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Curso de Especialização
(Tomo I)
I - A Antiguidade
A área que hoje identificamos como “Oriente” é atualmente a parte do globo que
se estende, num sentido leste – oeste, da península indochinesa às ilhas do Japão, e no sentido
sul-norte, do mar da arábia às estepes geladas da Mongólia e Rússia. Na antiguidade, toda a
terra era muito misteriosa e desconhecida, além do Golfo da Pérsia, e se estendendo aos
confins do mundo! Mas, modernamente separaram-se daí os povos árabes, de cultura distinta
e mais agrupados no “Oriente Médio” e norte da África.
Mesmo sem ser a região geologicamente mais antiga da Terra, é uma delas, e tem
como característica reunir os povos de maior “memória” do planeta e talvez a ocupação
humana mais linear ao longo do tempo. Isto reúne as condições para se manter aí um precioso
arquivo de eventos e fatos que contam uma impressionante história acerca dos povos que se
desenvolveram nesta região. Por outro lado, a maior parte destas culturas ainda está muito
viva e ativa, e naturalmente se transformando! Isto, para quem as observa com os olhos
privilegiados da distância do tempo e da geografia, tanto representa uma preciosa chance de
assistir à materialização de um passado longínquo quanto ao inegável trabalho que o mundo
moderno está fazendo na transformação continuada de todos os paradigmas que compõem os
alicerces destas culturas. Dando voz à controvérsia, para alguns o que se pode ver ali é uma
espécie de “degeneração” dos valores e das características únicas do modo de vida e do
pensamento do oriental. Para outros, o Oriente ainda representa um mosaico fantasticamente
colorido das mais diversas formas do homem encarnar a sua espiritualidade e a sua
humanidade através de seus símbolos ancestrais.
Em todo caso, qualquer que seja o ponto de vista, o que se percebe é que o
Oriente não é mais o mesmo quando se o compara com o seu passado distante. A
característica mais impressionante, de berço da cultura e da espiritualidade humanas, já não se
faz sentir em qualquer esquina de qualquer comunidade, grande ou pequena, como se via na
Antiguidade.
Naquele tempo o Oriente respirava magia e mistério, e todas as almas que ali
vicejavam incorporavam este perfil nos mais ínfimos e delicados detalhes que compuseram
um dia o seu modo de ser e de assistir à própria existência. Hoje se vive do brilho de um
passado que já se torna em grande parte desconhecido para a maioria das pessoas comuns. A
tradição empalidece a cada geração e vai paulatinamente deixando de ser o “eixo” sustentador
do cotidiano dos povos orientais.
A história antiga teve então o seu curso com todos os eventos já conhecidos.
Passou da era pré-cristã para os séculos posteriores ao advento do cristianismo e terminou por
desembocar na época dos grandes navegadores, por volta do século XII. Se inauguraram por
estes anos as relações comerciais mais diretas e consistentes com a China, a Índia e o Japão, e
como já era tradicional para os europeus expansionistas, junto com os interesses comerciais
vieram os interesses políticos e religiosos.
As naus que iam e vinham entre o Ocidente e o Oriente afinal, eram carregadas
por seus fretadores com muito mais do que mercadorias e ouro. Na verdade, como sempre, os
navegadores viam todos os povos não europeus como incivilizados e primitivos, e desde o
primeiro momento fomentaram secretamente mirabolantes planos de domínio econômico e
colonização. Contudo, a realidade ia muito além do ego hipertrofiado dos Duques e Reis da
Europa Medieval, e para todos que algum dia relataram os primeiros contatos entre ocidentais
e orientais sem compromissos tendenciosos (o que foi sempre muito e muito raro!), o que se
viu foi a descoberta de um mundo muito mais rico econômica e culturalmente falando que a
disforme e atrasada civilização ocidental.
Todos estes fatos se encontram nos minuciosos relatórios e cartas secretas que as
missões eclesiásticas enviavam ao Papa regularmente. Mas, para nós, que neste momento,
distanciados cerca de oitocentos anos destes observadores pioneiros, começamos tal qual eles
a tentar entender a cultura e a medicina deste povo, o importante é que acontece o fato que
tornou possível estarmos hoje neste empreendimento.
