozelo e outras tantas cada pedacinho do seu corpo,
separadamente.
Agora, eu faço a pergunta mais importante: quem está estudando de forma integral todas
as inter-relações, sinergias e interdependências entre os sistemas? Dou-lhe uma, dou-lhe
duas, dou-lhe três… Cadê? Alguém se apresenta? (risos)
Escrevendo este livro, descobri que áreas tão diversas, como a economia e a antropologia
ajudam imensamente a pensar o conhecimento corporal e a nossa saúde. E isso você vai
descobrindo à medida que mergulha no texto e desvenda cada uma das suas chaves.
O especialista olha o mundo com uma lupa e, assim, focado nesse microssistema, nesse
microcosmo, ele deixa de perceber o todo. Ele tem a nítida impressão de que domina todo
o cenário relativo ao conhecimento e isso gera um sentimento de controle e poder.
Como nós podemos olhar e perceber toda a complexidade de uma paisagem sem
levantar a cabeça? Que tal deixar de usar uma lupa e se dispor a olhar para o lado, a
olhar em todas as direções?
A integração do conhecimento representará um grande salto qualitativo para a
humanidade. Quando isso começar a se efetivar de forma real, e conseguirmos quebrar
as prisões e barreiras erguidas pelos latifúndios e monopólios do conhecimento
especializado, em apenas 20 anos, a humanidade irá evoluir, em relação ao conhecimento
integral, mais do que nos últimos dois mil anos, conquistando, assim, uma visão
realmente mais profunda do mundo em que vivemos e não mais uma visão parcial,
especializada e superficial.
O ideal é que, a exemplo da medicina, em que existe o clínico geral, cada área do
conhecimento possa ter um profissional mais generalista, que, além de dominar todos os
aspectos do seu conhecimento, possa também integrar outras áreas complementares.
“VEJAM, OS TÉCNICOS NÃO SÃO CRIATIVOS, E EXISTEM CADA VEZ MAIS TÉCNICOS NO
MUNDO. PESSOAS QUE SABEM O QUE FAZER E COMO FAZER, MAS NÃO SÃO
CRIADORES.”
(Jiddu Krishnamurti)
Quando ele está saudável, a coluna vertebral fica estável, e dá suporte aos órgãos
abdominais. No entanto, quando ficamos estressados, acabamos tensionando o tal
músculo da alma. E um psoas tenso interfere no sistema nervoso, na respiração e, até
mesmo, no sistema imunológico.
Existe um estudo aprofundado sobre esse músculo, e recomendo que você abra a chave a
seguir para desvendar o mistério, e, assim, evitar os problemas que possam vir a atrapalhar
sua vida sem que você tenha a mínima consciência disso.
EMOCIONAL
EFEITO PORTARETRATO
Percebo, em minhas aulas, que algo muito grave ocorre quando falamos de saúde e
qualidade de vida. Como esse assunto é martelado e veiculado na mídia de forma
insistente, ele se saturou.
Sinto como se as pessoas estivessem imunes, cegas e fechadas a isso. Criam uma
barreira, como quem diz: “Está bom! Isso eu já sei!”, jogam o assunto em sua “lixeira
mental” e seguem suas vidas. Quando nos acostumamos às coisas, elas se tornam tão
familiares, que deixamos de percebê-las, realmente. Isso pode ocorrer em relação ao seu
cônjuge, seus problemas, seus hábitos e manias ou em relação a qualquer outro assunto.
O grande escritor Nelson Rodrigues tinha um hábito curioso, bastante interessante: ele
costumava mudar de lugar os porta-retratos das pessoas que amava, com certa
regularidade. A explicação que tinha para o costume inusitado era que, caso ficassem
sempre no mesmo lugar, com o tempo, ele se tornaria incapaz de notá-los. Em sua teoria,
eles deixariam de existir, efetivamente.
Assim ocorre também em nossa vida; a familiaridade com as coisas nos tornam cegos à
beleza e à profundidade daquilo que é cotidiano e aparentemente banal. De maneira
geral, tendemos a valorizar pouco tudo aquilo que já temos, ou que já nos é dado: as
pequenas satisfações e felicidades, o simples fato de estar vivo, de ter saúde, amigos, um
companheiro, um dia de sol, pessoas a quem recorrer em momentos difíceis. Temos a
tendência a valorizar o que nos falta, o que não possuímos, enaltecendo nossas
deficiências sempre em comparação a um padrão externo, que nos é imposto de forma
direta ou subliminar por uma sociedade de consumo que nos quer cada vez mais
insatisfeitos e ansiosos.
São vendidos a nós vários modelos a serem seguidos: um modelo de beleza, um padrão
de sucesso e conforto, como se comportar, como se vestir, como buscar admiração e
respeito. Em busca de uma vida ideal, nos esquecemos de nossa vida real, que é só
nossa e não necessariamente precisa seguir um padrão preestabelecido. É preciso
aprender a relativizar tudo aquilo que nos é imposto e ensinado, tornando-nos, assim,
livres para fazer escolhas e reinventar nosso próprio caminho. Aliás, é preciso relativizar a
própria vida, já que tentar impor uma ordem e um sentido é uma tarefa racional bastante
ingrata. Viver é magia, é mistério.
(Joseph Cambell)
É comum eu convidar alguém que, por ventura, esteja ao meu lado, para apreciar este
quintal tão verde e intenso. Viver é estar diariamente renovando o encanto pela vida, é
estar presente e atento à beleza da natureza, das coisas simples. Meus amigos e
familiares já devem estar cansados do hábito cotidiano que tenho de convidar à reflexão,
de chamar a atenção para a natureza, seja onde eu estiver. Para mim, isso não é uma
repetição, é um sentimento genuíno de encantamento pela vida, que se renova
diariamente. Ver é diferente de enxergar. Enxergar implica em estar realmente presente,
inteiro naquilo que estamos fazendo.
Nesse ritmo tão acelerado, nessa vida tão atribulada, nos esquecemos de pausar, de
respirar, de nos divertir ou parar cinco minutos para tomar sol em uma tarde radiante, de
encontrar os amigos para conversar, enfim, nos esquecemos de viver.
E pior, nos esquecemos de nós mesmos. E eu ressalto que esse cuidado que devemos ter
com nós mesmos é algo essencial, é o que nos permite ser uma influência positiva às
pessoas com as quais convivemos.
Viver em paz não é viver sem conflitos. Viver em paz é aprender a lidar com os conflitos,
com a frustração. Viver em paz é ser resiliente.
“A vida é um jogo que está sempre recomeçando, quem não tem energia necessária
para esse eterno começar, fica de fora. E haja energia... A necessidade que temos de
olhar para frente apesar das forças contrárias é muito grande. Tem dias que parece
que a nossa bola parou de rolar. Ou pior, parece que estamos marcando um gol contra.
Nesse ponto, precisamos ativar a nossa resiliência. O que é isso, afinal?
Vamos dar um exemplo do que representa a “calibragem interna” citada pelo Mussak:
vamos imaginar que você dormiu muito mal à noite, aliás, você já está dormindo mal há
vários meses. Há muitos anos, você não cuida do seu corpo e sua pressão está alta. Você
está acima do peso, sentindo uma enorme dificuldade para o mínimo esforço físico. Para
piorar, a sua vida afetiva e emocional também não vai bem. Você mal tem tempo para
estar com a sua família ou seus amigos. Em um determinado dia, você chega ao trabalho
em um nível de potência e energia que podemos chamar de nível 3. Ou seja, você está
apenas com 30% da sua potência original. Caso nesse dia você tenha de enfrentar um
problema que esteja em um nível 6 de dificuldade, qual será o seu esforço para lidar com
a questão? Qual será o risco de você sucumbir e se desesperar com essa dificuldade?
Aliás, não só o corpo, a nossa mente e nosso controle emocional estão diretamente
relacionadas à nossa saúde corporal.
Na maioria das vezes, não são os nossos problemas que são grandes, mas, sim, a
nossa resiliência que é pequena.
Tanto isso é verdade que, quando olhamos de fora o problema de uma outra pessoa, ele
nos parece muito simples de se resolver.
Frente a esses monstros nos sentimos impotentes e amedrontados. Qual a reação mais
comum ao dar de cara com um monstro? É sair correndo, não é? Como a maioria das
pessoas lidam com questões problemáticas em sua vida? Evitam o enfrentamento e
vivem fugindo, enganando a si mesmas, relegando e adiando qualquer tipo de atitude
mais efetiva. O mais engraçado disso tudo é perceber, posteriormente, ao tomarmos
coragem e enfrentarmos os nossos problemas, que aquele monstro tão assustador era
apenas a sombra bastante aumentada de um simples camundongo.
No fim, é tudo uma questão de resiliência e integridade. É como diz aquele samba:
“Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima”.
Pense que o corpo também tem a sua própria integridade. Ela está diretamente
relacionada a fatores como stress, sono, libido, relaxamento, movimento e alimentação,
entre outros. De forma mais abrangente, podemos incluir nossa dimensão psíquica,
emocional e espiritual, que constituem o nosso corpo como um todo. A forma como
iremos lidar com as adversidades depende da integridade corporal. Precisamos estar
fortes o bastante para assimilar o enorme stress e pressão aos quais estamos expostos.
Podemos comparar o corpo a uma casa: quando uma tempestade vem, uma casa bem
estruturada, firme, que tenha recebido uma boa manutenção e cuidado irá segurar o
tranco. De outra forma, ela poderá ser destruída por essa tempestade.
O SAPO FERVENDO NA PANELA
“A corrida é a minha válvula de escape. Quando eu corro, durmo melhor, como melhor,
o meu dia é muito melhor, de uma forma geral. Até o meu humor. Quando estou de
mau humor, a minha esposa me manda ir ao parque correr.”
Hipócrates, considerado o pai da medicina, já dizia que o caminho mais seguro para a
saúde é a atividade corporal. Atualmente, a ciência confirma, através de diversos estudos,
que o nosso organismo é programado geneticamente para o movimento.
Os nossos neurônios, células, fibras musculares, cabelos, ossos, pele, cérebro, enfim,
tudo em nosso corpo só pode atingir uma melhor funcionalidade se houver uma
manutenção orgânica estimulada por meio da atividade corporal.
Nós não passamos os milhares de anos da nossa evolução entre quatro paredes, mas sim
na natureza. Isso é natural ao ser humano – e funciona como mágica para o nosso
equilíbrio orgânico.
É isso que nos faz bem: a sensação de estar fazendo parte da natureza, nosso ambiente
natural e primordial. Não existe, nem tão cedo existirá, um remédio capaz de se igualar ao
benefício de uma simples caminhada ao ar livre, com o sol banhando a nossa pele. E aqui
abro um parêntese para lhe sussurrar um segredinho, que talvez a indústria farmacêutica
não tenha lhe contado: esse é o remédio mais poderoso que existe para restaurar a nossa
vitalidade e o nosso equilíbrio, e é de graça. Não conta para ninguém, tá? A última frase é
só para garantir que você irá contar. (risos)
A falta de movimento gera um desequilíbrio que vai afetar todos os setores da sua vida.
Quer saber alguns detalhes de como isso opera? Pois bem: o seu sono terá menos
qualidade, o que irá diminuir o seu metabolismo e iniciar um processo de acúmulo de
gordura. A falta de atividade física vai impactar brutalmente em sua ansiedade, o que vai
afetar seu sistema nervoso central, que vai levá-lo a se alimentar de coisas mais
gordurosas e doces em maior quantidade.
Assim, o acúmulo de gordura será ainda maior. Isso, consequentemente, irá alterar a
pressão arterial. Mais tarde, esse quadro poderá provocar uma diabete e, assim, seguirá
em efeito cascata.
Embora isso não fique evidente, o círculo nos leva a um caminho no qual estamos
adoecendo um pouco mais a cada dia. Desta forma, estaremos cada vez menos vivos, o
que afeta o nosso ânimo e a nossa vitalidade. Nada na natureza está parado, tudo está em
constante movimento.
Como costuma dizer meu irmão Renato, citando o poeta William Blake, espere veneno da
água estagnada.
Quando a água fica parada, em pouco tempo se torna uma água envenenada. O corpo
humano é constituído por 70% de água. O sedentarismo é, simplesmente, o maior veneno
que pode existir. Se as pessoas tivessem a mínima noção do que isso pode causar aos
seus ossos, músculos, coluna, pele, cabelo, coração e toda a matéria da qual somos
feitos, elas dariam total prioridade à questão.
A nossa mente cria a ilusão de que estamos ainda saudáveis, mesmo que o nosso
sedentarismo e maus hábitos já perdurem por uma década ou mais.
Essa imagem mental nos convencendo de que estamos iguais, como sempre fomos, é
uma forma de autoengano, um mecanismo mental de autoproteção. Dessa forma,
podemos seguir com os nossos hábitos e com a nossa vida cotidiana, como se nada
estivesse acontecendo, sem grandes preocupações.
Escolher o sedentarismo é como escolher uma estrada onde, dia a dia, nos
encaminhamos um pouco mais em direção à perda de vitalidade e à doença.
O poder da natureza é mesmo incrível, a nossa saúde é tão prevalecente, que muitas
pessoas levam décadas para, enfim, conquistarem a sua própria doença, feita à custa de
muito abandono e inconsciência. É como meu pai sempre diz: “Ficar doente é uma
conquista”.
Tem uma metáfora que resume muito bem esse conceito: se você coloca um sapo em
água fria e começa a aquecer a água lentamente, o sapo fica ali esperando, como se nada
estivesse acontecendo. Ele vai cozinhar, lentamente, até a morte.
De outra forma, quando você coloca o sapo em uma água apenas um pouquinho morna,
ele vai saltar de lá no mesmo instante.
Espero que, a exemplo do sapo que saltou, ao ler este livro, você possa escapar da água
quente que vai fervendo aos poucos até cozinhá-lo.
Se não tomarmos as rédeas da vida, em relação à forma como utilizamos o nosso tempo,
seremos engolidos pelo trabalho.
“Mas, como posso priorizar a mim mesmo?”, ouço muitas pessoas me perguntando.
Criar uma agenda pessoal de cuidados essenciais é o maior investimento que você pode
fazer. E eu garanto que nada lhe renderá tanto! A valorização na produtividade, humor,
bem-estar e disposição chega, em certos casos, a ser de 300% ao ano ou mais.
Aliás, é exatamente isso o que a nossa mente busca o tempo todo: soluções rápidas para
resolver os problemas.
Basicamente, quando o nosso foco de vida está direcionado para o trabalho e outros
afazeres, a nossa mente procura eliminar os outros focos de “distração”, articulando,
assim, conceitos e teorias para enganar a si mesma.
A falta de tempo aparece como uma desculpa muito comum para a maioria das pessoas,
no entanto, esta é uma péssima desculpa.
O tempo é emocional. E o que isso quer dizer? Quer dizer que sempre arranjamos tempo
para as coisas que são realmente importantes. Caso o seu filho de três anos estivesse
doente, você arranjaria algum tempo para cuidar dele, certo? E se eu lhe disser que você já
está vivendo um processo lento e gradual de adoecimento, você teria tempo para cuidar
de si mesmo?
A verdade é que essa desculpa do tempo denuncia algo muito preocupante. Quer dizer
que você não tem tempo para você? Quer dizer que você não existe para a sua vida? Que
você não é importante? Ou, talvez, você não tenha a mínima noção do que é essencial ao
seu organismo, ao seu bem-estar e felicidade? Você entende a gravidade e a urgência
dessa questão?
Quando Deus, ou a natureza, como você queira chamar, projetou o ser humano, criou
uma equação equilibrada e perfeita. Nós precisamos dormir e comer para manter-nos
vivos. Caso contrário, o nosso corpo sofre, reclama e vai nos notificando, enviando
pequenos avisos que, muitas vezes, são ignorados.
Caso ela tivesse previsto esta possibilidade, teria criado um processo em que sentiríamos
um imenso desconforto e sofrimento físico caso parássemos de nos movimentar.
Como a perda é muito lenta e gradativa, e o nosso cérebro é rápido e prático, arranjamos
diversas maneiras de driblar a questão.
Já ouvi muitas pessoas reclamando que chegam em casa tão fatigadas que nem pensam
em “se cansar ainda mais” fazendo exercícios físicos.
E sabe o porquê disso? A atividade física funciona como uma catarse, restabelecendo
todo o nosso sistema orgânico e mental.
No entanto, a maioria das pessoas enxergam a atividade física como um fardo, uma
obrigação e um problema em suas vidas, quando, na verdade, ela não é um problema, ela
é a solução.
Muitos alunos reclamam que a sua vida é muito atarefada. Eles passam o dia inteiro
cumprindo suas obrigações e argumentam que é difícil cumprir mais uma. Reclamam que
suas mentes já estão cheias e sobrecarregadas de tantas tarefas e obrigações.
Infelizmente, essa forma de se relacionar com a atividade física é a mais comum na
sociedade atual.
Nós passamos o dia todo sentados usando incessantemente a nossa mente. Na realidade,
a atividade corporal seria o antídoto perfeito para compensar o estresse do dia a dia. Ela
representa um repouso e uma pausa essencial para essa atividade mental sem fim,
resgatando nossa lucidez, nosso equilíbrio e nossa vitalidade. Eu diria até que é uma das
suas maiores motivações.
Existem mil desculpas e argumentos para não se mexer. Realmente, para a sua mente é
muito mais confortável ficar no sofá, assistindo TV. Enquanto você não estabelecer um
hábito corporal e aguçar sua consciência, reconhecendo, valorizando e escutando estas
prioridades do seu próprio corpo, você vai continuar perdendo o jogo para a sua mente.
Cuidar do corpo torna-se uma tarefa muito ingrata caso você não desenvolva uma relação
de prazer com a atividade física. O melhor exercício não é aquele que queima mais
calorias, mas aquele que você gosta de praticar. Esse sim vai dar resultado.
Jogue no lixo estes condicionamentos antigos aos quais você foi doutrinado, pensando
que você precisa se exercitar apenas para colher os resultados finais desta prática, como
ficar magro, musculoso, bonito e saudável. Esta é uma forma fútil e superficial de se
entender a importância do movimento em sua vida. Isso, na verdade, é o que mais o
atrapalha.
O ponto de transição do filme ocorre quando sua esposa – desconfiada de que ele não
está bem – por acaso vai conferir o que ele está escrevendo. O que ela lê são páginas e
páginas escritas com a mesma frase: “Trabalho sem diversão faz de Jack um bobão.” É
como diz a música do Lobão: “As pessoas enlouquecem calmamente, viciosamente sem
prazer.” Caso você não tenha assistido, vale a pena conferir este clássico do cinema.
O stress é natural ao organismo. Ele nos faz agir diante de determinada situação,
fabricando hormônios estimulantes em nossa corrente sanguínea. E, acredite ou não,
trabalhar muito não faz mal, e nem trabalhar excessivamente.
O que mina e consome nossa vitalidade e saúde é não respeitar o equilíbrio entre
estímulo (adrenalina) e repouso (relaxamento).
Em nosso método, chamamos isso de teoria do elástico: você pode esticar um elástico de
forma extrema, mas tem que afrouxá-lo para manter a sua integridade. Caso você o
estique indefinidamente, ele fatalmente irá se romper. Quando o stress se torna crônico,
transforma-se em nosso pior inimigo, consumindo nossa saúde e produtividade. Quando
nosso corpo é submetido a períodos prolongados de atividade cerebral intensa, sem
pausas, e a grandes pressões psicológicas, sem que haja uma compensação a este
desgaste, passamos a viver em um estado contínuo de tensão que não se desliga.
O stress permanente afeta nosso sono, nossa lucidez e nossa capacidade de tomar
decisões de forma equilibrada. O stress também é um dos principais fatores no ganho de
peso progressivo, segundo minha própria experiência de campo. Além de impactar muito
o sono, ele causa um fenômeno que podemos chamar de “esgotamento”. Tal fenômeno
ocorre em indivíduos que não sabem fazer pequenas pausas ao longo do dia e trabalham
sem parar, seguidamente, por longos períodos.
Ao chegar em casa à noite, o esgotamento e nível de ansiedade é tão grande que este
workaholic se habitua a compensar tudo isso na comida, como forma de prazer e
satisfação, o que traz alívio e solução a este quadro de fadiga extrema. Este torpor
causado pelo excesso de comida serve como uma estratégia de entorpecimento.
Funciona como o efeito de uma droga, que anestesia e relaxa o corpo e a mente. Este
padrão compulsivo pode ser entendido como um vício, comparável à dependência de
drogas, como a cocaína.
As pessoas não sabem disso, mas um stress constante e intenso, caso seja vivenciado por
um longo período, pode produzir também um estrago em nosso organismo semelhante
aos efeitos de um stress pós-traumático.
A bagunça causada em nosso equilíbrio orgânico, mental e emocional é tão severa, que os
níveis de cortisol entram em pane, causando uma fragilidade e incapacidade de trabalhar.
O pior é que a consequência disso pode ser uma depressão contínua ou quadros de
síndrome do pânico, tão comuns na sociedade moderna.
Ou seja, depois que o elástico arrebentou, o prejuízo será enorme. Qual o grande segredo
para evitar este risco?
Fazer pausas durante o seu dia. Pode ser uma simples caminhada no parque ou adotar
uma agenda pessoal de cuidados básicos com o seu corpo. Um simples alongamento e
relaxamento de 15 minutos, no meio da tarde, já dissolveria todo o seu stress acumulado.
Assim, você voltaria para o trabalho muito mais lúcido e revigorado.
Ter horários de lazer, fazer viagens frequentes para descansar e ter uma vida social
saudável, aparecem como coisas básicas e essenciais para evitar um quadro crônico de
stress. O preço final a se pagar por não agir preventivamente em relação ao stress é
muito alto.
Para mim, um bom exemplo é um aluno que tive, um grande empresário que cuidava de
mais de cinco mil funcionários.
Aos 58 anos, ele sofria, há cinco anos, com um quadro permanente de stress crônico que
o deixava bastante fragilizado. Ele só conseguia trabalhar, no máximo, durante uma ou
duas horas por dia. Isso quando conseguia trabalhar. E, mesmo assim, com grande
dificuldade. Devido ao stress crônico, ele era obrigado a se ausentar do seu trabalho por
longos períodos, muitas vezes durante seis meses ou mais.
A sua equipe tinha que cobrir sua incapacidade de liderar ou tomar decisões, ou seja, ele
tinha apenas uma função decorativa em sua própria empresa. Já se passaram quinze anos
desde que treinei este empresário e a sua situação não mudou. Encontrei-o no ano
passado e ele definiu assim a sua própria condição: “Nuno, eu nunca mais fui o mesmo, é
como se um fusível tivesse se queimado em minha cabeça. Se eu pudesse voltar no
tempo, teria feito tudo diferente. Aqueles anos de excesso me custaram muito caro.”
Ou seja, não adotar ações preventivas em relação ao stress pode ser fatal para sua lucidez
e sanidade.
NÃO EXISTE PREVENÇÃO
O conceito de saúde se alterou profundamente no último século. Um profissional da
saúde no século 21 deveria ser algo como um profissional de coaching, especializado em
qualidade de vida, saúde integral e mudanças comportamentais.
Na realidade, o médico é um profissional que passa uma enorme parte da sua formação
dedicado ao estudo das doenças, patologias e fármacos. O foco não é prevenir, e sim,
remediar. Meu pai brinca dizendo que, na verdade, o que existe é um “Ministério da
Doença”. Ou você acredita que existe um mínimo investimento em prevenção na saúde
pública, em nosso país? Mal damos conta da doença, quem dirá da saúde. Se o governo
investisse, realmente, em saúde e prevenção, economizaria bilhões, anualmente.Por
exemplo, o Brasil gastou, em 2015, cerca de 72 bilhões de reais com a diabetes e suas
complicações. (Fonte: Revista Saúde, ed. 410.)
Este profissional dedica pouco tempo da sua consulta a uma análise mais minuciosa,
procurando entender porque este paciente adoeceu, ou as questões relativas aos hábitos,
à saúde e à qualidade de vida deste paciente. O único discurso neste sentido é bastante
superficial: você precisa fazer atividade física, comer melhor, ou repousar.
E, no final das contas, a grande maioria dos profissionais nem toca nesse assunto de
prevenção, apenas prescreve uma receita farmacêutica e “boa tarde”. Chega a ser
assustador perceber como os médicos, em geral, e a indústria farmacêutica andam de
mãos dadas. É quase impossível entrar em um consultório e sair de lá sem uma receita de
algum medicamento. E o uso indiscriminado de antibióticos tem levado a um aumento
perigoso na resistência a bactérias.
Parece que todo mundo se esqueceu de que o sistema orgânico é o sistema mais
poderoso e perfeito no combate a todas as doenças. E quais são os remédios que
fortalecem este sistema?
A atividade física é um dos mais importantes, quando feita de forma equilibrada, assim
como o sono e a alimentação. Podemos citar ainda o sol, a natureza, o equilíbrio entre
trabalho e diversão e um estilo de vida que traga equilíbrio físico, mental, emocional e
espiritual.
Há 60 anos, um médico familiar atendia o paciente em uma longa consulta, investigando
tudo o que estava fragilizando o seu sistema imunológico. Em muitos casos, a indicação
de tratamento era: você está com uma estafa, descanse e se alimente bem, se puder tire
alguns dias de repouso absoluto. Essa era a receita médica passada ao paciente, uma
receita pautada em sabedoria e respeito ao corpo.
Muitas das doenças que são tratadas à base de remédios se resolveriam naturalmente
com repouso, pausa e boa alimentação, ou através de um tratamento a longo prazo que
fortalecesse o sistema orgânico e buscasse entender e tratar realmente o elemento
causador do desequilíbrio físico, mental ou emocional.
O remédio não trata a causa, e sim o sintoma, o efeito causado por este desequilíbrio.
Porém, o sintoma está lá denunciando, claramente, o que precisa ser cuidado.
Qual o sentido de passar uma vida inteira apenas remediando nossos problemas de
saúde, quando podemos resolvê-los de uma vez por todas se atacarmos as verdadeiras
causas destes desequilíbrios?
Acontece que a sociedade produtiva tem pressa, não pode parar. A engrenagem tem que
rodar. Sendo assim, a vida torna-se uma vida remediada, passiva, triste e impotente.
Quero deixar claro que, com esse discurso, não pretendo desvalorizar o médico e a
evolução da ciência. A medicina trouxe uma evolução incrível no tratamento das doenças
e na qualidade de vida do paciente. Antigamente, um paciente morria devido a uma
simples inflamação na garganta, caso seu sistema imunológico estivesse muito
fragilizado.
E também não estou aconselhando-o a não tomar remédios, que é uma forma científica e
comprovada no controle das doenças. Estou aconselhando-o, apenas, a investir em
prevenção e saúde, o que, no fim, é o que vai proteger realmente o seu organismo,
proporcionando um sistema imunológico forte e poderoso. Saúde, de verdade, é entrar
em contato com diversas doenças contagiosas e, mesmo assim, não as contrair.
Eu vou lhe dar um exemplo: recentemente, um aluno meu, extremamente saudável, teve
um mal-estar ao fim do dia, o que é raríssimo, no seu caso. No dia seguinte, por
precaução, ele foi ao médico e o seu diagnóstico foi dengue. Porém, ele não havia
apresentado qualquer mudança mais acentuada e tinha reagido de forma assintomática a
esta doença. Quando analisamos seus hábitos, vemos que ele pratica meditação
diariamente, faz uma hora de corrida e natação cinco vezes por semana, não come
industrializados e, na maioria dos dias, vai para cama às dez horas da noite. Bingo! Ele não
tinha uma simples virose há mais de três anos.
Você sabe qual é o remédio mais poderoso que existe quando nosso sistema imunológico
está baixo e nos sentimos frágeis física, mental e emocionalmente?
Ele se chama Praiox. Porém, é bom alertar que ele não está disponível nas farmácias.
Vou passar a receita desse remédio: explique ao seu chefe que você chegou ao fundo do
poço e que, caso você não descanse por uma semana, vai entrar em colapso e o prejuízo
vai ser muito maior; sendo assim, adiante uma semana de férias e vá para a praia.
O mar é considerado a forma de tratamento mais poderosa e antiga que existe, chama-se
talassoterapia. Na Grécia Antiga, as pessoas que sofriam de questões complexas ligadas à
saúde, como desânimo, depressão e outras doenças que fragilizam o sistema orgânico,
eram levadas à beira mar para tomar sol e repousar. Esta terapia era considerada a forma
mais eficiente de tratamento terapêutico, na época.
A combinação entre banhos de sal grosso, banhos de sol, caminhadas à beira mar, tempo
para não fazer nada e relaxar o corpo e a mente é, realmente, o melhor remédio que
existe. De uma forma geral, estar na natureza é o melhor antídoto a todo o stress que
vivemos, restaurando o nosso equilíbrio integral e vitalidade.
O check-up é uma ferramenta importante para a saúde pública, mas não concordo que
ele deva ser apenas uma forma de avaliar o quanto você está pior. Ficar esperando a
“água passar do pescoço” para tomar alguma atitude não me parece algo inteligente.
Infelizmente, muitas pessoas só acordam depois que algo muito grave acontece.
Aqui, cabe uma história interessante. Tenho um amigo, mais ou menos da minha idade,
com 51 anos, e a cada ano ele está mais gordo, mais envelhecido, abatido e desvitalizado.
Para quem assiste isso de fora, encontrando-o apenas uma ou duas vezes ao ano, essa
mudança é rápida e brutal, no entanto, ele mal percebe. Como ele se vê diariamente, deve
pensar que este processo é natural, mas não é! Ele é aquele caso típico de alguém que faz
tudo errado em relação à alimentação, bebe, fuma e, ainda por cima, é absolutamente
sedentário há três décadas, pelo menos. Ou seja, está caprichando e se esforçando em
conquistar a sua doença.
O alarme já soou faz tempo, mas ele ignorou. Há mais de uma década, ele sofre
alterações graves na pressão, no colesterol, diabetes e outros desequilíbrios. Eu já tive
dezenas de conversas com ele, tentando argumentar sobre como seria importante que
ele se cuidasse, minimamente.
Ele escuta tudo calado, concordando e prometendo que um dia vai mudar, mas esse dia
nunca chega. Em nossa última conversa, tive uma surpresa; depois do meu usual sermão
paciente e cuidadoso, ele falou: “Nuno, fica tranquilo, eu estou ótimo, cara! Estou
tomando remédios para pressão e outros medicamentos, está tudo sob controle. Agora,
estou fazendo check-up geral a cada seis meses, está tudo tranquilo!” Sua esposa ainda
concordou e disse: “É verdade, ele tem se cuidado, tem ido ao médico regularmente.”
Depois desta resposta, fiquei tão chocado, que não consegui falar mais nada, só
concordei. Meu Deus! Desde quando tomar remédios e tentar controlar os sintomas é
uma forma efetiva de cuidar da saúde?
Eu pensei comigo mesmo: ele vai fazer check-ups semestrais, até o dia em que descobrir
que já tem algo grave, ou mesmo, quem garante que algo grave não possa acontecer a
qualquer momento entre esses check-ups? Em vez de desarmar a “bomba”, ele está
apenas adiando um pouco a hora em que ela vai estourar.
Fiquei bastante espantado com a forma como as pessoas, em geral, veem a questão da
saúde. Elas realmente acreditam que estão fazendo a coisa certa, dependendo apenas de
medicamentos e se apoiando nisso para não mudar nada.
VIDA ADIADA
“Julgue o seu sucesso pelas coisas que você teve que renunciar para consegui-lo.”
(Dalai Lama)
Acontece que esse estilo de vida se torna um hábito, e um hábito fixado durante dez ou 20
anos é quase uma segunda pele, uma identidade difícil de se alterar. Sendo assim, esse
workaholic inveterado tende a prolongar esse hábito por mais alguns anos, 30 ou 40 anos,
talvez.
Esta vida adiada, esta vida perdida em prol de uma ilusão de sucesso e felicidade, um dia
cobra o seu preço. Pode ser uma doença séria, um susto ao perceber que envelheceu
precocemente ou a constatação de que o corpo chegou ao seu limite. Muitos não têm
uma segunda chance, podem sofrer um ataque cardíaco fulminante, um derrame, um
câncer.
Quando esse workaholic chega na porta do céu, não tem atendente, apenas uma
mensagem automática gravada. Nesta primeira triagem, uma voz preguiçosa de
funcionário público anuncia no sistema de som:
Ele, então, ao perceber que a sua fila é a mais longa de todas, uma fila quilométrica, se
impacienta. Quando finalmente é atendido, depois de alguns anos de espera, outra
mensagem automática lhe diz:
– Não existe céu, não existe purgatório ou inferno. As religiões inventaram esta metáfora
para explicar as nossas escolhas. O paraíso, purgatório ou inferno são os cenários
derivados dessas escolhas, vividos em vida a todo momento. Pegue a fila da direita se
você quiser ter mais uma chance de viver. Se estiver cansado de reencarnar, pegue a fila
da esquerda e você dormirá para todo o sempre.
É obvio que existem exceções e muitas pessoas têm um corpo lindo e definido devido ao
fato de terem uma relação saudável com o treinamento e fazerem muita atividade física
desde a infância.
Basicamente, se a sua ficha ainda não caiu, este ideal de beleza que você persegue como
a solução para a sua felicidade, pode se transformar em uma relação doentia com o seu
próprio corpo, categorizado pela psicologia como uma doença psíquica. Esse processo
pode levar a uma vigorexia e desencadear uma grave forma de depressão.
Este é só mais um exemplo do quanto as pessoas vivem a vida de uma forma idealizada,
em todos os aspectos. Colocam um foco enorme naquilo que elas não têm e se esquecem
de valorizar e estimular tudo aquilo que já possuem, todo seu poder, individualidade e
criatividade, que são únicos.
Nós queremos ser ricos, famosos, fortes e bonitos para sermos merecedores de amor.
Mas, esse amor que depende de reconhecimento, que é algo externo a nós mesmos,
representa uma forma superficial e precária de dependência do outro. O verdadeiro amor
é o amor que já está dentro da gente. É o amor que direcionamos a nós mesmos, é o
amor que inunda, transborda e chega a todo mundo, aos amigos, ao carteiro e à moça do
caixa. É o amor que gera gentileza e compaixão por todos os seres vivos.
Como a maioria das pessoas pensam e consomem o modelo de corpo ideal? Quando eu
tiver um corpo igual àquele da revista, aí sim eu vou ser mais feliz. Isso é uma realidade?
Não, basicamente, essa é a forma como a mídia do consumo quer que você pense.
Quando você tiver um corpo lindo e perfeito você ainda vai ser, essencialmente, a mesma
pessoa, com os seus mesmos defeitos e problemas. Você pode ser mais confiante e ter
melhorado a sua autoestima, mas estas são apenas questões pontuais e específicas em
nossa vida.
A felicidade não é um bem que esteja condicionado a uma conquista específica. Se esta
premissa fosse verdadeira, uma pessoa rica, linda, famosa ou bem-sucedida seria,
automaticamente, uma pessoa feliz.
A felicidade é uma caneta, que você procura em todos os lugares, enquanto ela já
está pendurada em sua própria orelha.
Não inveje ninguém, não siga nenhum padrão externo. Não busque uma forma artificial e
midiática de corpo. Proponho a você algo um pouco diferente: quando você parar de ver o
treinamento como uma obrigação, como uma tarefa chata que vai lhe permitir atingir
certo objetivo, você poderá se apaixonar, realmente, pela atividade corporal.
Assim, sem seguir modelos chatos e artificiais de treinamento, vivendo esta nova paixão,
você irá ganhar como brinde um corpo definido, lindo, harmônico e equilibrado, um corpo
só seu, customizado e feito sob encomenda só para você. Isso não tem preço!
O YING YANG DA BELEZA, SAÚDE E
VITALIDADE
O ser humano é seduzido por alimentos energéticos e revigorantes que prometem
aumentar a nossa energia e vitalidade.
Por que a indústria do consumo seduz e ilude com formas menos eficientes e com
paliativos que prometem toda sorte de milagres artificiais?
Porque essas formas artificiais podem ser empacotadas e vendidas mais facilmente e
com uma margem de lucro maior. O consumo vive de uma ilusão, o que se vende é uma
promessa. É sempre a próxima novidade que vai dar resultado e lhe fazer mais feliz.
Então, eles contratam uma excelente agência de marketing, uma equipe de gestão
incrível, empacotam este produto, financiam pesquisas para comprovar sua eficácia e o
colocam no mercado. Pronto, está em curso uma máquina feroz de se fazer dinheiro, em
cima da passividade, pressa e ignorância da população. Ou seja, quando alguma nova
moda de verão chega à capa de uma revista, prometendo resultados rápidos e
milagrosos, ou quando algumas pesquisas que “discretamente” ou “descaradamente”
apoiam estas fórmulas, ganhando destaque na mídia, isso não é apenas uma feliz
coincidência.
A pergunta é: para que simplificar se podemos complicar? Complicar parece ser uma
tendência humana e confere certo poder aos especialistas, que estudaram muitos anos
para dominar tais assuntos. Complicar cria uma dependência do aluno em relação ao
profissional em questão e uma fidelização desejável. Isso permite a criação de novos
métodos e produtos e fomenta esta indústria bilionária do corpo.
Tenho uma amiga que lança mão de diversos artifícios para parecer mais bela. Vamos
conferir passo a passo o que ela faz e, em seguida, observar, entre parênteses, minhas
observações sobre as estratégias usadas.
Ela viaja até a França para se tratar com o maior especialista em ortomolecular do mundo
e volta com vitaminas e suplementos caríssimos. (Alimentar-se com mais qualidade seria
mais eficiente do que se entupir de suplementos.)
Ela vai na melhor esteticista e na melhor dermatologista do mercado e volta com cremes
caríssimos para a pele. (Caso se hidratasse mais, parasse de fumar e dormisse melhor,
teria resultados bem maiores.)
Ela tem uma academia caríssima em casa e um personal que lhe custa uma fortuna. O
sujeito a maltrata todo aula, e volta e meia, ela dá um jeito de driblar e fugir desta
obrigação. Ela mesma confessa que não faz nem 30% das aulas. (Nesse caso, se ela
fizesse algo mais divertido e prazeroso, como dançar, jogar tênis e outros, seria bem mais
eficiente.)
Faz cirurgias plásticas e lipoaspirações com certa frequência. (Caso fizesse mudanças de
hábitos alimentares, tivesse uma relação de prazer com a atividade física e praticasse
meditação para controlar a ansiedade, seria muito mais eficaz.)
Ou seja, ela se utiliza de mil recursos para remendar, contornar e artificializar a sua
aparência e, assim, continuar mantendo os mesmos hábitos que a envelhecem e fazem
mal à sua saúde. Lançando mão de soluções desesperadas, ela já fez quatro
lipoaspirações. Uma média de uma a cada dois anos, desde que a conheço. Mas, em
pouco tempo, tudo volta a ser como era antes. Ela também está frequentemente acima
do peso, já que é ansiosa, come em excesso e com péssima qualidade. Afinal, ela tem
“muito” dinheiro e, de que serve ter sucesso e dinheiro, se você não pode cometer
pequenos excessos frequentemente, não é mesmo? Esse é o risco inerente a uma vida
material muito abonada.
Bom, o que eu sei é que o resultado final deste cuidado caríssimo feito por minha amiga
deixa muito a desejar. Apesar disso tudo, a aparência dela é triste e desvitalizada. Mesmo
com as vitaminas, os suplementos, cremes e maquiagem que ela usa, ela está
completamente sem vitalidade e saúde. É fácil observar isso pelos olhos. Os seus olhos
são opacos e cansados, sem vida. Ainda não inventaram uma maquiagem para se passar
dentro dos olhos, que disfarce a perda de vitalidade.
Mesmo que ela se esforce ao máximo em parecer mais nova, a sua aparência é bastante
envelhecida. Aos 62 anos, ela já se move com certa dificuldade, tem perdas ósseas graves
na bacia e perdeu toda a naturalidade em seu corpo, músculos e pele. Ela se esforça ao
máximo para investir em sua saúde, mas está claramente vivendo um processo de
adoecimento e envelhecimento acelerado (já que não cuida do que realmente é essencial).
Como você já deve ter notado, existe um mercado crescente de livros, revistas e toda
forma de métodos que prometem incrementar a beleza e a saúde. O homem, em sua
onipotência, quer igualar e simular o que a natureza faz por si mesma. Já existe uma
fórmula da beleza, inigualável, e o melhor é que não precisamos gastar quase nada por
isso.
Veja só esta foto do mestre taoísta Pai Lin, aos 80 anos, e você vai entender o que falo.
Uma pessoa, que siga seu exemplo, vai exalar beleza e jovialidade, mesmo aos 80 anos
(sem fazer nenhuma cirurgia plástica). Esse grande guru da Medicina Chinesa e do Chi
Kung sempre foi uma referência para a nossa família.
A fórmula é simples: amor, amigos, cabeça fresca, energia vital em alta, Chi Kung, boa
alimentação, atividade física com moderação e sono com qualidade, entre outros fatores.
O grande segredo da beleza é alegria, bom humor e vitalidade. Isso é o que realmente nos
faz parecer mais atraentes. Essas qualidades são totalmente dependentes dos
ingredientes da fórmula anterior.
Posso ser extremamente sincero e transparente com você? A saúde é o óbvio ululante. As
armas mais poderosas na manutenção da nossa beleza e saúde são de graça, como
dormir, caminhar, meditar e amar, entre outras. Pode ter certeza, muitas coisas que estão
disfarçadas de “novidade” já foram escritas por algum autor grego há mais de dois mil
anos.
(Leonardo da Vinci)
Outro exemplo interessante é de um amigo meu que ficou obsessivo por superfoods,
alimentos extremamente nutritivos e energéticos. Ele começou a ler e pesquisar tudo
sobre o assunto e, com o tempo, convencido pelas pesquisas e pelos especialistas,
passou a substituir a sua alimentação por uma quantidade enorme de superfoods,
pensando, assim, melhorar a sua saúde e vitalidade.
O resultado não foi dos melhores, como era de se esperar. Hoje, ele está magro e abatido,
e nem parece se dar conta de que aparenta ter muito menos energia e vitalidade.
A grande verdade é que o nosso organismo não está adaptado a estes alimentos
estranhos, potencialmente alergênicos e hiper energéticos, que, se usados na medida
certa, podem ser positivos. Quando o encontro, brinco dizendo que ele ficou “viciado em
pó”. Em vez de comer, ele consome alimentos energéticos em pó o dia todo. Em vez de
ficar mais saudável, ficou “superfood-ido” (exagerou no superfood).
Os alimentos que nos fazem bem (e isso é absolutamente individual) são os alimentos aos
quais estamos bem adaptados desde a nossa infância ou os alimentos aos quais o ser
humano está adaptado devido à sua herança evolutiva.
É necessário que tenhamos muito cuidado com o que está na moda, com aquilo que afeta
a nossa saúde e o nosso corpo. Algumas pessoas são tão consumistas que consomem
tudo o que vira tendência, sem nenhum discernimento.
Um amigo seguiu, nos últimos anos, diversas formas de treinamento da moda. Quando
apareceu a moda da yoga extrema, ele se jogou de cabeça e teve lesões graves por todo o
corpo. Quando surgiu a moda das corridas de longa distância e maratonas, idem. Ele
acabou com as articulações do seu joelho. Resolveu correr uma maratona em menos de
um ano, partindo de um ponto zero de adaptação a este esforço. Quando surgiu a moda
das corridas de aventura, aconteceu a mesma dinâmica.
Resultado: aos 45 anos, ele atualmente está incapacitado de fazer o treinamento mais
básico e simples possível (atividades que uma senhora saudável de 75 anos faria sem
nenhum problema), devido a esse acúmulo de lesões. Recentemente, ele foi fazer uma
aula de CrossFit e não aguentou nem dez minutos, devido a essas lesões antigas. Só,
então, ele percebeu que essa moda não servia para ele e desistiu da opção.
Acompanho, pela TV, jogos de esportes diversos e vivo a adrenalina, a tensão e a magia da
competição de uma forma bastante intensa. Assistir ao vivo a alguns esportes que adoro,
como tênis, futebol, basquete e vôlei, é, para mim, uma experiência deliciosa.
Pratiquei tênis desde os meus oito anos e quase me tornei um tenista profissional. Jogar
tênis é uma forma de meditação ativa, absolutamente apaixonante e viciante. Funciona
como uma forma de terapia intensa e, ao mesmo tempo, divertida, exigindo um grau
profundo de presença e concentração. Ao jogar, você experimenta um estado alterado de
consciência e um sentimento de “flow” indescritível. Além de ser uma atividade física
intensa que libera altas doses de endorfina.
Porém, não vou me ater aqui ao lado positivo do esporte, que já é bastante conhecido,
como o fato de ele afastar os jovens das drogas, ajudar na disciplina e estimular uma vida
regrada e saudável.
É obvio que o esporte colabora na elevação dos nossos níveis de força, resistência e nos
torna mais vitais e vigorosos, em todos os sentidos.
Porém, como tudo na vida, existe um lado negativo e obscuro dos esportes, que não é
discutido e não vem a público.
O esporte se torna cada vez mais bruto, truculento e agressivo. Isso decretou o fim do
“futebol arte”, do “tênis arte” e da beleza e da harmonia nos esportes, de uma forma geral.
Isso ocorreu por volta da década de 1970, uma década decisiva na profissionalização do
esporte.
Vou tomar o tênis como exemplo: fui assistir a uma partida em Roland Garros, em uma
quadra de saibro, entre os tenistas Del Potro e Tsonga. Aquilo, para mim, não era mais
uma partida de tênis, era uma pancadaria, um tiroteio.
O bom do saibro é que ele permite longas disputas e trocas de bola, mas, no caso, os
pontos duravam, em média, apenas poucos segundos (ou eles se definiam no saque, ou
se definiam rapidamente em golpes agressivos e violentos).
Devido a este fator, os tenistas e os esportistas, em geral, atualmente, sofrem com lesões
graves durante toda a sua carreira. Porém, mais grave do que isso, é que muitos
esportistas, ao se aposentarem, em média, aos 32 anos, vão pagar um preço muito alto
por esse “sacrifício”. O alto impacto articular e a força física exigida fazem muitos ex-
atletas sofrerem com dores crônicas e perda de cartilagem severas, que os
acompanharão pelo resto da vida. A perda de qualidade de vida é gravíssima. Devido ao
dano causado no aparelho locomotor, como graves lesões nos joelhos, por exemplo, eles
serão incapazes de se exercitar e manter a saúde.
Veja você a que ponto chegamos! Além de tudo, estas substâncias podem causar câncer e
danos orgânicos imprevisíveis. Agora, eu pergunto: isso é saúde?
5 O ESPORTE LEVA MAIS UM DURO GOLPE. DESTA VEZ, BEM NA BOCA DO ESTÔMAGO.
Será o futuro do esporte algo apocalíptico, em que androides anabolizados serão metade
homens, metade robôs, destruindo-se em batalhas que lembrarão um circo romano de
gladiadores?
Só existe uma solução para evitar esse massacre ao corpo e este futuro sombrio no
esporte: reestruturar as regras de todos os esportes, identificando qual o limite físico
aceitável e desejável. Isso tornará os jogos muito mais interessantes e estimulantes para
o público e para os competidores.
Temos de fazer essa reforma em todos os esportes, nas próximas décadas, caso
contrário, devemos parar com essa hipocrisia dizendo que esporte é saúde.
Os atletas que praticam atividades de alto impacto não têm uma ideia profunda sobre o
que estaria embutido neste contexto. Os jovens não têm essa dimensão e nem pensam
no futuro. Não sabem que o futuro de um ex-atleta pode ser bastante sombrio, feito de
dores crônicas que o acompanharão pelo resto da vida.
“É uma filosofia que causa lesões e que enchem os consultórios, hoje em dia. A
consequência mais comum ao adotar essa estratégia do ‘no pain, no gain’ é uma lesão
ou a desistência da atividade física.”
Ela é seletiva porque serve apenas a uma minoria de tipos físicos, que vão se adaptar bem
a essas rotinas sem. Qual seria esse perfil? Um corpo jovem, com um bom histórico de
fortalecimento e esporte na infância e com uma herança genética que favoreça o corpo a
resistir às atividades de alto impacto, por mais tempo.
Ela é expulsiva porque vai contra um dos preceitos mais básicos do ser humano: fugimos
da dor e do sofrimento. Criei uma teoria para explicar porque as pessoas fogem dessas
atividades radicais: quando vivemos uma experiência agradável e prazerosa queremos
repetir essa experiência. Porém, quando vivemos uma experiência desagradável e
dolorosa, fazemos de tudo, mesmo que de forma inconsciente, para evitar esta
experiência.
Um fenômeno muito comum nas academias são os alunos que pagam e não vão. Ou seja,
parte da receita das academias vem desses alunos que, iludidos por esse modelo de
beleza vendido pela mídia, tentam a qualquer custo se adequar a essa filosofia de
treinamento, buscando este corpo ideal, que nunca se realiza.
Para se desculpar pelo seu insucesso, os próprios alunos arranjam justificativas como
preguiça, falta de disciplina, falta de força de vontade etc., mas penso que não se trata de
nada disso. Resumo tudo em uma só frase: “O boi tem medo de ir para o matadouro.”
Psicologicamente, o que explica esta fuga maciça das academias é, simplesmente, o fato
de as pessoas sofrerem um enorme desconforto ou mesmo dores físicas ao vivenciarem
estas formas de treinamento.
É claro que existe o componente do hábito, e só realizamos aquilo que estamos
habituados a realizar. Sendo assim, pessoas que não construíram uma relação de prazer
com a atividade física encontram mais resistência em mudar seus hábitos.
O fator inercial é realmente o maior obstáculo na mudança de hábito. Caso não sejamos
capazes de ultrapassar esta etapa, essa mudança não será possível. Propor ao aluno uma
atividade dolorosa e desagradável não o ajuda a superar esse fator inercial. Não permite o
desenvolvimento de uma relação de prazer com a atividade corporal.
Por meio de uma análise mais profunda, vemos que este modelo revela uma grande
contradição: de um lado, ele acena com a ilusão de um corpo perfeito e, do outro, garante
com exercícios chatos e dolorosos que a grande maioria não consiga atingir este objetivo.
Percebe como esse modelo não é sustentável nem inclusivo?
Vamos tomar a corrida como um exemplo. Como diversas atividades, existem três
estágios no processo de correr: o “antes, o “durante” e o “depois”. Eu corro há mais de 30
anos e sei que o “antes” é o maior inimigo do corredor. Vamos dizer que, a cada 20
corridas, de uma a duas vezes, em média, eu sinto certa resistência em superar este fator
inercial, e me pego querendo ceder à lei do menor esforço. O que me salva, nestes casos,
é a capacidade que desenvolvi de me focar no “durante” e no “depois”. Podemos concluir
que o hábito me resguarda em 90% das vezes em que vou correr. Nestes casos, eu não
sinto resistência e nem penso em nada. Quando dou por mim, já estou correndo.
O que ninguém conta em relação ao treinamento com sofrimento é o epílogo desse conto
de fadas, deste corpo musculoso, bombado e, supostamente, perfeito. Tenho muitos
amigos fisioterapeutas que me contam coisas estarrecedoras. Eles atendem, diariamente,
a uma avalanche de pessoas com um corpo esteticamente invejável, lindos por fora, mas
já desgastados e destruídos por dentro. Infelizmente, esse pode ser o resultado de um
treinamento realizado às cegas.
Mais dia menos dia, fatalmente, o resultado de todo esse exagero e falta de bom senso no
treinamento irá cobrar a conta. E, pode ter certeza, quando ela vier não será barata.
Sabe aqueles exercícios de leg press pesadíssimos, que você fez durante tantos anos?
Pois então: eles podem se tornar uma lesão irreversível na coluna lombar e você mal vai
poder caminhar sem dor, pelo resto da vida. Todas aquelas repetições malucas contra o
relógio do treinamento de alta intensidade podem acabar com as suas articulações.
As pessoas não sabem, mas muitas lesões decorrentes de atividades físicas de alto
impacto são irreversíveis e não são passíveis de intervenções cirúrgicas. Em alguns casos,
mesmo quando existe a indicação de uma cirurgia, isso não é garantia de um bom
prognóstico.
Por exemplo, aquelas provas de longa distância que você foi estimulado por seu professor
a realizar, você se empolgou e começou a lutar ferozmente contra o relógio buscando
diminuir o seu tempo, podem destruir as suas cartilagens e virar uma lesão gravíssima no
joelho, fazendo com que você sofra com dores crônicas, diariamente. O seu ortopedista,
então, vai gentilmente lhe comunicar que você nunca mais vai poder correr ou fazer
qualquer atividade física. O final desse conto de fadas pode ser o game over.
Como diz um dos mais respeitados fisiologistas brasileiros, Turibio Leite de Barros: “Para
ser eficaz, a atividade física tem de ser incorporada a uma rotina. Mas a preocupação em
obter resultados rápidos tem sido tão maior do que a busca pela saúde que as pessoas
sofrem lesões e não conseguem criar o hábito físico.” (Revista Cidade, setembro de 2015,
Trip Editora.)
Se você quer se aprofundar mais no tema, a chave a seguir é um verdadeiro presente: uma
entrevista com o Dr. Maciel Murari Fernandes , um dos Fisioterapeutas mais estudiosos que já
conheci. O que ele diz é muito precioso.
7 A RESULTANTE DO TREINAMENTO.
4° PARADIGMA: CONHECIMENTO COM
INTEGRAÇÃO
Conversando com diversos fisioterapeutas e ortopedistas, descobri algo chocante: eles
me relataram a dificuldade de conversar, compartilhar conhecimento e interagir com o
professor de educação física. E isso é sério.
Eu, que sou da área do treinamento, sei que realmente este diálogo não existe. Essas
áreas estão totalmente afastadas umas das outras. O discurso é: você cuida da sua área
(as lesões) e eu cuido da minha (o treinamento).
O mais grave disso é que o professor de educação física não tem uma formação e prática
diárias que lhe permita entender exatamente o que o fisioterapeuta está tentando
mostrar a ele.
O estudo aprofundado de cartilagens, ossos e articulações não faz parte do seu dia a dia.
Ele até estudou isso na faculdade, porém, sem o aprofundamento e o enfoque da
ortopedia e da fisioterapia.
Para você entender a gravidade deste assunto, até hoje, não conheci nenhum tipo de
treinamento que integre essas duas áreas, realmente.
Muitas academias e espaços de treinamento até colocam isso no seu marketing de venda,
mas simplesmente não sai do papel, não se efetiva de uma forma bem-feita e profunda.
Do modo como está estruturada, essa “integração” não passa de uma maneira de
fortalecer e estimular a indicação e o encaminhamento de clientes entre estes
profissionais. Não existe uma forma de integração transdisciplinar, em que os
profissionais possam interagir e pensar no treinamento de cada aluno por meio de trocas
e cruzamentos de informações.
Se essa troca fosse de fato uma realidade nas academias, o treinamento seria exatamente
o oposto do que é realizado atualmente, uma vez que os ortopedistas e fisioterapeutas
defendem uma política de redução de lesões e de moderação no treinamento. Então,
chegamos ao ponto em que fica evidente porque existe uma resistência da educação
física em integrar este conhecimento: ela teria que mudar radicalmente o seu foco e sua
filosofia de treinamento. Uma grande parte do seu repertório de exercícios e técnicas
seriam descartados, pois não são exercícios positivos e ergonômicos que favoreçam as
articulações, as cartilagens e, o mais importante, a saúde corporal.
Um exercício passa a valer apenas pelo resultado estético que ele possa
proporcionar, independentemente do mal que ele possa causar ao seu corpo no
médio e longo prazo.
Quem sofre com essa visão parcial do corpo é o aluno, já que a imensa maioria das lesões
sofridas no treinamento poderiam ser evitadas.
Pois bem, então chegou a hora de o aluno parar. Ele terá que passar por um ortopedista
para ter um diagnóstico. Este, por sua vez, indicará uma fisioterapia e repouso. Nesse
processo, o aluno, completamente desmotivado e abatido, perde massa muscular e
ganha peso, tendo que ficar em repouso de dois a três meses, ou mais, dependendo da
lesão.
Depois que o fisioterapeuta trata e recupera esse aluno, através de um processo bastante
delicado, chato e exaustivo, ele está liberado para voltar aos treinos. E o que este aluno
faz? Muitas vezes, volta a repetir este mesmo processo.
Talvez o aluno até pegue leve com a articulação que foi lesionada, por um certo tempo,
mas, rapidamente, volta a ser tudo igual. Além do detalhe, é claro, que ele continuará a
pegar pesado com todas as demais articulações e estruturas físicas, podendo levá-las ao
desgaste e, finalmente, ao esgotamento.
Neste ponto, você pode estar pensando: “Pôxa, Nuno, eu frequento a academia há tanto
tempo e nunca me machuquei!”
Pois é, ou você representa um grupo de alunos que treina com moderação e seu treinador
é mais cuidadoso, ou você representa outra minoria: um tipo físico que resiste bem a
essas formas radicais de exercícios. Parabéns! A sua morfologia é privilegiada, porém,
isso não quer dizer que a conta não vá chegar um dia. Em muitos casos, esta conta só vai
chegar, realmente, daqui a 20 ou 30 anos.
Se você adora academia e o seu treinamento está sob medida, essas observações podem
não ser válidas para você. O intuito deste livro é socorrer os alunos que não se adaptam a
esse modelo. Que esta carapuça sirva a quem se identificar.
Você já percebeu que as pessoas de meia idade ou idosos são uma minoria na academia?
Você, raramente, encontrará um “rato de academia” que resista a esse sistema do
bodybuilding por muito tempo. Isso porque, por ordem médica, a maioria pendura as
chuteiras ou se aposenta dos treinos radicais e pesados.
O maior prejudicado sempre é o aluno, que além de ter de lidar com a força de vontade
para estabelecer um novo hábito, ainda sofre com dores e lesões.
Porém, seria bom ressaltar que não existem vilões. Somos todos vítimas da própria
cultura do treinamento. Coloque-se no lugar do professor: imagine ele conversando com
um grupo de rapazes que treinam pesado e tentando falar de consciência corporal. Eu
adianto que esta conversa não será produtiva.
Da mesma forma, os donos de academia resistem a sair do lugar comum com medo de
se arriscarem em um terreno ainda não explorado. Nadar contra a correnteza não é
atrativo. Apenas com a união de todos, mercado, professores, faculdades, mídias e
alunos, podemos começar a virar esse jogo. Só através de campanhas consistentes
podemos trazer consciência à população.
Não podemos mais apoiar e sustentar esta cultura que prejudica milhões de pessoas em
todo o mundo.
(Rafael Mello)
MANUAL DO LEITOR
PENSAMENTO CIRCULAR
Neste livro, em certos capítulos, vou tentar explicar o inexplicável. Como funciona isso?
Existem certas coisas que as palavras não conseguem alcançar, que os recursos da
linguagem buscam a todo o custo explicar e definir, mas, no final, ficam apenas
cercando estas ideias, sem nunca tocá-las, de fato.
Como todos já percebemos, o ser humano moderno é ávido por novidade, que, através
do sistema de recompensa, provoca, em nosso cérebro, um estímulo extremamente
prazeroso.
As pessoas não têm mais paciência de viver o processo das coisas, o ciclo natural, que
acompanha o ciclo da natureza, o inverno, a primavera, o verão e o outono da alma. E
quando não vivemos este processo de forma integral, não avançamos em nossos
objetivos. A vida é um processo de maturação, gradual e sempre em transformação.
Os jovens não sabem lidar com as dificuldades e frustrações que fazem parte deste
processo. Idealizam chegar rapidamente, aos saltos, no auge do sucesso e da fama,
afinal, esse é o modelo vendido pela mídia. A fama e o sucesso instantâneo.
Tudo que peço é paciência para entender que a repetição e o aprofundamento são
recursos importantes na fixação das ideias. Você acha que sabe, mas ainda não sabe
realmente, porque parou só na primeira camada desta ideia, sem se aprofundar nela.
