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Faculdade de Direito de Lisboa

e
Faculdade de Direito da Universidade Mandume
Ya Ndemufayo

Relatório do Mestrado em Ciências Jurídicas


Módulo de Direito Comercial
Realizado pela Mestranda
Sónia Isabel Caetano
2013/2014
A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão
____________________________________________________________________________

Faculdade de Direito de Lisboa


e
Faculdade de Direito da Universidade Mandume
Ya Ndemufayo

A RESPONSABILIDADE DO

TRANSPORTADOR NAS REGRAS DE

ROTERDÃO

Relatório do Mestrado em Ciências Jurídicas


Módulo de Direito Comercial
Realizado pela Mestranda
Sónia Isabel Caetano
2013/2014
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A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão
____________________________________________________________________________

ÍNDICE

1. Introdução
2. A responsabilidade Civil
2.1 Responsabilidade Obrigacional e Extraobrigacional
3. Evolução histórica da Responsabilidade do Transportador
3.1 O Direito Romano
3.2 O Harter Act
3.3 A Convenção de Bruxelas de 1924
3.4 O Protocolo de 1968
3.5 O Protocolo de 1979
3.6 A Convenção de Hamburgo
4. A Convenção de Roterdão
4.1 Introdução
4.2 Sistematização
4.3 O Contrato de Transporte
4.3.1 Fretamento e Contrato de Transporte
4.4 Âmbito de Aplicação
4.5 Arco Temporal
4.6 Obrigações do Transportador
4.7 A Responsabilidade do Transportador
4.7.1 Atraso na Entrega
4.7.2 Responsabilidade do Transportador por Actos ou Omissões
de Outras Pessoas
4.7.3 Responsabilidade da Parte Executante Marítima
4.7.4 Transporte no Convés
4.8 Casos Exoneradores da Responsabilidade
4.8.1 A Falta Náutica
4.9 Limitação da Responsabilidade
4.9.1 Perda do Direito de Invocar os Limites da Responsabilidade
4.10 Prazo para Intentar Acções

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A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão
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5. Conclusão
6. Bibliografia

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A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão
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1.-INTRODUÇÃO

Com o tema objecto deste trabalho, pretendemos analisar a


responsabilidade do transportador no âmbito das Regras de Roterdão.
No entanto, e antes de entrarmos no âmago do assunto propomo-nos
fazer uma breve resenha histórica da evolução da responsabilidade do
transportador, desde o Harter Act até às Regras de Roterdão.
A responsabilidade civil do transportador advém do contrato de
transporte celebrado em que o transportador se compromete a
transportar pessoas ou bens de um local para outro1, sendo latente
nestes contratos o conflito de interesses existente entre carregadores e
transportadores2.
Como sabemos, com a evolução da sociedade e do mundo, vivemos
hoje numa “aldeia global”, e as exigências desta nova sociedade levaram
à internacionalização e globalização dos transportes, pelo que se tornou
imperioso, a criação de convenções internacionais e de cláusulas típicas,
os incoterms, international comercial terms3-4, que pretendem

1
“ O Direito dos transportes visa regular as organizações nacionais e internacionais com vista
a disciplinar os transportes e os transportadores mas também do ponto de vista material
(reporta-se essencialmente, ao Direito dos contratos de transporte) visa regular os negócios
pelos quais o transportador se compromete, perante um interessado, a assegurar o transporte
de pessoas ou de bens de um local para o outro” cit. ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Introdução
ao Direito dos Transportes, pág. 8.
2
CARLOS COELHO, Três Datas, Um Século de Direito Marítimo, pág. 630.
3
ANDRÉ DE MATOS C. S. MARQUES, A Transferência do Risco na Venda Marítima, pág. 247 e
segts., cit.: “ Os incoterms visam determinar, nas vendas internacionais, quem é o responsável
pelo transporte e em que momento se dá a transferência do risco do preço do vendedor para
o comprador”. Dizem assim, apenas respeito às relações entre comprador e vendedor.
4
Os Incoterms dividem-se em quatro grupos, sendo o 1º- grupo E: de ex works, partidas. A
mercadoria é entregue na fábrica pelo vendedor ao comprador. É neste preciso momento em
que se dá a transferência do risco do preço do vendedor para o comprador; o 2º- grupo F: de
free, livre, FCA (free carrier), a mercadoria é entregue ao transportador, cessando nesse
momento a responsabilidade do vendedor. Sendo que em FAS (free alongside ship), o vendedor
assume o risco do transporte até ao porto de embarque ou até colocar a mercadoria ao lado
do navio, no lugar de carga e na data ou dentro do prazo estipulados pelo comprador e em FOB
(free on board), a mercadoria é entregue pelo vendedor a bordo do navio, cessando ai a
responsabilidade pelo risco, danos ou perdas dos bens. Neste grupo a mercadoria é entregue
ao transportador, não sendo o transporte principal da responsabilidade do exportador; o 3º-
grupo C: de cost, custo, o custo do transporte é assumido pelo vendedor que deve entregar a
mercadoria a bordo do navio. Este grupo tem quatro incoterms, mas apenas dois se aplicam ao

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A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão
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regulamentar a responsabilidade do transportador e os termos em que


o transporte, quer de pessoas quer de mercadorias, é efectuado.
O transporte de mercadorias é uma actividade que envolve
avultadíssimas quantias monetárias, sendo o risco dessa actividade
muito grande e, por vezes, incontrolável pelo transportador. Basta
pensarmos nos denominados Acts of God a que uma expedição marítima
pode estar sujeita. É precisamente devido às grandes quantias
envolvidas e ao risco desta actividade que surgiram os seguros, para
tornar mais apetecível uma actividade, que é imprescindível, mas que
pode acarretar devastadoras perdas para quem a desenvolve. Assim, o
grande enfoque que se dá à limitação da responsabilidade do
transportador justifica-se devido ao facto de estarmos perante uma
responsabilidade presumida, o que leva a um regime de agravamento da
mesma5, existindo, inclusive autores que consideram a responsabilidade
do transportador como uma responsabilidade objectiva, isto é,
independentemente de culpa6.
Este regime agravado dá-se por oposição ao que se utilizava até ao
Harter Act, em que vigorava o principio da liberdade contratual,
integrando as partes nos contratos cláusulas de “livre” exoneração

transporte marítimo: CFR (cost and freight), o vendedor deve pagar os custos e o frete do
transporte da mercadoria até ao porto de destino, e CIF (cost, insurance and freight), neste
incoterm o vendedor além frete e do transporte também paga o seguro; o 4º- grupo de D de
delivery: entrega, neste grupo o vendedor assume o risco até ao momento em que a
mercadoria chega ao porto de destino. Assim, o risco do preço durante o transporte cabe ao
vendedor. Neste grupo temos o DES (deliveded ex ship), ou seja, entrega no navio, o vendedor
deve colocar a mercadoria à disposição do comprador a bordo do navio no porto de descarga,
assumindo assim o comprador o risco com as operações de descarga da mercadoria e o DEQ
(delivered ex quod), ou seja, entrega no cais, o vendedor deve colocar a mercadoria à
disposição do vendedor no cais, e assim, com o cumprimento da obrigação de entrega, dá-se a
transferência do risco.A força jurídica dos inconterms advém, da sua inclusão, no contrato
celebrado pelas partes, estando sujeitos à autonomia da vontade das partes, não tendo por si
só uma força vinculativa. Cfr. ANDRÉ DE MATOS C. S. MARQUES, A Transferência do Risco na
Venda Marítima,pág. 253 a 258; e ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Introdução ao Direito dos
Transportes, Pág. 16 a 19.
5
RICARDO BERNARDES, A Conduta do Transportador Impeditiva da Limitação da
Responsabilidade no Direito Marítimo, pág. 448.
6
FRANCISCO COSTEIRA DA ROCHA, Limitação da Responsabilidade do Transportador Marítimo,
pág. 151.

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A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão
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(negligence clauses), que permitiam ao transportador exonerar-se da sua


responsabilidade e que deixavam os carregadores numa situação de
franca desvantagem7 e também porque no transporte de mercadorias, o
carregador perde o contacto com a mesma, ficando impossibilitado de
controlar as operações de transporte, passando esta para a esfera
jurídica do transportador, que fica numa posição de detentor da
mercadoria e como diz HUGO RAMOS ALVES “ …no contrato de transporte
de mercadorias, impende sobre o transportador um dever de custódia…”8.
Mas também, e no que respeita à expedição marítima, o próprio
transportador perde o controlo sobre a carga, uma vez entregue a
direcção náutica do navio a um comandante.
Por essa razão se considera que a posição do carregador é mais
frágil, ficando, assim, o transportador com uma responsabilidade
agravada9.
Contudo, o transportador pode afastar a responsabilidade, visto
tratar-se de uma presunção ilidível, ou, não sendo possível afastá-la,
tem a possibilidade de limitá-la.
Pelo exposto decorre que não cabe ao carregador provar o nexo de
causalidade entre o dano e o comportamento culposo do transportador,
mas é o transportador, para afastar a presunção de responsabilidade,
que tem que provar que agiu de forma diligente e que o facto que
provocou o dano foi um dos constantes nos excepted perils, e que
exoneram a sua responsabilidade, tendo que fazer prova que o dano foi
provocado por uma das causas de exoneração da responsabilidade10, ou

7
CARLOS GÓRRIZ LÓPEZ, Contrato de Transporte Marítimo Internacional Bajo Conocimiento de
Embarque, pág. 26, cit.: “… aparecían cláusulas de exoneración extraordinariamente amplias
que relegaban la responsabilidade del porteador básicamente a la hipóteses de dolo…”.
8
HUGO RAMOS ALVES, Da Limitação da Responsabilidade do Transportador na Convenção de
Bruxelas de 1924, cit. Pág. 13; ver também NUNO CASTELLO-BRANCO, Direito dos Transportes,
pág. 49.
9
FRANCISCO COSTEIRA DA ROCHA, Limitação da Responsabilidade do Transportador Marítimo,
pág. 251 e RICARDO BERNARDES, A Conduta do Transportador Impeditiva da Limitação da
Responsabilidade no Direito Marítimo, pág. 445.
10
NUNO CASTELLO-BRANCO, Da Disciplina do Contrato de Transporte Internacional de
Mercadorias por Mar, Pág. 283.

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A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão
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seja, tem que fazer uma dupla prova, do nexo causal concreto e de uma
actuação diligente concreta11.
No caso do evento danoso ter origem numa causa desconhecida,
fica quase impossível ao transportador isentar-se de responsabilidade.
A limitação da responsabilidade12 dá-se limitando-se o montante
indemnizatório13. Este limite indemnizatório vem suavizar o regime da
responsabilidade do transportador, para que não se impossibilite
económica e socialmente uma actividade tão necessária14-15.
As razões que justificam este limite do montante indemnizatório
são de ordem jurídica, económica ou comercial e de ordem natural16.
A primeira advém do equilíbrio que se pretende entre os
carregadores e os transportadores. A responsabilidade civil do
transportador, já vimos, é, especialmente, agravada, razão pela qual a
limitação visa atenuá-la.
A segunda visa proteger e fomentar a actividade dos transportes,
sem esta, assistir-se-ia a um aumento colossal do preço dos transportes
e dos seguros, o que comprometeria o desenvolvimento da actividade dos
transportes.

11
NUNO CASTELLO-BRANCO, Direito dos Transportes, pág. 263 a 267.
12
JOÃO BRANDO, A Conduta Antijurídica do Transportador e a Preclusão da Limitação da
Responsabilidade, pág. 298, cit.: “… a previsão de limites indemnizatórios constitui, nessa
medida, conforme resulta claro, uma excepção ao princípio geral de que o lesado deve ser
totalmente ressarcido dos danos sofridos…”.
13
FRANCISCO COSTEIRA DA ROCHA, Limitação da Responsabilidade do Transportador
Marítimo, pág. 253, cit: “… O transportador responde com todo o seu património- não há pois
qualquer interferência sobre a garantia geral das obrigações. O transportador responde com
todo o seu património mas só até determinada quantia.”.
14
FRANCISO PELETEIRO, Ventajas de Las Reglas de Rotterdam para Porteadores Y Cargadores.
El Punto de Vista de Armadores, Anuário de Derecho Marítimo, Vol. XXVII, pág. 245, segundo o
qual 90% do transporte realizado pela EU com outros países realiza-se por via marítima;V.g
MÁRIO RAPOSO, A Revisão do Direito Comercial Marítimo, pág. 6; e NUNO CASTELLO-BRANCO,
Direito dos Transportes, Pág. 269.
15
V.g SUZANA TAVARES DA SILVA, Notas sobre a Regulamentação dos Transportes: Um
Apontamento Crítico ao Plano Estratégico de Transportes, pág. 26, que nos fala das “auto-
estradas do mar”.
16
RICARDO BERNARDES, A Conduta do Transportador Impeditiva da Limitação da
Responsabilidade no Direito Marítimo, pág. 300 a 303.

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A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão
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A terceira, numa perspectiva tradicional, visa atenuar os riscos


típicos dessa actividade e distribui-los.
As normas que regulamentam a limitação da responsabilidade do
transportador, consideram nula qualquer cláusula inserida em
contrato, pelas partes, que vise limitar a responsabilidade a limites mais
baixos que os previstos, mas também estabelecem que qualquer dano
de montante superior ao plafond legal não será ressarcido para além
desse limite.
No entanto, a limitação da responsabilidade do transportador
pode ser afastada:
a) Por acordo das partes, segundo o qual são estabelecidos valores mais
elevados do que os legais;
b) Por acto unilateral do transportador, nada obsta a que este renuncie
à sua protecção e queira indemnizar o lesado para além dos limites
legais; c) Por um acto voluntário do expedidor, declarando no
conhecimento de carga o valor da mercadoria; e
d) Por imposição da norma, nos casos em que o comportamento doloso
do transportador faça precludir a limitação da responsabilidade.
Propomo-nos, assim, analisar a responsabilidade do
transportador, bem como as cláusulas de exoneração e limitação da
responsabilidade, de uma forma muito breve, e com a importância de
antecedentes históricos da Convenção de Roterdão, no âmbito do Harter
Act, da Convenção de Bruxelas de 1924 e respectivos Protocolos, da
Convenção de Hamburgo de 1976, para depois podermos analisar, de
forma aprofundada, e compreender essa responsabilidade no âmbito da
Convenção de Roterdão.
Assim, e não pretendendo descurar a importância de outros
aspectos, tais como o contrato de transporte, os documentos
electrónicos, as reservas, e o regime network, iremos apenas, no
desenvolvimento deste trabalho, aprofundar as situações em que as
Regras de Roterdão regulamentam a responsabilidade do transportador,
fruto do contrato de transporte de mercadorias.

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A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão
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2.- RESPONSABILIDADE CIVIL

Antes de entramos no cerne do nosso trabalho, entendemos que é de


primordial importância abordar, ainda que de uma forma muito breve,
a responsabilidade civil.
O nosso ordenamento jurídico acolhe um sistema dualista de
responsabilidade civil, ou seja, autonomiza a disciplina da
responsabilidade obrigacional relativamente à extraobrigacional17.
A responsabilidade civil ocorre quando uma pessoa deve reparar
o dano sofrido por outra, ou seja, faz surgir uma obrigação, que nasce
directamente da lei e não da vontade das partes18, de pagar uma
indemnização ao terceiro, pelos prejuízos sofridos, reconstituindo-se a
situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à
reparação, conforme decorre do artigo. 562.º do Código Civil.
A indemnização pode consistir na reconstituição natural ou,
quando esta não seja possível, na indemnização em dinheiro, de acordo
com o artigo 566.º n.º1 Código civil, sendo esta a mais frequente embora
se deva primeiro recorrer à reconstituição natural, só sendo legítimo
recorrer à indemnização pecuniária quando a primeira não seja
possível19.
Assim, a obrigação de indemnizar, constitui um desvio à regra
casum sentit dominus, segundo a qual o dano tem que ser suportado
pela esfera jurídica onde ocorre. Para que a imputação do dano seja feita,
a uma esfera jurídica diferente daquela onde ele ocorreu, é necessário
que se verifiquem determinados requisitos. Podemos apontar como
requisitos genéricos uma situação de responsabilidade, a sua
imputação, o dano e o nexo de causalidade.

17
DÁRIO MOURA VICENTE, Da Responsabilidade Pré-Contratual em Direito Internacional
Privado, Pág. 93.
18
MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, pág. 519.
19
GALVÃO TELLES, Direito das Obrigações, Pág. 209.

10
A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão
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2.1.- RESPONSABILIDADE OBRIGACIONAL E EXTRAOBRIGACIONAL

A responsabilidade obrigacional, consagrada nos artigos 798.º e


seguintes do Código Civil, é aquela que resulta da violação de um direito
de crédito ou de uma obrigação em sentido técnico.
A responsabilidade extraobrigacional, consagrada no artigo 483.º
e seguintes do Código Civil, deriva da violação de deveres ou vínculos
gerais, que se traduzem nos deveres de conduta impostos a todas as
pessoas, com vista à protecção dos direitos absolutos. Mas também
deriva da prática de actos que apesar de lícitos, produzem um dano a
alguém. Esta responsabilidade é também designada de delitual ou
aquiliana. Esta está em estreita ligação com a função geral do Direito
que é a de conseguir a paz jurídica20.
Desde logo é possível distingui-las atendendo à natureza do facto
indutor da responsabilidade. Na responsabilidade contratual
corresponde ao incumprimento de uma obrigação preexistente,
decorrente do contrato ou de outra categoria de factos jurídicos, da lei
ou de princípios gerais, ao passo que, na responsabilidade
extracontratual, consiste na violação de deveres jurídicos gerais, ou seja,
deveres e conduta impostos a todas as pessoas, ou na prática de factos
que, embora lícitos, causam prejuízo aos direitos absolutos de outrem21.
De um modo geral, a responsabilidade contratual protege a
expectativa do credor e a responsabilidade extracontratual protege a
vida, a integridade física, a propriedade e direito análogos.
Na responsabilidade contratual, a culpa é presumida, e dessa
forma, cabe ao autor demonstrar apenas o incumprimento contratual,
ficando a cargo do devedor o onus propandi, o devedor terá que provar
que não agiu com culpa.

20
CARNEIRO DA FRADA, Contrato e Deveres de Protecção, pág. 127.
21
DÁRIO MOURA VICENTE, Da Responsabilidade Pré-Contratual em Direito Internacional
Privado, pág. 148 a 157.

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A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão
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Na responsabilidade aquiliana ou extracontratual, por sua vez,


não há essa inversão do ónus da prova, cabendo ao autor da demanda
a prova de que o dano se deu por culpa do agente, surgindo assim,
muitas vezes a denominada prova diabólica.
Entende-se esta diferença: enquanto os deveres das partes, na
primeira, constam do contrato, e havendo incumprimento, presume-se
que quem faltou é culpado, porque de facto incumpriu uma obrigação
que havia assumido fruto do contrato celebrado; na segunda, esses
deveres não são assumidos, pelo que tal presunção não pode existir.
Nesta responsabilidade terá que ser o lesado provar a culpa do autor da
lesão.
A obrigação de indemnizar, pela responsabilidade delitual ou
obrigacional, têm um regime único previsto no artigo 562.º e seguintes
do Código Civil.
Para que o incumprimento de uma obrigação dê lugar à
responsabilidade, é necessário que se verifiquem os seguintes requisitos:
a) A prática de um acto ilícito, que consiste no incumprimento de uma
obrigação;
b) Que o acto seja imputável ao agente, ou seja, que este haja procedido
com culpa, mera culpa, ou dolo, ou seja, o agente deveria ter usado uma
diligência que não empregou, ou devia ter previsto o resultado ilícito a
fim de o evitar; ou se o previu não fez o necessário para o evitar. Essa
diligência exigível é obtida pela determinação de um padrão. O nosso
Código Civil adopta, no n.º 2 do artigo 487.º, o princípio da apreciação
em abstracto, utilizando a figura do “bom pai de família”, ou seja, um
Homem de diligência normal. Estamos na denominada responsabilidade
subjectiva22;
c) Excepcionalmente, que haja procedido sem culpa, nestes casos
estamos no âmbito da responsabilidade objectiva, esta requer apenas o
nexo causal e o efectivo dano e é adoptada somente em circunstâncias

22
GALVÃO TELLES, Direito das Obrigações, pág. 347 a 350.

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expressas na lei, sendo excepção à regra da teoria da culpa, tendo


origem na chamada teoria do risco;
d) Que desse acto tenha resultado um prejuízo para o credor; e
e) Existência de nexo de causalidade entre o acto ilícito e culposo e os
prejuízos causados.
Na responsabilidade extraobrigacional encontramos três
categorias: a responsabilidade por acto ilícito; a responsabilidade por
acto lícito e a responsabilidade pelo risco.
Na responsabilidade por acto ilícito, alguém que pratica um acto
ilícito violando o direito de outrem ou qualquer disposição legal
destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o
lesado pelos danos resultantes da violação, desde que tenha agido com
dolo ou negligência. No entanto, se a lei assim o determinar, poderá ser
obrigado a indemnizar independentemente de culpa, no âmbito da
responsabilidade objectiva, conforme estipulado no artigo 483.º do
Código Civil.
Mas a prática de um acto lícito também poderá originar obrigação
de indemnizar. Basta atentarmos, a título de exemplo, no artigo 339.º
do nosso Código Civil. Este determina que actos praticados em estado
de necessidade, portanto actos lícitos que são praticados para fazer face
a uma situação de urgência, com vista à protecção de bens jurídicos,
apesar de serem lícitos originam responsabilidade.
Finalmente, a responsabilidade pelo risco também gera a
obrigação de indemnizar, ainda que o agente proceda sem culpa e
licitamente. Podemos ilustrar este tipo de responsabilidade com base
nos artigos 499.º a 510.º do Código Civil.
Mas encontramos ainda no Código Civil, alguns casos
antijurídicos que são tratados de forma especial, como a ofensa do
crédito ou do bom nome, previsto no artigo 484.º, as omissões, previsto
no artigo 486.º e os conselhos, recomendações ou informações previstos
no artigo 485.º.

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A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão
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3.-EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA RESPONSABILIDADE DO


TRANSPORTADOR

3.1.- O DIREITO ROMANO

As primeiras normas costumeiras internacionais de direito


marítimo foram surgindo entre os séculos XIV a.C. a X d.C., fruto da
navegação realizada pelos fenícios, que tinham rotas de comércio da Ásia
ao Mediterrâneo.
Aponta-se o Código de Hammurabi, como o documento legislativo
da antiguidade, que continha diversas disposições sobre, entre outras,
a responsabilidade do transportador, apesar de alguns autores
indicarem o Código de Manou como a mais relevante peça da
antiguidade23.
Fruto do impulso marítimo, que se viveu na antiguidade helénica,
surge a Lex Rhodia de Jactu (475-479 a.C), que é a primeira compilação
de de leis e usos marítimos, e apesar de ser Direito helénico, esta tornou-
se conhecida pela sua integração no Digesto24. É esta lei que está na
base da nossa definição de avaria grossa25. Esta lei dizia que, sempre
que um navio se encontrasse em perigo, o capitão, para proteger o
mesmo, poderia lançar ao mar a mercadoria, sendo o prejuízo dividido
entre os proprietários da mercadoria e do navio.
Mas é no Corpus Iuris Civilis de Justiniano, que se consagra o
transporte marítimo de mercadorias, que veio a influenciar os direitos
da família romano-germânica. E o seu conhecimento é de fulcral
importância pois é dele que brotam “os aspectos que têm sido invocados

23
LUÍS DA COSTA DIOGO; RUI JANUÁRIO, Direito Comercial Marítimo, pág. 22, nt 3.
24
LUÍS DA COSTA DIOGO; RUI JANUÁRIO, Direito Comercial Marítimo, pág. 22
25
A respeito da avaria grossa Vide, JANUÁRIO DA COSTA GOMES, Direito Marítimo, Vol IV,
Acontecimentos de Mar, Crf. Pág. 34 a 93.

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A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão
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ora para comparar com o Direito actual, ora para conhecer as suas
raízes”26.
Relativamente ao contrato de transporte marítimo de mercadoria,
avançam-se três fases anteriores à época justiniana. A anterior ao
Edictum de Recpto (as reptum, consistiam num conjunto de acções
processuais que tinham por base uma responsabilidade por custódia) e
a posterior à exceptio, esta veio afastar a responsabilidade do
transportador pelos danos ou perdas da mercadoria causadas por
naufrágio ou actos de pirataria. Tal indica que anteriormente à excptio
a responsabilidade do transportador era total. Ora, o transportador só
respondia através da receptum quando tivesse assumido a obrigação do
transporte por um pactum.
Mas o que se verificava era uma locação do navio, denominada por
locatio-conductio, o armador do navio era denominado de conductor. A
locação podia incidir sobre parte ou a totalidade do navio ou sobre as
mercadorias que o conductor se obrigava a transportar, estando neste
caso perante um contrato de transporte de mercadorias27.
Relativamente ao transporte da mercadoria, era obrigação do
conductor fornecer um navio em estado de navegabilidade, pelo que não
lhe seria imputável a não realização da viagem devido a doença ou
estado de inavegabilidade do navio, desde que esse estado não tivesse
resultado de negligência ou culpa do armador, relativamente aos efeitos
produzidos por essa locatio-conductio, avança SANTOS JUSTO, dada a
falta de resposta nas fontes, a possibilidade de aplicação do regime
normal, sendo que os riscos oneravam o próprio navio enquanto
locador28.

26
SANTOS JUSTO, Contrato de Transporte Marítimo (Direito romano justinianeu) e Breves
Reflexos no Direito Português, pág. 279.
27
SANTOS JUSTO, Contrato de Transporte Marítimo (Direito romano justinianeu) e Breves
Reflexos no Direito Português, pág. 283.
28
SANTOS JUSTO, Contrato de Transporte Marítimo (Direito romano justinianeu) e Breves
Reflexos no Direito Português, pág. 284.

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A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão
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O transportador era considerado responsável pelas mercadorias


transportadas no navio, pelo que tinha a obrigação de devolver a
mercadoria que lhe havia sido entregue29.
Já no direito romano o transportador podia exonerar-se da sua
responsabilidade, quer por acordo com o carregador, quer nos casos da
exceptio.

3.2- O HARTER ACT DE 1893

As primeiras disposições que foram consagradas, ao longo do


século XIX, sobre a responsabilidade do transportador, estipulavam que
os transportadores eram responsáveis pela mercadoria em todos os
casos, podendo apenas exonerarem-se, excepcionalmente, quando o
dano na mercadoria fosse causado por “um acto de Deus” ou por actos
do carregador.
Contudo, durante a segunda metade do século XIX estes
princípios são abandonados e, fruto do princípio da liberdade
contratual30, tornou-se prática a inclusão nos contratos de cláusulas de
exoneração da responsabilidade dos transportadores (negligence
clauses), que permitiam ao transportador exonerar-se da sua
responsabilidade.
Como resultado desta liberdade contratual, o que se verificou foi
uma quase total irresponsabilidade do transportador, face aos danos
sofridos pelas mercadorias, mesmo quando estes eram provocados pela
sua negligência31.

29
HUGO RAMOS ALVES, Da Limitação da Responsabilidade do Transportador na Convenção de
Bruxelas de 1924, pág. 25.
30
A este respeito, cfr. CARLOS OLIVEIRA COELHO, Três Datas, um Século de Direito Marítimo,
pág.632.
31
HUGO RAMOS ALVES, Da Responsabilidade do Transportador na Convenção de Bruxelas de
1924, pág. 26 e IGNÁCIO ARROYO, Las Reglas de Rotterdam. Para Qué?, Anuário de Derecho
Marítimo, Vol. XXVII,pág. 26, cit.: “…la autonomia de la voluntad terminó de facto com las
obligaciones inherentes al contrato de transporte…”.

16
A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão
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Face a esta situação os Estados Unidos da América, na altura um


país de carregadores, que se encontravam subordinados às condições
impostas pelos transportadores ingleses, aprovou a 13 de Fevereiro de
1893, no Congresso, o Harter Act, que foi o instrumento que esteve na
origem de um regime internacional unificado e que pretendia
regulamentar o transporte marítimo de mercadorias e a
responsabilidade do transportador32, nomeadamente estabelecendo
limites à exoneração da sua responsabilidade.
Com o Harter Act, pretendeu-se atenuar o pesado regime legal da
responsabilidade do transportador, mas simultaneamente proibir o
recurso às negligence clauses. Consequentemente, manteve-se a
presunção de responsabilidade do transportador, mas alargou-se as
causas de exoneração, como por exemplo a falta náutica33-34, e a
consagração taxativa dos excepted perils35.
O Harter Act considerava o conceito de navegabilidade do navio,
tendo o legislador consagrado as situações em que o transportador não
seria responsável, nomeadamente nos denominados casos
fortuitos:“Acts of God”, previstos na secção 192; actos de inimigos
públicos; defeito da mercadoria transportada; actos ou omissões do
proprietário do navio; salvamentos de vida ou mercadoria e desvios para
realizar esse salvamento; entre outros e o conceito de diligência devida,
que implica que o navio estivesse devidamente equipado, a fim de
concluir a viagem36.
Poderemos apontar como causas exoneratórias da
responsabilidade por danos na mercadora, anteriormente ao Harter Act
os “Acts of God”, destruição causada por piratas ou países em guerra e

32
JANUÁRIO DA COSTA GOMES, Temas de Direito dos Transportes, pág. 12.
33
MÁRIO RAPOSO, Transporte Internacional de Mercadorias por Mar, pág. 271.
34
É com o Harter Act, que se distingue a falta náutica da falta comercial. Este estabelece a
irresponsabilidade do armador no que respeita às falas náuticas. Cfr. CARLOS OLIVEIRA
COELHO, Três Datas, um Século de Direito Marítimo, pág. 634.
35
Que apenas poderiam ser invocados na fase náutica, cfr. CARLOS OLIVEIRA COELHO, Três
Datas, um Século de Direito Marítimo, pág. 635.
36
HUGO RAMOS ALVES, Da Limitação da Responsabilidade do Transportador na Convenção de
Bruxelas de 1924, Pág. 28 a 30.

17
A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão
____________________________________________________________________________

fogo e com o Harter Act os erros de navegação ou manuseamento do


navio; actos de Deus; embalagem defeituosa, apreensão da mercadoria
pelas autoridades; actos ou omissões do proprietário do navio; desvios
para realizar salvamento de vidas ou mercadorias.
Contudo o transportador só poderia beneficiar das causas de
exclusão acima enumeradas, caso cumprisse os três seguintes
requisitos: ter a carga devidamente armazenada e arrumada; ter o navio
devidamente armado, equipado e aprovisionado e encontrar-se o navio
em condições de navegabilidade.
Efectivamente, mais não se pretendia que conjugar os interesses
conflituantes dos carregadores e dos transportadores e pôr fim a uma
situação de franco desequilíbrio, o que se alcançou com sucesso, uma
vez que foi possível incorporar no seu texto soluções que foram aceites
por carregadores e transportadores. Sendo que, pela primeira vez, se
regulamentou o contrato de transporte, tendo em atenção interesses
contrapostos, afirmando-se por isso que o Harter Act “marca a primeira
fase da evolução que vai conduzir às soluções contemporâneas”37.
Assim, a Internacional Law Association conjuntamente com o CMI
(Comité Marítimo Internacional) pretenderam mundializar tais soluções,
surgindo, as Regras de Haia de 1921, que acabaram por ceder perante
a Convenção de Bruxelas de 1924 sobre conhecimentos, elaborada pelo
CMI, Convenção que teve um grande acolhimento38.

37
CARLOS OLIVEIRA COELHO, Três Datas, um Século de Direito Marítimo, cit. pág. 633; e cfr.
RICARDO TOLEDO, Las Reglas de Roterdam y el Unasur, anuário de Derecho Marítimo, Vol.
XXVII, pág. 267.
38
MÁRIO RAPOSO, Transporte Internacional de Mercadorias por Mar, pág. 271 e Transporte
Marítimo de Mercadorias. Os problemas, pág. 42.

18
A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão
____________________________________________________________________________

3.3.- CONVENÇÃO INTERNACIONAL PARA A UNIFICAÇÃO DE


CERTAS REGRAS EM MATÉRIA DE CONHECIMENTOS DE CARGA

A Convenção Internacional para a Unificação de Certas Regras em


Matéria de Conhecimentos de Carga também conhecida por Regras de
Haia, entrou em vigor a 2 de Junho de 1931.
Surgiu em 1924 com vista a solucionar a contraposição de
interesses de carregadores e transportadores, pretendendo criar um
regime normativo unificador e evitar os problemas inerentes aos
conflitos das diversas legislações nacionais, embora, e parafraseando
NUNO CASTELLO-BRANCO, não seja uma lei uniforme, apesar de ter tido
esse resultado, quer pelo facto de alguns países signatários terem criado
leis internas com preceitos idênticos, quer por remeterem para a própria
convenção39.
Foi o caso de Portugal, que por força do artigo 1º do DL 37,748 de
1 de Fevereiro de 195040 e ainda hoje por força do DL n.º 352/86 de 21
de Outubro, aplica o regime da Convenção aos transportes marítimos
internos.
Pelo que poderemos considerá-la como um corpo de direito
uniforme, que contém normas de direito internacional privado material,
que se aplica ao transporte entre portos de países diferentes, ou seja,
aplica-se aos transportes internacionais41.
Quanto ao âmbito de aplicação espacial o seu artigo artigo10º,que
diz “ As disposições da presente Convenção aplicar-se-ão a todo o
conhecimento criado num dos Estados contratantes”, levantou dúvidas e
debate na doutrina sobre a internacionalidade da mesma42. Nessa

39
NUNO CASTELLO-BRANCO, Direito dos Transportes, pág. 251.
40
MÁRIO RAPOSO, Transporte Marítimo de Mercadoria. Os problemas, pág. 50, cit.:“ A
Convenção fazia parte da ordem jurídica portuguesa desde a sua ractificação, quase vinte anos
antes.”.
41
NUNO CASTELLO-BRANCO, Direito dos Transportes, pág. 252.
42
“ …Ao remeter a emissão do conhecimento de carga no território dos Estados contratantes,
pode ser interpretado como abrangendo o transporte interno…” HUGO RAMOS ALVES, Da
Limitação da Responsabilidade do Transportador na Convenção de Bruxelas de 1924, cit.
pág.41.

19
A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão
____________________________________________________________________________

clivagem doutrinária uns defendiam a internacionalidade objectiva43 e


outros a internacionalidade subjectiva44.
Entendemos que, para que se verifique a sua aplicação, é
necessário que a emissão do conhecimento seja feita num Estado
contratante e exista a internacionalidade do transporte. Quando a
emissão do conhecimento não seja realizada num Estado contratante,
os tribunais têm que determinar a lei nacional competente, recorrendo
ao Direito de conflitos geral45.
Esta convenção visa regulamentar aspectos do contrato de
transporte em que exista um conhecimento de carga, ficando assim de
fora os contratos que sejam celebrados numa carta-partida46 e aqueles
em que não seja emitido um documento negociável, apesar de este não
ser o entendimento de NUNO CASTELLO-BRANCO47.
Não regulamenta o contrato de transporte no seu todo, limitando-
se a estabelecer o mínimo das obrigações do transportador e o máximo
das suas exonerações, o valor da indemnização por avarias de carga e
os procedimentos a seguir no caso de reclamação por avarias da
mesma48.

43
Quando o porto de destino e o de partida se encontrem situados em Estados contratantes
diferentes.
44
Quando o conhecimento fosse detido pelo nacional de um Estado contratante diferente do
Estado onde este tivesse sido emitido.
45
LUÍS LIMA PINHEIRO, Direito Aplicável ao Contrato de Transporte Marítimo de Mercadoria,
A.O., pág. 5/6.
46
VASCONCELOS ESTEVES, Fretamento de Navio para Transporte de Mercadorias, faz a
distinção entre contrato de fretamento e contrato de transporte assim como de carta partida
e conhecimento de carga. Ver págs. 308 a 310. Pág. 308 cit.: “ …contrato de fretamento em que
uma parte (fretador) se obriga em relação à outra (afretador) a pôr à sua disposição um navio,
ou parte dele, para fins de navegação marítima, mediante uma remuneração pecuniária
denominada de frete”. Esse contrato é denominado por carta partida.
47
NUNO CASTELLO-BRANCO, Direito dos Transportes, pág. 256 a 257, cit.: “…a ser assim, seria
ameaçada a imperatividade do regime uniforme, pois que, para se furtar a este, ao
transportador bastaria evitar a emissão do conhecimento de carga….se quisermos garantir a
imperatividade desejada pelos Estados …haveremos de considerar integrados no âmbito
material da convenção, não apenas os transporte efectivamente titulados por um
conhecimento de carga, mas, outrossim, aqueles em que, não tendo sido emitido um
conhecimento, tal emissão deveria ter ocorrido”.
48
LUÍS DE LIMA PINHEIRO, Direito Aplicável ao Contrato de Transporte Marítimo de
Mercadorias, Pág. 165.

20
A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão
____________________________________________________________________________

Esta Convenção estabeleceu um regime imperativo de protecção


dos carregadores contra os transportadores, considerando nulas todas
as cláusulas que excluam a responsabilidade do transportador, na
perda da mercadoria, fruto da negligência ou por incumprimento dos
deveres e direitos consagrados no seu texto49.
O regime desta Convenção é o da responsabilidade agravada do
transportador, que pode ser afastada através da prova dos casos
exceptuados (excepted perils)50; não o sendo, pode ser suavizada através
da limitação da mesma. A limitação da responsabilidade consagrada na
Convenção de Bruxelas de 1924 estabelece um valor máximo, mas não
impede que as partes contratem outros regimes, desde que estes sejam
mais favoráveis ao carregador.
No caso de danos ou perdas da mercadoria, imputáveis ao
transportador, este vê a sua responsabilidade limitada pelo valor
máximo de 100 libras esterlinas por volume ou unidade51 ou o
equivalente a esta soma noutra moeda52. E ainda, por força do artigo 4.º
n.º 5, sempre que o carregador declare à partida o valor e a natureza da
mercadoria, esse valor passa a constituir o limite indemnizatório, seja
este inferior ou superior ao constante no n.º 5 do artigo 4.º. Se o
transportador aceitar incluir essa declaração no conhecimento de carga,
essa terá sempre o valor de uma presunção.
A convenção de Bruxelas, no seu artigo 4.º n.º5, não prevê o dolo
do transportador, mas é de entendimento maioritário que este
precludirá o limite ressarcitório do transportador, pois admitir a
exoneração da sua responsabilidade, iria contra a ordem pública e

49
HUGO RAMOS ALVES, Da Limitação da Responsabilidade do Transportador na Convenção de
Bruxelas de 1924, Pág. 33 e IGNÁCIO ARROYO, Las Reglas de Rotterdam. Para Qué?, Anuário
de Derecho Marítimo, Vol. XXVII pág. 27.
50
Desde que o armador-transportador prove que actuou diligentemente para colocar o navio
em estado de navegabilidade, Cfr. CARLOS OLIVEIRA COELHO, Três Datas, um Século de Direito
Marítimo, pág. 636.
51
Actualizado para €498,88 por força do art.º 31º n. 1 do DL 352/86 de 31 de Outubro.
52
RICARDO BERNARDES, A Conduta do Transportador Impeditiva da Limitação da
Responsabilidade no Direito Marítimo, pág. 464 Nt. 91.

21
A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão
____________________________________________________________________________

contra os bons costumes comerciais53. Esta é uma conclusão que


resulta de considerações morais imperativas, mesmo à luz do Direito
natural54.
Quanto ao arco temporal da Convenção, a disciplina imperativa
da Convenção é destinada a regulamentar as operações entre o
carregamento e o desembarque das mercadorias, incluindo também
estas duas operações55.
Assim, o período de transporte abrange o tempo decorrido desde
que as mercadorias são carregadas a bordo do navio até ao momento em
que são descarregadas56.
Sendo também da responsabilidade do transportador, ainda que
não sejam por ele executadas, as obrigações de preparar o navio, de o
armar e equipar e de o colocar em estado de navegabilidade57.
Estão fora do âmbito da Convenção o transporte de animais vivos
e o transporte de mercadorias no convés.
A responsabilidade do transportador dá-se por incumprimento do
contrato, por avaria na mercadoria ou por perda total da mesma, sendo
uma responsabilidade presumida. Poderá, no entanto, o transportador
isentar-se da responsabilidade, se identificar a causa do dano e provar
que esta não lhe é imputável, por se encontrar entre os perigos
exceptuados, artigo 4.º da Convenção de Bruxelas.
Assim, temos que a Convenção de Bruxelas estabelece um regime
imperativo, relativamente à responsabilidade do transportador. Esse
regime decorre do n.º 8 do artigo 3.º, que considera nulas todas as

53
HUGO RAMOS ALVES, Da Limitação da Responsabilidade do Transportador na Convenção de
Bruxelas de 1924, Pág. 124.
54
NUNO CASTELLO-BRANCO, Da Disciplina do Contrato de Transporte Internacional de
Mercadorias por Mar, pág. 367, Nt. 643.
55
AZEVEDO MATOS, Princípios de Direito Marítimo, pág. 225.
56
FRANCESCO BERLINGIERI, A Comparative Analysis of the Hague-Visby Rules, the Hamburg
Rules and the Rotterdam Rules, Pág. 5, cit.: “…from the beginning of loading of the goods on
the ship to the completion of their discharge from the ship… there are periods when the goods
are in the custody of the carrier to which the Hague-Visby Rules do not apply. That creates
uncertainty, because the rules applicable may vary from port to port. “.
57
NUNO CASTELLO-BRANCO, Direito dos Transportes, pág. 255/256 e CARLOS GÓRRIZ LÓPEZ,
Contrato de Transporte Marítimo Internacional Bajo Conocimiento de Embarque, pág. 46.

22
A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão
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cláusulas que exonerem o armador ou o navio da responsabilidade por


perda ou dano em mercadorias, fruto da sua negligência ou por omissão
dos seus deveres e obrigações, mas numa tentativa de compromisso
entre os interesses dos carregadores e dos transportadores, vem a
Convenção elencar um rol de casos exceptuados que conduzem à
exclusão da responsabilidade do transportador.
Contudo, como já se referiu anteriormente, para que se verifique
a exclusão da responsabilidade do transportador, este tem que
identificar a causa do dano e provar que este não lhe é imputável.
A convenção de Bruxelas apresenta os seguintes casos
exceptuados ou excepted perils:

1. Falta náutica: ocorre quando os danos são provocados pelos actos,


negligência ou falta do capitão, mestre, piloto ou empregados do
armador na navegação ou na administração do navio, (Segundo o
critério do “navio vazio”, a culpa é náutica quando compromete a
expedição e o navio, desde que esta também pudesse ocorrer sem
qualquer mercadoria a bordo, a culpa comercial exige a existência de
mercadoria a bordo e diz respeito às medidas tomadas para protecção
da mesma, não interferindo com a segurança da expedição, por
outras palavras, a culpa náutica diz respeito ao navio e a comercial
à carga);
2. Incêndio: é um caso que sempre excluiu a responsabilidade do
transportador, por ser um fenómeno que pode ocorrer por
circunstâncias imprevisíveis. Mas ao ser invocado pelo transportador
terá este que fazer prova que não foi por culpa sua, uma vez que cabe
ao transportador a prova de que o facto não lhe é imputável (embora
exista divergência neste ponto, quer na doutrina, quer na
jurisprudência).
Assim, se não for possível determinar a causa que esteve na origem
do incêndio o transportador não poderá exonerar a sua
responsabilidade;

23
A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão
____________________________________________________________________________

3. Perigos de mar: também designados por fortunas de mar, uma vez


que fica o navio à mercê dos caprichos do mar. Por serem casos
imprevisíveis e inevitáveis que nem um navegador diligente poderia
evitar, apresentam um regime excepcional, uma vez que “ não
estamos perante perigos que ocorrem no mar, mas sim, pelo contrário,
trata-se de perigos que vêm do próprio mar”58.
Assim, os danos causados numa mercadoria, pela água do mar fruto
de uma tempestade, não poderiam ser previstos nem evitados ou
combatidos pelo navegador, pelo que estamos perante um dos casos
exoneratórios da responsabilidade do transportador e que se
enquadra no artigo 4.º n.º 2 c). Nestes casos, cabe ao carregador
provar a ausência de diligência do transportador e não ao
transportador provar que exerceu a diligência razoável;
4. Casos fortuitos: também designados de “Acto de Deus”, são aqueles
acontecimentos imprevisíveis e impossíveis de controlar pelo ser
humano, são aqueles acontecimentos denominados como força
maior, causados por forças naturais impossíveis de serem evitadas
pelo homem.
O transportador tem assim, que provar que as causas foram naturais
e súbitas, de forma que não foi humanamente possível tomar
medidas para as prevenir ou evitar. Sendo esta causa semelhante à
anterior, dela se distingue, porque aqui tem o transportador que
provar que agiu com diligência razoável59, a fim de excluir a sua
responsabilidade;
5. Guerra: os factos de guerra incluem todos os actos praticados por
países em guerra. O transportador deve fazer prova da existência da
guerra e provar o nexo de causalidade com o dano;

58
HUGO RAMOS ALVES, Da Limitação da Responsabilidade do Transportador na Convenção de
Bruxelas de 1924, cit. pág. 88.
59
Cfr. AZEVEDO MATOS, Princípios de Direito Marítimo, pág. 219, cit.: “de origem inglesa a
«due diligence» ou razoável diligência, não de entregar as mercadorias, mas de fazer toda a
diligência e tomar todas as medidas úteis para que estas sejam transportadas como deve ser”.

24
A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão
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6. Factos de inimigos públicos: pensa-se que este caso, e esta


expressão, terá surgido como substituição da expressão “King’s
enenmies”, para que a Convenção de Bruxelas também pudesse ser
aplicada aos Estados com forma Republicana e não Monárquica. Este
caso engloba os actos de pirataria, sendo esta entendida como o acto
de pessoas alheias ao navio ou mesmo praticada por passageiros ou
tripulação;
7. Ordem Judicial: são os actos praticados ou pelos Estados ou
autoridade pública, que não possam ser imputáveis ao
transportador, como, por exemplo, a detenção do navio, a proibição
de desembarcar as mercadorias, etc. Mas estes factos têm que ser
imprevisíveis. Se o transportador antes da viagem já tiver
conhecimento destes factos, não poderá beneficiar da exoneração da
sua responsabilidade;
8. Quarentena: resume-se a um acto de coacção das autoridades
públicas pelo que poderia estar incluída nos embargos ou coacção do
governo, previsto no artigo 4.º n.º 2 g);
9. Omissão do carregador ou do representante das mercadorias: os
danos na mercadoria são causados pelos actos do próprio carregador;
10. Greve: não podendo o transportador excluir a sua
responsabilidade com base nesta causa, quando este tinha
conhecimento da greve e não tenha tomado as medidas necessárias
para resolver a contenda. “Este perigo exceptuado não relevará
quando a greve seja decorrência de actuação injusta do
transportador”60;
11. Motins e perturbações populares: só serão caso de exoneração da
responsabilidade se não tiver sido possível evitá-los;

60
HUGO RAMOS ALVES, Da Limitação da Responsabilidade do Transportador na Convenção de
Bruxelas de 1924, cit. pág. 99.

25
A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão
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12. Salvação: que considera também os desvios de rotas para salvar


ou tentar salvar vidas e bens em alto mar, artigo 4.º n.º 2 l), mas
também os desvios de rota razoáveis, artigo 4.º n.º 4
13. Desfalque de volume ou de peso ou de qualquer outra perda ou
dano resultante de vício oculto, natureza especial ou vício próprio da
mercadoria: a exoneração da responsabilidade do transportador
justifica-se, visto que o caso é completamente alheio ao
transportador. O vício da mercadoria é algo próprio à mercadoria.
O transportador poderá exonerar-se da sua responsabilidade, se
provar que a coisa tem a qualidade natural de se alterar, e que ele
agiu diligentemente no acondicionamento ou manutenção da
temperatura da mesma;
14. Insuficiência da embalagem: pode ser considerado um vício
próprio da mercadoria, mas é um defeito externo, podendo o
transportador defender-se desde logo colocando reservas no
conhecimento de carga.
Considera-se uma embalagem insuficiente quando esta não é
suficiente para proteger a mercadoria do manuseamento do
transporte;
15. Insuficiência ou imperfeição de marcas: as marcas têm por função
identificar devidamente a mercadoria, artigo 3.º n.º3 a). Pode assim,
o transportador exonerar a sua responsabilidade, se provar que o seu
incumprimento na entrega da mercadoria se deveu à insuficiência
das marcas;
16. Vícios ocultos que escapam a uma razoável diligência: aqueles que
se encontram no navio não sendo possível a sua identificação através
de exames atentos. Se existir o nexo causal entre a inavegabilidade
do navio e o dano terá o transportador que provar que exerceu a
diligência razoável para que o navio estivesse em condições de
navegabilidade;

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A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão
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17. Outras causas, catch-all exception61: pode o transportador


exonerar a sua responsabilidade, por qualquer facto, desde que
identifique a causa, prove que essa não dependeu dele nem de um
seu auxiliar e que agiu com negligência razoável. O exemplo que mais
se enquadra neste caso é o furto.
Estes excepted perils “ devem ver a sua face «exoneratória» estudada
em termos hábeis, porquanto correspondem a uma tentativa de
distribuição de riscos equitativa, sempre, contudo, sem abdicar de uma
raiz de responsabilidade presumida do transportador, mercê da
confiança depositada pelo carregador e da «obrigação de resultado» a
que se reduz o transporte”62.

Quanto à recepção da mercadoria e às reclamações referentes à


mesma, a Convenção de Bruxelas, contém no seu artigo 3.º n.º 6 um
sistema de reservas escritas e presunções que influenciam o regime
probatório.
Aquando da recepção da mercadoria, se os danos na mesma forem
aparentes, deve o destinatário fazer uma reserva escrita, no momento
em que levante a mercadoria.
Se os danos não forem aparentes deve o destinatário, nos três dias
subsequentes ao levantamento da mercadoria, fazer e enviar a reserva
escrita.
Não sendo feitas estas reservas, presume-se que a mercadoria foi
entregue conforme o conhecimento de carga.
O prazo para a propositura da acção é de um ano, contado a partir
do dia da entrega da mercadoria.
Relativamente ao conhecimento de carga ou Bill of Landing, está
previsto no artigo 3.º n.º 3, n.º4 e n.º5 da Convenção. O conhecimento
de carga serve de prova do contrato, constando deste informação

61
MICHAEL F. STURLEY, The Carrier´s Liability Under the Hague, Hague-Visby, and Hamburgo
Rules, in the Rotterdam Rules, 5,005.
62
NUNO CASTELLO-BRANCO, Da Disciplina do Contrato de Transporte Internacional de
Mercadorias por Mar, cit. pág. 366.

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A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão
____________________________________________________________________________

privilegiada como o porto de embarque e desembarque, a quantidade e


natureza da mercadoria. Serve de recibo, pois prova que o expedidor
entregou as mercadorias ao transportador e que este as recebeu, sendo
importantíssima para determinação da responsabilidade pelos danos
sofridos, visto que nela se inscrevem a quantidade da mercadoria, o tipo
de embalagem e, a existirem, as reservas apostas pelo transportador e
tem ainda a função de título de crédito uma vez que sendo transmitido
atribui ao seu titular a faculdade de exigir as mercadorias63.
Devido ao incessante aumento do comércio e consequentemente
do transporte marítimo, houve necessidade de se proceder à alteração
da Convenção de Bruxelas de 1924.
Assim, esta foi alterada por dois protocolos, o primeiro de 1968,
conhecido por Protocolo de 1968, Protocolo de Visby ou regras de Visby,
o segundo de 1979.

3.4.- PROTOCOLO DE 1968 – REGRAS DE HAIA-VISBY

O Protocolo de 1968 visou colmatar situações não previstas na


Convenção de Bruxelas de 1924, como o transporte da mercadoria em
contentores, paletes ou outros engenhos similares, pelo que agora o
carregador deve declarar no conhecimento de carga o número de
volumes ou unidades transportadas no contentor. Se nada se disser,
será considerado o contentor como uma unidade.
Substitui a libra esterlina por uma nova unidade de conta, o
Franco Poincaré64.
Esclareceu o artigo 10.º da Convenção de Bruxelas, elaborando
um texto claro e explicito quanto ao seu âmbito de aplicação65, sendo

63
CARLOS GÓRRIZ LÓPEZ, Contrato de Transporte Marítimo Internacional Bajo Conocimiento
de Embarque, pág. 36/37 sobre os documentos similares, considera a carta de porte marítimo
“sea waybill” e afasta a carta partida.
64
Equivale a 0,65 gramas de ouro puro.
65
Consta o seguinte do texto do protocolo “ As disposições da presente Convenção aplicar-se-
ão a todo o conhecimento relativo a um transporte de mercadorias entre portos relevantes de

28
A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão
____________________________________________________________________________

esta aplicável sempre que o transporte seja entre portos de dois Estados
diferentes, o conhecimento seja emitido num Estado contratante ou o
transporte se inicie ou termine num porto de um Estado contratante.
Também procede à alteração da norma referente ao limite da
responsabilidade do transportador. Este Protocolo prevê a exclusão do
limite da responsabilidade do transportador, caso os danos na
mercadoria hajam sido causados por acção ou omissão do transportador
com o intuito de causar dano. Assim o artigo 4.º n.º 5 passou a ter a
seguinte redacção: “Nem o transportador nem o navio terão direito a
beneficiar da limitação de responsabilidade, se for provado que o dano
resulta de um acto ou de uma omissão do transportador que ocorrer, quer
com a intenção de provocar um dano, quer temerariamente e com a
consciência que um dano provavelmente resultaria desse acto ou
omissão”.
A par do domínio imperativo, o Protocolo prevê um domínio
facultativo de aplicação através de cláusulas Paramount66.

3.5.- O PROTOCOLO DE 1979 – PROTOCOLO SPECIAL DRAWING


RIGHTS

O Protocolo de 1979 introduziu uma nova unidade de conta, o


direito especial de saque do FMI67 e o critério do volume ou da unidade

dois Estados diferentes quando: a) o conhecimento seja emitido num Estado contratante; ou
b) o transporte seja iniciado no porto de um Estado Contratante; ou c) o conhecimento preveja
que o contrato se regerá pelas disposições da presente Convenção ou da legislação de qualquer
Estado que as aplique ou lhes dê efeito, independentemente da nacionalidade do navio, do
portador, do carregador, do destinatário ou de qualquer outra pessoa interessada”.
66
LUÍS DE LIMA PINHEIRO, Estudos de Direito Civil, Direito Comercial e Direito Comercial
Internacional, pág. 151.
67
Segundo os dados do Banco de Portugal, em 27 de Janeiro de 2014, a taxa de câmbio do
Direito Especial de Saque é de 1,12871. O activo financeiro do FMI, o Direito Especial de Saque,
substituiu o ouro e o dólar para efeitos de troca. Este funciona apenas entre bancos centrais e
também pode ser trocado por moeda corrente com o aval do FMI. Apesar de ter sido criado
em 1969, apenas começou a ser utilizado em 1981. O seu valor é determinado pela variação
média da taxa de câmbio dos cinco maiores exportadores do mundo: França (Euro),

29
A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão
____________________________________________________________________________

foi substituído pelo critério do peso bruto em quilogramas, a fim de


resolver as questões levantadas pelas definições de volume ou unidade,
aquando da limitação da responsabilidade do transportador.

3.6.- A CONVENÇÃO DE HAMBURGO

A Convenção das Nações Unidas sobre o Transporte Marítimo de


Mercadorias foi concluída em Hamburgo, a 31 de Março de 1978 e
entrou em vigor apenas a 1 de Novembro de 1992, embora com um
número reduzido de países.
Esta traduz-se num reforço da posição dos carregadores, pois
consagra valores de indemnização mais elevados e a expressa
responsabilidade do transportador por atraso na entrega de
mercadoria68.
Desloca o centro de gravidade do regime do transporte de
mercadorias do conhecimento de carga para o contrato69, porque
enquanto a Convenção de Bruxelas se apresenta como relativa à
unificação de certas regras em matéria de conhecimento de carga, as
Regras de Hamburgo constituem uma Convenção sobre o contrato de
transporte marítimo de mercadorias70.
Relativamente ao Arco Temporal, a responsabilidade do
transportador abrange o período em que as mercadorias estão à sua
guarda no porto de embarque, durante o transporte e no porto de

Alemanha (Euro), Japão (iene), Reino Unido (libra esterlina) e Estados Unidos (dólar
estadunidense). A partir de 1999, o euro substituiu a moeda francesa e alemã neste cálculo.
68
FRANCISCO COSTEIRA DA ROCHA, Limitação da Responsabilidade do Transportador
Marítimo, pág. 257/258.
69
JANUÁRIO DA COSTA GOMES, Do Transporte “port-to-port” ao Transporte “door-to-door”,
pág. 376.
70
JANUÁRIO DA COSTA GOMES, Sobre a Responsabilidade do Transportador nas Regras de
Roterdão. Breves notas, in Estudios de Derecho Marítimo, pág. 643.

30
A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão
____________________________________________________________________________

descarga71, e já não apenas entre o carregamento e desembarque, como


previsto na Convenção de Bruxelas de 1924.
Aquelas estão à guarda do transportador, a partir do momento em
que lhe são entregues para expedição pelo carregador ou por alguém que
actue no seu interesse e até ao momento em que este efectue a entrega
ao destinatário ou, no caso do destinatário as não receber, até ao
momento em que o transportador as coloque à sua disposição72.
As Regras de Hamburgo vêm reduzir as dezassete causas de
exoneração da responsabilidade do transportador a duas. O
transportador apenas pode exonerar a sua responsabilidade em caso de
incêndio, desde que não se prove negligência que lhe seja imputada, e
em caso de salvamento. A primeira justifica-se pela sua excepcional
gravidade e a segunda por razões humanitárias73.
Afasta a falta náutica (actos, negligência ou falta do capitão,
mestre, piloto ou empregados do transportador) como causa
exoneratória da responsabilidade e responsabiliza o transportador no
caso de atraso na chegada ao porto de destino.
Considera as mercadorias transportadas no convés, ao contrário
da Convenção de Bruxelas que as não considerava como mercadorias,
resultando do seu artigo 9.º n.º1 que estas só podem ser carregadas no
convés com o acordo do carregador, ou se estiver de acordo com os usos
do comércio, ou se assim for exigido, por regras estatutárias ou
regulamentos.
Pelo que, se contrariando este preceituado, o transportador
transportar as mercadorias no convés será responsável pela perda,
danos ou atraso provocados na mesma e resultantes apenas desse

71
JANUÁRIO DA COSTA GOMES, Introdução às Regras de Roterdão – A Convenção “Maritima-
Plus” sobre Transporte Internacional de Mercadorias, pág. 55 e MÁRIO RAPOSO, Transporte
Internacional de Mercadorias por Mar, pág. 273.
72
FRANCESCO BERLINGIERI, A Comparative Analysis of the Hague-Visby Rules, the Hamburg
Rules and the Rotterdam Rules, pág.5 “…in a port-to-port contract the Rules normally apply to
the whole period during which the carrier is in charge of the goods. But this is not the case in a
door-to-door contract or when the terminals of the carrier are outside the port area, because
the rules applicable would be different, nor are there in the Hamburg Rules provisions…”.
73
MÁRIO RAPOSO, Transporte Internacional de Mercadorias por Mar, pág. 276.

31
A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão
____________________________________________________________________________

transporte no convés, caso haja acordo entre carregador e


transportador, deve este ser inserido no conhecimento de carga ou outro
documento comprovativo. Assim, na ausência de tal menção o
transportador tem o ónus de provar a existência de acordo sobre o
transporte da mercadoria no convés74.
Esta Convenção tem um regime muito mais gravoso para os
transportadores, desde logo porque reduz drasticamente as causas de
exoneração, como os perigos de mar, o vício da própria mercadoria, e os
erros do carregador, entre outras.
Também impende sobre o transportador a obrigação, antes e no
início da viagem, de exercer uma razoável diligência para colocar o navio
em estado de navegabilidade; armar, equipar e aprovisionar
convenientemente o navio; preparar e pôr em bom estado os porões, os
frigoríficos e todas as outras partes do navio em que as mercadorias são
carregadas, para sua recepção, transporte e conservação.
O ónus da prova de que actuou com a diligência razoável recai sobre
o transportador. Não sendo, segundo o artigo 5.º das regras, suficiente
provar que não agiu ilicitamente, mas tendo também que fazer prova de
que agiu com diligência razoável75.
Devido ao agravamento da responsabilidade do transportador, esta
Convenção levou 14 anos a entrar em vigor, sendo os Estados aderentes,
Estados sem significativo relevo no shipping mundial, tais como,
Tanzania, Senegal, Serra Leoa, Guiné, entre outros, razão pela qual esta
Convenção não teve o sucesso que se esperava.
Sendo que os Estados com grande expressão no campo do
comércio marítimo preferiram manter-se fieis à Convenção de Bruxelas
de 1924.
E nas palavras de IGNACIO ARROYO, ficou a comunidade
internacional ainda mais dividida, pois agora os instrumentos com

74
JANUÁRIO DA COSTA GOMES, Introdução às Regras de Roterdão – A Convenção “Marítima
Plus” sobre Transporte Internacional de Mercadoria, pág. 67 Nt. 196.
75
HUGO RAMOS ALVES, Da Limitação da Responsabilidade do Transportador na Convenção de
Bruxelas de 1924, pág. 37.

32
A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão
____________________________________________________________________________

“vocação unificadora” são quatro. E sendo que o Brasil nunca ratificou


nenhum dos quatro instrumentos, Portugal ratificou apenas a
Convenção de Bruxelas de 1924, Espanha as Regras de Roterdão e a
Áustria a Convenção de Hamburgo, a questão que se coloca é “…donde
queda la unificación cuando el cargador y porteador pertenecen a dos
países distintos de los mencionados en los ejemplos? La solución depende
de la legislación aplicable y de lo que diga lo tribunal del foro competente.
Es decir, un fracasso para la deseada unificación internacional.”76.
Face ao “fracasso” desta Convenção77, está agora o mundo de
olhos postos, e expectante, nas Regras de Roterdão também
denominadas de Convenção Marítima Plus, por “a nova Convenção
pressupor necessariamente um transporte port-to-port ou sendo
transporte door-to-door, uma fase marítima (“sea leg”), que explica a
caracterização da nova Convenção como “Marítima- Plus”78.

76
IGNÁCIO ARROYO, Las Reglas de Rotterdam. Para Qué?, Anuário de Derecho Marítimo, Vol.
XXVII, cit. pág. 28.
77
MÁRIO RAPOSO, Transportes Marítimos de Mercadorias. Os problemas, pág. 43.
78
JANUÁRIO DA COSTA GOMES, Introdução às Regras de Roterdão – A Convenção “Marítima
Plus” sobre Transporte Internacional de Mercadoria, cit. pág. 8.

33
A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão
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4. A CONVENÇÃO DE ROTERDÃO

4.1. INTRODUÇÃO

As Regras de Roterdão dão-se no seguimento da Convenção de


Genebra de 1980, que surgiu para dar resposta à contentorização e ao
transporte multimodal, mas que não logrou vingar79.
Assim, a 11 de Novembro de 2008, a Assembleia das Nações Unidas
aprovou o projecto da nova Convenção sobre o transporte internacional
de mercadorias total ou parcialmente por mar, tendo sido aberta à
assinatura por parte dos Estados em 23 de Setembro de 2009 na cidade
de Roterdão, tendo, apenas num mês, recebido vinte assinaturas. Os
Estados signatários são80: Congo, República Democrática do Congo,
Dinamarca, França, Gabão, Gana, Grécia, Guiné, Holanda, Níger,
Nigéria, