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SUCESSÕES

ADMINISTRAÇÃO DA HERANÇA E PARTILHA. DOAÇÕES

Sucessão - conceito - 2024º e discrepância1 com o disposto no art. 2025º: enquanto que o
art. 2024º refere como objecto da sucessão as relações jurídicas patrimoniais, para o art. 2025º
tal objecto é constituído pelas relações jurídicas que não devam extinguir-se por morte do
respectivo titular.
Há relações jurídicas que, constituídas intuitu personae, findam com a morte do
respectivo titular. É o caso do uso e habitação (1485º), do usufruto (1443º e 1446º), das
prestações alimentares (2013º, 1, a); outras podem extinguir-se por vontade do titular (servidões
activas - 1569º, 1, a) ou herança passível de repúdio - 2062º e ss.
Excluídas da sucessão estão ainda os direitos de carácter não patrimonial (de
personalidade, de investigação ou impugnação de paternidade ou maternidade, direitos morais de
autor, direito de continuar com a acção de divórcio para efeitos patrimoniais - 1785º, nº 3) que,
não obstante transitarem para os herdeiros do respectivo titular, não fazem parte da herança.
O mesmo acontece com direitos de carácter patrimonial, como o arrenda-mento para
habitação que, não caducando por morte do arrendatário, se transmite segundo regras próprias -
art. 85º do RAU - não coincidentes com as regras sucessórias e com o direito a indemnização
por danos não patrimoniais que nasce directamente na esfera jurídica das pessoas referidas no nº
2 do art. 496º do CC, ao menos para quem entenda que se não verifica aí transmissão do finado
para os seus herdeiros.

São dois os títulos de vocação sucessória - 2026º: a lei e a vontade, de que resulta serem
duas as formas de sucessão mortis causa,
A) - sucessão legal - defere-se por força de disposição normativa de carácter legal. Pode
ser - 2027º -
1 - legítima - é deferida por lei supletiva, pode ser afastada pelo de cuius - 2131º a 2155º
- Se o falecido não tiver disposto válida e eficazmente, no todo ou em parte, dos bens de que
podia dispor para depois da morte, são chamados à sucessão desses bens os seus herdeiros
legítimos: o cônjuge, os parentes e o Estado - 2132º - pela ordem fixada no art. 2133º.
2 - legitimária - necessária ou forçada, é deferida por lei (em sentido lato - 1º, nº 2)
imperativa, mesmo contra a vontade expressa do finado, na porção de bens de que não pode
dispor por ser legalmente destinada aos herdeiros legitimários - 2156º a 2178º - porção de bens
essa chamada legítima - 2156º - e que se destina, por força da lei, aos herdeiros legitimários que
são o cônjuge, os descendentes e os ascendentes - 2157º.
A legítima é variável conforme a qualidade e número de herdeiros - art. 2158º a 2161º - e
calcula-se nos termos do art. 2162º.
Ressalvam-se os casos de deserdação - 2166º - sendo o deserdado equiparado ao indigno
- 2034º a 2038º - para todos os efeitos legais.

B) - a sucessão voluntária - 2026º - decorre de um acto voluntário, negócio jurídico


unilateral (testamento) ou bilateral (contrato de doação mortis causa) - do de cuius e pode ser
1 - contratual - 2028º, nº 1 - Prevalece sobre a designação sucessória testamentária, pois
os pactos sucessórios, como quaisquer contratos, são, em princípio irrevogáveis após aceitação
1
- Capelo de Sousa, Sucessões, I, 25.

1
(1701º, nº 1 e 1705º, nº 1); daí que uma deixa testamentária possa mais tarde ser revogada por
manifestação de vontade expressa ou tácita do de cuius ao doar mortis causa o mesmo bem -
2311º a 2313º.
Antes de aberta a sucessão, os contratos sucessórios (doações por morte, venda de herança
própria ou de terceiro) são em geral proibidos e nulos - 2028º, n.º 1, 286º e 289º e ss; as doações
por morte, quando não permitidas por lei, são legalmente convertidas em disposições
testamentárias, se observadas as formalidades dos testamentos - 946º, n.º 2 e 2204º e ss.
Casos de doações por morte válidas - 1700º (convenção antenupcial), (ir)revogáveis nos
termos do art. 1701º.
2 - Testamentária - 2179º e ss - pode incidir sobre toda a herança no caso de não haver
herdeiros legitimários ou somente sobre a quota disponível, quando os haja.
O testamento é um acto unilateral, livremente revogável a todo o tempo; nem sequer pode
o testador renunciar à faculdade de o revogar, no todo ou em parte - 2311º.
As doações mortis causa prevalecem sobre as deixas testamentárias, sejam estas anteriores
ou posteriores àquelas - 2171º.

A partilha em vida - 2029º - é uma doação entre vivos, com a especialidade de os


donatários serem, exclusivamente, herdeiros legitimários do doador e requerem, para serem
válidas, o consentimento dos outros presumidos herdeiros legitimários e o mais exigido neste art.
2029º.
A partilha em vida, como qualquer doação, não é revogável depois da aceitação - 969º, nº
1 - salvo por ingratidão do donatário - 970º e 974º e ss.

Os sucessores são herdeiros ou legatários - 2030º.


Casos duvidosos - O de cuius deixa a A 1/3 dos seus bens, mas preenche essa quota com
determinados bens que entende corresponderem a esse terço.
Se por interpretação da vontade do testador - interpretação especialmente regulada no
art. 2187º - se concluir, como parece ser o caso, que ele quis compor aquela quota com
determinado bem, estamos perante instituição de herdeiro.
A deixa de universalidades de facto - 206º - rebanho, biblioteca, colecção de moedas,
selos ou pintura - é legado, assim como de património autónomo2 ou parte dele, de
estabelecimento comercial ou industrial e de usufruto de herança ou de quota dela, de coisa
genérica (coisa indeterminada de certo género - 2253º) ou de todos os bens móveis ou todos os
imóveis.

Interessa distinguir entre H. e L. porque os herdeiros respondem, quanto a encargos e


dívidas da herança, nos termos dos art. 2068º e 2071º, enquanto que os legatários só respondem,
nos termos do art. 2277º, se toda a herança foi distribuída em legados. Mas também aqueles têm
amplo direito de acrescer - 2137º, nº 1, 2301º e 2302º - enquanto que os legatários só têm direito
de acrescer em relação ao bem para que foram nomeados - 2302º, nº 1.
Quanto ao direito de preferência, os herdeiros gozam de tal direito nos termos do art.
2130º - venda ou dação em cumprimento a estranhos do quinhão hereditário -, enquanto que os

2
- Dentro do património geral de uma pessoa existe uma massa de bens ou valores patrimoniais ou um conjunto de
relações jurídicas patrimoniais submetidos a um tratamento jurídico particular e unitário, com os elementos patrimo-
niais sujeitos a uma especial destinação e a um particular regime por dívidas. Casos da herança não partilhada, patri-
mónio conjugal

2
legatários só gozam de preferência nos termos gerais dos comproprietários, ou seja, depois de
aberta a sucessão em que estão em situação de compropriedade com o seu co-legatário.

Aberta a sucessão - 2031º - pela morte (68º, nº 1) 3 do de cuius, são chamados à


titularidade das relações jurídicas do falecido os seus sucessores (herdeiros e legatários), desde
que tenham a necessária capacidade - 2032º - e são, além do Estado, as pessoas nascidas ou
concebidas ao tempo da abertura da sucessão e, na sucessão testamentária ou contratual, os
nascituros, pessoas colectivas e sociedades, nas condições do art. 2033º, n.os 1 e 2, a) e b).

As regras fundamentais da sucessão legítima são as de


- preferência das classes de sucessíveis - 2134º ;
- prioridade dos parentes de grau mais próximo, dentro de cada classe, sobre os
parentes de grau mais afastado - 2135, sem prejuízo do direito de representação -
2039º a 2045º.

Indignidade - 2034º a 2038º. Atenção ao prazo de caducidade da indispensável acção


cível de declaração de indignidade - 2036º.