Às vezes, é necessário ler um texto inúmeras vezes e ficar refletindo sobre ele durante
alguns dias, meses ou anos, como é o caso de Krishnamurti, um grande pensador
indiano, que tenta explicar o inexplicável e usa o pensamento circular como recurso.
A cada leitura, uma nova camada de percepção se abre, e assim, podemos adentrar em
um mundo de conhecimento e estudo, como no caso da Cabala ou da Bíblia, por
exemplo. Na verdade, a grande maioria das coisas você só vai entender, realmente, a
partir do momento em que as experimentar.
Existem coisas que não precisariam ser explicadas, caso nós ainda fôssemos seres
inteiros, seres naturais, que vivessem inseridos na natureza de forma harmônica e
equilibrada. Existem coisas que nós deveríamos saber sem saber, ou seja, certos
conhecimentos estariam incorporados tão instintiva e naturalmente, que não haveria a
necessidade de explicação.
Nós, então, a exemplo da maioria dos animais, saberíamos sem saber que sabemos,
ou sem precisar explicar aos outros, já que não teríamos a linguagem e a inteligência
humana como recursos. Um desses conceitos é a ideia de corpo sagrado.
CORPO SAGRADO
Vida é movimento. Sendo assim, estar em movimento representa estar em sintonia com a
própria vida. O nosso corpo se transforma em um caminho profundo de conexão e
espiritualidade, porque nos integra à energia vital do universo, este mistério que dá vida a
tudo, a que chamamos de Deus.
Como isso ocorre, efetivamente? Sempre que realizamos atividades corporais que exigem
atenção plena, que necessitem de toda a nossa atenção e concentração, desligamos
automaticamente nossa mente, o ego e o sentido de “eu”.
Quando a nossa mente está funcionando a todo vapor, nós nos desconectamos do todo,
entramos em um mundo virtual que nos tira do momento presente. Eu ando pelas ruas e
vejo uma geração de jovens sem corpo. Como o celular e a internet raptaram o seu foco e
a sua atenção, o próprio corpo foi ficando cada vez mais esquecido.
Para entender melhor, é só pensar que a nossa mente é um grande computador. Quando
ela está funcionando, deixamos de interagir e perceber o mundo natural que se encontra
à nossa volta. É claro que continuamos interagindo com o mundo real, senão não
andaríamos ou conversaríamos, mas a mente está no comando e intermedeia todas as
nossas motivações e ações.
Quando você está pensando ativamente, perde a noção de corpo e a percepção do seu
entorno. Você olha para as pessoas e os objetos, mas não os vê, realmente, e nem os
percebe profundamente, pois está em outro mundo e sintonia, o mundo dos
pensamentos.
Tem uma imagem muito boa para explicar isso: pense se as pessoas estivessem morando
dentro da sua própria cabeça. Como seria isso? Seria como se a cabeça delas fosse uma
salinha e, nessa salinha, houvesse diversas imagens sendo projetadas. Essas imagens são
os pensamentos.
As pessoas ficam sentadas na cadeira dessa salinha, que é o interior da mente de cada
uma delas, e os seus olhos funcionam como duas janelas que se abrem para o mundo
exterior. Então, quando tem barulho lá fora, alguma coisa que lhes chama a atenção, elas
vão correndo para a janela e interagem com o mundo externo, com o mundo natural.
Porém, logo na primeira chance, elas retornam e sentam em sua cadeira para observar as
projeções de seus pensamentos, novamente. E, muitas vezes, mesmo quando estão
conversando, os pensamentos lhes chamam mais atenção do que a conversa em si, e elas
voltam a ficar atentas às projeções desta sala interna. Hoje em dia, por causa do
computador e do celular, as pessoas acabam se alternando, constantemente, entre viver
o mundo natural ou prestar atenção a este mundo interno das imagens e dos
pensamentos.
Isso representa, atualmente, o maior risco à saúde e à sanidade mental já vivido por
nossa espécie. O celular e o computador prometem nos afastar definitivamente do
mundo natural, representando, para a humanidade, a segunda mordida na maçã, que
será expulsa pela segunda vez do paraíso (mundo natural). Não é incrível pensar que uma
maçã mordida seja o principal símbolo dessa transformação virtual?
O nosso corpo é o nosso refúgio, a nossa materialidade, o que nos mantém conectados e
integrados com o mundo natural. O nosso corpo é sagrado porque ele é a própria
expressão da natureza, ele é a própria materialização do milagre da vida.
Você sabia que somos um universo ambulante? Como assim? Existem, dentro do nosso
corpo, populações imensas de diversas formas de vida, interagindo de forma simbiótica e
integrada para gerar equilíbrio e homeostase. Essas populações se dividem em milhares
de espécies, diferentes seres vivos com diferentes funções. Isso lembra alguma coisa?
Esta não é exatamente a forma como o nosso mundo natural está estruturado aqui fora?
Acontece que esses “bichinhos” que moram em nosso corpo não têm consciência do que
existe além do seu universo conhecido. Assim como nós.
Você percebe porque o nosso universo é infinito? O universo é feito de mundo dentro de
mundos. Todo o nosso universo conhecido pode estar dentro de uma poeira que habita
outro mundo. Ou pode estar dentro de um DNA que está habitando o estômago de algum
outro tipo de ser vivo. Por isso, o nosso corpo é sagrado.
Ele é um mundo feito à imagem e semelhança da natureza, que chamamos de Deus. Você
é o deus, a entidade máxima que comanda toda esta fauna que vive em seu corpo.
Pensando desta forma, você consegue perceber o quanto a maioria de nós são deuses
totalmente inconscientes de seus papéis e de seus poderes? Se fôssemos seres
conscientes, cuidar do nosso corpo (do mundo que mora dentro de nós) seria uma
prioridade em nossa vida. Mas não é.
O homem polui e destrói o ecossistema e a natureza que existe fora dele, e também polui
e destrói a natureza que existe dentro dele. E vou dizer algo ainda mais incrível: quando
você morrer, um universo inteiro terá morrido.
Efetivamente, isso ocorre porque fazer orações ou entoar mantras são formas de
meditação que desligam a mente, o sentido isolado do “eu”, e nos conecta com o Todo,
com o universo.
Os nossos ossos possuem um efeito “piezoelétrico”, isso quer dizer que são incríveis
condutores de eletricidade. Eles funcionam como uma antena, permitindo-nos conectar e
acessar diferentes energias, ondas e formas de vibrações.
Porém, em muitas culturas, como no caso dos hindus ou do povo do antigo Egito, a cobra
é vista como um ser divino.
Curioso, já que o método Cobra surge como uma forma efetiva de desligar a mente (a
cobra traiçoeira que nos enreda) e nos reconectar com a nossa própria essência.
E, assim como tudo na vida, existem vários aspectos positivos em torno dessa realidade.
Criamos um mundo novo, cheio de infinitas possibilidades; criamos a música, a dança, o
cinema e todas as formas de arte e expressão.
9 O ESTUDO DO CORPO PRODUZ UMA PÉROLA. EXISTE UMA CASA COM SEU NOME?
TEORIA DA ESCADA
Não trate seu corpo como um produto, como um bem de consumo. O nosso corpo é um
organismo, ele pertence ao mundo natural.
Essa estratégia não ajuda, em absoluto, o aluno. Ao contrário: ela o força a ultrapassar o
seu limite. E esse é o motor por trás do crescente número de desistências no treinamento.
Você já percebeu que a maioria das pessoas começam e param o treinamento a todo o
momento?
Isso se deve a alguns fatores: expectativa alta, pressa de resultados (a nossa cabeça já foi
formada na lógica deste mercado), não respeitar a graduação, não respeitar a teoria da
super compensação, entre outros. O que ocorre, basicamente, é que a maioria das
pessoas começam a todo vapor, com grande ânimo e com altas expectativas, estimuladas
por uma venda que promete resultados milagrosos e se espelha no modelo de beleza do
mercado do fitness.
(Rubem Alves)
A maioria das pessoas sonham em chegar ao nível 7, 8 ou 9 o mais rápido possível, aos
saltos. Devido à pressa, podem se lesionar e parar o treinamento ou se desestimularem e
desistirem. Esta fórmula “expectativa e pressa, falta de graduação no treino e treinamento
chato e com sofrimento” é a grande bomba que detona a desistência coletiva. Mas, como
desarmar essa bomba?
Em primeiro lugar, todo aluno que inicia o nosso treinamento toma um choque de
realidade quando entra em contato com a nossa filosofia simples, didática e intuitiva. Nós
defendemos uma forma orgânica, natural e gradativa de treinamento.
Outro paradigma difícil de ser quebrado é o “sem dor, sem ganho”, ou seja, convencer o
aluno de que não é necessário sentir dor e sofrer para obter bons resultados.
Toda a nossa filosofia e nosso discurso é uma tentativa de trazer o aluno para uma forma
natural, prazerosa, equilibrada e lúdica de treinamento. Outra desconstrução importante
é diferenciar performance de saúde, conscientizando o aluno a não adotar este modelo de
beleza artificial ou formas de treinamento que possam ser nocivas à sua saúde.
Desenvolvi essa teoria para explicar de forma didática um conceito muito caro ao nosso
método: é possível evoluir e expandir os seus limites de forma suave e prazerosa. Basta
dimensionar o tamanho de cada degrau.
(Nuno Cobra)
Essa estratégia funciona em relação a tudo o que propomos, desde mudança de hábitos a
manobras na barra fixa. É como o meu pai sempre diz: nosso trabalho é fazer o difícil se
tornar fácil. Proporcionar ao aluno um caminho fácil e possível permite-lhe chegar a níveis
inimagináveis.
No treinamento atual, esta graduação é feita aos saltos, ou seja, os degraus são poucos e
muito altos (para a grande maioria, eles se tornam intransponíveis). Sendo assim, exigem
muito esforço e força de vontade para serem vencidos. E força de vontade é uma palavra
que não existe em nosso método. Eu, pelo menos, nunca a pronunciei, durante toda a
minha vida, para nenhum aluno, porque ela é o extremo oposto daquilo que defendemos
como forma de treinamento.
Um dos conceitos fundamentais é de que fazer o que é prazeroso não requer força de
vontade. Ou seja: não deveríamos realizar uma atividade física apenas para se atingir
certo objetivo, e sim porque ela é gratificante por si só.
E como transformar esta atividade em algo prazeroso? Bom, este segredo vamos
desvendar pouco a pouco nos capítulos que virão a seguir.
Eu, particularmente, não gosto do conceito implícito na palavra “força de vontade” porque
ela remete ao conceito de esforço, de sofrimento. Além do mais, se transforma em uma
desculpa, um verdadeiro obstáculo à mudança. Esse conceito, por si só, diminui o nosso
poder, nos fragiliza, e nos coloca como reféns da nossa própria vida e das situações. Ele
nos vitimiza.
Durante a nossa infância, a maioria dos pais reforçam mais os nossos erros do que os
nossos acertos. É muito comum os pais dizerem ao seu filho que ele não tem força de
vontade ou é preguiçoso. O feedback dos pais é muito determinante nesta fase da nossa
vida, funcionando como um espelho que nos mostra quem somos, sendo assim,
crescemos com a absoluta certeza de que não temos força de vontade. Isso fica marcado
fortemente em nosso inconsciente. Como o inconsciente é fundamental no processo de
decisão, ele vai boicotar qualquer iniciativa de mudança. Nós só realizamos aquilo que
acreditamos, conscientemente e inconscientemente, sermos capazes de realizar.
Henry Ford tem uma frase interessante e muito famosa sobre esta questão: “Se você
pensa que pode, ou pensa que não pode, de qualquer maneira, você vai estar certo.” Ou
seja, a diferença entre aquele que consegue e aquele que não consegue é que um acredita
que pode e o outro, não, e, sendo assim, ele nem tenta.
Depender da força de vontade para treinar e, ao mesmo tempo, acreditar que você não
nasceu com esta qualidade, não ajuda ninguém a evoluir, concorda? O que acontece
quando você olha para uma árvore alta e não acredita que possa subir nela? Você nem se
atreverá a tentar, não é? Pois então, em relação à força de vontade é a mesma coisa:
como, a priori, achamos que não a possuímos, não avançamos em nossas metas.
(Tali Sharot)
Nós não dependemos da força de vontade para evoluir, podemos usar outro caminho
mais natural e fluido. Esse caminho é feito de uma combinação entre foco, consciência,
sabedoria e prazer. A mudança dessa “chavinha mental” passa pelo processo de
incorporar o conceito de “flow” e de presença. Quando realizamos uma atividade física
equilibrada, podemos aprender a curtir e aproveitar o momento presente. Isso muda
tudo, porque ela não se transforma mais em esforço, mas sim em prazer. Quando
estamos vivendo o momento presente, quando estamos nos divertindo, o futuro não tem
importância, o resultado não tem importância, até o erro passa a ter menos importância.
Você consegue subir um simples degrau de uma escada? Pois bem, transforme o
processo de subir esse degrau em algo prazeroso e divertido, e, assim, quando você
menos perceber, estará evoluindo de forma contínua e permanente.
Esta teoria foi criada em cima do conceito mais óbvio e antigo que existe. Tal conceito
defende que a forma mais sábia e sustentável de atingirmos os nossos objetivos é adotar
um ritmo realista, não idealizado, que nos permita evoluir “step by step” (passo a passo).
Quando você adota essa teoria no treinamento físico, não existe mais parada, o céu é o
limite.
Respeitando os limites de cada aluno, tudo é possível. É como costumo dizer: “Segundo a
lei da relativa-idade, a idade é algo absolutamente relativo.” Meu pai é um bom exemplo:
aos 78 anos, corre cinco vezes por semana e faz algumas manobras de ginástica olímpica,
na barra fixa, melhor do que eu.
“UMA PESSOA VELHA QUE É FLEXÍVEL, É JOVEM, AO PASSO QUE UMA PESSOA JOVEM
QUE É RÍGIDA, É VELHA.”
(Joseph Pilates)
A regra criada por Pilates se aplica também a outras qualidades corporais, como o
fortalecimento e o sistema cardiovascular. Alguns jovens já têm um coração “velho”. Um
exemplo interessante é o de uma aluna que tive; quando começamos a treinar, ela devia
ter por volta de 22 anos. No primeiro teste cardiovascular que fizemos, ela chegou à
pulsação de 175 bpm (batimentos por minuto) apenas andando em ritmo rápido. Isso é
assustador. Como ela não havia feito nenhum treinamento aeróbico em sua vida, fora o
hipismo, ela tinha uma estrutura cardiovascular semelhante à de um idoso. Mas os jovens
reagem rápido. Devido à nossa filosofia de treinamento, em apenas um ano, ela já corria
com uma pulsação de 140 bpm, sem passar por nenhum sofrimento em todo o processo.
O fator inercial é sempre o maior obstáculo. É como um carro: quando você começa a
empurrá-lo, no início, ele é muito pesado, mas, depois que o carro está em movimento,
este processo se torna muito mais fácil e fluido. No treinamento, acontece o mesmo;
depois que você embala, treinar se torna algo natural e habitual. Lembrando sempre que,
caso o treinamento seja equilibrado e moderado, esse processo será muito mais eficiente,
é claro.
O que ocorre, como no caso das pessoas que estão acima do peso, é que existe rigidez,
autocobrança e pouca amorosidade em relação a si mesmo. Este quadro gera um círculo
vicioso de culpa e autoboicote que, consequentemente, sabota qualquer evolução.
COMPETIÇÃO E TREINAMENTO
É óbvio que a atividade esportiva é mais positiva do que negativa para as crianças e
jovens, na maioria dos casos. Eles têm muita lenha para queimar e, sendo assim,
absorvem melhor estes impactos provocados no corpo pelos esportes de competição.
De qualquer forma, estes desgastes vão fazer parte de uma “poupança”. E o que é essa
poupança? É onde depositamos tudo o que provocamos de impacto e desgaste em nosso
corpo. Com o passar do tempo, isso vai se somando. Esta conta só será fechada em um
momento futuro. Eu vou dar um exemplo: um aluno meu desenvolveu uma grave lesão no
ombro, aos 40 anos, resultado direto da competição de natação que ele praticou na
juventude, a partir dos onze anos.
A competição destrói a capacidade de cada aluno de encontrar o seu ponto ideal (ponto
ótimo) de treinamento, ou seja, uma intensidade que provoque um estímulo um pouco
além do limite de adaptação de cada aluno e o faça evoluir continuamente, de forma
sustentável e segura.
(Nuno Cobra)
Por exemplo, outro dia, observei um grupo treinando no Parque Ibirapuera. Eram 12
pessoas, acompanhadas por um treinador, que as estimulava em um formato
competitivo a fazerem o maior número possível de flexões na barra fixa. Nesse grupo,
bastante heterogêneo, havia diversos tipos físicos, de diferentes idades e níveis de
adaptação a este treinamento. Este ambiente competitivo criado por esse treinador fez
praticamente todos os alunos errarem e ignorarem por completo o seu ponto ótimo de
treinamento. Como todos estavam apenas preocupados em fazer o maior número de
repetições (e, assim, não passarem vergonha em relação aos seus pares), o que assisti foi
a um espetáculo cruel de sofrimento e perda de qualidade do movimento.
Neste caso, o resultado final desse modelo de aula pode ser uma contratura muscular
intensa, uma queda brutal do sistema imunológico e um risco maior de lesões devido à
estafa muscular atingida. Apenas um dos alunos estava realmente bem preparado para
este desafio, por isso, conseguiu ganhar a competição realizando 25 subidas na barra. Ou
seja, este massacre ao corpo criado pela competição foi benéfico a apenas um tipo físico
dentre tantos outros, o que, para mim, é um perfeito exemplo do que ocorre atualmente
no treinamento.
Existe uma armadilha muito comum: como algumas pessoas não encontram nenhuma
motivação para fazer atividade física, procuram inventar uma razão por meio do estímulo
criado pela competição. É o famoso efeito “cenoura na frente do cavalo”. Para seguirem
em frente, pessoas com perfil competitivo buscam colocar metas severas para si
mesmas, buscando-as de uma forma pragmática. Essas metas costumam ser ambiciosas
e são entendidas como um desafio positivo, como uma forma de testar o próprio caráter
e determinação.
O que não é levado em conta neste processo é que o corpo, como todo organismo, tem
uma lógica própria – muito mais elaborada e complexa – que não segue,
necessariamente, os devaneios inconsequentes e fantasiosos da nossa mente.
Um bom exemplo disso seria se preparar para correr uma prova de 20 km em apenas um
ano, estando acima do peso ou partindo de um período inativo prolongado e uma total
inadaptação muscular e articular à corrida. O que, à primeira vista, pode parecer uma
forma positiva de treinar mais e emagrecer mais rápido, não passa de uma total
insensatez e ignorância.
O nosso corpo não é uma empresa, em que, quanto mais rápido e mais curto for o prazo
de execução de uma meta, mais positivo será o resultado. Na verdade, o que ocorre é
exatamente o contrário. Quanto mais pensamos no médio e longo prazo, melhor será o
resultado final. Quanto mais aceleramos o processo necessário a uma adaptação natural
e orgânica do nosso corpo, mais ele sofre e mais aumentamos os riscos de nos
lesionarmos.
Quem manda no treinamento não é a nossa cabeça, é o nosso corpo. O corpo é soberano,
ao contrário do que propõem certos slogans ingênuos e idealizados da autoajuda do
treinamento. Não é sábio colocar prazos e metas que são incoerentes com o ritmo e o
tempo de evolução do nosso próprio corpo.
A equação que precisa ser resolvida no treinamento é: como ter o melhor resultado
possível sem colocar em risco a integridade corporal? Quando pensamos com seriedade
nesta problemática, o prazo de execução de uma meta se impõe naturalmente, caso a
caso. Geralmente, quanto mais demorado e conservador for este prazo, melhor será o
resultado final.
Se eu fosse dar um conselho a quem vive o treinamento com base em uma lógica
intensamente dependente da competição, eu diria: não seja ingênuo, deixe a competição
nesse nível extremamente exigente e desgastante apenas para os atletas profissionais. A
conta final pode não compensar.
Seria incrível se os mais jovens pudessem aprender com a maturidade e a experiência dos
mais velhos. Veja o que Abílio Diniz tem a dizer sobre treinamento e saúde.
“Todo exagero é sempre ruim. É como aquela frase: ‘A virtude está no meio’.
Toda vez que se vai para as pontas, para as extremidades, para os excessos, corre-se o
risco de dar um passo errado e perigoso. (...)
Não podemos esquecer que a principal função da atividade física é promover o bem-
estar clínico e psicológico. Qualquer efeito fora disso pode ser nocivo. Isso foi
comprovado por estudos mais recentes, que analisaram o impacto do treinamento
excessivo ao longo dos anos.
Hoje mais experiente, e após analisar os estudos mais recentes sobre o excesso de
exercícios, abandonei a prática de triatlo e da maratona. Muitas pessoas que conheço
fazem estas atividades de forma amadora em busca de superação pessoal e aumento da
autoestima, o que tem seu valor. Mesmo assim, não deixo de alertá-las sobre os
cuidados a serem tomados. Sempre é possível adequar os nossos objetivos ao que o
conhecimento científico na área de saúde aponta como mais apropriado.
Nunca se deve esquecer que os benefícios psicológicos alcançados por uma superação
pessoal só serão validos se a saúde for mantida. Sem saúde, nada disso faz sentido. (...)
Cometi exageros, é verdade. Por isso, ao escrever novamente sobre este fundamento,
decidi abordar todas as mudanças no meu programa de treinamento nesta nova fase.
Quero que os benefícios dessas descobertas sejam multiplicados e ajudem mais
pessoas a conquistarem ainda mais saúde.
Já cheguei a treinar em três períodos diários e tenho certeza de que boa parte dos
problemas que tive e alguns que ainda tenho estão associados ao exagero na atividade
física. Hoje realizo o meu treino diário em apenas uma sessão, sempre pela manhã, e
vario todos os dias os tipos de exercícios, modalidades e estímulos. (...)
A mensagem que realmente quero deixar é que o exercício regular feito ao longo da vida
proporciona mais saúde por muito mais tempo. Também quero ressaltar que você não
precisa ser obsessivo por exercícios para atingir esses benefícios. A obsessão por
esportes quase me privou dessa minha paixão. Para que isso não acontecesse, tive de
mudar conceitos e pensamentos que me acompanharam por toda a vida. Esse também
foi um novo desafio para mim, diretamente conectado com o meu conceito de aprender
e buscar ser melhor a cada dia.
Por tudo isso, a falta de consciência de algumas pessoas em relação à atividade física me
deixa atônito. Não ter essa consciência é uma injustiça, quase uma desfeita com Deus,
que criou essa máquina tão fantástica que é o nosso corpo. Ele só pede que você faça o
serviço básico de manutenção.
Às vezes – e isso serve para muita gente que se exercita – fazemos atividades sem nem
bem saber para que servem. Em busca do melhor para mim, li muito a respeito. Faço
tantas atividades físicas que meus amigos médicos brincam que, quando precisam de
uma consulta nessa área, vêm me procurar. Por isso tomei a liberdade de compartilhar
com você algumas coisas que aprendi em décadas de estudos.”
(Abilio Diniz, no livro Novos caminhos, novas escolhas, Editora Objetiva, 2016.)
A priori, você pode alcançar esses objetivos através de uma infinidade de técnicas e tipos
de exercícios.
Esses subprodutos da atividade física não deveriam ser o foco principal de uma prática
corporal simplesmente porque essas são as partes mais fúteis e superficiais de um bom
treinamento.
Tudo o que nos é permitido saber sobre treinamento, que vira notícia, ajuda a vender
revista e pode ser mostrado em livros ou na TV, é o lado bonito desse cenário. O resto é
escondido para debaixo do tapete.
Esta frase define a dificuldade que encontrei em fazer este livro. Quando fui realizar
entrevistas com alguns ex-atletas, ao final, eles me pediram para não divulgar o conteúdo.
Como eles viviam um quadro grave de diversas lesões incapacitantes, não queriam expor
isso ao público.
Um deles resumiu bem esta questão: “Nuno, se eu falar isso em público, vou parecer um
tanto quanto decadente e inconsequente.” Ao que respondi: “Não veja dessa forma, expor
isso ao público vai ajudar muito as novas gerações a repensarem as suas escolhas. Você
entende a importância disso?”
Esta cultura narcisista em que vivemos não permite que haja uma transmissão mais
profunda e sincera do conhecimento, da experiência e da sabedoria dos mais velhos. Uma
cultura que não quer falar do fracasso leva a isso. Falar sobre os nossos tombos e
dificuldades é a maior riqueza que podemos transmitir aos mais novos.
Por que as maiores revistas do país, todo verão, colocam, na capa, a última moda de
treinamento (nos últimos tempos, os mais radicais e os mais danosos à nossa saúde), em
vez dos casos clínicos das milhares de pessoas que se lesionaram devido às formas de
treinamento indicadas no último verão? Isso ocorre porque grande parte da mídia está
alinhada ao mercado de consumo. Para ela, interessam as notícias que dão audiência e
ajudam a vender. Temos que nos lembrar de que a nossa sociedade é especialista em
esconder o lado sujo e feio da vida real que se desenrola lá fora. Isso colabora
imensamente para a manutenção da exploração, do abuso, da violência e da infelicidade.
Vamos sacudir a poeira! Vamos começar a expor e denunciar aquilo que se encontra
escondido por baixo do tapete. Só assim podemos avançar e transformar realmente o
mundo em que vivemos. Vejam só onde chegamos: falar a verdade é um ato de extrema
coragem.
5° PARADIGMA: REVOLUÇÃO NO
TREINAMENTO
Praticar atividade física exige esforço e força de vontade, certo? Isso depende do tipo de
atividade que você pratica.
Imagine uma atividade física que faça você despertar motivado e excitado, mesmo às seis
horas da manhã. O seu coração palpitante anseia, incontrolavelmente, por reviver esta
experiência tão gratificante e estimulante.
Na realidade, você está totalmente viciado nesta atividade, devido ao fato de ela ser
intensamente divertida. A dose de adrenalina produzida por tal experiência causa uma
dependência física.
Quem já foi surfista se identifica com o relato anterior. Eu mesmo já acordei às seis horas
da manhã e fui surfar em dias extremamente frios, no sul do país, em que o mar estava
absolutamente congelante. A partir desse relato, faço a seguinte pergunta: essa atividade
requer esforço ou força de vontade? Na realidade, mal posso me conter em relação à
expectativa de surfar novamente.
Então, como a ciência explica a dificuldade de aderirmos à atividade física? Ela defende
que os homens, assim como os animais, têm três estímulos básicos que o fazem se
movimentar: a comida, o sexo e a fuga de predadores.
O nosso corpo busca economizar energia. Sendo assim, uma atividade física que não
inclua os três estímulos citados anteriormente não seria algo natural ou instintivo aos
seres humanos. Isso explicaria porque fugimos dos exercícios. Porém, refletindo com
mais cuidado, onde a teoria falha?
O ser humano adulto também é carente de atividades lúdicas e prazerosas. Para a maioria
das pessoas, a única atividade divertida e relaxante disponível está ligada ao consumo de
bebidas alcoólicas e à vida noturna. Brincar é essencial ao ser humano, afinal, brincar é
celebrar a vida, é estar vivo da forma mais intensa e natural possível, é estar em “flow”, o
que permite voltar a se reconectar consigo mesmo e com o todo.
Além disso, o brincar, a descoberta do prazer em explorar o corpo e suas possibilidades,
traz um imenso ganho cognitivo. O que se traduz em mais concentração, inteligência,
foco, controle emocional, assertividade, entre outros. O exercício, assim, é o
conhecimento de si, uma exploração, como também um desenvolvimento da criatividade.
O exercício passa a não ser mais um recurso ligado a um prêmio futuro. O brincar já é o
objetivo e o prêmio em si. É assim que treinar pode vir a ser o momento mais divertido do
dia.
Nos dias atuais, crianças e adolescentes passam, em média, de oito a 12 horas por dia em
atividades estáticas, sentados em salas de aula, ou em atividades ligadas à televisão, ao
celular ou computador. Se não criamos um tipo de atividade corporal intensamente
divertida, equilibrada e interessante, que rivalize com o vício dos eletrônicos, o futuro da
humanidade está em risco. O nosso futuro será feito de pessoas cada vez mais obesas e
doentes.
Desenvolver alternativas de treinamento que sejam lúdicas e prazerosas pode ser uma
grande saída para este cenário alarmante, tanto para as crianças como para os adultos.
Sempre que vivemos uma experiência agradável e prazerosa, queremos repeti-la. No
entanto, sempre que vivenciamos algo desagradável e doloroso, tendemos a fugir desta
experiência, mesmo que de forma inconsciente.
Colocar o corpo em movimento através de uma atividade prazerosa deixa de ser uma
obrigação e passa a ser um momento de relaxamento e diversão.
11 COMO UMA CRIANÇA, QUE SE ENTREGA A UMA BRINCADEIRA SEM TER HORA PARA
ACABAR.
– Eu adoro.
Logo depois, o menino gritou bem alto para a sua irmã de sete anos, que estava ao lado.
O meu sonho é que, em um futuro não muito distante, o seu treinador, em vez de lhe
dizer “vamos treinar?”, que é entendido como “vamos sofrer?”, possa, sedutoramente, lhe
propor: “vamos brincar?”.
Essa disciplina no grito, austera e militarizada, é uma forma cruel de subjugar o indivíduo
e inibir sua própria identidade. Esse processo insensibiliza e embrutece o ser humano.
Precisamos nos unir em defesa de todos os animais que sofrem maus tratos. Eduardo
Moreira, nosso emérito aluno, que através do bestseller Encantadores de vidas faz um
depoimento contundente e apaixonado sobre nosso método de treinamento, realiza uma
nobre missão ao defender vigorosamente a doma humanizada para os cavalos por meio
do método de Monthy Roberts. O Dudu é, sem dúvida, o aluno que mais colaborou na
divulgação da nossa metodologia para novos públicos.
Não existe futuro para o treinamento chato ou com sofrimento. Essa frase pode ser
entendida de duas maneiras: como o anúncio de uma grande revolução no treinamento
ou como a constatação de que, caso não se desenvolva um mínimo sentido e prazer na
atividade corporal, ela se tornará uma forma não sustentável de treinamento.