A partir das bases latinas “Acus” (...com ponta) e “puntus” (inserir), criou a
palavra “Acupuntura”, que na verdade, como já visto, não existe no oriente no sentido em que
é comumente empregada aqui .
Este termo se popularizou e, como já dito, com o passar dos séculos se identificou
com toda a medicina chinesa, em que pese a “técnica das agulhas” não englobar mais do que
uma pequena parcela de todo este sistema médico.
Este estado de coisas se manteve inalterado por toda a Antiguidade e início da era
moderna.
Neste movimento, foi então enviado para lá, por uma instituição bancária, como
não poderia deixar de ser, um jovem de 20 anos que, naquela época, na verdade tinha muito
pouca experiência em relações internacionais.
Com tais atributos pessoais, é claro que tal personagem não poderia por muito
tempo ficar restrito às mesmices das relações comerciais que no primeiro momento o levaram
ao Oriente. Portanto, foi com extremo prazer que viu o governo francês descobrindo-o como
um personagem de importância no extremo oriente, logo o requisitando para trabalhar no
amadurecimento das relações diplomáticas entre China e França. Neste processo acabou
sendo designado Cônsul francês e, lotado na cidade de Changai, começou a se ocupar em
intermediar e sedimentar tais canais diplomáticos. Entretanto, após um primeiro momento de
intenso labor, próprios de quem está montando a base de uma missão diplomática em terras
distantes, e muito em função do trânsito entre os dois governos ainda ser muito insipiente, não
houve muito mais a fazer em prol destas ocupações.
Felizmente para todos nós, o interesse pela medicina, pela imensa e exótica
cultura e pela história da China, encontrou um bom espaço de tempo e oportunidade no
espírito e no cotidiano de Soulié de Morant.
O seu cargo, é claro, lhe abriu muitas e preciosas portas que antes permaneceram
cerradas para os ocidentais. E o próprio fato de falar e ler fluentemente a língua dos
mandarins, o ajudou a vencer a forte resistência e a natural desconfiança que o povo oriental
nutre por tudo que vem “de fora” (embora isto esteja diminuindo com a crescente “invasão”
da cultura ocidental, ainda hoje a xenofobia é um traço marcante deste povo!).
Quer seja pelo seu valor pessoal, ou pela conjuntura favorável que encontrou, o
fato é que pouco mais de uma década depois Soulié de Morant tinha reunido um
impressionante conhecimento acerca de tudo que se referia àquele intrigante país. E muitas e
variadas foram as áreas em que sua curiosidade insaciável mergulhou, levando-o a coletar,
recuperar e traduzir um cem número de documentos já tornados veneráveis pela tradição e
pela antiguidade, muitas vezes, ocultos pelo tempo dos próprios chineses! Diante de tal obra,
sempre monitorada de muito perto pelo governo chinês, assim como pelas universidades,
bibliotecas e academias freqüentemente visitadas por aquele estrangeiro incomum, quando de
sua volta à França lhe foi outorgado o título de “Doutor” em Tradicional Medicina Chinesa
pela Imperial Academia de Medicina de Pequim, em função do reconhecido saber que
demonstrava nesta especialidade e pelo trabalho de recuperação dos antigos textos médicos
tradicionais, que passaram então a ser novamente úteis às instituições acadêmicas da China.
Por esta época, já alguns outros cientistas da área tinham escrito e comentado a
singular maneira de curar dos orientais, mas todos, sem exceção, tinham tratado a matéria
como mera curiosidade acadêmica, permanecendo longe de ter-lhe apreendido o significado
ou sequer a valorizado como técnica digna de ser incorporada ao acervo médico ocidental de
recursos terapêuticos.
Com Soulié de Morant o nível de tratamento deste legado correu de modo muito
diferente e rapidamente um grupo de esclarecidos médicos pesquisadores se formou em torno
dele.
A partir das figuras ancestrais que trouxera da China, e com a convicção de que
cada ponto de acupuntura teria de ser uma área metabolicamente diferenciada, Soulié de
Morant pacientemente testou bioeletricamente (por esta época, o conceito de “bioeletricidade”
já tinha sido desenvolvido por Michel Devigni e estava muito em voga nas academias
francesas!) cada ponto descrito pela tradição, além de um grande número de outras referências
cutâneas (principalmente francesas e alemãs) que foram surgindo no decorrer do trabalho.
Entretanto, o está fazendo sob novas bases, e mesmo que novamente a tradição
esteja se tornando importante, este renovado Oriente a está agora colocando em uma outra
perspectiva, certamente muito mais centrada em ver tudo isto, muito mais como uma herança
de todos os povos antigos que ali se desenvolveram.
Um terceiro e último elemento que tem que ser explorado aqui é a influência que
vem tendo a invasão chinesa no Tibet.
A partir de 1947, a China tornou-se um país comunista e de nacionalismo
exacerbado, tendo este fato se tornado possível em função da extrema falta de sintonia entre
os últimos imperadores e o povo chinês. A muito a Corte de altos dignatários e seus
administradores havia isolado a família imperial, mantendo-a dentro de uma aura mítica que
tinha como principal função perpetuar sua pretensa origem divina (mas também, mantinha o
imperador na ignorância quanto aos desmandos e negociatas cometidas pelos altos
funcionários nas províncias!). Isto, associado com a obscena inépcia da maioria dos
administradores regionais, escolhidos muito mais em função da representação política que
pela competência, estabeleceu um estado de coisas em que o povo experimentava ao lado de
uma extrema pobreza, a tradicional repressão de todos os seus anseios.
É claro que este não foi um processo pacífico ou indolor e para levá-lo adiante foi
preciso estruturar uma força militar gigantesca e bem aparelhada. Com a subida ao poder de
Mao Tse Tung, em que pese ser este um frio e violento líder, que não hesitou em usar sua
máquina de guerra contra o povo em mais de uma lamentável ocasião, o furor destrutivo da
revolução comunista arrefeceu.
Este ato, embora muitas vezes fosse historicamente justificado pela relativa
posição estratégica daquele pequeno país, situado a meio caminho entre a Península Indu, a
ainda poderosa União Soviética e a China, na verdade buscou trazer para o domínio chinês a
fonte de onde tinha fluído em tempos distantes a maior e melhor parte dos aspectos refinados
da cultura chinesa.
Neste ponto, alguém deve estar se perguntando porque isto seria importante para
alguém que quer conhecer a Tradicional Medicina Chinesa! Aliás, não apenas em relação ao
Budismo, porque afinal é importante conhecer todo este processo de transferência de
conhecimento Oriente-Ocidente!?
A resposta a isso, para ser a expressão da verdade, tem que ser dada bastante
devagar posto que só vai abarcar a totalidade dos motivos que nos levam a proceder assim,
aquele que já tiver caminhado um bom trecho da tortuosa trilha da aquisição do conhecimento
ancestral. Por agora, é preciso começar a pensar em que todo aquele que opta por este
caminho, está realmente começando a fazer parte de um processo maior que ele mesmo!
Em que pese a importância dos seus próprios impulsos pessoais, sem os quais
nada aconteceria de fato, o que realmente está acontecendo é a associação com um fluxo
altamente energético de nível global! A vida está se transformando neste planeta, e
transformando as pessoas, e para que este processo se dê de forma equilibrada é necessário
que determinados “eixos” sejam garantidos.
Para que a dimensão verdadeira do que significa isto se faça no espírito do homem
é que, de tempos em tempos, se conta um pouco da história desta última transição.
III- O Hinduismo
Figura 2 – O símbolo do OM
Como já comentado, a única chance que o Ocidental tem de entender, que seja
medianamente, a Tradicional Medicina Chinesa, é apreender o mínimo do método de
pensamento do Oriental. Entretanto, por ser extremamente distinto do nosso próprio método,
esta não é em tese uma tarefa fácil.
Entretanto, o próprio termo “Hinduismo” tem que ser para nós esclarecido posto
que o temos absorvido muito interligado com o agrupado de seitas que compõem a religião
indu. O Hinduismo em verdade se refere a tudo que é próprio do vale do rio Indo, um dos
principais rios da Índia e berço das mais antigas ocupações humanas da região. No meio desta
herança está a Medicina Ayurvédica, ou seja, a medicina ensinada pelos Vedas, que para nós
neste momento é de suma importância na medida que serviu de substrato básico para o
surgimento do que denominamos Tradicional Medicina Chinesa(T.M.C.).
Antes dos Upanishads, textos que coletavam as tradições orais e que começaram a
surgir por volta de 200 a 250 D.C., já existiam os “textos sagrados” ou “Védicos”.
Denominação que os coloca como provenientes da época dos “Nobres Estrangeiros (Vedas)”,
dominantes naquela região desde há 20 séculos antes de Cristo.
Sabe-se apenas, que era um povo que veio do leste, que trouxeram a cultura e a
organização social para os Indus, e que um dia se foram em seus “vimanas” (discos muito
brilhantes e perfeitamente planos que se elevavam do solo sem ruído ou perturbação alguma
da terra ou da atmosfera em volta!?), desgostosos com os ferozes ataques que as bárbaras
tribos nórdicas vinham lhes infligindo por várias décadas.
Figura 4 - VIMANA
Sem a sua proteção, todo o vale do Indo caiu sob a dominação bárbara, e algumas
tribos guerreiras se estabeleceram por ali. Mas, repetindo um processo que já acontecera
algumas vezes antes, inclusive na época dos Vedas, foi apenas questão de tempo para que os
pretensos “conquistadores” fossem por sua vez conquistados pela sutilmente sedutora cultura
dos nativos.
Esta longa história, contada desde cerca de 8.000 anos A.C., estabeleceu uma
intensa miscigenação entre vários povos, e deu origem a um complexo contexto social,
caracteristicamente extratificado por um sistema de castas rigidamente separadas em seus
direitos, atribuições e valores.
Tal estado de coisas se fortaleceu tanto através dos séculos, que até os dias de hoje
persiste e, de certa forma, representa um dos graves entraves sociais que o povo Indu enfrenta
para se tornar mais coeso e mais identificado enquanto nação unificada.
De todo modo, com este apego ao seu antigo modo de ser, e de sentir a
experiência da vida, em seu subconsciente o povo Indu preservou a base filosófica que os
nobres ancestrais, os Vedas, lhes trouxeram um dia.
Nos dizem os ancestrais que tudo provém de uma manifestação divina única, para
os Indus, o Brahmam.
Figura 6 - BRAHMAN
A partir disto, o Indu organiza então seu pensamento colocando dois movimentos
na relação do ser vivente com esta energia vital universal. O movimento que, quando passado
para o ser, promove a harmonia, que considera “puro”. E o movimento que promove a
desarmonia, que considera “impuro”. É claro que, aqui, as expressões “Puro e Impuro” não
se referem em essência à sanidade ou malignidade de qualquer coisa, mas simplesmente ao
tipo de reação que tal princípio desperta no sistema que está abordando. E mesmo no que se
refere ao movimento impuro, este também trás implícita uma idéia de utilidade! Obviamente,
tudo provém do Brahmam, e portanto, é divino e perfeito em suas atribuições!
A expressão clínica disto, em que pese ser uma concepção bastante óbvia e
simples, surpreendentemente, para o Ocidental tem sido um grande desafio de credibilidade.
Para nós, simplesmente, tem sido muito difícil crer que qualquer processo de desequilíbrio
(causado pela instauração de algum movimento impuro) tem sua razão de ser. A utilidade de
uma experiência de desequilíbrio, em muitas ocasiões, é difícil de perceber, e como tal, no
mais das vezes, na mente do Ocidental, este movimento então deve ser suprimido o mais
rápido possível.
Figura 8
Se a doença trás a dor, e o homem compreende a sua origem, é mais provável que
ele não cometa os mesmos erros, e não acumule mais Karma, e desenvolva posturas que o
leve mais para o caminho da harmonia física e espiritual. Isto, por sua vez, é acumular
“Dharma”, ou seja, nesta nova postura o homem pratica sua “ética interior”, e harmonizando
o seu fluxo vital, compensa o seu Karma!
Ele acredita que, se de alguma forma, ele puder ajudar o sistema a movimentar
sua vitalidade no sentido compensatório, seguindo a dinâmica já descrita, qualquer que seja o
problema, este se ajustará novamente em uma expressão pura do metabolismo. Se ajustando,
estará novamente estabelecida uma economia fisiológica “correta” que, ocupando os espaços
funcionais, confrontará o “impuro” expulsando-o do organismo.
Após o ano 600 A.C., com o advento do “Bhagavad Gita”, um manuscrito das
tradições que com o tempo se tornou a “Bíblia” do Indu, acrescenta-se mais um caminho às
três vias consagradas.
Acontece que o povo, por esta época, já não sabia mais como conhecer
diretamente os desígnios divinos, e isto obviamente propiciou o surgimento e o crescimento
de uma rede de representações religiosas que antes não encontrva tanto espaço para se
desenvolver.
Em função disto, vale a pena continuarmos um pouco mais e visitar, mesmo que
ainda rapidamente, um traço mais atual de todo este pensamento. Um ambiente interessante
para se ter este enfoque é o Budismo, e toda a sua visão do universo.
IV- O Budismo
Figura 10 - BUDA
Gautama, apesar de ter nascido muito rico, filho da fina realeza de uma antiga
etnia Indu, estava marcado pela profecia do astrólogo que fez o seu horóscopo quando de seu
nascimento. Segundo este adivinho, ele só cumpriria o seu destino como herdeiro de seu pai
se, até a idade de trinta anos, não sentisse a dor do mundo. Em vista disso, o Rajá, seu pai,
determinou que ele jamais ultrapassasse os portões do palácio, preservando-o de tomar
conhecimento das misérias da humanidade. Apesar da determinação de seu pai, o jovem
Gautama tinha uma intensa curiosidade sobre tudo e queria muito ver o que existia além do
seu dourado mundo palaciano. Um dia, não se contendo mais, obrigou um servo a trocar de
roupas com ele e, coberto por um manto, conseguiu burlar a vigilância de seus “protetores”.
Conta a lenda que Gautama passou o dia fora, voltando ao palácio já ao escurecer.
Tinha o cenho carregado e não comentou com ninguém acerca do que tinha lhe acontecido em
sua pequena aventura. Entretanto sua esposa, vendo-o ensimesmado e pensativo dia após dia,
pressionou-o a que se abrisse. Gautama fitou longamente a delicada mulher que lhe tinham
concedido como companheira e, com os olhos marejados de lágrimas, contou-lhe que na
verdade naquele dia não tinha se afastado muito do palácio. Entretanto em seu curto passeio,
assistira a execução de um criminoso condenado, vira um homem coxo a pedir esmolas e um
outro, estirado a pé de um muro, doente e faminto. Desde este dia tais visões não lhe saíam da
cabeça e, de fato, suas emoções haviam lhe forjado uma certeza em seu coração. Ele,
Gautama, na verdade não sabia nada da vida e se angustiava imensamente em ter todo aquele
espaço, conforto e abundância a sua disposição, enquanto a maioria das pessoas não tinha
sequer um pedaço de pão para mitigar-lhes a fome crônica.
Não havia mais paz e luz em seu coração, e por isso tomara a decisão de
abandonar tudo aquilo! Iria vagar pelo mundo aprendendo sobre a realidade e, com o tempo,
fazer alguma coisa para minimizar a miséria da humanidade. Apesar da expressão de espanto
da linda jovem ajoelhada ao seu lado, naquele ponto o Príncipe sorriu para ela e convidou-a a
partilhar do seu destino. A expressão da mulher mudou do espanto para o pânico e
inconscientemente , ela se afastou, confusa e dividida. Abandonar tudo que conhecia para
sempre!? Toda a proteção do palácio, sua posição e sua família...!?
Ao entardecer daquele dia, aos 29 anos de idade, Sidarta Gautama abandonou
sozinho as dependências do seu palácio e nunca mais voltou. Se desfez de suas roupas, deu
seu dinheiro a um pedinte e esqueceu-se de seus títulos e de sua herança. Logo juntou-se a um
grupo errante de Dervixes (ordem de monges ascetas que habitam as florestas e campos e
pautam seu comportamento por hábitos extremamente rigorosos, tais como o voto de silêncio
e jejuns quase absolutos por longos períodos) e iniciou seu longo e penoso aprendizado.
Em suas longas horas de meditação, Gautama percebeu que estas três motivações
(a culpa, o medo e a ambição), em verdade, não pertenciam ao ser interior divino e puro que
animava cada um daqueles homens. Percebeu que de fato, estes se dedicavam às coisas que
pertenciam à superfície de suas mentes, e que este certamente não era o melhor caminho para
atingir a condição de “Bodhi”, ou iluminação.
Tal conquista só poderia fluir daquele profundo mistério divino que habitava cada
um deles, e que permaneceria irremediavelmente inalcançável se estivessem o tempo todo tão
concentrados com as cosias banais do dia a dia. Aquecido e excitado por suas conclusões, que
lhe vieram como uma poderosa onda de vida e verdade, o jovem se dirigiu aos seus
companheiros, tentando dividir com eles o que vira. Mas, desafortunadamente, tudo isto se
dera em sua mente em meio a um dos mais sagrados períodos de purificação para os Ascetas.
Neste período o mais absoluto jejum e o mais absoluto silêncio eram imprescindíveis!
Quebrá-los sob qualquer pretexto era impensável e, além do mais, quem julgava ser aquele
neófito para instruir os mais empedernidos homens santos daquela floresta!?
Seguindo seu treinamento, comeu apenas alguns figos, bebeu bastante no riacho e
pôs-se a meditar placidamente. As horas passaram e se transformaram em dias, o breve
descanso tornou-se uma verdadeira jornada para o esquecimento e o príncipe, sentado ao pé
da figueira, confundiu-se com a relva, o vento e os raios de luz. A lenda conta que o jovem
permaneceu em estado contemplativo por sete dias e sete noites e, após este tempo, ao
alvorecer do oitavo dia, alcançou o seu “Nirvana”. Ou seja, integrou-se a toda à criação e
teve consciência de cada ser vivo que respira neste mundo. Ficou extasiado com a
multiplicidade da obra da natureza e tomou consciência da magnitude do milagre da vida. Era
um raro milagre!
Um dia abandonara a casa de seu pai, sua fortuna e sua esposa, desejando
encontrar um lenitivo para as misérias do mundo. Haveria motivação humana mais
justificável e nobre que aquela?
Não!
O homem Sidarta separou-se de seu corpo físico perto dos oitenta anos de idade,
deixando para a humanidade toda uma vida de ensinamentos, a grandeza de um exemplo de
simplicidade e humildade e, para seus discípulos, um resumo poderoso do que deveria saber
qualquer um que busque trilhar o caminho do Buda (trilhar este caminho significa buscar o
Samadi, a iluminação!).
Nem sempre.
Na verdade o que o Buda está nos dizendo é que, primeiro, a verdadeira doença do
homem não é visível diretamente, pertence ao reino do espírito (da psique!). E, segundo, todo
processo de adoecimento sempre começou muito tempo antes de seus primeiros sintomas
visíveis se apresentarem!
Este sem dúvida é um alerta valioso para o curador tradicional. Nunca espere uma
cura rápida para a verdadeira “doença” do homem, sejam lá quais forem as suas
manifestações aparentes, pois o seu caminho de dor espiritual é longo e deverá ser, durante a
cura, todo percorrido ao contrário.
A Terceira Nobre Verdade revela que o “desejo” pode ser curado. O valor central
desta afirmação é a “esperança”. Ou seja, primeiro sugere que, não importando quão grave
seja o quadro de desequilíbrio, sempre haverá disponível um tipo de “cura”. Então o homem
tem a obrigação de procurar por ela! E repetindo, não importa a gravidade do caso, sempre há
uma cura!
Por outro lado, e sempre considerando que o homem só adoece por sua ignorância
acerca do que é correto, o Buda trata de fornecer os elementos fundamentais para se prover a
cura, ou mesmo para nunca se necessitar de adoecer para fazer seu crescimento.
Obviamente, a partir da fala simples do Buda, uma infinita discussão pode ser
desencadeada acerca da amplitude de seus significados. E por certo, sempre houve aqueles
que se dedicaram a isso a vida toda!
Contudo, e sempre considerando este um espaço não dedicado apenas às questões
filosóficas, vale a pena discutir alguns aspectos apenas para situar melhor aquele que vai
meditar em cima destas verdades milenares.
Atente que este elemento inédito sempre será uma aquisição a se somar ao seu
patrimônio existencial. Sendo assim, “compreendê-lo” nem sempre será se inteirar de seus
mecanismos internos, embora possa passar por aí, eventualmente.
Antes, será mais importante introduzir tal elemento no seu esquema de vida sem
permitir que este estabeleça ali um processo desarmônico!
Por outro lado, “manter a perfeita aspiração”, sempre passará por não desejar
aquilo que não lhe cabe naquele momento. O Buda acredita que o seu Karma sempre lhe trás
o necessário para que se cumpra o seu ciclo de vida. É impensável desejar acelerar as coisas,
sem que isto traga ao homem o infortúnio!
É impensável desejar mais do que se pode consumir ou controlar, sem que isto
traga os excessos, que trazem os adoecimentos! É impensável desejar o que é do outro, sem
que isto traga ao homem os malefícios próprios da total ignorância de tudo acerca do que está
desejando!
A quarta via se preocupa em estabelecer algo essencial para todo aquele que vive
próximo aos outros: a ética. Mas é importante perceber que manter a “perfeita conduta”, nem
sempre é agir de acordo com a ética da maioria.
Aqui, o único movimento que faz realmente sentido é manter-se fiel à própria
ética interior, buscando sempre harmonizá-la o máximo possível com as regras do grupo em
si.
É preciso entender que sempre haverá uma distância a ser acomodada aí, e a arte
do conviver está justamente em perceber o melhor momento para avançar, assim como o
melhor momento para recuar no preenchimento destes espaços.
A quinta via esclarece ao homem que a sua iluminação não necessariamente passa
pela privação dos recursos materiais. Há que se atentar que esta é uma vida que se desenrola
na dimensão do concreto, e isto não é assim por acaso!
Ou, por outro lado, estar presente aqui significa que o caminho de iluminação
passa por aprender tudo que se refere a este tipo de experiência, e assim torná-la
insubstituível!
A sexta via fala do “perfeito esforço”. Aqui o Buda se preocupa com o excesso de
vitalidade aplicada em objetivos mal equilibrados. Nesta verdade ele quer transmitir ao
homem que, quando a aspiração se torna “desejo”, a tendência é de se tentar movimentar uma
quantidade enorme de recursos para se alcançar aquilo que se idealizou com tanta paixão. E
isto adoece o homem!
Então, afinal onde estaria a medida certa para se tentar alguma coisa!? Nada
menos do que o máximo do que se pode dar, mas nunca nem um centímetro além!
Por certo, um homem de atenção verá muitas coisas não boas e sentirá, como um
dia sentiu o Buda, a dor do mundo. Contudo, fará também a nítida percepção de que para cada
dor existe um lenitivo, existe uma cura!
Contudo, esta é uma realidade ainda distante da média das pessoas, e não se
pretende que estejamos todos tão prontos assim para só então trilharmos nosso caminho de
iluminação. A qualquer um tem que ser possível o seu momento de recolhimento e descanso
da alma.
O Budismo pretende muito mais ser um modo de sentir a vida, e por isso mesmo,
por um longo tempo, não instituiu templos, não possuiu dogmas e nem representantes oficiais.
Havia apenas aqueles que sabiam um pouco mais acerca de todas estas coisas pelo
simples fato de conviver com elas a mais tempo!
Assim como outros campos, toda a indústria da saúde está se ressentindo destas
novas influências, e já não é possível conceber que, atualmente, exista algum profissional de
saúde que não empregue, direta ou indiretamente algum elemento desta medicina atemporal.
A medicina tradicional está ressurgindo, e desta vez, esperamos, veio para ficar.