Indignidade sucessória (e deserdação)


Sentença estrangeira não revista nem confirmada em Portugal
Caducidade Sucessão legitimária
I - A sentença penal estrangeira é insusceptível de ser executada em Portugal enquanto
não revista e confirmada.
II - Mas nada obsta a que tal sentença sela utilizada em acção de declaração de indigni-
dade sucessória, como meio de prova de que o réu foi condenado por homicídio doloso contra a
pessoa do autor da sucessão.
III - O prazo do art. 2036º do C.C. é de caducidade, pelo que tal prazo fica impedido pela
propositura da acção e não pela citação do réu.
IV - Ao passo que no instituto de indignidade sucessória basta ao autor provar os
requisitos do art. 2034º do C.C., no instituto da deserdação tem o autor da sucessão de, em
testamento, excluir expressamente o herdeiro da legítima, com fundamento em qualquer das
ocorrências do art. 2.166º do C.C.
V - O instituto da indignidade sucessória é aplicável no caso de sucessão legitimária.
R.ão Porto, 5.3.01, Col. 01-II-161

No entanto, se os bens ainda não estiverem na posse do indigno, a indignidade pode ser
invocada a todo o tempo por via de excepção - 287º, nº 24.

Direito de representação - 2039º - e direito de transmissão - 2058º


O D.R. (2039º) defere-se ex lege, não por manifestação de vontade do de cuius. É
imperativo na sucessão legitimária e supletivo na sucessão legítima e testamentária - 2041º e
2042º: descendentes de filho do autor da sucessão (na linha recta) e descendentes do irmão do
falecido (linha colateral).

3
- Comoriência - 68º, nº 2 - presunção ilidível. A prova do momento da morte pode fazer-se por todos os meios
possíveis, sem prejuízo das regras do registo. Curadoria e morte presumida - 89º e 114º CC e 1451º e ss do CPC.
4
- BMJ 239-224

3
Supõe que o herdeiro ou legatário não pôde (morreu antes, v. g.) ou não quis (repudiou)
aceitar a herança e que os descendentes tenham, no momento da abertura da sucessão, capacidade
sucessória.
No DR há apenas uma aquisição sucessória, os bens passam directamente do de cuius ao
representante, pelo que este deve ter existência e capacidade em relação ao de cuius e não ao
representado - 2043º.
Em caso de representação cabe a cada estirpe aquilo em que sucederia o ascendente
respectivo - art. 2044º.

Ver, para perfeita compreensão dos art. 2044º e 2045º, o CC Anotado, de P. Lima-A.
Varela, VI, 61 a 68.

No DT (2058º) há duas aquisições sucessórias, inicialmente para o sucessível primeira-


mente chamado e de seguida para os herdeiros deste, pelo que os pressupostos de existência e
capacidade devem verificar-se tanto do 1º chamado para o de cuius como dos segundos chamados
em relação ao 1º chamado.
É o caso de A falecer e deixar dois filhos, B e C, que não aceitam nem repudiam, não
procedem à partilha da herança de seu pai A; se falecer B ou C, os herdeiros destes vão herdar de
seu pai B ou C, além dos bens que integram a herança deste, também a parte da herança do avô
que com a morte deste se integrara no património do pai, B ou C, falecido depois de herdar de A.

Aceitação - 2050º e ss - e Repúdio - 2062º e ss

A aceitação da herança é um negócio jurídico unilateral, consubstanciado numa


declaração de vontade destinada à aquisição da herança; é indispensável para que o chamado,
herdeiro ou legatário, adquira a qualidade de herdeiro, mesmo que de herdeiro legitimário se
trate, pois o domínio e posse dos bens da herança adquirem-se, independentemente da sua
apreensão material5, pela aceitação - 2050º - com efeitos retrotraídos ex lege (nº 2 do art. 2050º)
ao momento da abertura da sucessão.
Com a abertura da herança transmite-se uma posse apenas jurídica ou ideal. A posse
perfeita, verdadeira, em nome próprio, tem de referir-se ao momento em que o possuidor a
alcança de modo exclusivo sobre certos e determinados bens da herança, em que se dá a
conversão da quota ideal num poder concreto e exclusivo sobre esses bens.
... no nosso direito, a partilha tem por função penas «localizar» sobre uma parte
determinada da herança a quota ideal de cada um dos herdeiros. Não se «transmite» por ela um
direito; faz-se apenas a «conversão das quotas».
As partilhas não têm o efeito de transferir o domínio, como era por direito romano; mas
unicamente o de separar os bens, cuja propriedade e posse cada um dos herdeiros se reputa
ter obtido desde a morte do defunto6.

DIREITO DE PREFERÊNCIA
PRÉDIO ENCRAVADO OBJECTO DE LEGADO
ABERTURA E ACEITAÇÃO (DA SUCESSÃO)
ACEITAÇÃO EXPRESSA E ACEITAÇÃO TÁCITA

5
- Para a posse, já assim o determina o art. 1225º. Posse jurídica ou civil porque prescinde do corpus.
6
- BMJ 326-483.

4
VENDA MEDIO TEMPORE

I - No testamento, a instituição de herdeiro ou legatário origina-se em duas manifestações


de vontade: a instituição propriamente dita e a aceitação, as quais, embora correlacionadas, se
apresentam como manifestações de vontade distintas.
II - Assim, antes da aceitação e sem ela, não há sucessão, pelo que só após a aceitação e
por força dela é que o chamado ingressa na titularidade dos bens ou direitos hereditários.
III - A aceitação da herança ou legado é um acto jurídico unilateral e receptício, que
corresponde ao exercício do direito de suceder conferido a um sucessível através da manifestação
de vontade de adquirir efectivamente a herança ou legado.
IV - Conforme dispõe o artigo 2056º do Código Civil, a aceitação pode ser expressa ou
tácita: é expressa quando em algum documento o sucessível chamado à herança declara aceitá-la;
é tácita quando resulta de factos concludentes, quando o herdeiro ou legatário pratica qualquer
facto de que necessariamente se deduza a intenção de aceitar.
V - Revela sem dúvida esta última intenção - aceitação tácita - a inscrição no registo
predial, levada a cabo pelos legatários, do prédio que lhes foi legado em comum e partes iguais.
VI - Não obstante tal prédio revestir a natureza de prédio encravado, por estar onerado
com servidão legal de passagem, não gozam as legatárias de direito de preferência na venda do
prédio dominante concretizada em momento posterior à abertura da sucessão, mas anterior à
aceitação tácita do legado operada nas sobreditas circunstâncias.
VII - É que o direito de preferencia consignado no artigo 1555º do Código Civil cabe
apenas ao proprietário ou proprietários do prédio onerado com a servidão legal de passagem e as
legatárias, quando da venda do prédio dominante, não eram ainda titulares do direito de
propriedade sobre o prédio encravado objecto do legado - STJ, Ac. de 10. 12. 1997, no BMJ
472-443

A aceitação pode ser simples ou a benefício de inventário - 2052º (com importante


diferença no onus da prova da existência de bens na herança para responderem pelos
encargos desta - 2071º CC; 827º e 863ºA, al. c), CPC) - mas não pode ser condicional nem a
termo - 2054º; A aceitação pode ser expressa ou tácita - 2056º e 2057º - neste caso sujeita ao
regime do art. 217º, nº 1, parte final, caducando o direito de aceitação ao fim de dez anos,
contados nos termos do nº 2 do art. 2059º.

Antes da aceitação ou da declaração de vaga para o Estado, a herança diz-se jacente -


2046º - mas mesmo aí há já necessidade de administrar os bens que a constituem, pelo que
qualquer sucessível chamado, mesmo antes da aceitação ou repúdio, pode tomar providências de
administração - 2047º - da mesma forma que pode ser nomeado curador à herança jacente -
2048º.
Só à herança jacente é atribuída personalidade judiciária - 6º do CPC - porque se os
sucessores já estiverem, pela aceitação, determinados, ainda que a herança continue indivisa ou
com inventário em curso, deixa a herança de ter personalidade judiciária para caber esta, tanto
activa como passivamente, ao conjunto dos herdeiros, em litisconsórcio necessário activo ou
passivo - 2091º e 28º, nº 1, aquele do CC e este do CPC7.

7
- Ac. RP, de 4.12.98, na Col. Jur. 1998-V-211, com numerosa indicação de doutrina e Jurisprudência no mesmo
sentido, e contra a opinião de A Varela.

5
Não parece merecer grande polémica o facto de a herança, enquanto indivisa ser encarada
pela lei como património autónomo de afectação especial (independentemente de se tentar
determinar, nesta sede, qual a verdadeira natureza jurídica da herança: património autónomo,
universalidade de direito ou situação jurídica complexa), assim se compreendendo que somente o
seu activo (e não o património dos herdeiros) responda pela satisfação das respectivas dívidas.
Por conseguinte, os herdeiros não detêm direitos próprios sobre cada um dos bens hereditários,
não sendo sequer comproprietários dos bens, mas tão-só titulares em comunhão desse património.
Deste modo e por efeito das disposições conjugadas dos artigos 2068º e 2097º, ambos do
Código Civil, estar-se-ia perante uma nítida situação de ilegitimidade passiva, no caso de acção
proposta contra os herdeiros para os responsabilizar directamente pelo pagamento das dívidas da
herança indivisa
Conforme salienta Capelo de Sousa (Lições de Direito dos Sucessões, Coimbra Editora,
1980/ 1982, pág. 109), a tónica objectivista na determinação da responsabilidade pelos encargos
da herança tem expressão no regime legal decorrente dos antigos 2068º e 2069º do Código Civil -
é a massa patrimonial que constitui a herança que é directamente responsável pelos encargos
desta - e «é sobretudo patente no caso da herança indivisa, em que se está perante um património
autónomo directamente responsável (artigo 2097º do Código Civil) e em que os herdeiros apenas
têm de intervir como co-titulares desse património (artigo 2091º do Código Civil)».
Transpondo estes aspectos para o âmbito processual, onde se constata que a herança
indivisa, embora não sendo pessoa colectiva, é dotada de personalidade judiciária (cfr. antigo 6º
do Código de Processo Civil), há que considerar que a legitimidade passiva relativamente às
questões de responsabilidade por encargos da herança indivisa terá necessariamente de caber aos
co-herdeiros, atendendo à respectiva natureza de co-titulares do património em causa (neste sen-
tido Vaz Serra, anotação do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Julho de 1971, Re-
vista de Legislação e de Jurisprudência, ano 105º, pág. 208).
Com efeito, embora a lei processual atribua à herança cujo titular não seja determinado
personalidade judiciária, assumindo esta o estatuto de «verdadeira parte» (e, como tal, parte
legítima enquanto sujeito da relação material controvertida), a própria lei admite o carácter subsi-
diário do critério de legitimidade ínsito na regra constante do nº 3 do antigo 26º do Código de
Processo Civil. Consequentemente, admite-se legalmente a possibilidade de ser parte legítima
quem não é (ou apenas é em parte) titular da relação material. Assim, por efeito do artigo 2091º,
nº 1, do Código Civil, só os herdeiros podem praticar o pagamento do passivo hereditário,
sendo que esta disposição contempla uma das situações em que a lei atribuiu a necessidade
de fazer intervir o co-herdeiro para defender o acervo hereditário da retirada de bens
adstritos a este (neste sentido Vaz Serra. anotação do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de
27 de Julho de 1971, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 105, pág. 208) - Ac. do
STJ, de 9.12.99, no BMJ 492-377.

Ainda dentro desta matéria da administração da herança, importa considerar a acção de


petição da herança a que se refere o art. 2075º e que, como acontece com a generalidade de
contitulares de direitos (1286º - composse e 1405º - compropriedade), pode ser proposta por um
só herdeiro - 2078º - sem que o demandado possa opor ao demandante que os bens não lhe
pertencem por inteiro.

A acção de petição de herança visa um duplo fim:


- reconhecimento da qualidade sucessória, do título ou qualidade de herdeiro, do
demandante e

6
- restituição dos bens da herança possuídos pelo demandado, a título de herdeiro ou
outro ou sem título.

Tal como na reivindicação, pede-se a restituição de uma coisa. Mas enquanto que na
reivindicação o pedido de restituição assenta na prévia declaração de proprietário do A, na
petição de herança a restituição pressupõe a declaração prévia da qualidade de herdeiro.
Antes da partilha, o herdeiro usa a acção de petição de herança; partilhada a herança,
quem quiser pedir a restituição de um bem que herdou há-de usar a reivindicação porque então é
já proprietário.

V - A acção de petição de herança visa primacialmente obter uma sentença condenatória


de restituição de uma universalidade de bens.
A sua individualidade própria, o seu cunho diferenciador, caracteriza-se pelo facto de ela
versar sobre uma universalidade de bens e ter como causa de pedir a sucessão mortis causa.
VI - Pedindo a autora:
- Que os bens e direitos que constituem o património da herança de [...] pertencem à
legítima herdeira deste, a quem deverão ser entregues, e
- Que a arguida esbulhou os herdeiros de parte substancial da herança devendo, por isso,
ser condenada a restituir à autora a casa de morada de família com o respectivo recheio,
numerário, cartões bancários, valores, documentos de um prédio urbano e respectivas chaves e
recheio), documentos de um carro de família e respectivas chaves e outros títulos pertencentes ao
autor da herança no momento do seu falecimento;
está-se perante uma acção de petição de herança prevista no artigo 2075º, nº 1, do
Código Civil e não perante uma acção especial de restituição de posse: é que os bens objecto
do pedido de restituição fazem parte da herança - BMJ 441-202, ac. STJ de 14.11.94.

ACÇÃO DE PETIÇÃO DE HERANÇA


- Pedidos a formular
- Usucapião de bens integrados na herança (R.ão de C.ª, Ac. de
19.5.98, na Col. Jur. 98-III-116)

I - A acção de petição de herança envolve os pedidos de reconhecimento da qualidade de


herdeiro e a restituição dos bens hereditários.
II - O pedido de reconhecimento da qualidade de herdeiro pode resultar de forma
implícita.
III - Provando o R. o poder de facto, por 20 anos, dos bens que faziam parte das herança,
presume-se o animus, improcedendo a petição de herança quanto a eles.

É que, embora o direito à herança não prescreva, o exercício do direito de petição da


herança, com vista à restituição ou entrega dos bens hereditários, pode, como acontece com o
direito de propriedade na reivindicação, soçobrar perante a usucapião invocada pelo deman-
dado8. Situação semelhante vimos acontecer com a posse que, por se perder com a posse de
outrem por mais de um ano (1267º, al. d), também faz caducar as acções possessórias de
manutenção ou de restituição - (1283º).

8
- Importante estudo do Prof. A. Varela sobre o assunto na RLJ 120-152 e ss, em comentário ao ac. acima citado, do
BMJ 326-483.

7
ADMINISTRAÇÃO DA HERANÇA

Aceite a herança e tomadas as providências necessárias à sua conservação - 2047º e 2075º


- é necessário administrá-la até à sua liquidação e partilha, momento a partir do qual cada um dos
herdeiros se transforma em proprietário - com efeitos desde a data da morte do de cuius, data da
abertura da sucessão (2031º, 2050º e 2119º) - e pode, portanto, exercer todos os poderes do
proprietário.

A administração da herança, até à sua liquidação e partilha - ou só até à liquidação se não


houver lugar a partilha por haver um único herdeiro (2103º) -, pertence ao cabeça de casal - 2079º
- cargo que se defere, na falta de acordo dos interessados - 2084º - nos termos do art. 2080º ou,
no caso de a herança ter sido toda distribuída em legados, ao legatário mais velho - 2081º .
O cabeça de casal administra os bens próprios do finado e, tendo ele sido casado em
regime de comunhão, os bens comuns do casal - 2087º.
No exercício da administração o CC tem os amplos poderes conferidos nos art. 2088º a
2090º.
Assim, o CC tem legitimidade para instaurar acções possessórias não só contra
terceiros, mas até contra os próprios herdeiros para obter a entrega de bens que estejam em poder
deles, desde que a entrega material dos bens ao CC seja realmente necessária ao exercício da
administração que lhe compete - 2088º.
Pode cobrar dívidas activas da herança quando a cobrança possa perigar com a demora -
2089º - e vender frutos e outros bens deterioráveis, nos termos e com os fins definidos no art.
2090º.
O cabeça de casal tem poderes de administração ordinária. Considerou-se acto de
administração ordinária a instauração de acção contra Junta de Freguesia, a pedir a sua conde-
nação a fazer obras numa mina a esta pertencentes e cuja água danificava prédio da herança -
Col. Jur. 01-V-192.
Actos de disposição só podem ser praticados por todos os herdeiros.

Fora destes casos e sem prejuízo do direito de petição de herança por um só herdeiro -
2078º - os direitos relativos à herança só podem ser exercidos por todos ou contra todos os
herdeiros - 2091º, nº 1, em litisconsórcio necessário, portanto.
Claro que os herdeiros demandam ou são demandados, não a título individual mas como
representantes da herança.
Assim, instaurada execução contra a herança de A, representada pelo cabeça de casal, e
tendo havido já habilitação de herdeiros, devia a execução ser proposta contra todos os herdeiros
e a oposição por embargos procede, com fundamento na ilegitimidade ou irregularidade da
representação do executado, determinante de absolvição da instância, como decidiu o STJ em
27.10. 98, no BMJ 480-392, de que se transcreve:
Essa personalidade judiciária da herança não deve, porém, justificar-se por se tratar de
herança jacente, uma vez que não foi sequer alegado que os seus titulares ainda não estejam
determinados (já houve mesmo habilitação de herdeiros) ou que não tenha havido a sua aceitação
(artigos 6º do Código de Processo Civil e 2046º e seguintes do Código Civil).
Do que se trata antes é de exigência do pagamento de alegada dívida do falecido que se
terá transmitido para a herança, a qual será a responsável por esse pagamento (artigo 2068º do

8
Código Civil), só podendo ser demandado algum dos herdeiros, pessoal e directamente, no caso
de ter assumido esse encargo na partilha da herança.
Assim, qualificada como património autónomo (Oliveira Ascenção, Direito Civil -
Sucessões, pág. 472), ou como universalidade, detentora de personalidade jurídica, por gozar de
aptidão para ser titular de relações jurídicas (citados artigos 2068º e 1462º do Código de Processo
Civil), a herança tem personalidade judiciária (artigos 5º e 6.º do CPC) e, sendo o sujeito
passivo da relação material controvertida, é ainda parte legítima na execução (art. 56º, nº 1, do
mesmo Código).
O problema reside apenas na representação da herança em juízo, por não gozar de
capacidade judiciária, e, neste ponto, a solução não é susceptível de dúvidas sérias.
Não se está perante qualquer das hipóteses previstas nos artigos 2087º a 2090º do Código
Civil, em que a administração e representação da herança pertence ao cabeça-de-casal, sendo pois
aplicável o artigo 2091º, nº 1, do mesmo Código, onde se estabelece que «os direitos relativos
à herança só podem ser exercidos ... contra todos os herdeiros».
Isso não significa que os herdeiros tenham de ser demandados pessoalmente, pois, como
se notou, a própria herança é que goza de personalidade judiciária e de legitimidade, mas apenas
que eles têm de intervir como representantes da herança, em suprimento da sua falta de
capacidade judiciária.
No caso presente, a execução foi instaurada contra a herança, «na pessoa do cabeça-de-
casal» ou representada por este, e, havendo outros herdeiros além do exequente e do cabeça-de-
-casal, ocorre o vício da ilegitimidade ou irregularidade da representação do executado, o que
constitui fundamento de oposição à execução por embargos [artigos 813º, alínea c), e 815º, nº 1,
do Código de Processo Civil.
A consequência desse vício, que integra excepção dilatória, é a absolvição do executado
da instância [artigos 288º, nº 1, alínea e), 494, nº 1, alínea b), e 801º do citado Código]; tal vício
pode, em princípio, ser sanado (artigos 23º e seguintes do citado Código) ...

Da mesma forma se entendeu que o cabeça de casal não tem legitimidade para pedir a
declaração de nulidade ou anulação de deliberação social, pedido que não cabe no âmbito de
administração ordinária9 e, por isso, devia ser formulado por todos os herdeiros.

O CC tem existência jurídica desde o passamento do de cuius, independentemente de


nomeação judicial, cabendo-lhe logo o cumprimento de deveres fiscais, mas é sobretudo no
processo de inventário que sobressai a importância do bom desempenho das suas funções para
rápida conclusão do processo.
PARTILHA DA HERANÇA - 2101º e ss

Tal como nenhum dos comproprietários é obrigado a permanecer na indivisão, mas pode
convencionar-se por cinco anos, renováveis, que a coisa comum permaneça indivisa - 1412º -
qualquer co-herdeiro ou cônjuge meeiro tem o direito de exigir partilha quando lhe aprouver, sem
prejuízo de convenção de indivisão do património hereditário por não mais de cinco anos,
também renovável por nova convenção - 2101º.

9
- BMJ 454-607

9
A partilha pode fazer-se extrajudicialmente, quando houver acordo de todos os interes-
sados ou por inventário judicial na falta de acordo ou quando a lei o exija, mercê do dever de
tutela especial dos direitos de algum dos interessados - 2102º, n.os 1 e 2.

Com o Dec-lei nº 227/94, de 8 de Setembro, deixou de haver inventário obrigatório,


cabendo ao MºPº requerer inventário judicial se, à vista das circunstâncias referidas no nº 2 do art
2102º, assim o entender.

O inventário judicial começa por requerimento subscrito por quem tenha legitimidade
para o requerer10 - 1327º CPC - acompanhado de certidão de óbito do finado e indicação de
quem, nos termos da lei, deve desempenhar as funções de cabeça de casal - 1338º.
Segue-se despacho do Juiz a nomear a pessoa proposta ou outra a quem tal cargo couber e
a designar dia e hora para as declarações do CC que é citado com a advertência a que se refere o
art. 1340º.
As declarações do CC são a peça fundamental do inventário, pois é ali que deve ficar a
constar não só a identificação dos sucessores como os elementos que permitirão conhecer os bens
a partilhar, a partir do regime de bens do dissolvido casal e da origem dos bens do finado.
Deve, ainda, o CC apresentar a relação de bens elaborada nos termos do art. 1345º a
1347º e instruída com os documentos pertinentes: matriciais e de registo, os testamentos, conven-
ção antenupcial, etc.
Citados os interessados a que se refere o art. 1341º, com cópia das declarações do cabeça
de casal - art. 1342º CPC - e decididas oposição ou impugnação a deduzir em trinta dias - 1343º
- segue-se eventual reclamação11 contra a falta, excesso ou inexactidão na descrição de bens na
relação apresentada - 1348º - que é decidida no inventário ou nos meios comuns se se tratar de
matéria de facto complexa, insusceptível de averiguação pela forma sumária do incidente - 1350º:

I - A disciplina do art. 1823º, al. c) do CC, ao exigir que a proveniência do dinheiro ou


valores próprios de um dos cônjuges seja mencionada no documento de aquisição deve ser inter-
pretada restritivamente, aplicando-se apenas nas relações dos cônjuges com terceiros.
II - Ingressado um bem na comunhão, qualquer um dos cônjuges pode fazer a prova de
que na respectiva aquisição foram empregues valores próprios, tendo direito a ser compensado no
momento da dissolução e partilha do património comum.
III - As questões referentes à relação de bens só devem ser objecto de decisão
definitiva em processo de inventário, quando seja viável a formulação, a seu respeito, de um
juízo com elevado grau de certeza, o que não acontece quando a matéria fáctica subjacente
revele grande complexidade e o seu apuramento demande, designadamente, a produção de
prova testemunhal - Ac. de 15.5.01, na Col. Jur. (STJ) 01-II-75.

Determinados os bens a partilhar e tornados certos os sucessores, segue-se a importante


fase da conferência de interessados - art. 1352º e ss - em que estes deliberam sobre a compo-
sição de quinhões, aprovação do passivo e mais encargos da herança, forma de cumprimento dos
legados, valor atribuído aos bens e, de forma geral, quaisquer questões cuja resolução possa
influir na partilha .
10
- O cônjuge do herdeiro do de cuius só tem legitimidade para requerer inventário se o regime de bens for o da
comunhão geral - Ac. da R.ão do Porto, de 9.2.99, na Col. Jur. 99-I-219.
11
- A reclamação contra a relação de bens pode, nos termos do nº 6 do art. 1348º CPC , ser apresentada a todo o
tempo, até à sentença homologatória de partilha - Ac. STJ, de 28.9.99, no BMJ 489-280.

10
Na falta de acordo quanto à composição de quinhões seguem-se licitações e eventual
avaliação de bens doados em caso de arguida inoficiosidade - 1363º e ss.
Segue-se a indicação, pelo MºP e ou advogados dos interessados, da forma da partilha -
em que se diz como deve a herança ser partilhada - e despacho do Juiz a determinar o modo
como deve ser organizada a partilha - 1373º.
De seguida a Secretaria organiza o mapa da partilha, de acordo com o respectivo
despacho e em conformidade com a acta da conferência de interessados (licitações, adjudicações,
pagamento do passivo).
Pode haver necessidade de cumprir o disposto no art. 1377º - opções concedidas aos
interessados a quem haja de caber tornas:

I - O direito de escolher, de entre as verbas licitadas em processo de inventário, as


necessárias para preencher a sua quota, é exclusivo do licitante; o não licitante deverá, em
princípio, requerer a composição do seu quinhão em abstracto e, se requerer a composição com
verbas em concreto, essa escolha não vinculará o licitante.
II - A inovação do artigo 1377º, introduzida no CPC pela reforma de 1961, permitindo
que os interessados que tenham direito a tornas possam optar pela composição dos seus quinhões
em bens pelo valor da licitação, pretendeu corrigir o excesso desta, especialmente em casos de
desigualdade económica entre os interessados, assim se tentando o equilíbrio entre a partilha justa
e o direito de escolha, procurando evitar, até onde for possível, o pagamento de tornas, uma vez
que o dinheiro tende a desvalorizar-se.
III - Daí que o artigo 1374º, al. b), do CPC, procure a harmonia entre quinhões, estipu-
lando que aos não licitantes serão, em princípio, atribuídos bens.
IV - O direito de composição dos quinhões dos não licitantes pode ser feito através da
adjudicação de uma fracção de qualquer das verbas, desde que observada a preferência já referida
- Ac. de 15.5.2001, na Col. (STJ) 01-II-87.

Posto em reclamação o mapa, é homologada por sentença a partilha dele constante -


1382º.
A partilha, mesmo depois de transitada a sentença que a homologou, pode ser emendada -
1386º - por acordo no próprio inventário ou, na falta de acordo, em acção própria, a instaurar no
prazo de um ano a partir do conhecimento do erro que deve ser posterior à sentença - 1387º.
Tudo sem prejuízo da possibilidade de correcção de simples erros materiais, como em
geral e para as sentenças dispõe o art. 667º do CPC.
A anulação da partilha só pode ocorrer nas condições do art. 1388º; a partilha adicional
- de bens omitidos na partilha - deve obedecer à forma prescrita no art. 1395º e o regime dos
recursos é o do art. 1396º: os agravos interpostos até à convocação da conferência sobem, em
separado, nesse momento e os posteriores sobem com a apelação a interpor da sentença
homologatória.

Para reagir contra o despacho decisório da composição das quinhões, carece o impu-
gnante de lançar mão do recurso de agravo que, nos termos do artigo 735º, n° l, por força do
artigo 1396º, nº l, ambos do Código de Processo Civil, subirá com o primeiro que haja de subir
imediatamente, isto é, com a apelação da sentença homologatória da partilha - BMJ 480-381.

O inventário judicial tem, apenas, por fim relacionar os bens da herança e, eventual-
mente, servir de base à sua liquidação, se houver um único interessado - art. 2103º - que pode ter

11
todo o interesse na aceitação a benefício de inventário, atenta a responsabilidade da herança por
dívidas - 2068º, 2071º e 2097º.
A partilha extrajudicial

deve ser reduzida a escritura pública, tal como o repúdio (2063º) ou a alienação da herança
(2126º), se na herança houver imóveis - 80º, nº 2, d), do C. Notariado.
É de todo o interesse atender às atribuições preferenciais do cônjuge sobrevivo - 2103ºA
a 2103º C, à colação12 - art. 2104º e ss - e eventual redução de liberalidades inoficiosas, as que
ofendem a legítima dos herdeiros legitimários - 2168º.
Para se encontrar o valor da herança a partilhar 13 é fundamental, no caso de indivíduo que
faleceu no estado de casado ou, mesmo divorciado, mas sem partilha dos bens do casal, conhecer
o regime de bens do casamento para se encontrar os bens próprios dele e a sua eventual
meação nos bens comuns, constituindo a soma destes valores (bens próprios mais a meação) o
activo da sua herança.

Com efeito, o acervo hereditário depende do regime de bens do casamento que, como se
sabe, é o vigente ao tempo do casamento, mesmo se anterior ao Código de 1967, nos termos do
art. 15º do Dec-lei nº 47.344, de 25.11.66, aprovador do CC actual.

Por isso, num casamento em segundas núpcias, celebrado em 1964, com filhos do
primeiro casamento, o bínubo não podia comunicar mais que metade dos bens que tinha ao tempo
do casamento ou que viesse a receber por doação ou herança de seus parentes - 1235º e 1109º do
C. Seabra (hoje - art. 1699º, nº 2.

Falecido o bínubo em 1980, aplica-se à partilha a lei então vigente, mas, porque é neces-
sário atender primeiro ao regime de bens do casamento para encontrar a massa de bens a par-
tilhar, mandou-se aplicar aquele regime do Código de Seabra e, portanto, os bens que se não
comunicaram continuaram bens próprios dele e integraram, juntamente com a sua meação nos
comuns, a sua herança14.

Também se ensinou e decidiu - Col. STJ 95-I-58 - que


Na comunhão conjugal existe um património colectivo, isto é, um património com dois
sujeitos que dele são titulares e que globalmente lhes pertence.
Essa massa patrimonial não se reparte entre os cônjuges como na compropriedade ou
comunhão do tipo romano: antes, como na antiga comunhão de tipo germânico. pertence-lhes em
bloco e só em bloco.
Os bens comuns constituem uma massa patrimonial a que, em vista da sua especial
afectação, a lei concede um certo grau de autonomia, e pertence aos dois cônjuges, podendo
dizer-se que os dois são titulares de um único direito.
Marido e mulher não têm qualquer fracção de direito que lhes corresponda individual-
mente e de que, como tal, possam dispor; como, individualmente, não podem dispor em face do
património comum por acto inter vivos.

12
- muito bem explicadinha para militar entender no VI volume do C. Anotado do Prof. Varela, em notas aos art.
2104º e ss e C. de Sousa, II, 261.
13
- Capelo de Sousa, II vol.
14
- Col. STJ 96-III-88.

12
Trata-se de um património que pertence em comum a duas pessoas, mas sem se repartir
entre elas por quotas ideais, como na compropriedade: enquanto esta é uma comunhão por
quotas, aquela é uma comunhão sem quotas.
Mas o património comum pressupõe o vínculo conjugal, vínculo que tem as suas formas
de extinção próprias.
Dissolvido o vínculo conjugal, o património comum degenera em comunhão ou
compropriedade do tipo romano, podendo então, qualquer dos consortes dispor da sua quota
ideal ou pedir a divisão da massa patrimonial através da partilha.
A partilha é um negócio certificativo, um negócio que se destina a tornar certa uma
situação anterior.
Cada um dos ex-cônjuges já tinha direito a uma quota ideal do património do casal: com a
partilha esse direito vai concretizar-se em bens certos e determinados.
Mas, no fundo, esse direito a bens determinados que existe depois de efectuada a partilha
é o mesmo direito indeterminado que antes existia, apenas modificado no seu objecto.
Por isso a partilha não tem efeito translativo ou constitutivo, antes se reveste de um
carácter declarativo
Na definição de Manuel Andrade..., a herança é o conjunto dos direitos e obrigações
patrimoniais de que um indivíduo (pessoa física) era titular ao tempo da sua morte e que passam
para os seus herdeiros legatários.
A herança reveste a fisionomia de um património separado em confronto com o
património pessoal dos herdeiros.
Antes da partilha, a herança é uma "universitatis juris" com conteúdo próprio
fixado na lei.
Só o activo da herança, e não o património pessoal dos herdeiros, responde pelas dívidas
hereditárias; os credores pessoais dos herdeiros só podem pagar-se pelos bens hereditários depois
de satisfeitos os credores do de cujus e de desaparecer, consequentemente, a herança como
património autónomo, pois a sua autonomia foi instituída precisamente para o efeito de, com
aqueles bens, se prover ao pagamento destes últimos credores.
Os herdeiros são titulares de um direito indivisível enquanto se não fizer a partilha;
até á partilha tal direito recai sobre o conjunto da herança e não sobre bens certos e
determinados, sobre uma quota ideal, não de cada um dos bens que constituem a herança.
Ao cônjuge sobrevivo assiste o direito de receber a sua meação do património colectivo
(artigos 1688º e 1689º do Código Civil).
A partilha do património comum do casal dissolvido é, consequentemente, pressu-
posto necessário da determinação da herança do cônjuge que haja falecido (art. 2024º, in
fine, do CC).
Mas a meação e a herança não se confundem: a titularidade daquela constitui um
direito próprio relacionado com o vínculo conjugal, a desta do fenómeno sucessório.
São patrimónios autónomos, distintos e com diversa afectação.

Por seu turno, o cônjuge sobrevivo, além de herdeiro legitimário - 2157º - pode ser meeiro
e ter bens próprios - 1689º. Por tudo é fundamental distinguir entre meação e herança, sendo
aquela resultado do regime de bens do casamento cujas relações patrimoniais cessaram pela
dissolução, declaração de nulidade ou anulação do casamento - 1688º - pois o casamento
dissolve-se com a morte ou divórcio (1788º) e, quanto aos bens, também pela simples separação
judicial de bens - 1770º - ou separação judicial de pessoas e bens - 1795º.

13
Encontrado o acervo hereditário, é necessário saber se estamos perante sucessão legítima,
legitimária ou testamentária ou se, no caso de sucessão legitimária, há testamento ou doações a
considerar, encontrando-se então a legítima destinada aos herdeiros legitimários e a disponível do
de cuius pela forma fixada no art. 2162º e com os valores constantes dos art. 2158º a 2160º, como
já visto.
São tantas as hipóteses que é aqui impossível prevê-las a todas, mas pode encontrar-se as
mais frequentes nas Lições do Prof. Capelo de Sousa, II vol. e ainda no II vol. de Partilhas
Judiciais do Saudoso e Ilustre Advogado que foi o Ex.mo Dr. J. A. Lopes Cardoso.

DOAÇÕES

Conceito - 940º: contrato, vínculo jurídico pelo qual o doador fica adstrito à realização
da prestação para com o donatário; supõe proposta e sua aceitação, pois a proposta de doação
caduca se não for aceita em vida do donatário - 945º, nº 1; mesmo no caso de doações puras a
incapazes, é necessária a aceitação que a lei - 951º, nº 2 - presume.
A doação é essencialmente gratuita - só o doador fica obrigado a entregar a coisa doada -
e nas doações com encargos - 963º - (doações modais ou onerosas) estes hão-de ter valor
inferior ao dos bens doados; nas remuneratórias exige-se que os serviços assim remunerados
não tenham a natureza de dívida exigível - 941º; é da natureza da doação o espírito de
liberalidade (antónimo de dever ou necessidade), animus donandi.
Por isso não há doação nas hipóteses prevenidas no nº 2 do art. 940º: na renúncia trata-se
(quando não seja renúncia contratual e translativa) de atitude meramente passiva do renunciante
que não fica mais pobre por isso; no repúdio haverá doação no caso de aceitação e alienação
gratuita a que se refere o nº 2 do art. 2057º; nos donativos conformes aos usos sociais é
necessário ver se, pelo valor da diminuição do património do ofertante, não estaremos em
presença de verdadeira doação (família média que oferece um caro de alto preço).

- Objecto da doação - requisitos gerais do objecto negocial - 280º

- bens futuros, os que ainda não existem no património do doador: proibição pelo nº 1
do art. 942º, com a ressalva do nº 2 - universalidades de facto (206º, nº 1), biblioteca ou rebanho:
as crias que venham a nascer ou os livros adquiridos depois da doação pertencem ao donatário.
- promessa de doação - proibida ou sem valor. A promessa de doação não passa de
proposta de doação que se transforma em doação pela simples aceitação do donatário, enquanto
que é característico do contrato-promessa ficar o promitente obrigado a outorgar o contrato
prometido, obrigação que desvirtuaria a natureza de liberalidade à doação prometida. Não é, pois,
possível a execução específica de promessa de doação, por a tal se opor a natureza da
obrigação assumida (830º, nº 1, in fine), assim como a doação por morte (e não a promessa) só
seria válida como disposição testamentária se tivessem sido observadas as formalidades próprias
dos testamentos - 946º, nº 2 e 2204º e ss15.
- prestações periódicas - 943º - pagamento mensal das propinas ou da pensão de um
estudante. A doação extingue-se com a morte do doador.
- doação conjunta, feita a várias pessoas conjuntamente - 944º: salvo declaração do
doador em contrário, considera-se feita em partes iguais, sem direito de acrescer entre os dona-
tários, com regime especial - 944º, nº 2 - para o usufruto constituído por doação.

15
- BMJ 460-707.

14
- aceitação - 945º - também aqui, como em geral nos contratos, é necessária a aceitação
da proposta de doação para que o ciclo negocial se complete. Mas não se aplicam aqui as regras
do art. 228º: enquanto não ocorrer aceitação - e tem de sê-lo em vida do doador - 945º, nº 116 -, o
doador pode livremente revogar a sua declaração negocial - 969º - desde que observe as
formalidades desta.
Tradição de coisa móvel doada (ou de título que a represente, cheque) equivale a
aceitação (manual); se não houve tradição da coisa móvel (ou do título representativo) nem
aceitação no próprio acto, é indispensável escritura pública para os imóveis e escrito para os
móveis (947º) e declaração, ao doador, de aceitação, sob pena de não produzir efeitos - 945º,
nº 3.
Por isso se decidiu - R.ão do Porto, Ac. de 11.10.2001, na Col. Jur. 2001-IV-211, que

I - As doações verbais de coisas móveis, no caso de dinheiro, não sendo acompanhadas do


levantamento do mesmo e da sua entrega imediata ao donatário, só são válidas se forem
reduzidas a escrito.
II - Consistindo a doação em dinheiro depositado à ordem em conta conjunta, de que
eram co-titulares a doadora e a donatária, não sendo o seu montante levantado em vida daquela, o
que só aconteceu após o seu falecimento, e não existindo qualquer documento escrito revelador
dessa doação, é esta nula por vício de forma.

- Doações por morte são, em geral, proibidas - 946º, nº 1 - e como tal nulas - 294º. Os
casos ressalvados pela lei são
- as instituições de herdeiro ou legatário nas convenções antenupciais - 1700º, a) e b), as
chamadas doações para casamento;
- doações por morte em que foram respeitadas as formalidades dos testamentos (escritura
pública e testemunhas instrumentárias - 67º do C. Not.), mas então tais doações são
havidas como disposição testamentária, sujeitas à livre revogabilidade (2179º, nº 1) dos
testamentos.

Forma da doação: 947º


I - Imóveis - escritura pública - 80º, 1, C. Not.
II - Móveis
- se acompanhada de tradição (ou do título representativo, cheque, p. ex.) não
depende de qualquer formalidade;
- desacompanhada de tradição - escrito
A doação de móveis sem tradição necessita de ser feita por documento escrito, sob pena
de nulidade.
Se as partes posteriormente elaboram documento escrito de doação, embora reportando-se
a data anterior à da elaboração do documento, no qual ter-se-ia celebrado o negócio sem a
formalidade exigida, tal documentação não tem a virtualidade de confirmar um negócio anterior,
com efeitos retroactivos, mas apenas de renovação da celebração do negócio nulo, agora sem o
vício que ditara a sua invalidade, sem qualquer efeito retroactivo - Col. 99-IV-284

- doações entre casados: escrito, mesmo que acompanhada de tradição - 1763º, nº 1.


16
- No BMJ 445-458 entendeu-se que por não ter caducado o mandato com a morte do mandante, (art. 1175º) era
válida a doação pelo mandatário e aceitação, perante este, pelo donatário, apesar de falecido antes o doador
(mandante)

15
Capacidade activa - 948º e 949º; 1708º e 1709º, 1756º e 1700º (convenções
antenupciais); 123º, 127º, 1886º e 1893º, 1, c) e f) (menores); 156º, 160º, 257º, 149º e 148º
(interditos e inabilitados); 1681º a 1682ºB (cônjuges);
Tratando-se de doações mortis causa cada um dos cônjuges pode dispor dos bens
próprios e da sua meação nos bens comuns, sem prejuízo das restrições impostas por lei a favor
dos herdeiros legitimários, nos termos e com os efeitos previstos no art. 1685º.
Art. 160º (Pº especialidade das pessoas colectivas); indisponibilidade relativa - 2192º
a 2198º por remissão do art. 953º - razões de ordem moral e de liberdade de disposição.

Capacidade passiva - 950º a 952º

Efeitos das doações - 954º a 968º

Os efeitos essenciais das doações, constantes do art. 954º, permitem concluir que a
doação é um contrato de eficácia real, quoad effectum, pois a transferência da propriedade ou
da titularidade do direito verifica-se em consequência do próprio contrato.
Salvo nos casos em que se presume a aceitação (art. 951º, nº 2), porque a doação, como
contrato que é, só fica perfeito com a aceitação, é com esta que se produzem os aludidos efeitos
da doação.
A doação de bens alheios é nula, mas o doador não pode opor a nulidade ao donatário de
boa fé - 956º, nº 1 - respondendo nos termos dos n.os 2 a 4.
Também é nula a doação de parte certa e determinada de bens comuns - 1408º
(compropriedade).
De entre as restrições aos efeitos da doação como translativa do direito de propriedade
plena sobre a coisa doada destacam-se
- direito de reversão - 960º
- reserva do direito de dispor de coisa determinada ou
- reserva do usufruto, do direito de uso ou do direito de habitação - 958º e
- substituições fideicomissárias - 962º.

Nestas hipóteses de reserva - instituição de um regime especial de revogabilidade das


doações ou de redução do seu valor, ou cisão dos poderes inerentes ao direito de propriedade, o
doador reserva direitos que pode exercer por si só, sem necessidade de qualquer colaboração ou
cooperação por parte do donatário. Na reserva há uma restrição de ordem jurídica ao direito que é
doado. Durante o período de tempo em que a reserva vigorar o direito é menos amplo do que
quando se achava na esfera jurídica do doador, está amputado de alguns dos poderes que o
integravam.
Cinde-se o direito de propriedade plena através da constituição de um direito real menor.
Estas restrições são de ordem jurídica.

Já o direito a certa quantia sobre os bens doados - 959º, nº 1, in fine - e os encargos


modais constituem restrições de ordem económica, simples direito de crédito a favor do
doador ou de terceiro: com a doação transferiu-se o direito real de propriedade plena, todos os
poderes reais inerentes ao que é doado ficam a pertencer ao donatário que fica onerado com
restrições de ordem económica, em termos de direito de crédito.

16
Na doação com reserva constituiu-se um direito, de natureza real, do próprio doador
(ou do terceiro beneficiário) sobre a coisa doada. O doador ou o terceiro passa a ser titular de um
poder directo e imediato sobre a coisa doada). O donatário adquire um direito real limitado ou
menor, mas não assume qualquer obrigação (artigo 958.° do Código Civil).
Na doação modal constituiu-se um vínculo de natureza obrigacional em que é sujeito
activo o beneficiário (o próprio doador ou terceiro) e sujeito passivo o donatário. Nesta
modalidade o donatário assume contratualmente uma obrigação de prestar (artigo 963.° do
Código Civil).
Doações com encargos ou modais - 963º a 967º

Doação com encargos tanto é [...] aquela em que o donatário se compromete a dar ao
doador ou a terceiro, durante certo prazo, uma quota-parte dos rendimentos da coisa ou soma
doada, como aquela em que o donatário de um prédio urbano se obriga a pagar as dívidas do
doador, a mandar rezar umas tantas missas por alma deste ou a distribuir todos os anos certo bodo
pelos pobres da freguesia.
Nos termos do Assento de 25.2.97, no BMJ 464-58 e ss, a cláusula modal a que se refere
o artigo 963.° do Código Civil abrange todos os casos em que é imposto ao donatário o dever de
efectuar uma prestação, quer seja suportada pelas forças do bem doado quer o seja pelos
restantes bens do seu património.

«O modo é mais do que a simples expressão de um desejo ou conselho. Tem consistência


jurídica; é seu conteúdo uma regulamentação acessória de interesses inspirada no fim ou num dos
fins mediatos do negócio jurídico (fim de carácter oneroso) e nessa qualidade vincula, requer
obediência e acatamento».

Por isso podem o doador ou seus herdeiros ou qualquer interessado exigir do donatário ou
dos seus herdeiros o cumprimento dos encargos, segundo os meios coercivos facultados nos art.
817º e ss - 965º - como podem pedir (judicialmente) a resolução da doação, fundada no não
cumprimento dos encargos, quando esse direito lhes seja conferido pelo contrato - 966º.

Frequentemente, pessoas de idade e sem herdeiros legitimários fazem doações a amigos


com o encargo de que o donatário cuide do doador são como são, doente como doente, ou seja,
cuide e alimente o doador pelo resto da vida. Porque o tratamento não é como pretendido pelo
doador ou porque aparecem familiares ou herdeiros do doador a querer herdar, surgem acções a
pedir a revogação da doação por não cumprimento dos encargos.

Contrato de doação - Doação modal - Resolução da doação - Encargos


I - Face ao disposto no artigo 966º do Código Civil podem configurar-se três situações:
a) - O doador reserva para si apenas o direito de pedir a resolução;
b) - O doador reserva o direito de pedir a resolução apenas para seus herdeiros;
c) - O doador reserva o direito de pedir a resolução para si e para seus herdeiros.
II - O direito de os herdeiros pedirem a resolução da doação modal por incumprimento
dos encargos tem de lhes ser atribuído expressamente no contrato para que eles estejam legiti-
mados substantivamente a fazê-lo - Ac. S T. J., de 9 de Fevereiro de 1999, no BMJ 484-402.

Diferentemente se passam as coisas na revogação - 970 e 974º - que, excluída nas


situações previstas no art. 975º, pode ser judicialmente decretada (na falta de acordo de doador e

17
donatário) por ingratidão do donatário, ingratidão não no sentido corrente ou moral mas sim
quando se verifiquem os pressupostos da indignidade (art. 2034º) ou deserdação (2166º).

O art. 969º, 1, regula a revogação da proposta e não da doação. A perfeição da doação


depende de aceitação - salvo as doações puras a incapazes - 951º, nº 1 - pelo que e contra o
regime geral dos negócios jurídicos (art. 230º, nº 1), a proposta de doação é revogável enquanto a
doação não for aceita, mas também não caduca - 969º, nº 2 - pelo decurso dos prazos a que se
refere o art. 228º: o doador não pode impor, eficazmente, ao donatário um prazo para a aceitação.
Se quiser evitar que a doação se torne efectiva e irrevogável precisa, em qualquer caso, de a
revogar, com observância das formalidades da proposta».

Prazo (de caducidade) e legitimidade para a acção de revogação e efeitos desta - 976º
a 979º
Doações para casamento - 1753º a 1760º - e entre casados - 1761º a 1766º.
Deve notar-se que as doações para casamento, apesar do regime especialmente favorável
que as caracteriza, estão sujeitas a redução por inoficiosidade nos termos gerais (art. 1759º),
pois a doação é um contrato feito sempre com a condição de não ofender a legítima dos herdeiros
do doador e, por isso, sujeita a redução quando o valor do benefício excede a legítima do dona-
tário e a quota disponível do doador (2168º).

Além de encargos pode o doador sujeitar a doação a condição suspensiva ou resolutiva,


mas tanto os encargos como as condições hão-de ser conformes à lei.
Porém, ao contrário do que acontece no regime estatuído no art. 271º - a nulidade resul-
tante da condição ilícita inquina todo o negócio - nas doações e por força do art. 967º, as
condições ou encargos impossíveis ou ilícitos ficam sujeitos às regras estabelecidas em matéria
testamentária, ou seja, ao regime dos n.os 1 e 2 do art. 2230º (ver art. 2232º a 2234º).

Por remissão do art. 953º, são nulas as doações nos mesmos casos em que o são as deixas
testamentárias - 2192º a 2198º.
COLAÇÃO (2104º a 2118º) 17

Colação - 2104º, 1 - é a restituição que, para igualação da partilha, os descendentes que


queiram entrar na sucessão do ascendente têm de fazer à massa da herança, dos bens ou valores
que lhes foram doados por este.
O fundamento da colação está na vontade presumida do de cuius que, ao fazer a doação a
um dos seus descendentes, não terá querido avantajá-lo em face dos outros; segundo a vontade
presumida do doador e autor da sucessão, a doação terá sido mera antecipação da quota
hereditária do donatário e não propriamente antecipação da legítima, pois a doação que exceda a
legítima também deve ser conferida nesse excesso, até onde for possível realizar a igualdade na
partilha.
Em caso de repúdio (para fugir à colação) o repudiante não tem que trazer à colação os
bens doados, sem prejuízo de a doação poder vir a ser reduzida por inoficiosidade18.

17
- Parecer do Prof. Capelo de Sousa, na Col. Jur. (STJ) 2001-III-15.
18
- P. Coelho, 1968, 251

18
Quando assim sucede, a lei pressupõe, por conseguinte, que o pai ou a mãe, ao doarem
quaisquer bens ou valores a um de dois ou mais filhos, em vez de o quererem distinguir dos
outros, quiseram apenas, pressionados pelas necessidades pessoais e especiais da vida dele, fazer-
-lhe uma espécie de adiantamento por conta da quota hereditária que, em regime de igualdade,
projectam deixar a todos os filhos19.

Só os descendentes que à data da doação eram presuntivos herdeiros legitimários do


doador estão obrigados à colação - 2105º.
Se a doação foi feita ao neto depois da morte do pai, ou se o neto sucede em representação
do donatário seu pai, está esse neto e representante obrigado à colação enquanto donatário do que
lhe foi doado depois da morte do pai e também do que foi doado ao pai - 2106º e 2062º.
Não terá que conferir, porém, o que lhe foi doado em vida de seu pai quando não era
presuntivo herdeiro do doador seu avô.
Também no art. 2107º se reflecte este regime: o cônjuge do presumido herdeiro legiti-
mário não está obrigado a conferir.
A colação, de presumir nas doações a herdeiros legitimários, pode ser dispensada nos
termos do art. 2113º, e presume-se dispensada nas doações manuais e nas remuneratórias -
2313º, nº 3.
Com a dispensa de colação o pai doador não procura antecipar bens por conta da legítima
do filho, mas antes pô-lo numa situação de vantagem vis à vis dos outros. Pela dispensa, pois, o
pai não quer a igualdade entre os filhos e por isso há que reconhecer que a liberalidade feita
revela o mesmo intuito jurídico e económico que o existente nas doações feitas a estranhos»,
ficando sujeita apenas a ser reduzida por inoficiosidade, se for caso disso, para se preencher a
legítima dos herdeiros da sucessão: o herdeiro donatário com dispensa de colação recebe os bens
por conta da quota disponível do doador e a doação será conferida nos mesmos termos que a
doação a terceiros. Apenas poderá ser reduzida se e enquanto inoficiosa.

Estão sujeitos a colação os bens doados e despesas feitas em proveito dos descendentes,
com excepção e nas condições do nº 2 do art. 2110º.

À colação procede-se nos termos do art. 2108º, nº 1.


Mas não é forçoso que as doações sejam reduzidas por forma a que todos os herdeiros
recebam o mesmo. Com efeito e nos termos do nº 2 do art. 2108º, se não houver na herança bens
suficientes para igualar todos os herdeiros, nem por isso são reduzidas as doações, salvo se
houver inoficiosidade.
Se a doação ultrapassar o valor da legítima do donatário, considera-se que nesse excesso a
doação foi por conta da legítima e, porque não ofende a legítima do outro herdeiro, este não tem
que reclamar igualação da quota.
No exemplo de Baptista Lopes20: falecido A com dois filhos, B e C, tendo doado a B 70
contos e deixado bens no valor de 80, porque a herança (2162º, nº 1) é de 150 contos e a legítima
de cada filho é de 50 contos (2159º, nº 2), o filho C não donatário recebe, dos 80 remanescentes,
50 contos que tanto é a sua legítima, e os restantes 30 (80-50) são divididos em partes iguais por
B e C. B recebe, pois, 70+15 e C 50+15.
Semelhantemente P. Lima - A. Varela, op. cit., 180.

19
- P. Lima - A. Varela, CCA, VI, nota ao art. 2104º.
20
- Das Doações, 216, obra que vimos seguindo de muito perto.

19
Para que haja inoficiosidade e consequente redução na medida do necessário para
garantir a legítima do não donatário é preciso que o valor da doação exceda a soma da
quota disponível do doador com a legítima do donatário - 2108º, nº 2.

Havendo dispensa da colação (efectiva ou presumida - 2113º, 1 e 3) a doação será


imputada na quota disponível (do doador de cuius, claro) - 2114º, nº 1; porém, se não há lugar à
colação porque o donatário repudiou a herança e não tem descendentes que o representem 21, será
a doação imputada na quota indisponível (do de cuius) - nº 2 do art. 2114º.

Pode, todavia, acontecer - e essa é a hipótese prevista e regulada no nº 2 - que a doação


seja feita a um descendente, presuntivo herdeiro legitimário do doador à data da doação, que
repudie mais tarde a herança do pai, e não deixe quem o represente na sucessão deste.
Nesse caso, prescreve o nº 2, a doação é imputada na quota indisponível.
Suponhamos então, para ilustrar com um novo exemplo a doutrina deste nº 2, que A morre
(solteiro ou viúvo) com três filhos (B, C e D), tendo doado ao primeiro deles bens no valor de
1000, e tendo o donatário repudiado a herança do pai, sem filhos que o pudessem representar,
mas deixando A, na data em que morreu, outros bens no valor de 2000.
Nesse caso, a doação feita a B (legitimário repudiante) é imputada, nos termos do nº 2
deste artigo, na quota indisponível do de cujus, que terá o valor, precisamente, de 2000.
Como é, precisamente, de 2000 o valor dos bens deixados por A, e porque B não
compartilha da herança, por ter repudiado, os dois filhos C e D repartirão entre si, a título de
legítima e em partes iguais, os 2000 que restaram no património do falecido.
Deste modo se evita que, tendo havido, por ex., ao lado da doação feita ao presumido
herdeiro legitimário, outras doações feitas pelo de cujus a terceiro, a soma da doação feita ao
filho com as doações feitas a terceiro pudesse facilmente esgotar o montante da quota disponível
e provocar a injusta inoficiosidade destas últimas.
O herdeiro legitimário repudia, porque a lei lhe não quer tolher a liberdade de o fazer, e
nem por isso revoga a doação, porque ela foi livremente realizada pelo doador e livremente aceite
pelo donatário. Mas imputa-a nesse caso na quota indisponível do doador, para não prejudicar os
donatários que, de outro modo, poderiam ser prejudicados com a inoficiosidade da liberalidade
que receberam22.

Em caso de doação de bens comuns (do património conjugal, não em compropriedade)


feitas por ambos os cônjuges confere-se metade por morte de cada um deles - 2117º, nº 1 -
sendo o valor de cada uma das metades a conferir o que essa metade tiver ao tempo da abertura
da respectiva sucessão - nº 2.

Conferir por metade, tomar por metade, fazer meia conferência, são expressões equiva-
lentes e significam que, para cálculo da legítima e da disponível do doador, se considera apenas
metade do valor dos bens doados a não ser que a doação o tenha sido de bens próprios do doador
e do inventariado. Rigorosamente, pois, a conferência apenas se efectua depois de separada a
meação do inventariante na qual ainda não há, por permanecer vivo, que considerar qualquer
conferência.
A colação é onus real sujeito a registo - 2118º.
21
- Se o repudiante tivesse deixado representantes, estes concorriam à herança em seu lugar e, por isso, a doação
seria imputada na quota disponível (art. 2039º e 2043º).
22
- P. Lima - A.Varela, VI, 190.

20
REDUÇÃO POR INOFICIOSIDADE (2168º a 2178º)

Dizem-se inoficiosas quaisquer liberalidades, entre vivos (doações) ou por morte


(instituições de herdeiro ou legados contidos em testamentos ou doações mortis causa), feitas a
herdeiros (mesmo legitimários - Bol. 498-245), parentes ou estranhos, que ofendam a legítima
dos herdeiros legitimários, por ultrapassarem o limites da quota disponível do de cuius - art.
2168º.
A redução só pode ser pedida por herdeiros legitimários - ou seus sucessores, herdeiros,
legatários ou cessionários - (só os legitimários é que têm direito a legítima que pode ser ofendida
com a liberalidade) que tenham aceitado a herança e dentro de dois anos (caducidade) a contar
da aceitação - 2178º.
As liberalidades serão reduzidas pela ordem indicada no art. 2171º a 2173º e a redução
consiste em tirar à doação os excessos em que ela ofendeu as legítimas dos herdeiros legitimários
do doador, obrigando o donatário a restituir ao monte da herança esse excesso, em espécie, ou o
seu equivalente - 2174º a 2177º.
A redução das doações inoficiosas faz-se em inventário, pois pelo processo comum
apenas podia obter-se sentença que reconhecesse ao Autor o direito á redução, sentença a
executar em inventário, duplicação inútil de processos.

Os donatários no processo de inventário

O cabeça de casal deve, havendo herdeiros legitimários, identificar os donatários e juntar


os documentos pertinentes [(art. 1340º, 2, b) e 3)], sendo os donatários citados para os termos do
inventário (1341º) em que podem intervir espontaneamente (1331º, nº 1) reclamando contra a
relação de bens (1348º) são chamados à conferência de interessados onde deliberam sobre a
aprovação das dívidas de que possa resultar a redução das liberalidades (1359º) podem opor-se à
licitação sobre os bens doados (1365º) com avaliação dos bem doados ou legados e dos restantes
(1367º e 1368º) com possibilidade de escolha, entre os bens doados, dos necessários para
preencher o valor que tenha direito a receber - 1376º, nº 2.

BOAS FESTAS Porto, Dezembro de 2002

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