A última novidade são as festas matinais em que as pessoas se encontram para dançar e
paquerar, em uma balada regada a suco e brunch, às sete horas da manhã. Assim, elas se
acabam de dançar e, depois, vão para o trabalho relaxadas e revigoradas. Vale tudo na
busca por mais sentido no treinamento e para fugir destes modelos mais radicais.
Não que eu seja contra o treinamento de alta intensidade. Aliás, ser a favor de uma coisa
não quer, necessariamente, dizer que você seja radicalmente contra outra. E isso precisa
estar bem claro.
Talvez você tenha ficado surpreso ao perceber que o treinamento moderado não equivale
a um risco moderado de lesões. Seria o mais previsível, não é? Por que isso ocorre?
Porque ele representa o ponto ótimo do treinamento, em que tudo atinge um nível de
otimização equilibrada e perfeita. Menos do que isso, pode ficar aquém do seu potencial
em relação à sua performance, mesmo que ajude imensamente a sua saúde, como no
caso de uma caminhada leve, de apenas 30 minutos. Lembrando que um treinamento
leve pode ser o ideal para alguns tipos físicos. Em geral, a maior dificuldade da população
é entender a diferença entre performance e saúde, coisas bem distintas.
Esta produção em série, típica do consumo, faz com que o corpo não seja mais uma
representação autêntica da própria identidade, mas se transforme, efetivamente, em uma
armadura de músculos que a encobre e asfixia.
Um corpo natural, que seja uma forma legítima de identidade, pode ser fruto da
experimentação de diversas práticas, como surf, kung fu, dança e natação, por exemplo. E
essa mistura aleatória de paixões e preferências transformam o corpo em uma perfeita
tradução do seu proprietário, permitindo um enorme repertório de sutilezas, variações e
qualidades corporais.
Outro dia, no parque, pude ouvir uma mulher comentar com sua amiga: “O meu personal
é ótimo! Ele é super rigoroso. Ele nunca me dá moleza, eu saio da aula quase morta.
Menina! Eu fico praticamente destruída depois da aula. No dia seguinte, parece que levei
uma surra! Parece que fui atropelada por um caminhão, eu mal consigo sair da cama!”
(risos). E ela continuava, empolgada: “Eu demoro de dois a três dias para me recuperar.
Mas está valendo a pena o sacrifício. Eu vou te indicar o meu personal, ele é maravilhoso!”
“O yoga tem suas origens na mesma época, retratando os exercícios ginásticos no livro
‘Yajur Veda’”. Porém, sem dúvida nenhuma, a Grécia foi a civilização que marcou e
desenvolveu a educação física através da sua cultura. Nomes como Sócrates, Platão,
Aristóteles e Hipócrates contribuíram muito para conceitualizar a educação física e a
pedagogia. É de Platão o conceito de equilíbrio entre corpo, mente e espírito. A derrota
militar da Grécia para Roma não impediu a invasão cultural grega na civilização
romana. Porém, “a atividade física volta a ser destinada apenas às práticas militares. A
célebre frase ‘Mens Sana in Corpore Sano’, de Juvenal, vem desse período romano.”
A influência da maioria das formas de ginástica e exercícios que perduram até os dias
de hoje começou a se desenvolver na Idade Contemporânea. “Quatro grandes escolas
foram as responsáveis por isso: a alemã, a nórdica, a francesa e a inglesa.”
Na própria cultura grega, já vemos uma divisão do treinamento físico que se mantém até
hoje: de um lado, o corpo bruto, rígido e militar dos espartanos, e do outro, um corpo
sensível, criativo e maleável, ligado à arte e à filosofia, da cidade de Atenas.
Você pode conferir mais sobre isso na chave a seguir com um trecho compilado de uma
dissertação de mestrado que analisa a história do treinamento corporal.
14 QUE TAL VIAJAR NO TEMPO E VOLTAR AO ANO DE 1862? COMO ERA O TREINAMENTO
NAQUELA ÉPOCA?
A vigorexia e a busca de um corpo forte e belo, por exemplo, é algo que está presente no
treinamento desde os primórdios da sua fundação. A diferença é que o grupo que se
atraía por este modelo era apenas uma ínfima minoria. Hoje, com a globalização e o
poder da divulgação em massa das mídias e da internet, esse modelo foi
institucionalizado, explorado comercialmente e se propagou em larga escala.
O MOSQUITO DA VIGOREXIA
Reforçando o conceito de integração do conhecimento, o livro mais importante para se
entender o treinamento físico, atualmente, não é um livro de treinamento, mas, sim, um
livro de antropologia chamado Nu e Vestido - Dez antropólogos revelam a cultura do
corpo carioca, organizado pela talentosa Mirian Goldenberg. Quando finalizei meu livro,
tive acesso ao seu conteúdo e percebi, perplexo, que ele complementava e aprofundava o
meu de uma forma mágica.
Este olhar antropológico destrincha com precisão cirúrgica o universo do culto ao corpo.
Essa autópsia comportamental é feita com sofisticação e detalhamento, como veremos
ao longo deste livro.
É comum dizer que as mulheres são obcecadas por ilusões de perfeição física e magreza,
mas, atualmente, é cada vez mais comum os homens padecerem do mesmo mal. Existe
um fenômeno entre os jovens, pouco discutido e pouco estudado, mas bastante visível: a
multiplicação exponencial de corpos bombados e malhados por metro quadrado, em
shoppings, academias e casas noturnas. Em uma idade em que o jovem é bastante
suscetível aos padrões sociais, um modelo de corpo cada dia mais exigente provoca todo
tipo de abuso e exagero.
É muito difícil frequentar uma academia e não ser mordido pelo mosquito da vigorexia em
algum nível, por mais sutil que ele seja. Como um volume de treinamento muito intenso
limita a energia e a disposição para outras tarefas, com o tempo, o vigoréxico abandona
uma vida social mais saudável e coloca todo o seu foco no treinamento. Este é o sintoma
mais grave de que algo está fora do controle.
Uma questão complicada neste distúrbio, assim como no caso da anorexia, é que o
paciente resiste imensamente em reconhecer que está vivendo uma distorção da
autoimagem, por mais avançado que já esteja este quadro.
Veja o depoimento de uma mulher com vigorexia: “Eu estava muito grande, igual a um
homem, estava tomando bomba direto... Hemogenin todo dia, Durateston e Testex
toda semana, e malhava feito louca, no mínimo, três horas por dia de domingo a
domingo. Me enchia de clara de ovo, tomava 280 claras toda semana, quarenta por
dia... Um dia, percebi meu estado. Estava enlouquecendo, só queria malhar, malhar e
malhar, não me preocupava mais com nada a não ser crescer. Só pensava no meu
corpo... Nenhum cara queria nada comigo, e eu não sou sapatão... Todos me olhavam,
porque eu chamava a atenção, mas era porque eu estava estranha, parecendo macho.
A gota d’água foi quando entrei no banheiro de um shopping e as garotas que estavam
lá dentro disseram que ali não era banheiro de homem... Acabaram chamando o
segurança... Ele veio e disse que era 'um absurdo travesti no shopping, ainda mais
querendo ir ao banheiro'. Depois disso, entrei em depressão, já estava percebendo que
alguma coisa não estava certa nessa história... Comecei a fazer terapia, análise, a me
cuidar, a tentar me organizar, meu corpo estava totalmente doido... Não menstruava,
sentia enjoo, não dormia, tive que tomar hormônio, só que, agora, feminino. Quase
morri, porque me dei conta de como estava estranha. Só conseguia me relacionar com
algumas pessoas da academia, meu mundo se resumia a essas paredes aqui, mais
nada.” (Beta, 28 anos, instrutora de musculação em depoimento ao livro Nu e Vestido.)
Não falo tudo isso como um outsider, eu mesmo fui mordido pelo mosquito da vigorexia
aos 20 anos de idade, e, mais tarde, frequentei a academia como professor particular por
vários anos. Conheço cada detalhe deste universo específico. Em 1986, eu acompanhava
com o meu pai o treinamento do Ayrton Senna, parte do treino era feito na academia
Training Club, como forma de complementar certas exigências de fortalecimento
específicas.
Nessa época, eu era muito tímido com as mulheres, e vislumbrei, no treinamento com
pesos, uma forma bem promissora de ficar muito forte rapidamente. Eu me apeguei a
isso e comecei a treinar com muita determinação e uma dedicação extrema por duas
horas diárias, seis vezes por semana, religiosamente.
Com o tempo, passei a colocar um foco imenso no treinamento. Eu sofria com uma
tensão e rigidez corporal crônica e não tinha energia para sair à noite. Vivi esse processo
de desequilíbrio e exagero durante um ano e meio. Primeiro, tive uma tendinite no ombro,
devido ao excesso de carga, e mais tarde, outra tendinite nos dois cotovelos. Esta
combinação entre excesso de carga e exercício localizado é extremamente perigosa. As
minhas articulações nunca mais foram as mesmas. Eu fiquei realmente muito forte, mas
este exagero, com o tempo, acabou se tornando uma leve depressão. Neste ponto,
acordei desta loucura toda, parei com a musculação com pesos e comecei a meditar e
reequilibrar a minha vida social, que tinha chegado a um limite perigoso. De qualquer
forma, nunca usei anabolizante e não cheguei a atingir um quadro mais grave de
vigorexia.
Analisando um pouco mais a fundo esta questão, podemos observar que toda
propaganda ou programa de televisão que torna glamouroso o modelo de corpo
bombado está, indiretamente, servindo de estímulo ao uso de anabolizantes.
A ex-Big Brother Maria Melilo é um bom exemplo disso. Ela confessou que, logo que foi
selecionada para o programa, voltou a tomar anabolizantes, como forma de se mostrar
mais forte, bonita e definida para as câmeras. Logo após ganhar o prêmio do BBB, ela
descobriu que sofria de câncer no fígado. Maria usou anabolizantes regularmente por sete
anos para conquistar um corpo sarado e definido, e devido ao tratamento do câncer, teve
que retirar 70% do fígado.
Não há limites seguros para o uso de anabolizantes, eles efetivamente podem custar a
sua vida. Todo marombeiro gosta de afirmar que, sabendo tomar, não existem riscos. Não
se engane, ficar muito forte em poucos meses é muito sedutor, mas se expor a este risco
extremo é uma insanidade.
Tomar anabolizante é uma roleta russa, é impossível prever quais serão os efeitos
colaterais para cada pessoa, especificamente. Tem fisiculturista que já toma há 20 anos e
não tem (ainda) grandes alterações, como também há pessoas que tomam apenas
poucas doses e sofrem graves complicações de saúde. A estratégia de criminalizar o seu
uso tem se mostrado uma péssima estratégia, em diversos sentidos. Além de fomentar
um mercado negro e dificultar o controle de qualidade do produto que está sendo usado,
em larga escala, este processo inviabilizou igualmente pesquisas mais concretas sobre o
assunto. Como o tema virou tabu, virou um crime, há muitas décadas não existem
condições para a pesquisa científica.
Esta foi a deixa para o crescimento dos argumentos favoráveis ao seu uso, defendendo
que não existem provas efetivas contra os anabolizantes. Assistimos, então, a uma
explosão e banalização do seu consumo, nas últimas décadas. A situação atual é
gravíssima.
Este processo passa, prioritariamente, por construir uma nova cultura e mentalidade
dentro do universo do fitness.
VIVENDO NA PRISÃO DA APARÊNCIA
Qual modelo de beleza é compartilhado pela maioria das pessoas? Qual modelo tem
realmente um poder de atração e sedução aos nossos pares?
A resposta para essa pergunta é apenas mais uma prova do quanto o consumo e a mídia
nos impedem de enxergarmos a realidade e o quanto ela é artificial e fabricada.
Quando perguntamos à imensa maioria dos homens qual o modelo de corpo que os atrai,
eles são enfáticos em realçar que preferem mulheres mais volumosas e cheias de curvas.
A maioria não é atraída por mulheres que sejam muito magras ou definidas. Muito menos
pelas modelos de magreza extrema que ilustram as revistas de moda. Isso soa um tanto
estranho, não é? Ao mesmo tempo, esse modelo hiper magro é o mais perseguido pela
maioria das mulheres.
Da mesma forma, quando perguntamos às mulheres qual o modelo de corpo que as atrai,
elas são igualmente enfáticas em afirmar: gostam de um corpo mais atlético, definido e
discreto, sem um volume muscular exagerado. Este modelo mais funcional e flexível se
assemelha ao corpo de um surfista, bailarino, ginasta ou um lutador de artes marciais. A
maioria não se sente atraída por corpos muito volumosos e rígidos. No entanto, por mais
estranho que possa parecer, esse modelo volumoso e bombado é o mais perseguido pela
maioria dos homens nas academias.
Em entrevista para o site do Dr. Drauzio Varella, o médico do Comitê Brasileiro Olímpico
Dr. Bernardino Santi revelou que, por meio de uma pesquisa, descobriu-se que 75% das
garotas entre 15 e 25 anos não gostam de rapazes muito musculosos. Ele disse: “Por
paradoxal que possa parecer, o rapaz procura ter um corpo bonito e se expõe a situações
de risco que, às vezes, não têm volta para conquistar garotas que não se interessam por
rapazes com musculatura excessivamente desenvolvida.”
Aliás, conversando com uma amiga durante um fim de semana na praia, tive um insight
sobre o que leva as mulheres a desenvolverem essa obsessão pela magreza. Ela
reclamava que precisava emagrecer bastante e eu discordei, argumentando que os
homens gostam de mulheres com curvas generosas.
Do meu ponto de vista, ela estava ótima, eu não entendia o porquê desta angústia sem
motivo. Ela estava lendo uma revista Vogue que havia trazido junto com duas outras
revistas de moda e disse: “Pôxa, acho que a gente fica vendo tanto estas modelos
magérrimas das revistas que, com o tempo, a gente assimila mentalmente este modelo.
Depois, fica difícil olhar no espelho e se achar magra.”
Na hora, passei a refletir sobre esta questão. Se isso acontece inconscientemente com
uma pessoa tão culta, madura e esclarecida como ela, imagine o que o modelo de beleza
não pode fazer a uma adolescente. E tal modelo rigoroso de magreza e definição
muscular surge de forma onipresente em todas as mídias.
Se você observar durante o carnaval, verá também um outro modelo de beleza artificial. A
moda das pernas extremamente volumosas e masculinizadas entre as mulheres. A
maioria das madrinhas de bateria acabam aderindo a esta nova “tendência”, e o resultado,
em alguns casos, chega a ser assustador. Uma perna torneada de forma natural pode ser
atraente, mas uma perna fabricada à custa de anabolizantes, pode ter o efeito contrário.
Será que as mulheres não se dão conta de que essa moda não corresponde à realidade?
De que aderiram a um modelo artificial de beleza? A fuga da realidade é um dos riscos
embutidos neste estímulo à vigorexia vivido nas academias.
19 ACHA QUE ESTOU EXAGERANDO? QUE TAL COMER APENAS TRÊS MAÇÃS AO DIA?
Ter uma boa reserva de gordura é tudo o que nossa saúde pede. Estar um pouco acima
do peso, de dois a quatro quilos, seria o cenário ideal para nossa saúde, beleza e
vitalidade. As mulheres, principalmente após os 40 anos, sentem uma enorme dificuldade
em perder peso. O organismo busca a qualquer custo economizar energia e armazenar
gordura, já que isso irá protegê-lo da osteoporose. Depois dos 40 anos, ter um baixo
índice de gordura é fatal aos ossos, pele, músculos e à beleza, de forma geral.
A magreza extrema voluntária vai contra a saúde e a beleza em todos os sentidos. Quem
cai neste “conto do vigário”, acreditando num modelo artificial, está apenas sendo
conduzido de forma cega e obediente ao que lhe impõe o mercado de consumo. Segue
pela vida feito boiada, obedecendo ao que lhe mandam fazer e abdicando da sua própria
identidade. Essa “idiotização” causada pelo consumo é um dos mais graves sintomas da
nossa sociedade.
Pergunto-me quando nos daremos conta de que o bacana não é seguir o que está na
moda. O bacana é ter identidade.
Outro dia, fui a uma festa bastante chique, estilo “high society”. Chegando lá, fiquei um
pouco assustado. Todas as mulheres pareciam iguais, com o cabelo loiro, comprido,
alisado e perfeito. Todas usavam o mesmo tipo de roupa, bolsa e “vestiam” também o
mesmo modelo de corpo, extremamente definido e malhado. Saí correndo de lá, na
mesma hora.
“Em um mundo onde a beleza padrão standart, uniformizada e sempre igual é seguida de
forma obediente por toda a população, não serão, exatamente, as nossas diferenças e
imperfeições que nos tornarão pessoas únicas e interessantes?” (Revista Vida Simples, n.
160.)
(Neale Walsch)
Não deixe que ninguém lhe diga o que vestir, o que fazer, o que pensar. Não se prenda ao
que é superficial e aparente. Desacorrente-se desses grilhões. Chega de padrões, chega
de prisões!
(Goethe)
AO SEDENTARISMO ESTÍMULO
O universo do treinamento é feito de estratégias motivacionais vazias. Um dos
argumentos é a saúde, algo que tem pouca repercussão e resultado efetivo na psique
humana.
Como funciona isso? Na realidade, dizer a uma pessoa que ela precisa se exercitar porque
tem que se preocupar com a sua saúde, tem um efeito motivacional bastante limitado.
Efetivamente, o ser humano só se preocupa com a sua saúde, de forma séria, quando a
situação já é muito grave ou depois de levar um susto. Como sei disso? Já tive muitos
alunos que me procuraram só depois de um ataque cardíaco ou de outros episódios
agudos. É o que eu chamo de efeito “água no pescoço”.
Empresários, que até um dia antes não davam a mínima para a própria saúde, costumam
mudar radicalmente depois de uma situação extrema, que os coloca diante da iminência
da morte.
Outros dois focos motivacionais da indústria do fitness mais atrapalham do que ajudam,
de forma efetiva, a combater o sedentarismo. São eles: a estética e a perda de peso. Ao
investir nestes subprodutos da atividade física, bastante superficiais e narcisistas, esses
argumentos associam e transformam, automaticamente, a própria atividade física em
algo superficial, em uma obrigação; ou seja, em algo chato e necessário que precisamos
fazer para atingirmos certos resultados.
Transformar a atividade física em uma pílula ruim, que deve ser tomada para termos
saúde, beleza e magreza, alimenta o sedentarismo e colabora com ele.
Como a indústria do fitness transformou a atividade física em uma pílula intragável para a
grande maioria da população por meio do treinamento com sofrimento,
automaticamente ela se transformou em uma aliada do sedentarismo, por mais
paradoxal que isso possa parecer.
A moda do uso de substâncias estimulantes, como a cafeína, também colabora para este
quadro. Até o próprio resultado do treinamento se torna uma grande fonte de angústia.
Você percebe que é possível identificar dezenas de correlações e associações entre essas
diversas indústrias do corpo? Estes pensamentos, de forma circular, retornam para o
mesmo ponto, e assim seguem. Por exemplo, a indústria do fitness e a indústria dos
emagrecedores são, atualmente, um dos grandes obstáculos no combate à obesidade.
Exatamente porque uma grande parte dessas duas indústrias só estão interessadas em
métodos de curto prazo e resultados rápidos e superficiais. Sendo assim, estimulam e
levam os alunos a seguirem uma receita que está fadada ao insucesso, para a imensa
maioria das pessoas, através de formas radicais de dieta e de treinamento.
A comunidade científica ainda não se deu conta disso, mas a indústria do corpo – da qual
fazem parte a indústria do fitness, do emagrecimento, dos suplementos, das clínicas de
estética, da moda, dos medicamentos, entre outras – é responsável, somando todo o seu
amplo espectro e abrangência, por uma grave questão de saúde pública. Como chegamos
a essa conclusão?
O intuito e a motivação das minhas críticas e análises não são de destruir a indústria do
fitness. Pelo contrário, eu quero salvá-la do ponto cego, do buraco em que ela se
encontra. Esse olhar externo e as informações e análises que desenvolvo aqui são críticas
e reflexões necessárias. Serão inestimáveis e valiosas para ajudar as academias a
repensarem o seu papel.
CORPORAL?
A OBRIGAÇÃO MATA O PRAZER
“Tenho dificuldade em perder peso, há muitos anos. Outro dia, fui fazer uma consulta ao
médico e, ao final, ele me disse: 'O ideal seria você comprar uma esteira. É muito mais
prático. Recomendo que você treine todos os dias. Eu também não gosto, é um sacrifício,
eu sei que é muito chato fazer atividade física, mas é necessário. Eu entro na esteira
xingando e saio chorando.' (risos)"
Já reparou como algo tão prazeroso quanto o sexo pode ficar sem graça, caso o vejamos
como uma obrigação?
Por exemplo: quando um casal está determinado a engravidar, esse processo passa a ser
algo menos natural e intuitivo, vamos dizer assim, e passa a ter uma hora marcada para
acontecer. Caso a dificuldade em engravidar se estenda por um longo período, mesmo
algo tão prazeroso como o sexo pode assumir contornos mais rígidos e tensos. Pronto!
Algo que poderia ser imensamente prazeroso e natural, passou a ser uma obrigação.
Se o sentido de obrigatoriedade faz isso com o sexo, imagine o que ele pode fazer com a
atividade física. Uma das explicações do porquê de muitas pessoas não desenvolverem
uma relação de prazer com a atividade física passa pelo simples fato de que elas a
concebem e a entendem como uma forma de obrigação.
Uma coisa é você ir ao parque porque precisa cuidar da sua saúde ou ficar mais magro e
bonito, ou seja, você se vê obrigado a realizar essa tarefa chata; aí, o tempo não vai passar
e você vai ficar completamente entediado. Outra coisa é você ir ao parque pensando na
caminhada como uma forma de terapia, como uma chance única de estar consigo
mesmo, algo tão raro e tão necessário em nossa rotina. A atividade passa a ser algo muito
especial e prazeroso, um espaço só seu de silêncio e contemplação. Você pode pensar
nesse momento como uma forma de expressão da sua criatividade e potência.
Isso vai nos trazer mais insights e soluções aos nossos problemas e questões do dia a dia.
Caminhar é a melhor forma de pensar.
Outra forma de curtir este passeio é usar a caminhada para estar realmente vivendo o
momento presente, curtindo as árvores, os pássaros e toda esta interação maravilhosa
com a natureza. Na cidade, nos tornamos imensamente carentes dessa interação tão vital
e necessária à nossa saúde física e mental. Você também pode curtir o sol batendo em
sua pele, o que é vital à sua saúde e imunidade. Pronto! De repente, apenas uma simples
caminhada se tornou uma forma de transcendência, um momento mágico e prazeroso.
Viver é sintonia! Em qual destas duas rádios você quer sintonizar: a do esforço ou a
do prazer?
Você se lembra do que o Tio Patinhas fazia quando estava com problemas? Ele ficava
caminhando em círculos até resolvê-los. Eu tenho uma experiência muito forte com
relação a isso. Algumas vezes, em minha vida, eu me vi diante de situações-limite e
dolorosas. Lembro-me de uma vez quando, aos 18 anos, eu sofria imensamente com uma
situação complexa vivida com minha namorada. Naquele dia, andei por duas horas
seguidas, ao fim das quais eu estava muito mais lúcido, apaziguado e tranquilo. E, ainda
por cima, tinha conseguido resolver toda aquela problemática em minha cabeça.
Por isso, não raro, vemos algumas pessoas com transtornos mentais andarem por horas
ou até dias seguidos. Elas encontram no caminhar uma forma de apaziguar a dor e a
angústia que vivem internamente. Dizem que Nietzsche, por exemplo, formulou todas as
suas teorias durante as suas famosas caminhadas pelas montanhas. Na Escola
peripatética, de Aristóteles, havia uma regra estabelecida de que só era permitido filosofar
durante as caminhadas feitas em grupo.
(Nietzsche)
Em nosso método, vivemos a atividade física e o cuidado de si, não como uma obrigação
ou um esforço, mas, sim, saboreando cada experiência e descoberta vividas através do
corpo.
Lembre-se:
É a tal da chavinha mental que sempre digo: a obrigação e o esforço nos vitimizam, nos
tornam reféns das situações. Já o prazer nos liberta. Podemos tomar a vida em nossas
mãos, assumirmos a responsabilidade pela nossa felicidade, passar a viver através de
outro entendimento da vida e daquilo que fazemos.
Esse processo resgata e reforça a nossa própria identidade. Sendo assim, prosperidade,
sucesso e saúde tornam-se apenas uma consequência natural dessa identidade e não
mais um fim em si mesmo. Viver volta a fazer sentido porque torna-se algo vivo e
prazeroso.
Veja as crianças, por exemplo, por que elas são tão felizes, vivas, potentes e criativas?
Porque vivem através da lógica da brincadeira, da diversão. Porque não estão
preocupadas com o resultado daquilo que fazem; estão inteiras e presentes em tudo o
que realizam.
Podemos trabalhar apenas para ganhar dinheiro, ou podemos viver o trabalho como
forma de expressão da nossa identidade e criatividade.
“MEU MAIOR PRAZER ESTÁ NO TRABALHO QUE ANTECEDE O QUE O MUNDO CHAMA
DE SUCESSO.”
(Thomas Edison)
Pense no que significa realizar algo com prazer ou sem prazer. Por exemplo, um vendedor
ambulante pode ser apenas um vendedor, ou ele pode ser o Sílvio Santos.
Não seja um “funcionário público” da vida (no sentido pejorativo dessa expressão).
Encontre prazer em tudo o que você faz.
MERCADO DA AUTOAJUDA?
O corredor elogiado se inflou, orgulhoso pelo seu feito, e seguiu com certo ar de
superioridade. A situação foi tão caricata que o terceiro corredor, mais velho e experiente,
até debochou:
– Caramba, você é bom mesmo, hein? Você é o cara! A gente vai ter que chamar o Usain
Bolt para bater o seu recorde.
Todos riram. Mas só a partir desse momento se deram conta do quão infantil era aquela
situação.
Esse modelo social de sucesso baseado na competição transforma o ser humano adulto
em uma pequena criança, extremamente dependente do olhar e da valorização do outro
para se sentir inteiro e bem-sucedido. O que poucos sabem é que este processo pode
servir de combustível para a angústia e a infelicidade.
Quando vamos acordar para o fato de que o bacana não é “ser melhor que o outro”? Eu
diria que o bacana é “ser melhor com o outro”. Existe um abismo entre esses dois
extremos.
O meu conselho é: deixe a competição apenas para os atletas. Aí sim, ela fará sentido,
porque, afinal, os esportes deveriam ser, acima de tudo, uma brincadeira, uma diversão.
Pelo menos esta é a sua origem. Você pode perceber que até a expressão “vamos levar na
esportiva!” é usada quando queremos levar uma coisa na brincadeira, embora esse
conceito não descreva mais a realidade do esporte, atualmente.
Esta lógica da competição invade todos os setores da nossa vida: o trabalho, a família, os
relacionamentos e a própria educação. Tudo se transforma em uma constante luta pelo
poder e pela afirmação do mais forte perante o mais fraco. Ou, simplesmente, numa
competição para saber quem tem razão ou quem pode mais. Veja o trânsito, um belo
exemplo do modelo atual de relacionamento: em vez de vermos gentileza e respeito pelo
outro, vemos esperteza e valorização dos próprios interesses, acima de tudo. O trânsito
se torna uma briga por oportunidade e espaço. E, assim como a competição e a lei do
mais forte não caem bem no trânsito, elas não fazem bem à nossa vida, de um modo
geral.
Diga, sinceramente, qual o valor moral e espiritual de subir na vida pisando nas outras
pessoas? O que é o modelo atual de treinamento físico, se não a lei do mais forte
esmagando e discriminando os mais fracos?
Na educação dos filhos também existe essa disputa por poder. Um dos aspectos básicos
dessa educação é a forma como está estabelecida: uma constante luta pelo poder, em
que o patriarca (na figura do pai, da mãe, ou ambos) impõe-se à força, oprimindo,
castigando e reprimindo a autenticidade e a identidade dos pequenos.
Quando vale a lei do mais forte, a competição surge como forma ideal de perpetuação
deste modelo, um modo de condicionamento e formatação do indivíduo nesta lógica da
sociedade de consumo.
A meritocracia sempre existirá e é positiva; o que não é positivo é este culto à competição
de uma forma obsessiva.
É isso que nos ensinam desde criança; essa doutrinação fica marcada em nosso hardware
de forma que não conseguimos removê-la com tanta facilidade. Depois que crescemos,
temos que passar a vida inteira tentando reaprender quem somos e qual é o sentido da
vida, por meio de terapia, meditação e busca de autoconhecimento.
Aos cinco anos, minha filha fez uma observação curiosa. Ela me disse, no auge de sua
sabedoria infantil: “Papai, competir não é muito legal, né? Uma pessoa fica feliz, mas a
outra fica triste”.
Você pode não se dar conta disso, mas esses conceitos estimulando a competição e o
sucesso como a fórmula da felicidade estão ocultos de forma subliminar em tudo o que
você consome ou assiste. Eles estão presentes a todo momento e lhe cercam por todos
os lados. A própria cultura, por meio do que nos dizem os nossos pais e amigos, reforça
tais conceitos com frequência.
A solidão entristece o animal humano. Fomos feitos para viver em pequenas tribos,
convivendo e compartilhando experiências, dificuldades e pequenas felicidades. A solitude
voluntária é positiva, assim como desconectar-se do caos e redescobrir o silêncio e a
natureza. Porém, isso não implica em isolamento e solidão.
“Se, em 1950, quatro milhões de americanos viviam sós, hoje já são mais de 30 milhões.
Nas grandes cidades, a tendência é muito mais acentuada – mais da metade da ilha de
Manhattan (...) tem moradias com apenas um habitante. O instituto Euromonitor
identificou, entre 1996 e 2006, um aumento de 33% das pessoas que vivem sós e projetou,
para 2020, um crescimento do índice em adicionais 20%.” (Folha de S.Paulo, 30 de janeiro
de 2016.)
Será que esse isolamento está fazendo bem a todos nós? Veja um vídeo com as
conclusões do mais longo estudo feito sobre saúde e felicidade, que já dura 75 anos.
Procure no Google por “Robert Waldinger: do que é feita a vida boa?”.
OS CAMPEÕES
Eu já conheci diversos campeões do esporte e posso afirmar que muitos deles, vistos de
perto, não possuem tantas qualidades quanto idealizamos. Pelo contrário, são tensos,
obsessivos, egocêntricos e narcisistas, entre diversas outras qualidades menores em um
ser humano. A falta de sabedoria, cultura e experiência de vida, então, podem ser
gritantes em alguns.
Como eles crescem em uma redoma, vivendo e respirando o seu esporte, eles pouco
leem ou têm acesso à vida real que se desenrola lá fora. A dedicação ao esporte de
competição consome toda a energia, o foco e o tempo de um atleta.
Você pode argumentar que, ao menos, eles ficam milionários, fazem sucesso e muitos
deles se casam com as mulheres (ou homens) mais lindas(os) do mundo (beleza não é
tudo). Mas, será que isso representa, realmente, sucesso e felicidade?
A fama pode se tornar o pior pesadelo de alguém. Se o nosso ego normalmente já nos
traz inúmeros problemas, imagine o que significa ter esse ego inflado ao máximo? Fora
inúmeros outros inconvenientes e desequilíbrios causados pelo sucesso.
Quer um exemplo? Certa vez, fui a um restaurante com uma pessoa extremamente
famosa. Assim que entramos, todo mundo passou a olhar insistente e obsessivamente
para ele o tempo todo. Essa sensação se tornou muito constrangedora e bastante
incômoda. A cada cinco minutos, alguém se aproximava para lhe pedir um autógrafo e
uma foto, e ele, então, tinha que ser simpático e sorrir. Tente imaginar isso acontecendo
com você e, então, entenderá o quanto pode ser um pesadelo bastante assustador.
“EU TROCARIA A MINHA VOZ, MEU TALENTO E TUDO O MAIS QUE CONQUISTEI,
APENAS PELA POSSIBILIDADE DE PODER CAMINHAR PELA RUA, TRANQUILA, SEM SER
PERSEGUIDA POR FÃS E PAPARAZZI.”
(Amy Winehouse)
Ser famoso é, de certa forma, deixar de ser humano e passar a viver em um limbo surreal.
Você se transforma em um tipo de mercadoria rara exposta em uma vitrine, ou num
animal exótico exposto em um zoológico. Você não tem mais certeza de quem são seus
verdadeiros amigos e quem são os bajuladores. Para muitos, pode ser difícil saber se o
cônjuge lhe ama, de verdade, ou ama mais o seu dinheiro, o poder ou a representação
que você tem no mundo.
Para as pessoas que colocam o sucesso e o dinheiro como principal foco de vida, o
resultado final, ao alcançar todos os seus sonhos e objetivos, pode ser uma tremenda
crise existencial. Essas pessoas irão, automaticamente, perder aquilo que lhes servia de
norte e motivação.
Foi exatamente isso que ocorreu com um aluno meu, que ficou bilionário aos 40 anos. Ele
acelerou tanto o processo, viveu tamanho stress, que passou os dez anos seguintes
completamente desnorteado, em profunda depressão. Da mesma forma, sucesso
esportivo não é sinônimo de felicidade. Veja o caso de Michael Phelps, o maior atleta
olímpico de todos os tempos, com 23 medalhas de ouro. Ao se afastar das competições,
em 2012, ele teve problemas com álcool e viveu uma profunda depressão. O vazio
existencial vivido por um atleta ao se aposentar, ou mesmo durante o período ativo, pode
ser brutal.
Ser atleta também exige o uso de máscaras, muros e distanciamentos que, por fim, os
afastam de sua verdadeira identidade. Com o tempo, isso pode construir um “buraco na
alma”, devido a esta identidade e à autenticidade perdidas.
O piloto Fernando Alonso, certa vez, deu uma entrevista dizendo que precisava ser ator
para sobreviver ao universo do qual fazia parte. “Sempre haverá situações em que você
vai ter que fingir. Então, definitivamente, você precisa ter as qualidades de um ator. E
também uma boa quantidade de egoísmo.” (Site oficial da Fórmula 1)
Sem dúvidas, praticar um esporte é apaixonante. Treina qualidades como disciplina, foco,
força de vontade, controle emocional e muitas outras. Esse lado bom é o que faz a
competição ser algo tão predominante no mundo. Poder experimentar a sensação de
vitória e conquista, de finalmente provar a si mesmo e aos outros o seu próprio valor, é o
que move a humanidade.
Para nós, que estamos inseridos nesse contexto, é quase impossível imaginar um mundo
com mais colaboração, mais parceria e amorosidade. Um mundo que valorizasse menos
o egocentrismo e o narcisismo, em que não houvesse o culto ao campeão, ao famoso, ao
milionário, enfim, ao homem bem-sucedido como ideal de felicidade.
Viver para o trabalho e ser um milionário pode ter um custo muito alto para a sua saúde
corporal, mental e espiritual.
Lembrei-me de uma música da Nina Simone chamada “Stars” e que diz mais ou menos
assim, na minha livre tradução e interpretação:
Quais são esses pilares? Podemos citar: equilíbrio pessoal, realização, autoconhecimento,
espiritualidade, amizade, amor, altruísmo e simplicidade. Estes deveriam ser o grande
foco de quem almeja uma felicidade realmente duradoura, mais sentido e plenitude em
sua existência.
Caso você invista nestes tópicos primordiais, a busca pela felicidade vai lhe parecer a
coisa mais insignificante que existe, pois você já terá o mais importante, aquilo que
precede a felicidade. Você terá sabedoria. Estes pilares essenciais geram uma quantidade
enorme de subprodutos, como gratidão, satisfação, presença, desapego, compaixão,
empatia, tolerância, fluidez, gentileza, resiliência, não-reatividade e muitos outros.
É totalmente ignorada e desestimulada pelo sistema em que vivemos, que ocupa todo o
nosso foco, nossa atenção e o nosso tempo produtivo exatamente na direção oposta: no
culto à personalidade (aos famosos), à superficialidade, ao consumo e ao narcisismo. No
culto ao ego, à vaidade, ao vencedor. No culto à competição e ao individualismo.
Pensando que a imensa maioria da população segue, diariamente, na contramão do que
seria uma vida realmente plena e com sentido, não me parece nada estranho que o
mundo sofra uma crise aguda de ansiedade, infelicidade e depressão.
Trata-se apenas de uma lei natural: nós colhemos aquilo que plantamos; ou seja, a nossa
vida é consequência direta da forma como vivemos.
O autoconhecimento e a busca pela felicidade não devem ser um processo artificial, não
devem seguir nenhuma metodologia e esquematização racional externa a nós mesmos.
Este processo não pode ser formatado, massificado e padronizado.
Desculpem-me, mas a fórmula da felicidade não pode ser resumida em 12 passos, como
gostam de dizer os norte-americanos ou a mais nova ciência da felicidade. Acho ótimo
que o tema felicidade seja uma febre entre os pesquisadores, e que a psicologia social
tenha chegado a conclusões importantes e essenciais que alicerçam o conhecimento. Mas
transformar as conclusões deste estudo em um método de autoajuda não faz muito
sentido. O grande equívoco está exatamente em pegar os subprodutos decorrentes da
sabedoria e da espiritualidade, como gratidão, conexão, sentido, compaixão e outros, e
transformá-los em exercícios práticos, em uma meta final no caminho da felicidade ao
alcance de todos.
Abreviando o caminho, poderíamos concluir, a partir de uma pesquisa que mostrou que o
mais alto grau de felicidade já medido cientificamente foi em um monge budista, que a
busca de espiritualidade é totalmente determinante neste processo de acalmar a mente.
A felicidade é, antes de tudo, um estado de espírito.
A minha intenção com este texto é expor mais um ideal fixado em nossa mente pelo
marketing de consumo. O ideal da felicidade é apenas mais um engodo a que estamos
expostos, causando ainda mais angústia e nublando a nossa capacidade de entender e ver
a realidade.
Proponho que a pausa e o equilíbrio mental estejam inseridos em nosso dia a dia por
meio de práticas divertidas e transcendentes; práticas corporais que levem à meditação
ativa, uma forma mais lúdica e acessível de meditação.
Nós somos fruto do nosso estilo de vida, daquilo que fazemos diariamente. Sendo assim,
ao inserirmos em nossa vida os elementos essenciais ao nosso equilíbrio corporal, mental
e emocional, resgatamos o equilíbrio pessoal e, assim, podemos ser uma influência
positiva à nossa comunidade e às pessoas que nos cercam. O mundo retribuirá em dobro
tudo o que você enviar. Sendo assim, preste atenção na informação que você está
mandando.
Podemos assumir a responsabilidade pela nossa vida, afinal, tudo acontece a partir de
nós mesmos. O que ocorre externamente é apenas um reflexo do que somos
internamente.
Esqueça qualquer fórmula da felicidade. A verdade é que você não precisa de muita coisa
para ser feliz, ao contrário do que diz a indústria do consumo.
Cada um precisa descobrir como ser feliz à sua maneira. Existem pessoas que são felizes
apenas através da compaixão e da doação, outras são felizes cantando, outras sendo
atletas profissionais, outras vivendo com quase nada, outras são felizes trabalhando e
realizando os seus sonhos. Efetivamente, não existe uma receita de bolo, porque ser feliz
é apenas ser inteiro. É apenas redescobrir o seu propósito, sua identidade e sua
integridade. Saber que você já é perfeito em toda a sua imperfeição.
“Eu não gosto de correr na esteira, prefiro correr ao ar livre. O tempo na esteira é
diferente do tempo no mundo real. A esteira é uma fenda no tempo. Quando você acha
que já correu 30 minutos, você olha no relógio e se passou apenas um minuto e meio.”
(Fabio Porchat)
Quando penso em sentido e propósito, sempre me lembro de uma cena. Certa noite,
acompanhando um aluno em uma academia, notei que a noite estava linda lá fora. No
entanto, uma cena surreal se desenrolava à minha frente. Alinhados, um ao lado do outro,
20 pessoas corriam, freneticamente, em 20 esteiras. Nesse momento, eu me dei conta de
que a esteira é uma boa simbologia da nossa sociedade: as pessoas estão correndo,
correndo apressadamente, e não chegam a lugar algum. Aprofundando um pouco mais,
uma imagem ainda melhor para definirmos a nossa sociedade seria a de um ratinho
preso em uma gaiola correndo em uma esteira em forma de roda.
No entanto, quando você se conecta com seu talento, sua identidade e sua criatividade,
você começa a sonhar. E este sonho passa a alimentar sua vida de forma poderosa e
vibrante.
Antes de encontrar meu propósito, era como se eu estivesse passeando pela vida, dando
voltas por aí sem um rumo definido. A partir do momento em que comecei a viver minha
missão, meu sonho, saber se eu teria sucesso ou seria reconhecido passou a ser o menos
importante.
Quando isso acontece, não existe desânimo, fraqueza ou preguiça. Ao contrário, ocorre
um vulcão de energia que ninguém é capaz de apagar. A partir daí, você se torna
incansável, invencível e inabalável. Neste processo, você terá descoberto a sua essência, a
sua verdade e o seu poder, e estará se nutrindo com uma fonte inesgotável de vida e
amor. Felicidade e abundância passam a ser apenas uma consequência natural deste
alinhamento com a sua criatividade e seu poder. Em busca do seu propósito, a pergunta a
se fazer é muito simples: como posso usar meu talento e conhecimento para transformar
o mundo em um lugar melhor?
Não precisa ser algo grandioso, afinal, são nas menores coisas que mostramos a nossa
grandeza. É no micro que se constrói o macro. Se cada um de nós for amoroso e gentil em
sua pequena comunidade, em seu núcleo familiar, nós acabamos de mudar o mundo.
Quando o “nosso” passa a ser tão importante quanto o “meu”, você terá encontrado o seu
caminho. Porém, encontrar seu propósito não pode ser mais uma pressão e exigência.
Este processo depende de uma maturação e pode demorar. Eu só encontrei o meu,
verdadeiramente, aos 49 anos. Você o está segurando nas mãos, neste exato momento.
Não fique aflito, vá seguindo sua vida, cuidando do seu equilíbrio e, no momento certo, o
seu propósito virá ao seu encontro. Pelo menos, foi assim que aconteceu comigo (risos).
Acho que me distraí e já estava lhe passando uma fórmula pronta, quando, na verdade,
isso pode não servir a você.
Atualmente, existe uma quantidade cada vez maior de pessoas que já estão conscientes,
porém, poucas estão despertas. Estar desperto acontece quando você traz tudo aquilo
que já sabe para a sua vida diária. Em vez de imaginar e idealizar que, certo dia, em um
tempo futuro, você irá acordar desperto e transformado, assim como um milagre, você
começa a praticar e percorrer este caminho de mudança e transformação, de forma
gradativa, em sua vida real. Amar ao próximo é um bom exemplo. Todo mundo está
cansado de ouvir esta lei espiritual, porém, quantas pessoas trazem amor e gentileza, de
forma profunda, para as suas relações ou para tudo aquilo que fazem?
Porém, há um prerrequisito para que essa lei seja mais potente, uma outra lei que a
precede: amar a si mesmo.
No fim, a nossa felicidade pode se resumir a estas duas leis, amar a si mesmo e amar ao
outro. Ao vivê-las e aplicá-las, em toda sua profundidade, você trará plenitude, propósito e
sentido à sua vida.
“Não se deixe levar pela ganância, por objetivos menores, que não levem em consideração
o todo, que não defendam os interesses dos outros além dos seus próprios, que não
pensem no coletivo. Enfim, não deixe que a sua vida seja uma vida merda...” (Definição
dada por Oscar Niemeyer, aos 90 anos. A vantagem é que, nessa idade, podemos ser mais
diretos e sinceros. Fonte: Revista Trip, n. 258.)
O DONO DA VOZ
Nós mesmos criamos e alimentamos nossos maiores problemas. Eles são uma extensão
da nossa personalidade, nosso modo de ser e de pensar. Sendo assim, se quisermos
resolver os nossos problemas, devemos falar com o verdadeiro criador dessas angústias:
nós mesmos.
O treinamento físico atual só atinge a superfície do corpo. Este sistema não se importa
com aquilo que não é aparente. Não existe mergulho, e assim, evita-se olhar para si
mesmo ou para aquilo que nos limita e enclausura; o que pode, devido a este acúmulo de
disfarces, mentiras e autoenganos, tornar-se uma crise de sentido e identidade. Como as
pessoas costumam esconder seus conflitos debaixo do tapete e evitam se aprofundar em
relação ao autoconhecimento, a qualquer custo, isso pode resultar em um processo
depressivo.
(Renato Russo)
Uma crise pessoal em relação a si, às suas próprias crenças e seus valores é um dos
fatores que desencadeiam a depressão. No entanto, essa crise pode ser nossa maior
aliada, por isso deve ser vivida e entendida em toda a sua profundidade. É a nossa maior
oportunidade para rompermos velhos padrões e nos reinventarmos. Significa que
chegamos ao fundo do poço, e que podemos bater o pé no fundo e voltar a subir.
Quando nos relacionamos com uma crise de forma superficial, ela pode se transformar
em uma depressão. Quando nos relacionamos com uma depressão de maneira
superficial, apenas tomando medicamentos que, na realidade, nos dopam, nos
anestesiam e nos acomodam em um limbo existencial, estamos apenas mantendo e
criando uma nova zona de conforto, por mais desconfortável que ela seja. Como você já
deve ter notado, remediar nunca é um boa solução.
Hoje em dia, neste mundo de aparências em que vivemos, as pessoas não precisam mais
“ser” (imaginando que isso represente uma forma autêntica de identidade), apenas
“parecer” já serve. Devido às técnicas de construção de imagem manipuladas pela mídia,
de forma mágica, as pessoas podem se transformar, aos olhos do grande público, em
algo que elas não são. Tudo é uma grande maquiagem neste universo do “make up
yourself”.
É isso mesmo. Caso você reflita com mais cuidado, verá que vivemos em um mundo de
mentira, um mundo criado e fabricado pelo marketing e que serve aos interesses das
grandes corporações e seus lobbies bilionários. Como o universo do consumo vive de
vendas, tudo é pensado cuidadosamente, através de uma ciência própria, para ser mais
comercial. Tudo segue uma fórmula preestabelecida, o que resulta em produtos
uniformes e pasteurizados.
Veja a maioria das músicas, dos livros, ídolos, atores, filmes e tudo mais que se encontra à
venda, e você poderá confirmar esta realidade. Os produtos são minuciosamente
pensados para agradar. Acompanhando este modelo, as redes sociais também se tornam
um mundo fabricado, em que as pessoas estão em busca de “likes”, de admiração,
mostram só aquilo que querem mostrar. Aliás, já pensou qual o custo que você paga por
corresponder às expectativas de todos e ter sempre que agradar a todo mundo? Acertou
quem disse: a anulação da própria identidade, criatividade e poder. A admiração é a droga
mais poderosa e mais consumida, atualmente. Basta observar as redes sociais. Consuma
com moderação!
Mas, então, como fugir desse mundo de mentiras e autoenganos? Um passo importante é
aprender a ser você mesmo, não se trair, não se vender. Isso requer muita coragem, por
incrível que pareça. Poucas pessoas resistem à sedução do dinheiro e de seus caminhos
aparentemente fáceis. Seguir por um caminho fácil, mesmo que ele vá contra o que
você acredita, significa, na verdade, errar o caminho.
“SE VOCÊ QUER PEGAR UM PEIXINHO, PODE FICAR EM ÁGUAS RASAS. MAS SE QUER
UM PEIXE GRANDE, TERÁ QUE ENTRAR EM ÁGUAS PROFUNDAS. QUANTO MAIS VOCÊ
EXPANDE A SUA CONSCIÊNCIA E ATENÇÃO, MAIS FUNDO É O SEU MERGULHO NA
DIREÇÃO DESSA FONTE. MEUS 33 ANOS DE PRÁTICA DE MEDITAÇÃO TÊM SIDO
FUNDAMENTAIS PARA O MEU TRABALHO COM FILMES E PARA TODAS AS ÁREAS DA
MINHA VIDA.”
(David Lynch)
6° PARADIGMA: AMBIÇÃO SEM LIMITES
Você acredita que desafiar a si mesmo no treinamento seja positivo?
Pense com calma, procure analisar esta questão por outro ângulo. Como tudo na vida,
existe o outro lado desta moeda; ou seja, desafiar-se constantemente pode ter um efeito
colateral. Vamos seguir com cuidado este raciocínio.
O perigo, nesse processo, é não saber a hora de parar. Quando nos apoiamos apenas
sobre um ponto de sustentação em nossas vidas, criamos um enorme desequilíbrio, já
que acabamos dando pouca atenção aos outros pontos igualmente essenciais.
No entanto, este conceito pode ser de fato positivo caso seja utilizada outra estratégia.
Como seria isso?
Por exemplo, a partir do momento em que você já tem um corpo bonito e bastante
musculoso, você poderia parar de criar desafios em relação ao crescimento muscular e
entrar apenas em um processo de manutenção desta massa muscular já construída. Isso
seria o mais saudável. Esse já é seu ponto forte, certo? Qual seria a atitude mais sábia e
equilibrada a se tomar? Começar a investir em seus pontos fracos e, assim, transformá-
los também em possíveis pontos fortes. Um bom exemplo seria adquirir um ótimo
alongamento. Isso também representa uma fonte de poder, vai causar admiração e trazer
um enorme bem-estar a você, além de o tornar uma pessoa mais maleável e flexível, em
todos os aspectos.
Que tal se você aprendesse a meditar e se tornasse uma pessoa muito mais centrada e
equilibrada? Essa, talvez, pudesse ser a maior fonte de poder em sua vida.
Que tal dedicar mais tempo ao seu filho e se tornar um ótimo pai ou uma ótima mãe?
Essa é a forma mais efetiva de contribuir para um mundo melhor, além de ser
imensamente gratificante.
Que tal transformar e trabalhar questões emocionais e psicológicas que atrapalham a sua
vida? Ou, ainda, mudar hábitos e padrões que o fazem ter menos vitalidade e saúde. Isso
me parece muito mais desafiador e essencial do que apenas ganhar músculos, não acha?
Existe um paralelo muito forte entre a obsessão pelo acúmulo de músculos (vigorexia) e a
obsessão pelo acúmulo de dinheiro (moneyrexia). Ambos representam formas de status
social e empoderamento, que escravizam e aprisionam o sujeito ao seu objeto de poder e
à autoafirmação.
Muitos milionários são pessoas que estão presas à sua fonte de poder e realização,
abdicando de outros setores de suas vidas e vivendo uma relação de ambição sem fim
com o acúmulo de bens. Essa ganância não se reflete em uma fonte de felicidade real,
afinal, que diferença faz ter no armário dois ternos ou 20 ternos feitos no mais caro
alfaiate? Que diferença faz ter dois ou dez carros fetiches? No entanto, não é só em
relação ao dinheiro que as pessoas querem sempre mais. Essa insatisfação criada pelo
consumo se reflete em todas as áreas.
Denise Gomes, uma amiga que participa de maratonas, alertou-me para o fato de que o
sarrafo não para de subir até mesmo nos desafios de corrida. Segundo ela, há três anos,
as matérias nas capas das revistas de corrida falavam de casos de superação em
maratonas. Agora, só falam de provas extremas, como a ultramaratona de 100 km e
outros desafios ainda mais extremos. “A maratona já não basta, cada vez eles inventam
algo mais radical”, diz ela.
Até onde vai a insanidade atlética ligada aos desafios radicais? O pior é que o universo da
competição invadiu o treinamento. Para os atletas, faz sentido se desafiar
constantemente; essa é a confusão. Como a mídia glamouriza o atleta e seduz você a
seguir este exemplo, muitas pessoas passam a adotar essa fórmula ideal de treinamento.
Porém, a essa altura, você já deve ter percebido que esse conto de fadas pode não acabar
bem.
Meu irmão Renato conta uma história que denuncia esse sintoma. É sobre um aluno que
se esforça agressivamente para atingir suas metas. No entanto, quando finalmente
consegue alcançar seus objetivos, ele não esboça nenhuma satisfação, nenhuma
felicidade. Indiferente, apenas diz com frieza: “Legal! Isso eu já consegui, agora qual o
próximo desafio?”. Isso, para mim, representa um caso extremo do racionalismo
pragmático e do consumo da própria experiência.
Existem histórias que nos fazem parar e refletir. Muitas vezes, são bizarras ao ponto de
nos deixar perplexos. Outras, trazem extremos que nos ensinam algumas lições.
Como dizia Lao Tsé, uma das funções da vaidade não é nos tornar maiores e mais
importantes, e sim, nos tornar menores, mais insignificantes e um tanto quanto ridículos.
(Manoel de Barros)
Muitos não se dão conta de que o vício do consumo é o vício da escassez. Não importa o
que você possua, o foco sempre será aquilo que lhe falta.
Esse sentimento é o contrário da abundância. Vai contra todas as leis naturais, contra a
sabedoria de dar e receber. A natureza é um grande exemplo da colaboração e
interdependência como forma de gerar abundância e riqueza para todas as espécies e
seus semelhantes.
Usando apenas uma via de mão única, o viciado em consumo se entope de objetos que
representam uma fonte de status social. O dinheiro adquirido por quem vende estes
objetos de fetiche possibilita, igualmente, novas trocas em busca de outros objetos de
desejo, egoicos e sempre individuais, e assim segue em cadeia. A maior parte da riqueza
circula livremente, mas só entre uma ridícula porcentagem da população. Essa riqueza é
individualista, visa o status, a ostentação. Ela não é distribuída e não pode gerar
abundância e felicidade, nem ao próprio dono do dinheiro.
A usura e a ganância são o medo da falta, da escassez, medo de perder o que se tem,
apego aos bens materiais. Quando os nossos medos nos dominam, tornamo-nos reféns
daquilo que procuramos fugir e evitar a todo custo. Passamos a viver em uma prisão
mental alimentada e sustentada por nós mesmos. O milionário ganancioso torna-se um
eterno refém da escassez, por mais paradoxal que isso possa parecer. Como o seu foco é
aquilo que falta, ele constantemente se impõe novas metas e novos desafios. O esforço
criado para manter o status, com o tempo, torna-se uma prisão.
A falta de um conhecimento integral, realmente, faz muito mal aos especialistas. O sujeito
analisa meia dúzia de pesquisas e chega a uma conclusão superficial e apressada sobre o
assunto, sem perceber que essas questões devem ser tratadas com profundidade por
serem mais abrangentes.
O maior equívoco está na forma como se busca perder peso através da atividade física.
Um obeso que corre como forma de acelerar a perda de peso, vai, provavelmente,
destruir a articulação do joelho ou desistir da atividade antes de obter bons resultados.
Vamos ser sinceros: emagrecer apenas por meio da redução de calorias é uma forma
ingrata e ineficiente de redução do peso corporal. Sem atividade física, o seu metabolismo
será sempre baixo e a sua ansiedade sempre alta. Desta forma, a tendência será
recuperar todo o peso perdido, novamente.
As pessoas ainda não perceberam isso, mas, uma das motivações que existem em
relação à atividade física é o fato de ela ser o mais eficiente ansiolítico existente no
mercado. Como a ansiedade é considerada o mal do século, sendo a força motriz por trás
de todas as doenças modernas, inclusive a compulsão alimentar, essa motivação é mais
do que convincente, ela é extremamente potente. Caminhe, vá até o parque e tome a sua
dose maciça e diária de ansiolítico, direto na veia. É de graça. O seu humor, saúde e
felicidade agradecem. Sem atividade física, dê adeus à “serotonina nossa de cada dia”, à
sua qualidade de sono e ao equilíbrio integral.
Pesquise no Google: “Quem se movimenta é muito mais feliz”, e veja uma matéria
interessante sobre o assunto.
Mas, então, de que forma o modelo atual de treinamento favorece a obesidade? Isso se
inicia nas escolas, onde as crianças acima do peso, geralmente, são segregadas e
excluídas das aulas de educação física e de outras brincadeiras. O modelo de atividade
física nas escolas públicas tornou-se antigo e ultrapassado. Ele permanece quase o
mesmo, sem grandes alterações, há mais de 50 anos. Esse modelo tem um foco excessivo
nos esportes de competição, como futebol, vôlei ou basquete, atividades que são de alto
impacto e, naturalmente, excluem os mais gordinhos, além de outras modalidades não
pensadas para eles. Como esses alunos não se encaixam ou não se interessam por essas
atividades, simplesmente ficam inativos, o que é compreendido pelo professor como algo
natural.
O professor, então, direciona a sua atenção para os alunos mais ágeis e deixa aqueles
com sobrepeso sentados, sem atividade. Quando isso não ocorre, o resultado final é até
pior, pois se o professor insiste para um aluno acima do peso seguir a mesma forma de
treinamento dos outros, faz ele passar por um sofrimento intenso, traumatizando e
reforçando nesse aluno uma relação negativa com a atividade corporal. Esse primeiro
contato da criança com a atividade física deveria ser feito com toda atenção e cuidado,
principalmente no caso dos mais gordinhos, já que a experiência ficará marcada –
negativamente – para o resto de suas vidas.
Isso segue pela vida afora, em todas as idades. Quando vão para o clube, para a academia
ou quando participam de grupos de corrida, entre outros lugares, os que estão acima do
peso não vão encontrar uma atividade física que seja realmente pensada para eles. São
eles que têm que se adaptar às formas de treinamento recomendadas, e não o contrário.
Muitos acabam tentando seguir o que todos fazem, as recomendações das revistas ou as
atividades da moda, à custa de um grande sofrimento e inadequação.
Agora, eu pergunto: se a obesidade é uma das mais graves questões da saúde pública
atual, por que a demora e o descaso da administração pública, ou mesmo da sociedade
como um todo, em mudar esse cenário? É possível equilibrar a balança, continuar dando
espaço para os esportes de competição, mas também criar e estimular atividades mais
divertidas, amigáveis, convidativas e acessíveis a todos os tipos físicos. Não podemos
mais ignorar as pessoas que estão com sobrepeso. Só no Brasil, atualmente, 52,9% da
população está acima do peso.
24 O QUE AYRTON SENNA DIZIA SOBRE A MODERAÇÃO NO TREINAMENTO?
O VÍCIO DA ADRENALINA
Por que as formas de treinamento radicais são tão atraentes, além do fato de
prometerem resultados rápidos?
A resposta é que o “sem dor, sem ganho” é bastante atrativo, seja em provas de corrida,
de aventura, CrossFit ou outras atividades, porque simula, em nosso cérebro, uma
emoção ancestral de situações limites de risco e perigo. Tais situações aconteciam nos
primórdios da humanidade, quando tínhamos que fugir de um predador ou caçar,
inundando o nosso cérebro de adrenalina e outros hormônios que trazem a sensação de
euforia e poder. Por isso, entendo que essas formas radicais são válidas, pois agradam e
interessam a um perfil específico, que busca aventuras e adrenalina através da atividade
física.
Há pessoas que gostam e atingem bons resultados com essas formas extremas de
treinamento e estão dispostas a pagar o preço pela escolha. Porém, defendo que tais
pessoas devem saber avaliar os riscos que estão correndo e o quanto esse processo pode
ser danoso, e não apenas serem levadas por uma compulsão e um vício. O treinamento
extremo pode se tornar uma forma de dependência, uma droga muito perigosa, que
levará você a consumir a si mesmo de uma forma igualmente extrema.
Devo ressaltar que respeito imensamente os atletas amadores que são apaixonados pela
competição. Eu mesmo, até quando jogo pingue-pongue gosto de competir. Para o atleta
amador, recomendo a competição em sua versão mais saudável: como uma grande
brincadeira que respeite os seus limites físicos e orgânicos. Sem radicalismos, nem para
um lado nem para o outro.
Não devemos cair no extremo de condenar a competição. Ela faz parte da nossa realidade
e não é essa a minha proposta. Eu apenas quero desconstruir o mito da competição como
um cenário ideal e dominante no treinamento. Afinal, competir não serve ou atrai a todo
mundo.
Segundo a psicóloga Roberta Lobato, o prazer proporcionado pelo exercício físico pode
ser viciante: “Pessoas ansiosas ou depressivas tendem a colocar toda a sua disposição no
esporte como uma forma de fuga”. Outro fator que está em jogo nessas formas de
treinamento radicais é o reconhecimento e o status adquiridos, uma vez que igualam o
praticante a uma espécie de super-homem. As pessoas falam com orgulho das suas
maratonas, Ironman e corridas de aventuras extremas, sentindo-se, assim, especiais e
diferenciadas em relação aos seus pares.
Escolher com toda informação e consciência é sempre o melhor cenário possível, já que
as situações extremas representam como resultado final um grande stress ao nosso
organismo, que fica totalmente intoxicado e fragilizado graças aos efeitos desta atividade
excessiva e exagerada. O que deveria acontecer apenas raramente na vida real.
Já sabemos que a atividade física extrema pode deprimir nosso sistema imunológico. As
provas de aventura são um bom exemplo disso: já existem casos de morte por
hipotermia, infecções oportunistas, infarto fulminante, quedas e outros incidentes. Esse
tipo de atividade é tão estressante, fragiliza tanto o atleta, que qualquer bactéria pode ser
fatal. Eu já ouvi centenas de relatos desse tipo. Alguns atletas exageram nos treinamentos
ou competições e, logo em seguida, ficam à beira da morte, com pneumonias gravíssimas
ou outras infecções. Um simples corte pode se tornar uma infecção perigosa. Para variar,
os incidentes ficam escondidos e ninguém quer falar sobre isso.
Então, raciocina comigo: quase todo mundo já vive sob um stress intenso no trabalho que,
igualmente, intoxica o sangue com exatamente as mesmas substâncias; ou seja,
diariamente tem em sua corrente sanguínea um excesso de cortisol, adrenalina e outros
resíduos metabólicos do stress, correto?
Ocorre que o mesmo indivíduo, que já está no seu limite orgânico devido ao stress no
trabalho, em vez de tentar desligar o seu sistema autônomo simpático e, de certa forma,
compensar o estresse, vai para a academia, onde é incentivado e levado a repetir o
mesmo processo, novamente. Depois, as pessoas não sabem porque estão irritadas,
desvitalizadas, dormindo mal ou com um stress excessivo. Elas simplesmente estão sob
forte stress no trabalho e no treinamento de cinco a seis vezes na semana, fulltime, sem
pausas. O que poucos sabem é que esse excesso de adrenalina e cortisol vai causar um
impacto profundo na qualidade do sono, dando origem a um círculo vicioso que pode
levar a um perigoso aumento da ansiedade e, consequentemente, a uma depressão.
Essa forma de treinamento tem como consequência, ainda, mais um fator indesejado: ela
consome nossa massa muscular. Nesse caso, mais é menos, ou seja, ao exagerar no
treinamento, chegando até a estafa, o resultado final em relação ao crescimento muscular
é muito inferior ao que seria caso se interrompesse o exercício antes do ponto de estafa.
Ou seja, não contentes com aquele pescoço duro e contraído após o trabalho, as pessoas
fazem questão de contraí-lo e contraturá-lo até o seu limite. Depois, elas não sabem
porque estão à beira de um ataque de nervos! Se olhassem para o próprio corpo – de
verdade –, entenderiam a razão. Um corpo que se transformou em uma massa de
músculo rígida e sem maleabilidade é um corpo eternamente contraturado e tenso, e não
tem massagista ou alongamento que dê jeito.
Lembre-se de que quando você compra o pacote do treinamento extremo, ele será
extremo em relação a tudo: aos riscos, ao custo final e tudo mais.
Porém, há um tipo específico de pessoas às quais essa forma de treinamento pode servir,
como aquelas que são extremamente mentais e ansiosas e precisam de uma dose maciça
de endorfina para não enlouquecer. Elas poderiam também fazer teatro, meditação, Chi
Kung ou outras formas mais brandas e menos agressivas de buscar equilíbrio e combater
a ansiedade, mas, caso se adaptem bem aos treinamentos, não se lesionem com
frequência e sejam apaixonados pelo extremo, a opção deve ser validada. Só lhe dou um
conselho, caso você faça um esporte extremo: seja extremo também em relação aos
cuidados com o treinamento, à dosagem, às pausas, ao alongamento e às compensações
necessárias ao extremo desgaste. Algumas dicas que posso lhe dar são: faça uma
fisioterapia preventiva, um planejamento cuidadoso e massagens regulares, tenha um
sono de extrema qualidade e uma alimentação aos cuidados de um especialista, entre
outras.
Afinal, quem sou eu para lhe dizer o que fazer? Toda forma de escolha é válida e pessoal. É
como diz a sabedoria popular: a verdade existe e cada um tem a sua. Não há verdade
absoluta. O que existe são pontos de vista diferentes, sempre. Tal insight evita os conflitos
e discussões improdutivas, em que queremos provar aos outros que estamos certos.
Respeitar o ponto de vista e a opinião dos outros, mesmo que não estejam de acordo com
os nossos, evita o desamor e a violência. Respeitar e compreender o ponto de vista dos
outros é o segredo da convivência harmoniosa.
(Goethe)
Sobre intolerância, pesquise no YouTube por: “John Cleese – extremismo”. Você verá uma
síntese hilária e perspicaz sobre o fenômeno.
Não deixe que ninguém lhe diga o que você deve fazer. A construção da própria verdade,
do que faz sentido para você, deve ser uma construção individual. Só assim você estará
alinhado à sua essência, identidade e criatividade. Um bom exemplo disso é a “ditadura
do saudável”, corrente editorial da autoajuda que impõe regras e normas daquilo que é
saudável no momento, sendo que as dicas mudam a cada semana, ao sabor das
novidades e pesquisas. É como se diz: moderação até na moderação. Se você nasceu para
ser um poeta dionisíaco e viver os prazeres da vida e da carne intensamente, em toda a
sua exuberância, quem sou eu para lhe dizer como viver? O que serve para mim pode não
servir para você. Cada um tem um propósito e uma missão, alinhe-se à sua!
SONHO DO CONSUMO
Imagine só que sonho entrar em uma academia aconchegante, com plantas, uma luz mais
baixa e confortável. Uma academia com música em um volume agradável, tranquila e
relaxante, sem televisão e barulho para tirar a calma e a paz do aluno. Uma academia que
não fosse um ambiente insalubre, extremamente barulhento e que nos deixa atordoados,
em todos os sentidos.
(Rubem Alves)
Imagine uma academia onde o aluno fosse estimulado a desenvolver a sua consciência
corporal em todos os exercícios e atividades. Onde o professor, em vez de ser um
sargento, fosse uma espécie de psicólogo, um coach em qualidade de vida e mudança de
hábitos, que escutasse, aconselhasse e pensasse junto com o aluno o melhor treinamento
do dia, tendo em vista a qualidade do seu sono e o estado do seu sistema imunológico.
Em um futuro, não muito distante, esses itens influenciarão diretamente a prescrição
diária do treinamento de cada aluno.
Enfim, um ambiente que fosse um oásis, um contraponto a todo o barulho, stress e caos
da vida diária, e não o contrário.
2- Eu odeio academia.
4- Ninguém aguenta mais este modelo de treinamento da academia, eu queria fazer algo
diferente.
Para o bem da própria indústria, proponho que ela mesma faça uma pesquisa profunda
para averiguar qual a porcentagem da população que concorda com as firmações
descritas anteriormente. Isso talvez os ajude a repensar estes modelos vigentes.
As academias não se deram conta de que este modelo atual já caducou, ele tem,
essencialmente, o mesmo formato desde a década de 1980: um foco muito intenso no
levantamento de peso e no treinamento com sofrimento. Se elas não acelerarem o passo,
vão ficar para trás. Aliás, já ficaram. E este abismo aumenta a cada dia.
DETALHE:
“Na academia, o volume da música pode chegar a 110 decibéis, nível considerado
gravíssimo, o equivalente ao som de uma turbina de avião em ação.” (Reportagem do
Jornal Nacional, TV Globo, 23 de março de 2009.)
Quando você pergunta à maioria das pessoas o porquê do seu sedentarismo, uma das
desculpas mais recorrentes é a tal “falta de disciplina”. Desta maneira, a impressão que se
dá é de que a disciplina é algo que se adquire ao nascer, ou seja, um talento nato. Ou você
tem ou não tem.
Quando escuto essa máxima, é como se eu fosse transportado a uma dimensão paralela,
ou como se tivesse regredido ao século 15, uma Idade Média de trevas e ignorância.
Poucos conceitos são tão ultrapassados e arcaicos como esse. Mas, então, eu abro uma
revista de fitness em pleno século 21 e vejo que este conceito ainda é um senso comum
muito disseminado.
Para um soldado, disciplina quer dizer que você foi domado e condicionado a seguir
ordens superiores, ou seja, a realizar de forma habitual e regular coisas que não são
necessariamente agradáveis e desejáveis a você. Para um aluno do fitness (um soldado do
treinamento), este princípio é o mesmo. Portanto, disciplina se afirma como a capacidade,
renovada diariamente, de seguir convenções e de suportar a dor e o sofrimento
almejando um bem maior.
Será a disciplina uma invenção de adultos que não sabem brincar? Ou você acha que uma
criança precisa de disciplina para brincar e se exercitar?
Chega a ser ridículo dizer isso, mas qualquer pessoa pode adquirir disciplina em apenas
um mês. É só trocar a palavra disciplina por hábito e você entenderá como e porquê.
Eu já fiz esta experiência com alguns alunos que chegaram ao nosso treinamento jurando,
de pés juntos, que não tinham disciplina. Para isso, basta que este treinamento seja
equilibrado, lúdico e prazeroso, fator que será essencial na construção de um novo hábito
e identidade.
Sabe porque a disciplina ainda é um conceito muito usado no treinamento? Porque treinar
ainda equivale a fazer algo que você não quer ou não gosta de fazer.
As qualidades corporais e mentais são treináveis e dependem apenas de foco e dedicação
para se desenvolver. As pessoas se congelam em um modo de ser e com certas
identificações em relação às suas qualidades pessoais que, na realidade, são muito mais
flexíveis e passíveis de mudanças do que imaginamos.
É muito comum ouvir as pessoas afirmarem que não têm alongamento, concentração,
equilíbrio, ou, então, outras qualidades como coordenação, paciência, disciplina e tantas
mais. Como já aceita isso como algo limitante e intransponível, algo que efetivamente
falta, essa pessoa nem tenta ou procura mudar o cenário. Isso já se congelou como a sua
própria identidade.
É uma questão de foco. Pode notar: em tudo aquilo que colocamos foco e energia, se
desenvolve. Essa é uma regra geral em nossas vidas.
O esforço e a disciplina são a dupla dinâmica do controle militar exercido sobre os corpos.
Eles são a própria “Matrix”, que encaixota e formata a sua mente em um modo artificial de
funcionamento, inibindo a sua potência e a sua criatividade.
Por isso, quando falamos em descondicionamento, vemos que não precisamos apenas
descondicionar o nosso corpo, mas, principalmente, a nossa mente.
Quando falo em prazer, foco no aspecto positivo do prazer. Não apenas na visão do
prazer compartilhada pelas religiões, que ressaltam apenas o seu aspecto negativo. Tudo
na vida tem diferentes facetas, tudo é ambíguo e contraditório. A nossa maior qualidade
também se transforma em nosso maior defeito. Sempre existem os dois lados da mesma
moeda; ou seja, este prazer pode, ao mesmo tempo, libertar ou aprisionar.
A palavra disciplina não combina com estes novos tempos. Servir a uma disciplina é
equivalente a abdicar da própria alma, da própria identidade. Disciplina significa, através
do seu uso militar, aceitar um conceito sem nenhuma reflexão, aceitá-lo como uma
verdade já estabelecida, de forma obediente.
A disciplina condiciona a aceitar ordens que são impostas de fora para dentro e de cima
para baixo. A consciência pode libertá-lo, fazendo com que a sua identidade e a sua
verdade se manifestem de dentro para fora. Então, a maior obediência passa a ser em
relação a si mesmo e aos seus próprios caminhos. Dessa forma, a disciplina torna-se o
contrário da consciência, torna-se obediência cega a um método ou conceito.
A NOVIDADE
Eu sigo tentando entender como e por que o corpo virou um produto e passou a seguir a
lógica do mercado de consumo. E você, como leitor atento, já deve ter percebido isso.
Posso me aprofundar um pouquinho nessa vereda? Vem comigo, tem coisas que você
precisa saber, só que ninguém vai se interessar em abrir esse assunto. Nos dois capítulos
a seguir, vou lhe mostrar cenas dos bastidores do treinamento.
2- “Os treinos nunca são iguais, cada dia tem uma novidade”. Aqui, cabe uma reflexão
mais profunda: será que a indústria do fitness enxerga o treinamento físico como algo tão
sacrificante, chato e monótono, que é necessário tapear o aluno com novidades a todo
momento?
É fácil entender por que os alunos precisam de novidades, afinal como a motivação é
sempre superficial, eles acabam se tornando muito dependentes da variação.
Treinamento físico não é show, nem gincana televisiva. Se um treinador trata o aluno
como uma criança de três anos, isso contribui para o seu processo de “idiotização”,
alguém que efetivamente não pensa, mas apenas segue ordens. Se o treinador pedir para
plantar uma bananeira em um braço só e torcer a coluna no ângulo de 60º, o aluno vai
obedecer sem questionar ou pensar.
Não se esqueça de que uma fatia do mercado de consumo trata você como criança e
tenta lhe enganar, procurando seu ponto fraco para vender coisas que tenham um apelo
irresistível. Esse é o trabalho dos especialistas do marketing e suas mensagens
subliminares. Desconfie de tudo que tenha um discurso sedutor ou prometa resultados
milagrosos. Essa é a primeira lei para fugir do “fast consumo”. Qualquer forma de
treinamento que prometa resultados significativos, em um prazo inferior a 12 meses, está
se apoiando em um marketing apelativo.
A pergunta que não quer calar: por que só no verão as revistas e a mídia, em geral,
parecem se lembrar que temos um corpo? Quem ainda cai nas pautas do “projeto verão”?
Quem ainda acredita nessa piada de mau gosto?
Esse conceito cria o treinamento físico enlatado e instantâneo, é só abrir a lata e você vai
estar lindo e maravilhoso. Pode ter certeza de que, nas matérias, em grande destaque, vai
estar escrito “Fique mais saudável”, “Cuide da sua saúde”. Saúde? Como assim?
Não existe espaço para a sensibilidade, para a pausa, para a meditação ou para um ritmo
mais orgânico e natural. Não existe espaço para a consciência. Aliás, o que é consciência?
“Isso pode me ajudar a produzir melhor e ganhar mais dinheiro?”, perguntaria a mente
racional e consumista.
O primeiro ponto é que existe um repertório muito pequeno de exercícios que sejam
realmente ergonômicos e que favoreçam as nossas articulações e cartilagens. Criar muita
variação implica em um vale tudo, sem noção e sem critério, que se transforma em um
prato cheio para a produção de lesões. O mercado tenta sustentar que o responsável
pelas lesões é o próprio aluno, mas, na realidade, não é bem assim. Quando elas ocorrem,
o argumento apresentado como defesa é de que o aluno exagerou e não respeitou o seu
limite. Ué, mas não é isso que o treinador lhe pede a cada segundo? Por acaso esse tipo
de treinamento ensina alguém a ter escuta e respeitar os seus limites? Ou é justamente o
contrário?
O segundo ponto é que praticar a mesma sequência de exercícios por um longo período
proporciona aos nossos músculos, articulações e cartilagens uma adaptação cuidadosa e
perfeita. E isso só favorece o nosso corpo. Sendo assim, as chances de lesões e tensões
desnecessárias diminuem drasticamente. Isso porque a repetição e a adaptação ao
exercício de fortalecimento são o melhor cenário possível ao nosso corpo, quando
pensamos em saúde e integração, fazendo com que tenhamos um grande resultado em
relação ao ganho muscular, com um risco infinitamente menor de lesões. Variar a carga e
os exercícios a todo instante não faz sentido, pega o corpo despreparado e de surpresa, já
que ele não teve tempo de se adaptar e criar recursos para enfrentar o novo desafio
proposto.
Esse tipo de treinamento se apoia em pesquisas que comprovaram que variar os
exercícios ocasionalmente (a cada dois ou três meses, não diariamente) traz um ganho
“um pouquinho” mais rápido no crescimento muscular. Isso pode ser verdade, mas quem
disse que o ganho muscular acelerado deve ser a única referência no treinamento? Um
ginasta não varia o tipo de atividade que faz e, mesmo assim, tem uma ótima qualidade
muscular.
A resposta estava no relatório das estatísticas da IHRSA (International Health, Racquet &
Sportsclub Association), organização que reúne as academias de todo o mundo. Segundo
o material, 50% das pessoas abandonam a academia depois de três meses. A pesquisa
não mostra a porcentagem dos alunos que abandonam o treinamento após seis meses,
mas um item específico é bastante esclarecedor: sabe quais são as principais queixas
reportadas pelos alunos nesta pesquisa? Falta de resultados rápidos e monotonia nos
exercícios.
O que a indústria do fitness não entendeu é que ela está correndo atrás do próprio rabo.
Como funciona isso? Como o departamento de marketing entende que atender bem ao
cliente é dar o que ele pede, investe-se em fórmulas radicais de treinamento que aceleram
ainda mais os resultados. Essa é a forma mais cega – para não dizer outra coisa – de se
abordar esta questão.
Deixar o treinamento ainda mais radical vai provocar o efeito oposto ao desejado. Afinal,
se ele já provoca dor e afugenta o aluno, ao se adotar a nova medida, o processo tende a
piorar ainda mais. Mas, como o aluno não tem consciência disso, essas informações não
aparecem nas estatísticas.
Outra questão, ainda mais importante, é que um bom consultor não deve entregar ao
cliente o que ele pede, mas sim, o que é melhor para ele. A indústria do fitness martela na
cabeça das pessoas, há muitas décadas, conceitos que estimulam a busca de resultados
rápidos. Agora, ela está provando do seu próprio veneno. As pessoas estão doutrinadas
no conceito de treinamento estético e instantâneo. A questão é que, tudo o que ela
estimulou e seduziu, através do seu marketing, na realidade não existe, não é possível
entregar. O que isso produz? Frustração e desistência.
No entanto, o que essa indústria faz? Continua investindo na mesma estratégia. Isso é
inteligente? Na verdade, ela está cavando a sua própria cova.
Vou dar de graça uma receita que triplicaria o faturamento das academias em poucos
anos. Em primeiro lugar, deveriam reduzir as formas radicais de treinamento, que
afugentam a imensa maioria dos alunos, lesionam e não trazem bons resultados no
médio e longo prazo. Em segundo lugar, deveriam alterar completamente a sua estratégia
de marketing, conscientizando e explicando ao aluno que estas fórmulas milagrosas de
treinamento são prejudiciais à saúde.
Tente imaginar a seguinte situação. Você chega para fazer uma aula de tênis com o seu
professor e ele diz: “Hoje a aula vai ser diferente. Em vez de usar a raquete, você vai usar
as mãos. E o objetivo do jogo também vai mudar: perde quem jogar a bola onde o
adversário não for capaz de alcançar”. Você acha que é necessário criar variação em um
esporte como o tênis? Na realidade, quando uma atividade é feita com consciência, é
lúdica e gratificante, a variação torna-se um fator secundário.
Mas você pode ficar surpreso com o que vou dizer agora. Embora pareça que vá
contradizer tudo que eu já falei, este é só um raciocínio complementar. De certa forma, a
monotonia se encontra na nossa cabeça e, muitas vezes, não está relacionada às
atividades que nos dispomos a fazer. Isso acontece porque a nossa cabeça, quase
sempre, não está onde o nosso corpo está. Raramente estamos vivendo o momento
presente, e levamos a vida com um sentido de tarefa.
Por exemplo: uma longa série de alongamentos pode ser a coisa mais chata que existe,
caso você viva e entenda esta experiência como uma tarefa, uma obrigação; ou pode ser a
coisa mais relaxante e deliciosa que existe, caso você mergulhe nesta experiência e curta
os efeitos que cada movimento causa ao seu corpo. Simples assim!
Aos 25 anos, fiz aula de Chi Kung e Tai Chi Chuan por dois anos, duas vezes por semana. A
sequência da aula era exatamente igual, todo santo dia. Agora, eu pergunto: fazer uma
aula exatamente igual criava monotonia? Ao contrário, vivenciar essas aulas era
absolutamente gratificante e delicioso, uma experiência profunda em que os mesmos
movimentos ganhavam um sentido novo a cada aula.
Dinheiro em troca de experiências. Talvez seja por isso que tantas pessoas ricas, quando
perdem um pouco de dinheiro, acabam acreditando que a vida não faz mais sentido. Elas
depositaram, por tanto tempo, o sentido da vida nas experiências que compravam, que,
sem dinheiro, acreditam não haver experiências dignas que lhes tragam alguma
satisfação. A que ponto chegamos na esfera do consumo.
O rigor desses modelos de beleza, que se radicalizam ano após ano, alimentam,
potencializam e desenvolvem ainda mais essa indústria. Veja o caso das clínicas de
estética. É assustador notar o quanto essas clínicas evoluíram e passaram a oferecer
soluções para quase tudo. O público se transformou em cobaia de novas técnicas que
ainda estão em processo de desenvolvimento.
Lendo uma revista que se intitulava uma publicação sobre “saúde”, pude ver como essas
clínicas acharam uma forma bem discreta e eficiente de vender os seus produtos. No que
seria, provavelmente, uma matéria jornalística paga, uma ex-modelo famosa contava
sobre os seus hábitos, detalhes da sua vida pessoal e, no final, tecia elogios sem fim a um
tratamento específico de celulite que havia realizado. Na mesma reportagem, ela também
informava todos os detalhes da dieta alimentar restritiva que seguia. Uma receita passada
ao leitor de forma simplista e sem variação.
Ao longo dos anos, adquiri diversas revistas ligadas a atividades físicas, beleza e saúde, e
comprovei que essas táticas são usadas para vender os mais variados métodos e
produtos. Algumas celebridades e famosos, inclusive, emprestam o seu prestígio para
apoiar tais produtos.
Em outra matéria na mesma revista, eles comparavam nove tratamentos para celulite,
todos com nomes incríveis e promessas sedutoras. Ou seja, é muito difícil regular e
fiscalizar a influência dessa indústria, sem contar o mercado negro de novíssimas técnicas
e milagres radicais e instantâneos.
Acho louvável que a ciência corra para desenvolver soluções artificiais para os diversos
males, mas, por incrível que pareça, é difícil imitar a natureza sem produzir reações
adversas e contraindicações. Por não ser muito rentável, ninguém dá bola à prevenção. A
maneira mais eficiente para prevenir a celulite continua sendo uma combinação entre
atividades físicas específicas e alimentação.
Tenho uma história curiosa para contar sobre este assunto. Aos 60 anos, minha mãe
resolveu fazer uma viagem de busca espiritual e percorrer o Caminho de Santiago de
Compostela. Nos primeiros dias, ela percebeu que estava carregando muito peso e teve
que se desfazer de alguns objetos, para então, seguir mais leve, apenas com o essencial.
Essa foi uma das maiores lições que aprendeu na viagem: o quanto carregamos um peso
desnecessário em nosso percurso pela vida.
Voltando dessa viagem, ela teve uma surpresa. Todas as suas celulites haviam
desaparecido e suas pernas e glúteos apresentavam um fortalecimento e um tônus
invejáveis. A receita para este milagre havia sido caminhar 30 quilômetros por dia, durante
várias semanas seguidas.
Veja bem, não estou recomendando aqui uma nova forma radical de tratamento para a
celulite. A minha mãe já tinha um ótimo preparo físico para suportar este ritmo intenso de
caminhada e fez atividade física a vida inteira. Mas, posso comprovar, através da
experiência com minhas alunas, que o treinamento cardiovascular moderado de longa
duração é um excelente componente no tratamento e prevenção da celulite.
Entendo que as “facilidades” são sedutoras, mas o que mais me assusta em toda a
questão é perceber como algumas pessoas estão dispostas a arriscar a própria vida, seja
consumindo anabolizantes ou se submetendo a cirurgias e intervenções estéticas
radicais.
27 O QUE É A CULTURA DO NARCISISMO? DEPOIS DE LER ISSO, VOCÊ NUNCA MAIS SERÁ
O MESMO.
OS EMAGRECEDORES
Você sabia que a indústria das dietas é maior do que a indústria dos tênis esportivos nos
Estados Unidos? Considerando que a maioria de nós precisa de um par de tênis para
calçar os pés, o dado é chocante, não?
Esse ramo farmacêutico pega pesado em suas promessas e argumentações. Fica difícil
resistir à sedução dos resultados instantâneos, principalmente quando se usam
depoimentos de personagens convincentes ou dos famosos. Essa indústria lança mão de
todo tipo de argumentação científica e de pesquisas para comprovar a eficácia de tais
produtos. Como diz Michele Simon, advogada norte-americana especializada em saúde
pública e presidente de uma empresa de consultoria sobre política para comidas e
bebidas (Eat Drink Politics), “a indústria sabe muito bem como pegar uma meia verdade e
esticá-la, afinal, eles precisam vender”.
Por incrível que pareça (desculpe a ironia), eles só usam os argumentos favoráveis aos
seus produtos, omitindo todo o resto. Veja o caso dos termogênicos, por exemplo, que
estão muito na moda. Muitos deles são feitos à base de doses maciças de estimulantes,
como a cafeína ou a taurina do chá verde. O problema é que nós não precisamos de mais
estimulantes em nossas vidas. Pelo contrário, precisamos de mais estímulos relaxantes e
desestressantes.
O benefício do termogênico fica pequeno quando comparado ao prejuízo causado na
qualidade do sono, fator que impacta fortemente na perda de peso. Ou seja, esses
produtos artificiais precisam ser sempre estudados a fundo, pois, em sua grande maioria,
são apenas paliativos que não colaboram de forma efetiva para a redução do peso
corporal. O que ocorre, normalmente, é que você ganha de um lado, mas perde do outro.
Todo estimulante provoca em nosso organismo um “efeito rebote”. Como funciona isso?
Em um primeiro momento, ele vai dar energia e disposição, mas, em seguida, provocará
uma grande baixa energética, devido à energia despendida de forma artificial. Assim, com
o tempo, você se torna dependente de uma droga que rouba a sua energia vital de uma
forma brutal. Assim também é o caso da cafeína, uma droga que, em excesso, pode ser
extremamente perigosa. No fim, é tudo uma questão de medida: dois pequenos “shots”
de café, até a uma hora da tarde, não vão alterar o seu sono, na maioria dos casos.
Presenciei uma cena bastante sintomática desse novo fenômeno do fitness. Eu estava no
parque e escutei o seguinte diálogo entre um casal, extremamente definido e malhado,
com um amigo. O namorado ultradefinido dizia: “Brother, passei a noite inteira na balada,
tomando energético direto, e nós ainda tomamos dois copos enormes de café bem forte
para poder vir ao parque treinar. Que dormir, que nada! O barato é já emendar no treino.
Já corri 40 minutos, a 12km/h, e agora vou fazer uma série ‘insana’.”
Bota insanidade nisso! Aliás, esse é o termo perfeito para definir esse treinamento. Feliz
com a sua “esperteza”, ele dizia ao amigo, repreendendo-o: “Brother, você não toma
energético para treinar? Fica muito mais fácil, você se sente o super-homem! (risos)”
CONCLUSÕES.
Como dizia o grande Karl Popper, considerado o maior filósofo da ciência no século 20: “A
coisa mais fácil que existe é maquiar e conduzir uma pesquisa científica para colher os
resultados esperados.” Se você soubesse a quantidade de pesquisas mal elaboradas,
financiadas ou mal conduzidas que existem por aí, teria mais cuidado em acolhê-las como
verdade absoluta.
Tente imaginar a seguinte situação: uma mulher está sentada no sofá, zapeando de um
canal a outro na TV. Ela está obesa, sedentária há mais de uma década, quando dá de cara
com um canal anunciando “finalmente” uma solução rápida e eficiente para emagrecer.
Este medicamento é “incrível”, eles garantem, e ela fica hipnotizada e tremendamente
seduzida pelos argumentos, alguns deles apoiados em pesquisas e muito bem
estruturados. Afinal, o marketing é a arte da sedução. Mexe com nossos desejos mais
profundos e incontroláveis, e os manipula. Quais as chances de ela ficar apaixonada pela
proposta? Pôxa! Aí é covardia, não é? É como mostrar uma linguiça a um cachorro
faminto. Pois é, quando o dinheiro entra por um lado, a ética sai correndo pelo outro.
Quando provamos a nós mesmos que podemos vencer alguns desafios corporais ou
comportamentais, alteramos a maneira inconsciente como nos enxergamos. O
inconsciente é determinante em nossa autoimagem, sendo assim, agir sobre ele é a
forma mais efetiva de nos tornarmos capazes de realizar mudanças em nossas vidas.
(Nuno Cobra)
Para uma pessoa que faz dietas frequentemente e já tentou de tudo para perder peso, o
seu inconsciente tem absoluta certeza de que não será capaz de atingir tal objetivo. Qual o
problema disso? Caso não altere esta imagem inconsciente que existe acerca de si
mesma, a pessoa irá boicotar e abortar qualquer tentativa de perda de peso. Lembre-se: é
ele quem manda, quem dá a palavra final em nosso cérebro.
O nosso inconsciente vive de fatos, registrando as experiências que vivemos. Ele opera de
maneira a manter uma autoimagem que foi sendo construída e reforçada através de
inúmeras experiências afetivas e emocionais. São marcas que fazem parte de nós, mas
que não sabemos que existem e, no entanto, atuam diretamente sobre nosso
comportamento. Você só irá mudar sua autoimagem, convencendo seu inconsciente de
que você é capaz de emagrecer de forma definitiva, se adotar um processo moderado,
contínuo e autônomo de emagrecimento. Ou seja, somente quando adotar um passo a
passo comportamental e obter sucesso neste processo.
Conheço alguns empresários que, de fato, conseguiram perder peso através de dietas
radicais e restritivas. Montando uma equipe multidisciplinar de nutricionistas, psicólogos
e grupos terapêuticos, e despendendo uma pequena fortuna nesse processo, eles, porém,
tornaram-se dependentes 24 horas por dia de profissionais que os vigiam e os
monitoram. Nesse processo, eles acabaram presos a uma vigilância ostensiva, tudo para
evitar que houvesse uma recaída.
Isso pode até surtir bons resultados para uma ínfima minoria. Porém, há uma
contraindicação fatal: o inconsciente não irá se alterar significantemente, pois esse
indivíduo não é o agente e o principal responsável por seu próprio sucesso e
transformação. Resultado: a sua autoimagem ainda será muito frágil e, sendo assim, ele
estará sempre prestes a ter uma recaída e ceder ao seu inconsciente. Qual o grande risco?
Assim que se cansar das fórmulas nutricionais pobres e restritas, irá demitir toda a sua
equipe, voltará a se alimentar compulsivamente e seu peso retornará ao patamar
anterior.
Em meus mais de 30 anos de experiência prática, o que mais vejo são pessoas que
conseguem emagrecer até dez ou 30 quilos através de dietas radicais, porém, depois de
um certo tempo, voltam a ganhar peso de forma progressiva. Na maioria dos casos,
ocorre o pior cenário: como seu corpo foi exposto a dietas restritivas por um longo
período, ao voltar a aumentar a ingestão calórica, o corpo reage e estoca gordura de
forma acelerada, como uma forma de defesa. Qual o resultado disso? A tendência será
ele ganhar ainda mais peso do que tinha ao iniciar este processo.
Um dos motivos que fazem esse sistema ser a pior forma de redução de peso existente é
o fato de que, manter uma dieta pobre e radical, obviamente, não é sustentável no longo
prazo. A melhor forma de desenvolver o seu autocontrole e autoconfiança é – pasmem! –
exercitando gradativamente o autocontrole e a autoconfiança. É assumindo a
responsabilidade e a autonomia perante você mesmo. Depender dos outros para ter
autocontrole não é autocontrole, é prisão e policiamento. É sistema carcerário de
emagrecimento. Da mesma maneira, treinar só na base do grito e do chicote, de uma
forma coercitiva, seria um sistema carcerário de treinamento. Quem não se exercita a não
ser sob uma vigilância ostensiva e forte policiamento, ainda não deu o passo mais
importante em relação a um emagrecimento definitivo e libertador. Ainda não descobriu
que a autonomia e o prazer libertam.
(Paulo Freire)
O SEGREDO DO EMAGRECIMENTO
Durante 12 anos, fui o ghostwriter do meu pai, escrevendo artigos mensais assinados por
ele em uma revista veiculada em Alphaville e região.
Sem perceber, devido às minhas observações pessoais e experiências vividas com meus
alunos, adiantei alguns conceitos que se tornaram muito populares entre alguns
nutricionistas, atualmente.
Grande parte deste livro foi escrito por meio de anotações pessoais, em um processo que
chamo de “tirar de dentro”, sem nenhuma consulta bibliográfica. No enfrentamento com
as palavras e ideias, pude perceber que escrever é uma boa forma de elaborar e
desenvolver tudo aquilo que já sabemos. Quando terminei de escrevê-lo, eis que, na
consulta a alguns livros, notei algo interessante.
Há aproximadamente dez anos, escrevi pela primeira vez sobre a inutilidade das dietas
restritivas. Na época, o assunto não era muito bem aceito pela maioria dos nutricionistas.
Vamos retomar esta reflexão.
Quando o assunto “não posso comer” se torna uma obsessão para você, mais focado nele
e mais refém da comida e dos seus medos você estará. Qual a primeira coisa que meu pai
diz a um aluno que está acima do peso, em relação ao conflito alimentar? “Não se
preocupe com isso, tire o seu foco deste assunto. O mais importante é você começar a
existir em sua própria agenda, redescobrir o seu corpo, resgatar o prazer da atividade
física. Busque o seu equilíbrio, combata a sua ansiedade e o seu corpo voltará ao ponto de
equilíbrio naturalmente, pouco a pouco.” Não tenha pressa em emagrecer. Esse é o
segredo do emagrecimento definitivo.
No entanto, o que acontece com quem é obsessivo e sempre tem pressa em emagrecer?
Essa pessoa, fatalmente, vai desistir a todo momento das suas metas e idealizações, caso
elas não correspondam às suas expectativas imediatas. Ou seja, o desespero em
emagrecer, invariavelmente, criará situações de falhas e escorregadas.
Então, qual será a reação desse indivíduo que vive um conflito interno em relação à
comida? Ele estará sempre se balançando entre os extremos, e sendo assim,
frequentemente iniciando ou desistindo de fazer uma dieta ou outros tipos de restrição
alimentar. Quando as coisas não forem conforme o esperado, esse indivíduo acabará
“chutando o pau da barraca” e retornará ao seu padrão compulsivo anterior. Dessa forma,
ele não sairá do mesmo lugar e se manterá nessa prisão, criada e alimentada por ele
mesmo.
Isso funciona para todas as formas de aprisionamento que criamos em nossas vidas e
que alimentamos através dos nossos medos e inseguranças. Mas, então, o que pode
contribuir para sairmos efetivamente dessas prisões? Uma maneira de ajudar a derrubar
esses muros é fazer algumas formas de terapias, técnicas de meditação ou mesmo
conversas em grupo, do tipo “comedores compulsivos anônimos”, dentre outros métodos
terapêuticos que não incluam dietas restritivas.
Costumo dizer que fazer dieta é uma maneira muito eficiente de destruir a sua
autoconfiança. Explico: sempre que fazemos um movimento radical em uma direção, isso
provoca uma reação espontânea na direção oposta. É o famoso efeito gangorra ou “8 ou
80”.
O equilíbrio não está nos extremos, e sim no meio. Ser radical na dieta representa viver de
um extremo a outro, constantemente. O que ocorre com quem segue esse modelo? Com
o tempo, o desequilíbrio se torna cada vez maior. Nesse processo, perdemos a moral com
nós mesmos e, de derrota em derrota, destruímos a nossa autoconfiança por completo.
Quando isso acontece, podemos propor uma reconstrução. Atuando em nossos hábitos e
na ansiedade, podemos trabalhar de forma suave e gradativa a relação que temos com a
comida, criando, através de pequenas conquistas, um ciclo positivo de realizações; é o
que chamo de círculo virtuoso. Ao criar esse mesmo processo com a atividade corporal,
que adquire um sentido profundo de conexão, espiritualidade e prazer, este ciclo se
completa e, desta forma, não voltamos a engordar, pois teremos atingido o nosso
equilíbrio físico, mental e emocional.
Porém, não quero ser ingênuo. Após 30 anos de experiência com alunos obesos, sei que
perder peso pode ser um processo extremamente complexo e intrincado. O que abordo
aqui é apenas uma pequena parte deste assunto, que, efetivamente, poderia render outro
livro.
Quem faz dietas e mudanças bruscas na alimentação com frequência pode engordar de
dois a cinco quilos anualmente. Isso funciona como um imenso imã. É a lei da atração
pelo proibido: quanto mais pensamos nossa alimentação de forma obsessiva e restritiva,
quanto mais pensamos sobre o assunto, criando uma proibição a nós mesmos, mais a
comida torna-se algo irresistível e atraente. Como bem sabia Nelson Rodrigues, isso
funciona em relação a tudo. Em suas histórias, o “puritano radical” é sempre aquele que
está prestes a ceder aos apelos do proibido e suas perversões. O medo é uma serpente
que nos enreda e envolve.
O desejo é como uma represa: caso não haja uma mínima vazão, ela se rompe. E, assim,
em vez de comer um pequeno chocolate de vez em quando, o que é saudável e natural, o
desejo represado durante muito tempo fará você consumir uma caixa inteira de doces
com alto teor de açúcar e gordura ou ter outros ataques alimentares compulsivos. Ser
radical e ortodoxo é viver na prisão do proibido e sua forte atração. Quanto mais fujo
daquilo que me amedronta, mais aquilo me atrai.
Quando comer torna-se algo permitido, equilibrado e natural, tudo isso se dissolve e
passa a não fazer mais sentido. Porém, todo esse processo deve ser uma construção
gradativa e real, algo que tenha uma perspectiva de médio e longo prazo, não apenas
artificial e insustentável.
(Tim Maia)
• O cérebro entende que uma perda de peso rápida é uma ameaça à nossa saúde. Dessa
forma, nosso corpo entra em um processo de economia, como se estivesse em “stand
by”, queimando menos calorias e diminuindo nosso metabolismo.
Bom, mas isso você já sabia, não é? Essa é uma fórmula antiga e manjada. Então, qual é a
novidade? Pois bem, a novidade é que, somente quando você parar de se iludir com
fórmulas milagrosas de emagrecimento, finalmente vai atingir seus objetivos. A novidade
é que sabedoria não é saber, sabedoria é fazer.
Viver eternamente sob restrição alimentar e sentir culpa por comer é um péssimo hábito.
Você não gostaria de nunca mais ter de se preocupar com isso? Poder comer de tudo,
inclusive pães, massas, sorvetes e, mesmo assim, não engordar? Será que, a exemplo do
que ocorre com os remédios, a maioria das pessoas não estariam atacando apenas os
sintomas, e não a verdadeira causa do excesso de peso?
– Nuno, eu estou treinando há um tempão, chego em casa destruído e, mesmo assim, não
perco peso. O que pode estar errado? Agora, aconselharam-me a fazer spinning para
acelerar a perda de gordura. O que você acha disso?
Quando ele me disse que tinha duas hérnias de disco, quase cai para trás. Quem, em sã
consciência, permitiria que um aluno com hérnia de disco faça spinning? Expliquei
rapidamente que fazer spinning poderia acentuar o problema, criando ainda mais
compressão na coluna lombar. Embora estivesse gostando da ideia do spinning por
acelerar a queima de gordura, ele concordou em desistir da modalidade.
Esse breve exemplo ilustra bem a gravidade da falta de uma avaliação integral de cada
aluno, assim como demonstra o quanto a prescrição do treinamento, atualmente, é
realizada às cegas, sem um estudo mais aprofundado do corpo humano.
Quando estou no parque, observo outras pessoas treinando. E quando vejo grupos de
treinamento atuando, de certa forma, fico abismado. Todos treinam juntos e o gordinho,
que começou o treinamento ontem, é obrigado a seguir o mesmo treinamento de um
cara sarado, que já treina há, pelo menos, 20 anos. Simplesmente, não existe graduação
do treinamento. Depois, ninguém entende por que a desistência é tão brutal em nossa
área.
Qual o meu conselho? Nunca treine coletivamente, caso não exista, ao menos, seis
graduações no treinamento. Dois modelos para os iniciantes, dois para os intermediários
e mais dois para os avançados. Isso seria o mínimo para você não realizar algo totalmente
inadequado ao seu nível de adaptação articular e muscular. Em minha proposta de
treinamento muscular, existem 15 níveis de intensidade do treinamento. É como se fosse
o equivalente às faixas coloridas das artes marciais. O ideal seria respeitar e cumprir cada
etapa de sua evolução e, assim, mudar de faixa progressivamente, sem sofrimento.
Quando pesquiso sobre exercícios na internet, vejo porque o universo on-line é uma terra
de ninguém. Lá, você encontra de tudo, como alguns treinadores norte-americanos,
extremamente populares, cujos vídeos têm mais de um milhão de visualizações,
recomendando através de tutoriais muito bem produzidos certos treinos para iniciantes,
que, na verdade, são uma afronta à nossa saúde corporal, mesmo no caso de alunos em
estágios mais avançados. Tem de tudo e nunca dá para saber qual é a capacitação e
formação de tal professor.
Qual o risco disso? É no mínimo temerário recomendar um exercício assim, de forma tão
genérica, sem fazer, primeiro, uma avaliação minuciosa de cada aluno.
Não podemos colocar em risco o nosso aparelho locomotor durante o treinamento. Uma
simples perda em nosso sistema locomotor pode representar uma incapacidade de se
exercitar para o resto da vida. Realizar essa análise minuciosa em um estudo mais
integrado e detalhado sobre o aluno vai, finalmente, trazer um olhar mais cuidadoso e
abrangente ao treinamento.
– A menos que as regras não saibam para onde ir e queiram nos seguir.
A soma de todas as minhas teorias contidas neste livro me levou a criar uma nova forma
de entender o corpo e o treinamento. Esse movimento do treinamento consciente que
estou criando, hoje, agrega o olhar aprofundado de alguns dos maiores especialistas do
conhecimento corporal da atualidade no Brasil, como fisiologistas, doutores em educação
física, fisioterapeutas, ortopedistas, cardiologistas, nutricionistas, endocrinologistas,
neurocientistas, educadores somáticos e outros.
O treinamento consciente vai na direção oposta aos mercados do fast training e do fast
beauty, já que investimos em resgatar a consciência corporal de cada aluno, sua
verdadeira identidade e sua autonomia. E essa nova consciência corporal só pode ser
desenvolvida através da autoescuta, da autorregulação e da auto-observação constantes.
Outro dia, encontrei uma das blogueiras, por acaso, enquanto ela estava posando para
algumas fotos no Parque Ibirapuera, em São Paulo. Ela estava munida de um grande
aparato, com maquiador, refletores e tudo mais. Era visível o seu sofrimento ao posar
para o fotografo. Fazia algumas posturas radicais, que mal conseguia sustentar por alguns
segundos. Mas, é claro que na foto, ela vai aparecer sorrindo, como se estivesse
executando o exercício com a maior facilidade. Ao final da sessão, ela perguntou ao seu
treinador: “Linda essa postura, para que serve?”
Afinal, qual o sentido disso? Outras mulheres ficarão morrendo de inveja e, se caírem na
bobagem de seguir a série de exercícios proposta, muitas vão parar no hospital com uma
distensão muscular instantânea.
Tais blogs retratam o mundo do consumo. É o “samba do crioulo doido” das propostas de
treinamento: têm um pouco de tudo e estão sempre atrás das novidades, da última moda.
Adotam qualquer tipo de treinamento, por mais ridículo e extravagante que seja. Fico me
perguntando: quando finalmente entenderemos que o treinamento e o corpo não podem
seguir a lógica do consumo?
Acredito que o mais grave disso tudo seja que muitas blogueiras são tão midiáticas, que
acabam sendo vistas como “especialistas do treinamento”. Com o fenômeno da
divulgação e da promoção em massa, acessível a todos na internet, o mundo está ficando
cada vez mais surreal. Elas estão, massivamente, em todas as mídias, indicando ao
grande público diversas formas de treinamento e dieta. Onde estão os órgãos de defesa
do consumidor nessa hora?
Como essas mulheres vivenciaram em seus corpos uma grande transformação, surgem
na mídia como uma voz gabaritada em relação ao conhecimento corporal. O que não se
sabe, porém, são as maluquices a que essas pessoas se expuseram para chegar a tais
resultados e quais são, efetivamente, seu conhecimento sobre esses assuntos.
Na área estética não é diferente. Esse “vale tudo” não tem fim, permitindo o surgimento
de tratamentos, como por exemplo a criolipólise, que usa baixas temperaturas
prometendo acabar com a gordura localizada. O aparelho é colocado na superfície da
pele, fazendo as células de gordura serem congeladas “in loco” a temperaturas negativas
para serem destruídas. Ou seja, agora eles estão congelando as gordurinhas. Apenas por
curiosidade, liguei para uma clínica que realiza o tratamento e me informaram que a fila
de espera era de cinco meses.
Você acha que um tipo de tratamento agressivo como esse pode fazer bem ao seu corpo?
Essa seria realmente uma forma definitiva de resolver o problema? O bombardeio da
mídia perpetuando um modelo de beleza é tão contundente e eficiente que as pessoas
estão dispostas a correr risco de vida para ficarem magras. Veja o exemplo da
lipoaspiração. A pessoa fica magra de forma artificial e, mais tarde, como acaba por voltar
aos velhos hábitos alimentares e manter-se sedentária, ganha novamente toda a gordura
que tinha sido retirada.
As pessoas ficam tão desesperadas e alucinadas com a própria imagem, que lançam mão
de qualquer novidade que surja, por mais maluca que possa parecer. Se sair uma matéria
na web amanhã dizendo que pelo de macaco faz emagrecer, em poucas horas essa
“matéria-prima” vai se esgotar no mercado. Algum empresário esperto e ligeiro vai lançar
rapidamente esse produto em diversas opções: cápsulas, creme etc.
Se o modelo do fast training já é temerário imagine, então, treinar por conta própria,
seguindo as dicas de treinamento que proliferam nas revistas, na TV e na internet.
Vamos fazer uma pequena experiência. Vá até a banca mais próxima e leia todas as capas
das revistas de fitness e “saúde”. Pode-se resumir quase todos os títulos a: “Fique magro e
tenha um corpo perfeito, no menor tempo possível”. Para vender mais, as revistas lançam
mão de um marketing apelativo para atrair o leitor.
Veja este exemplo: “Como ganhar uma barriga tanquinho em apenas oito semanas”.
Folheando a matéria, vejo que, na realidade, eles deveriam mudar o título para: “Como
ganhar uma hérnia de disco em apenas oito semanas”.
Quando será que estas revistas vão cair em si e perceber a responsabilidade que têm para
com o leitor? Não seria uma irresponsabilidade passar uma dica radical de treinamento,
sem saber nada sobre o aluno ou se preocupar com quem vai ler? Isso sim é um
treinamento totalmente realizado às cegas.
Certa vez, conversando com o meu amigo professor Paulo Vitiritti, tive um insight do que
seria fundamental explicar ao aluno, para que ele nunca mais caísse no “conto do vigário”
do crescimento muscular instantâneo.
Vamos esclarecer isso de uma forma didática. Um treinamento nunca pode ser indicado
como uma fórmula geral que sirva para todos. Por quê? Porque todos nós temos um
corpo diferente, uma morfologia diferente, um histórico de atividade física diferente, uma
genética diferente, um tônus muscular diferente, uma personalidade diferente, e por aí
vai. Somos absolutamente diferentes uns dos outros.
Na prática, isso quer dizer que, se você aplicar em mil pessoas diferentes os mesmos
exercícios que estão lá na revista, prometendo uma barriga tanquinho em oito semanas,
obterá mil resultados distintos.
E, pasmem: apenas pouquíssimas pessoas irão se favorecer dessa promessa e obter uma
barriga um pouco mais definida em oito semanas. Mesmo assim, elas terão desgastado e
prejudicado as suas articulações e cartilagens.
Na realidade, esse perfil de pessoas só vai ter sucesso em treinamentos assim porque
elas já estavam próximas ao seu objetivo. Como funciona isso? Tente observar algumas
crianças na faixa dos cinco anos que você conhece. Você vai notar que algumas delas já
são muito energéticas, fisicamente fortes e tonificadas, e estão se movimentando e
brincando de forma intensa e vigorosa. Outras crianças são mais quietas e introspectivas,
são desajeitadas, sem tônus muscular e não gostam de atividades físicas vigorosas. Pois
bem, aquele corpo extremamente definido, forte e perfeito aos 18 anos de idade, é fruto
de anos e anos de uma relação intensa com a atividade física e esportiva, período em que
se construiu, fibra por fibra, cada um de seus músculos. Do outro lado, aquele corpo
flácido, sem tônus, sem agilidade, desajeitado e recoberto com uma camada generosa de
gordura, é fruto de anos e anos de falta de estímulo, abandono e inadequação à atividade
corporal.
Então, o que você acha que acontece quando esse último perfil chega para um treinador e
fala que deseja ter um corpo perfeito em poucos meses? Qual seria a reação mais
honesta desse professor: cair na risada; pedir para ele rebobinar a fita da sua vida, voltar
aos cinco anos de idade e se movimentar intensamente a partir de então; ou explicar para
ele que o tipo ideal de corpo é fruto da genética, do histórico, da personalidade e da
determinação, o que pode demandar cinco, dez ou 20 anos de treinamento?
O que eu diria a esse aluno? Muita calma nessa hora. Você pode ter um corpo forte e
definido, mas o seu corpo nunca vai ser igual a um modelo específico de corpo. Isso é
impossível, não existe uma cirurgia geral de ossos, músculo e articulações. Você vai ter
apenas o corpo que a natureza lhe deu e suas possibilidades. Desenvolva-se, explore e
viva todo o seu potencial físico. Seja quem você é.
Para uma mente formatada neste sistema de consumo, o corpo é uma camiseta, que
você pode comprar, idêntica à que está na propaganda. Essa mente continuará a ser
seduzida pela indústria do fast training e pelo treinamento radical.
Você sabe qual é o truque utilizado sempre que lhe mostram uma foto com antes e
depois, em que o sujeito, milagrosamente, ficou musculoso em pouco tempo?
Quando isso não acontece pelo uso de anabolizantes, a explicação é simples: algumas
pessoas já têm uma musculatura bem desenvolvida, mas, devido ao excesso de peso,
essa musculatura fica escondida por baixo da camada de gordura. Não é aparente, mas
quando elas emagrecem, abracadabra! Essa musculatura surge, assim como um milagre.
Outra questão importante é que você pode, sim, mudar bastante o seu corpo, mas o
tempo desse processo varia radicalmente de pessoa para pessoa. Nessa hora, o que vai
fazer diferença e pode se transformar em uma grande vantagem, é o seu histórico de
atividade física.
Por que os jovens que foram ativos têm muita vantagem, mesmo que estejam há muitos
anos inativos? Porque nossa constituição e memória muscular se preservam por toda a
vida. O que isso quer dizer? Nossos músculos são como sacos, uma vez que você os
desenvolva e os constitua, eles estarão sempre, potencialmente, à disposição para serem
preenchidos, ainda que eventualmente fiquem um pouco vazios.
Meu pai sempre me serve de exemplo. Aos 78 anos de idade, ganha músculos com uma
velocidade impressionante. Como foi um ginasta e decatleta durante muito tempo, é só
ele treinar por dois ou três meses que os sacos ficam totalmente preenchidos e os
músculos volumosos e definidos.
Em resumo: partindo-se do ponto zero, é possível ficar com o corpo lindo e definido em
poucos meses? Não, isso é impossível. Seria possível, então, ficar com o corpo forte e
bonito em 18 ou 24 meses? Aí, sim. Quando falamos em anos, e não em poucos meses ou
semanas, nos aproximamos de uma realidade mais concreta. Porém, a velocidade da
evolução vai depender da genética, da dedicação e do histórico de cada aluno. A arte de
acelerar o processo de crescimento muscular, sem prejudicar o corpo, requer um
profissional extremamente experiente, consciente e estudioso.
Será que o grande medo dos treinadores é de que os alunos tenham discernimento e
independência? Esse medo é infundado. Quando o aluno entende o porquê e o sentido do
que faz, o treinamento adquire outra dimensão e profundidade. Isso irá ajudar no seu
vínculo com o treinamento. É como eu digo, o aprendizado sobre o seu próprio corpo é
algo extremamente útil, algo que se leva para o resto da vida.
O que poucos percebem é que alunos conscientes e esclarecidos são o melhor cenário
para a indústria do fitness, mesmo que ela ainda não saiba. Alunos conscientes treinam
de forma equilibrada e buscam resultados no longo prazo. Logo, não se machucam, não
desistem do treinamento e são fiéis ao treinador, visto que estabeleceram um vínculo de
confiança e afeto, cenário completamente oposto ao do aluno inconsciente. De forma
efetiva, o modelo de treinamento consciente ajudará não apenas a população a encontrar
sentido e prazer na atividade física, como também levará toda a indústria do treinamento
a triplicar o seu tamanho em poucos anos.
Na chave a seguir, pincei mais um trecho da entrevista que fiz com Dr. Maciel que, de forma
impressionante, se encaixou à perfeição com esse assunto. Parece que a providência
providencia tudo mesmo. (risos)
Por que o treinamento natural é imbatível e muito mais eficiente para um atleta? Porque
um atleta precisa desenvolver inteligência e funcionalidade corporal em toda a sua
complexidade. Um atleta precisa ser ágil, rápido, forte, flexível, coordenado, sensível e
intuitivo. Para ele, é essencial treinar e aguçar todas as suas habilidades corporais.
Por que, então, o treinamento com pesos está caindo em desuso para os atletas de alta
performance? Porque além de não desenvolver e estimular todas as qualidades essenciais
a um atleta, essa forma de treinamento pode inibir e prejudicar a funcionalidade corporal.
O ganho de força e potência é mais eficiente e profundo quando realizado por meio de
exercícios mais dinâmicos, que envolvam instabilidade.
Por exemplo, levantar 40 quilos usando apenas a força de um músculo, como o bíceps,
não é algo saudável, simplesmente porque nosso corpo não foi projetado para suportar
cargas intensas, agindo apenas sobre uma articulação.
Vou dar um exemplo prático que ilustra bem essa questão. Quando pensamos em uma
maneira natural e eficiente de fortalecer a musculatura das costas, dentre outros
músculos, balançar ou levantar o corpo na barra funciona como uma perfeita simulação
do que faziam os nossos ancestrais primatas quando subiam em árvores. Quando
fazemos esse movimento de forma natural, mobilizamos diversos músculos
estabilizadores e profundos em todo o nosso corpo, que se unem para apoiar e sustentar
o movimento. O abdômen se contrai intensamente e aciona a região lombar, o assoalho
pélvico e o esfíncter se unem ao time e vão recrutando internamente cada pequeno
músculo, de forma que até o quadríceps e o dedão do pé participem sinergicamente
desse movimento.
No entanto, o que acontece quando você usa uma máquina como o pulley para simular
esse movimento? Devido ao fato de você estar sentado e ter um apoio em seu joelho
estabilizando toda a musculatura inferior e central do corpo, isso desliga e torna
desnecessário o uso desta musculatura durante o movimento. Quando você puxa com os
braços a barra do pulley em direção ao seu peito, não é você que está subindo em uma
barra, mas sim, ela que está descendo, movimento que faz os blocos de peso subirem ao
lado da máquina, certo? Pois bem, essa forma extremamente artificial de simular o
movimento provoca uma carga excessiva apenas sobre alguns poucos músculos (essa é a
função da musculação localizada). Outro fator indesejável é que – devido à falta de apoio e
sinergia com diversos outros músculos que poderiam contribuir para este movimento –,
os músculos se tencionam e sofrem uma sobrecarga artificial, que agirá de forma
localizada apenas sobre certas articulações. Ou seja, tais formas de treinamento
contraem e recrutam regiões em nosso corpo que não deveriam ser muito estimuladas,
como nosso trapézio, pescoço, mandíbulas e a ATM (articulação temporomandibular).
No final das contas, o corpo que se move em bloco será um corpo que perdeu sua
capacidade de movimento e articulação. Eu me recordo de uma cena emblemática
referente a essa questão: eu estava no vestiário de uma academia, quando vi um
praticante de bodybuilding, com uma massa razoável de músculos ao redor do seu corpo,
ser incapaz de retirar sozinho a sua própria camiseta. Isso mesmo, aquele homem
extremamente forte e musculoso teve que esperar, pacientemente, algum amigo entrar
no vestiário para ajudá-lo a retirar a sua camiseta. O volume e a rigidez dos seus músculos
eram tais, que uma simples tarefa como essa havia se tornado algo praticamente
impossível de ser realizada.
Portanto, qual o sentido de todo esse sacrifício? Apenas para estar de acordo com um
modelo de beleza inventado pela indústria bilionária do bodybuilding? Apenas para se
adquirir status social? Isso é realmente saudável? Quando você quiser jogar uma partida
de futebol, vôlei de praia, fazer slackline ou surfar, você acha que todo esse excesso de
musculatura será uma vantagem ou uma desvantagem? Vale a pena abrir mão de tudo
isso, da saúde e da funcionalidade corporal, em prol de um padrão estético? Se a resposta
for sim, você é um bodybuilder convicto e sabe os riscos que está correndo. Só me cabe
compreender as suas escolhas, que devem ser sempre validadas e respeitadas, como
qualquer tipo de escolha em nossas vidas.
A musculação com pesos é bastante eficiente para quem quer ficar “bombado” e gosta do
modelo de corpo extremamente volumoso. Porém, nesse processo, para chegar a esse
corpo ideal, o aluno terá que, invariavelmente, consumir algum tipo de “bomba”.
• Possui curta duração, entre 15 a 20 minutos. São treinos rápidos e desafiadores, que
promovem estímulos de superação e estimulam a consciência corporal.
• A alavanca do movimento é feita pelos braços, e não pela coluna como no treinamento
com peso, preservando-a assim de possíveis lesões. A coluna é o nosso bem mais
precioso.
• Prepara o corpo para adquirir agilidade, mobilidade e funções em todos os ângulos
possíveis.
Entre diversas outras vantagens. Como você pode constatar, os benefícios são enormes.
Para quem tem dúvidas em relação ao volume e à qualidade muscular que podem ser
atingidos com essa forma de treinamento, podemos tomar como exemplo o corpo de um
ginasta, uma musculatura de grande qualidade, definição e volume.
Por incrível que pareça, essa forma de treinamento com barras que fazemos desde 1954,
agora se transformou em uma febre chamada street workout ou calistenia, ainda que a
nossa proposta seja bastante diferente dessa prática. Há, porém, um equívoco nesse
método: ele não deveria se chamar “calistenia”, que, originalmente, são exercícios mais
leves e acessíveis a todos, feitos sem nenhum equipamento. Como a barra fixa, as barras
paralelas e outros acessórios são centrais nessa prática, parece-me que a base da
ginástica olímpica é muito mais determinante nesse novo conceito de treinamento.
Porém, como toda moda ligada à indústria do fitness, os riscos são os mesmos do
bodybuilding e outras práticas. Ou seja, caso a performance e o resultado estético
tornem-se uma obsessão, o treinamento pode, igualmente, estimular e hipertrofiar o ego
(e a vaidade), como também levar a um excesso de rigidez muscular. O excesso de
volume e intensidade no treinamento podem ainda representar um risco de lesões
articulares e tendinites.
Na prática, nenhuma técnica é de toda ruim, a princípio. O problema está mais na forma
como ela é utilizada. Tudo vai depender da intensidade e do volume, que deve ser sempre
planejado individualmente para cada aluno. Até o treinamento funcional, tão festejado na
atualidade, pode ser nocivo. Quando usado no formato de circuito de alta intensidade e
treinamento com sofrimento, ele pode se transformar em um risco à saúde.
Por outro lado, mesmo a musculação com pesos pode ser positiva, caso seja feita com
cuidado e moderação. Nunca se esqueça: a diferença entre o veneno e o remédio é
apenas a dosagem.
AUTOAJUDA QUE ATRAPALHA
Chega de fórmulas prontas!
Essa ilusão pode ser decorrente do formato comercial da autoajuda, em que os capítulos
se estruturam em receitas, manuais e fórmulas prontas. Embutida nesse conceito, está a
promessa de que, caso você siga essas fórmulas, finalmente estará transformado. Nosso
cérebro é facilmente enganado e seduzido por fórmulas bem estruturadas e
convincentes. Quando termina de ler um desses livros, o leitor tem absoluta certeza de
que já está transformado, antes mesmo de ter dado qualquer passo adiante neste
sentido. Dali a alguns meses, ele já se esqueceu de quase tudo o que leu, uma vez que não
aplicou esse conhecimento. Quem já frequentou a escola, sabe o que acontece com o
conhecimento que não é aplicado na prática: ele se apaga.
O que o leitor faz, então? Compra outro livro e inicia todo esse processo novamente. Tudo
o que busca formatar, doutrinar, enquadrar e criar regras estritas pode ser nocivo ao
espírito, simplesmente, porque mata a criatividade, a autenticidade e a individualidade de
cada um.
Algo muito ingênuo dessa linha editorial da autoajuda é querer criar diretrizes e
promessas fantasiosas, construindo e racionalizando um passo a passo da busca pela
felicidade e pela sabedoria. Esse passo a passo não existe, da mesma forma que não
existem duas pessoas iguais. Todo modelo padronizado e idealizado pode, no fim das
contas, não ser de grande valia. O que serve para você pode não servir para mim.
É obvio que o mestre também tem o seu papel, também pode servir de farol e nortear o
caminho do autoconhecimento. Mas existe uma distância enorme entre encaminhar e
ajudar, ou pegar pela mão e conduzir.
Assim como não existe “Olimpo espiritual”, os lugares retratados nos livros de autoajuda
podem não ser reais. Cada um vai até onde pode, dependendo de sua visão, talento e
aptidão. A espiritualidade não deve ser uma competição, nem um sistema de castas.
Cada ser humano seguirá por um caminho segundo a sua missão e o seu talento. Você
acredita que um mundo onde todos fossem “xamãs” seria um mundo possível? Quem se
ocuparia com todas as demais funções? Veja, nas tribos primitivas existe um só xamã
para cada tribo. No entanto, esse é o mundo idealizado em muitos livros de autoajuda
espiritual. Faz mais sentido pensar no empresário iluminado, no professor iluminado, e
assim por diante. Mas a espiritualidade não deve ser entendida como um processo de
competição ou de comparação, do tipo “ele é mais do que eu”. Essa é uma visão ocidental
do processo. Daqui a pouco, alguém cria uma “Olimpíada espiritual”, uma competição
para ver quem é o maior iogue (mestre de yoga). Isso não faz sentido.
Iluminar-se é a coisa mais simples que existe e, ao mesmo tempo, a mais complicada. O
problema é que a iluminação não requer nenhum esforço. Para nós, é complexo conceber
algo que não exija esforço. Porém, talvez essa seja a maior lição a ser aprendida: o esforço
nos afasta daquilo que flui naturalmente em nós, nos afasta da essência da própria vida.
Você conhece algum animal que se esforce para ser alguma coisa? Absolutamente não. O
animal é.
Nesse sentido, esforçar-se para ser o que você não é, acaba afastando-o da sua própria
essência. A iluminação passa pelo processo de se reconectar e de, finalmente, acessar a
sua identidade e o seu poder. No entanto, aí que mora a maior dificuldade. Como cada
pessoa é uma esfinge, um ser mental extremamente complexo e intrincado, a maioria se
perde no labirinto de si mesmo. Mas, ao compreender a si, você estará desperto.
Existem milhares de pessoas iluminadas que nem se dão conta disso. Um homem da roça
pode ser mais iluminado do que um reconhecido mestre espiritual. Eu desconfio
imensamente do caráter messiânico e do uso comercial que certas pessoas dão à
iluminação.
Busque no YouTube por “Kumaré Trailer (Documentary 2012)” e você vai entender melhor
essa problemática. Neste documentário, um ator, muito bem preparado, se passa por um
guru e realiza alguns pequenos milagres.
O guru, assim como o terapeuta, não precisa fazer “nada”. Ele precisa ser apenas um
espelho que nos permita enxergarmos a nós mesmos. Nós já nascemos todos
iluminados. Tanto isso é verdade que o processo de parir se chama “dar à luz”. Como o ser
humano vive um processo civilizatório e cultural que inibe sua autenticidade e
naturalidade, ele vai se apagando ao longo do seu crescimento. Ou seja, nós vamos
perdendo a capacidade de escuta e de conexão consigo mesmo.
Na vida real, não existe a ideia de que, ao atingir o equilíbrio perfeito ou o topo do
conhecimento, tudo estará resolvido. A vida é uma busca constante e diária pelo equilíbrio
e pela sabedoria. Essa é a realidade. Não existe jogo ganho. Ninguém nunca está pronto,
ninguém é perfeito, nem o guru. Não existe um ponto de chegada ou um lugar ideal, como
prometido nos livros de autoajuda.
Uma das questões mais nocivas da autoajuda pela busca espiritual é a criação e o
estímulo a um ideal inatingível de espiritualidade. E justamente esse ideal fomenta o
“spiritual shopping”, ou seja, cria mais um mercado imenso de consumo, em busca do
“Santo Graal” ilusório da sabedoria e da espiritualidade.
Todo esse processo que falo aqui apenas desloca o eu, o ego ou a mente, como você
quiser chamar, para outro objetivo, agora não mais materialista, mas sim, espiritual e
elevado. É como se o ego reconhecesse que é interessante e bacana ser consciente,
elevado e espiritualizado, e assim desejasse a todo custo se moldar a esse objetivo. O
extremo disso são aquelas pessoas que viajam pelo mundo atrás dos gurus mais
badalados e famosos, consumindo e descartando diversas técnicas, livros e terapias
alternativas.
Existe uma disparidade muito grande entre o que a gente fala e o que a gente faz. Por
exemplo, todo mundo fala da importância de sermos mais solidários e pensarmos mais
no outro, até o momento em que você está atrasado e, para garantir o seu lugar do outro
lado do farol, acaba fechando o cruzamento. Ou mesmo quando você está tomando
banho e acaba de usar o último pedacinho de sabonete, e aí “se esquece” de repô-lo para
quem virá a seguir. É como se diz: “Falar é fácil...”. Uma coisa é a teoria, outra é a prática.
A espiritualidade não pode estimular o ego e a vaidade. Muitas pessoas usam a busca
espiritual como forma de status social. Acho engraçada essa suposta “elite espiritual” que
se acha o suprassumo, a quintessência da altivez espiritual, e olha de cima os “meros
mortais”, com piedade e soberba.
Veja só quantas armadilhas existem por trás da espiritualidade. Uma delas é confiar
cegamente na autoridade ou no mestre. Ou ainda, cultuá-lo e, através da imitação, buscar
ser igual a ele.
Muitos gurus, que já nasceram com uma luz especial, percorrem durante décadas o
caminho de iluminação. Depois, passam a vida tentando explicar como se faz para trilhar
esse caminho. Porém, fico pensando: será que esse caminho é, de fato, acessível à grande
parte da população?
Gostaria de abrir um parêntese para discutir uma ideia importante sobre isso. Se você é
um ser humano que foi criado nesse conceito de que ambição e esforço são essenciais ao
sucesso, vai achar que a modéstia espiritual que proponho aqui é prejudicial, pois faz as
pessoas se contentarem com pouco. Se ainda não percebeu, a simplicidade é um dos
segredos da felicidade e da fluidez do espírito, e não está amarrada a realizações e
fórmulas que nos encaixotam.
“Aqui estão dois diferentes futuros que eu lhes convido a contemplar, e vocês podem
tentar imaginar e dizer qual vocês preferem. Um é ganhar a loteria, US$ 314 milhões. O
outro é se tornar paraplégico. Pensem um pouco. Vocês devem achar que não precisam
de um momento de reflexão. O interessante é que existem informações sobre estes dois
grupos, que dizem quão felizes são. [...] Porque o fato é que, um ano depois de perder
controle das pernas, e um ano depois de ganhar a loteria, sortudos e paraplégicos estão
igualmente felizes com suas vidas.” (Trecho da palestra “Por que somos felizes?” de Dan
Gilbert, para o TED Talks 2014.)
Assista ao vídeo dessa palestra na íntegra. Vale a pena assumir o protagonismo em sua
vida e buscar conteúdo de qualidade, que lhe traga reflexões nesse sentido. O trecho
anterior é um bom exemplo da longa distância entre o que acreditamos serem elementos
essenciais à felicidade e o que efetivamente nos torna mais felizes.
O ser humano reage de forma parecida ao se decepcionar e perceber que tudo o que ele
idealizou, na verdade, não existe. Ser convencido e enganado pelo marketing do consumo
já faz parte de um inconsciente coletivo e está fortemente impregnado em nossa psique e
em nossa cultura.
Por exemplo, se você é muito rico e compra a mansão dos seus sonhos, essa sensação
pode lhe trazer satisfação por certo período. Porém, rapidamente, você vai se acostumar
com a mansão e o seu nível de satisfação volta ao patamar anterior. Ou seja, em pouco
tempo, parecerá aos seus olhos que você teve uma mansão a vida inteira. Essa é a
sensação.
Nesse ponto, talvez o autoengano o leve a reformar a mansão, na intenção de retomar o
encanto anterior. Então, você inicia um processo de buscar novos bens e assim por
diante. Com todos eles, ocorrerá esse mesmo processo: prazer momentâneo e
insatisfação permanente.
(Woody Allen)
40 VOCÊ SÓ SERÁ FELIZ QUANDO ALGO MUDAR EM SUA VIDA? SERÁ QUE ESSA É UMA
PRISÃO MENTAL?
Será que a satisfação e o próprio sentido de felicidade não estão associados à capacidade
de sentir-se bem na própria pele e de sentir-se bem no momento presente?
Quando minha filha de seis anos está insatisfeita, ela pergunta ansiosa e aflita: “Papai, o
que a gente vai fazer agora?” Quando ela está totalmente imersa e entretida na sua
própria ação, no momento presente, ela está satisfeita, está em “flow”. Essa capacidade
de fluir com a vida, em tempo real, e de não querer que a vida caiba em nossas
idealizações, torna-se uma ferramenta essencial na busca de satisfação, sabedoria e
plenitude.
Dizem que “Deus escreve certo por linhas tortas”. A questão é que, na natureza, não existe
a linha reta que imaginamos. O que existe é a realidade e os seus caminhos naturais que,
constantemente, fogem daquilo que idealizamos. Torta não é a vida, e sim a nossa
mente, por querer enquadrá-la em uma lógica linear.
O grande comediante John Cleese tem uma piada interessante nesse sentido: “Quer fazer
Deus rir? Conte a Ele os seus planos”.
Isso não quer dizer que não seja importante fazer planos ou sonhar. Nem significa que
rezar não funcione. Significa apenas que não podemos controlar tudo. É mais sábio
aceitar a vida da maneira como ela é: imprevisível.
(Cartola)
Viver é algo que acontece no “agora”. Condicionar a sua felicidade a algo que acontecerá
no futuro é um autoengano. Para alguns, o futuro nunca se concretiza, pois quando o
futuro se torna presente, eles não estão lá para aproveitá-lo. A mente, mais uma vez,
jogou a sua felicidade um pouco mais à frente. Você percebe que esse “um pouco mais à
frente” nunca chega?
Outro dia, uma amiga me mostrou uma frase interessante, que estava assinada pelo Dalai
Lama, mas duvido que seja dele de verdade. Na internet, são comuns frases de autoria
duvidosa. Segue a frase em questão: “Não estrague o presente com um passado que não
tem futuro”.
Entrando na brincadeira, resolvi construir outras versões para esse modelo de frase, que
funciona como um quebra-cabeça remodelável.
2 - “Não estrague o seu passado com um presente que está preso ao futuro.” (Um
presente não vivido, torna-se um passado vazio.)
Resumindo: ao não viver o agora, você perde tudo: passado, presente e futuro.
41 FRAGILIDADE É PODER
ATINGINDO A ILUMINAÇÃO
Eu tive uma grande revelação, uma forma de iluminação repentina, assistindo a um filme
com uma mensagem profunda e transcendente. Aliás, recomendo que você veja.
Trata-se de “Frozen”, da Disney. A menos que você tenha vivido em outro planeta nos
últimos anos ou não conviva com crianças, já deve ter ouvido falar dessa febre entre os
pequenos. Mas como esse insight teve início justamente num filme roteirizado, feito e
vendido para ser um mega sucesso comercial? Estaria eu me contradizendo nesse exato
ponto do livro?
Trata-se de uma princesa que tem um enorme poder e que, devido a um acidente na sua
infância (que representa a educação e o meio cultural), fica com medo desse poder e se
isola do mundo (o que representa o ego e o sentido de “eu”).
Ela se tranca em seu castelo de gelo (assim como a maioria de nós) e passa a ferir e
machucar exatamente as pessoas que mais a amam e que buscam ajudá-la (assim como
a maioria de nós). O medo existente em seu coração cria um mundo hostil e gelado (cada
um de nós constrói a sua própria realidade), baseado no seu isolamento e no seu ego,
contaminando e deixando o mundo todo frio e hostil.
Por fim, a mensagem mais piegas e batida de todas, e talvez por isso mesmo, tenhamos
ficado cegos e incapazes de percebê-la em toda sua profundidade e beleza: “Só o amor
aquece o coração e nos liberta”. Essa mensagem bíblica, que permeia todas as religiões,
revela a importância do outro, da colaboração e do afeto como elementos estruturais em
nosso equilíbrio físico, mental e emocional. O amor faz o que parece impossível, que é
nos trazer de volta à sanidade, à vida e à comunhão com todos à nossa volta.
Cada um de nós, assim como a princesa do filme, só poderá entender e usar o seu
poder (que é imenso), de forma positiva, se superarmos o medo (o frio que nos
paralisa e congela) através do amor (da troca com o outro, da colaboração e do
afeto).
“MAS, TENDO MEUS AMIGOS POR PERTO (...), ASSIM ACHO QUE DÁ PARA VIVER.”
(Marina Lima)
Como você pode ver, existe no mundo muita sabedoria e conhecimento, até mesmo em
um filme da Disney (risos). O que não nos falta é informação.
Com mais maturidade, você poderá perceber que o conhecimento não tem muito valor se
não for aplicado à vida, se não for vivido de forma prática. O conhecimento só pode se
transformar em sabedoria quando é vivido e experimentado no próprio corpo. Ele, então,
torna-se um conhecimento incorporado, torna-se corpo. Existe um ciclo da sabedoria,
como você verá a seguir.
(Aristóteles)
A escola é uma invenção militar, o treinamento físico é uma invenção militar, e a nossa
educação familiar tem como base esses mesmos conceitos de modelagem de conduta e
punição. O ambiente corporativo é um universo de prêmios e castigos; e tudo o mais
parece vir da mesma fonte. Até a religião nos ensina que devemos temer a Deus, assim
como devemos temer, ainda mais, ao demônio. Todas essas instâncias não adotam uma
estratégia positiva, amorosa e construtiva de relacionamento. Elas operam através do
medo e da intimidação. Por que isso acontece?
Nesse processo, durante muitos séculos, a máquina doutrinadora e sua tremenda força
opressora têm funcionado a todo vapor. Por isso, encontramos essa barreira, esse muro
monumental, essa dificuldade de evolução e de mudança social. Muito se fala sobre a
falta de amor no mundo, mas como pode haver amor onde existe opressão, violência e
medo?
Nós vivemos em uma sociedade baseada no medo. A essa altura, você já deve ter
percebido isso. E, assim, entendido como é ruim fazer escolhas baseadas no medo. Se
você é uma pessoa observadora, terá reparado que as questões mais importantes deste
livro são permeadas pelo medo. Lembra-se? O obeso tem medo de não emagrecer, o
milionário tem medo da escassez, as pessoas têm medo de perder o emprego e, por isso,
transformam-se em “cowboys corporativos”, as academias têm medo de fugir do
convencional e por aí vai.
Quais são os seus medos? Essa é uma pergunta que você deveria fazer ao seu analista.
Isso pode elucidar muitas questões. Ok! Será que fui muito fundo? Pausa para pensar...
Quer ir tomar uma água e depois retomar o texto?
O mundo, então, transforma-se numa oposição entre aqueles que querem manter tudo
como está, ou até resgatar condutas e padrões de um passado longínquo, e aqueles que
querem construir um mundo novo, onde o ser humano seja respeitado em sua liberdade
e individualidade. Alguns radicais e fundamentalistas de esquerda ou de direita querem
impor à força a sua verdade, destruindo todas as liberdades já conquistadas. “O cão ladra,
mas a caravana passa.”
“QUEM ANDA NO TRILHO É TREM DE FERRO. SOU ÁGUA QUE CORRE ENTRE PEDRAS:
LIBERDADE CAÇA JEITO.”
(Manoel de Barros)
Como bem disse Manuel de Barros, a liberdade sempre arranja um jeito de seguir em
frente. Assim como a água.
Um sistema de controle social que formata, modela e inibe as diferenças não permite ao
ser humano ser quem ele é.
Não somos nós que escrevemos o livro. É o livro que nos escreve.
Eu brinco dizendo que este livro foi psicografado, que, de certa forma, ele se fez sozinho.
Não fiz qualquer planejamento ou esquematização para realizá-lo. De forma mágica, as
citações, complementos, depoimentos, colaboradores e referências simplesmente vieram
até mim. Sabe quando as coisas surgem no momento exato? Pois é! Elas iam aparecendo
à medida que eu sintonizava com elas. Eu apenas fui colocando-as no livro, montando
uma espécie de quebra-cabeça intuitivo.
Ele é fruto de uma coleção bastante livre, realizada durante muitos anos, em que fui
acumulando insights, pesquisas, rascunhando textos e guardando papeizinhos e
anotações diversas. Foi esculpido com todo cuidado e paciência, à maneira de um ourives
ao manusear uma joia.
Certas vezes, peguei-me num fluxo contínuo ao escrever, numa espécie de transe, como
que conectado a um inconsciente coletivo, a uma força maior que pensava por si mesma.
Quando terminava, o resultado do processo era uma revelação para mim mesmo.
Este livro foi exigente e impositivo. As inspirações e certas revelações me perseguiam nos
lugares mais inesperados, acordavam-me no meio da madrugada ou me forçavam a
correr atrás de um caderno, em um dia chuvoso, próximo à Pinacoteca de São Paulo.
O mais curioso foi que escrevi tudo à mão, consumindo vários cadernos em diversos
formatos. O que, para mim, é um forte indício de que, no fim, ele seja mesmo uma forma
branda de psicografia. (risos)
Nas minhas férias de 2013, por exemplo, escrevi à mão mais de 220 páginas de um
caderno grande, em 15 dias, sem qualquer consulta. Somadas a tudo isso, tenho ainda
mais de 500 horas de reflexões gravadas durante os últimos anos, e que quase não usei
para o livro. Ou seja, esse exercício de caminhar com o pensamento, de seguir em frente e
descobrir novas camadas de um conceito, é algo que me atrai profundamente.
Claro que o ambiente familiar também colabora para esse cenário. Imagine o que significa
viver em uma casa em que o seu pai, a sua mãe e os seus dois irmãos são formados em
educação física, e a sua irmã mais velha é fisioterapeuta. O assunto corpo, treinamento e
qualidade de vida é uma constante entre nós. Só para variar, até hoje, nos finais de
semana, nós nos reunimos e conversamos sobre... Adivinha o quê?
Falar sobre esses assuntos é uma compulsão familiar. É impossível fugir disso, é a nossa
paixão.
Todo mundo está em busca de reconhecimento. Queremos fazer algo grande, queremos
ser grandes, ser importantes. O mundo, para nós, é um espelho. Só nos reconheceremos
grandes e importantes quando tivermos sucesso, e quando o mundo nos enxergar e
divulgar a todos esse acontecimento.
Acontece que você já é especial, único, grande e poderoso por natureza. Nós somos feitos
à imagem e semelhança de Deus (natureza) e, essencialmente, perfeitos em nossa
imperfeição. Você é que ainda não descobriu isso, porque tal conhecimento está
soterrado pelo peso da educação doutrinária e castradora da sociedade, bem como pelos
ideais de sucesso e de felicidade vendidos pela mídia do consumo.
O que é integridade? É perceber que, essencialmente, não há nada que precise ser
melhorado em você.
(Eckhart Tolle)
Siga pelo caminho, siga pela vida, mas lembre-se de curtir a paisagem. Pare à beira de
uma sombra, delicie-se com cada milagre da nossa existência, deguste uma fruta (um
pequeno milagre). Enfim, deguste a própria vida, encontre seus amigos, brinque com as
crianças…
Não tenha pressa em chegar. Afinal, o fim do caminho é a morte. E aí pergunto: por que
correr tanto assim? Desacelere! Por que tanta pressa em consumir a vida? Quanto mais
você correr, mais perto estará do fim, em todos os sentidos. Contemple a sua jornada,
antes que ela chegue ao final e você sinta a angústia de não ter vivido tudo o que podia
enquanto corria.
A vida é feita para ser vivida. Não seja você mais um robô produtivo na linha de
montagem do consumo. Não se deixe enganar, não deixe que esmaguem a sua liberdade
e criatividade. Viva a vida segundo os seus próprios termos. Pense fora da caixinha. Jogue
fora todos esses condicionamentos, ideais, expectativas, cobranças, crenças e tudo mais
que aprisiona o seu espírito. Cada ser é um ser divino, um universo. Descubra a potência
que está escondida abaixo das camadas que soterraram a sua verdadeira identidade.
Gosto muito de levar a vida, a atividade física e tudo mais o que fazemos como uma
brincadeira, uma diversão. Assim, a vida se torna muito mais viva, leve e apaixonante. Ter
humor é essencial. E não se levar a sério é mais importante ainda.
(Nuno Cobra)
Vamos nos preocupar menos com o peso das responsabilidades e nos preocupar mais
em nos envolver e nos divertir realmente enquanto vivemos. Assim, poderemos ser
melhores e mais inteiros em tudo o que fizermos.
Esta é uma das ambições mais positivas e essenciais em nossas vidas: sermos
inteiros em tudo o que fazemos. Ou seja, não viver apenas através da lógica do esforço,
da obrigação e da recompensa. Esse é o verdadeiro segredo do sucesso, e não um
sucesso inventado, porque o prêmio não está apenas no final. O prêmio já faz parte de
todo o processo. Viver intensamente é o único prêmio real. Uma vida adiada em nome do
sucesso, da fama e do dinheiro é uma vida perdida.
O mundo é muito mais simples e, ao mesmo tempo, muito mais complexo do que isso.
Devemos nos policiar para não sucumbir a uma visão negativa da vida por influência da
TV e dos noticiários. Existem dois mundos evoluindo simultaneamente em nossa
realidade: um mundo que piora e um mundo que melhora.
Nas últimas décadas, o mundo melhorou em vários aspectos, como por exemplo, as
mudanças nos costumes que ocorreram na década de 1960 e que continuam se
desenrolando, através da queda de preconceitos e do aumento da consciência e das
liberdades individuais.
Quanto mais pessoas estiverem envolvidas com a transformação do mundo, melhor para
o mundo. Precisamos de toda a força para combater aqueles que trabalham diariamente
para um mundo pior, como os políticos corruptos, os empresários de ramos nocivos à
saúde e ao meio ambiente, e tantos outros. Faço um pedido a você que está lendo este
livro: avalie, de forma sincera e sem máscaras, se você colabora realmente para um
mundo melhor, através do seu trabalho. Afinal, de que adianta ficar reclamando e
amaldiçoando os problemas do mundo, de braços cruzados?
Não adianta apenas querer e desejar um mundo melhor. É preciso colocar a mão na
massa, fazer a sua parte de forma efetiva. O nosso mundo carece de obstinação, foco e
talento para plantar ideias que germinem em colaboração, potência e construção de um
novo paradigma, representando uma nova era, de verdade, do homem sobre a Terra.
A mudança do mundo está, literalmente, em suas mãos. O mundo é feito por você, por
mim e por todos nós.
PARA QUE SERVE A UTOPIA?
“Há algum tempo, quando eu estava na universidade fazendo uma espécie de palestra
com um grande amigo, diretor de cinema argentino, Fernando Birri. [...] E fizeram a ele
a mais difícil de todas (as perguntas): um estudante se levantou e perguntou ‘Para que
serve a utopia?’.
Continuando o raciocínio relatado por Galeano, caminhar em direção à nossa utopia nos
faz avançar rumo a uma nova construção de mundo: real, palpável e possível.
A colaboração e o amor não são utópicos, mas sim, representam a maior força e potência
de vida que existe sobre a Terra. A verdadeira revolução não passa por mudar um sistema
político, financeiro ou seguir cegamente novas utopias. Também não está relacionada a
novas batalhas sangrentas, lutas de classes, trocas de líderes ou à busca da destruição
radical do sistema vigente através da violência. Isso seria apenas mais do mesmo que já
estamos vivenciando, há milhares de anos. A verdadeira revolução é interna, acontece
dentro de cada um de nós.
Estas são as únicas condições reais para a mudança do mundo: amor, consciência,
colaboração e integridade.
FIM
AGRADECIMENTOS
Quero agradecer a todos que ajudaram nas transcrições dos textos e que sofreram um
pouco para interpretar a minha letra.
Foram vários cadernos que se espalharam por aí. Agradeço ao Rodolfo Brant, à Caroline
Almeida, ao Gustavo Winther e à Cris Winther, à Roberta Larizza, à Alessandra Dias e à
minha irmã Rosane Cobra.
O caminho de materialização deste livro foi sinuoso e cheio de surpresas. Ainda bem que
grandes editoras não se interessaram por ele. Embora este processo tenha dispendido
uma grande quantidade de tempo e energia, a recusa me fez chegar à Editora Voo, esta
sim feita sob medida e completamente aliada ao meu propósito. E assim, juntos, alçamos
voos criativos e livres de convenções e amarras.
Por fim, quero agradecer à parte mais turbulenta do processo. O embate com as
dificuldades me fez crescer. A história é engraçada (só depois que passou, é claro). Uma
pessoa me levou à outra, foi assim: a Andréa del Fuego me apresentou à Simone Paulino,
e a consequência foi um desencontro brutal, simplesmente, não era para ser. Mas a
Simone me apresentou ao Anderson Cavalcante, um grande editor, cuja grande
colaboração foi me apresentar à Cinthia Dalpino. A Cinthia me acolheu e soube entender
que não tinha sentido reescrever o livro e perder a minha voz. Sendo assim, me deu
liberdade e fez uma edição extremante discreta e criativa, dando mais ritmo e fluxo ao
texto. Até os 45 minutos do segundo tempo, o Anderson iria publicar este livro. No final,
contrariando todas as apostas, nossas visões divergiram. Não era para ser.
Agradeço imensamente à Claudia Kubrusly, da Editora Voo, que conseguiu colocar este
livro de pé em apenas um mês. Não me pergunte como ela conseguiu isso.
A vida é mesmo mágica: as pessoas que precisam se juntar acabam se juntando, não é
incrível isso?
GABARITO DA CHAVE 29
AS PESQUISAS
Essa forma leviana e ingênua de divulgar conceitos e verdades, pode ser perigosa.
Originalmente, as pesquisas eram usadas e interpretadas apenas por especialistas, que
as analisavam e traduziam.
(Texto meu)
Jornalistas são fáceis de enganar, afirma com conhecimento de causa o americano John
Bohannon, doutor em biologia molecular e ele próprio um jornalista.
Bohannon, 41, ficou um pouco mais famoso recentemente por falsificar um estudo
dizendo que chocolate poderia ajudar no emagrecimento, inventando até mesmo um
instituto de pesquisa.
O resultado foi parar na capa do Bild, o principal jornal popular da Alemanha, junto do
acidente com o avião da Germanwings, e apareceu em veículos de mais de 20 países.
[...]
O segredo para fazer a mutreta é uma artimanha estatística que muitos pesquisadores
praticam (mesmo sem querer).
Quando um estudo é planejado, são decididas as variáveis que serão medidas e, com
um teste estatístico (modo matemático de analisar se uma causa pode realmente ser
associada a um efeito), é medida a chance de aquelas variáveis terem sido modificadas
por conta de um tratamento – uma dieta, por exemplo.
É uma loteria de azar. Quanto mais bilhetes (variáveis), mais chances de que a
mudança em alguma delas seja erroneamente associada a uma intervenção (ou dieta,
no nosso exemplo).
Ele apostou e tudo deu certo. O próximo passo foi achar uma revista para publicar o
artigo. Sem problemas: ele mesmo havia confeccionado uma lista de editoras e revistas
supostamente científicas, mas em que basta pagar para se ter estudos publicados.
(Texto extraído da matéria “Enganar jornalistas é fácil, diz cientista”, veiculada no jornal
Folha de S.Paulo de 09 de agosto de 2015.)
Além disso, o público não especializado tem dificuldade para entender que conclusões
científicas abstratas sobre os benefícios de determinado alimento não
necessariamente se aplicam a casos específicos individuais. [...]
Por fim, é bom ter em mente que há gente ganhando dinheiro com modismos
alimentares, diz Lara Natacci. “O marketing da indústria do emagrecimento é mais
rápido do que o estudo científico. Sophie Deram, nutricionista da USP, conta que já
assistiu a uma palestra sobre mitos e verdades do adoçante financiada por uma
indústria do setor. “Havia centenas de nutricionistas lá. É como publicidade. Você tem
que entender que há interesses.”
Coloco a seguir um trecho de uma matéria feito pelo pesquisador Olavo Amaral, que
expõe como funciona o lobby da indústria dos medicamentos, que igualmente lançam
mão das pesquisas como forma de garantir a venda de certos produtos.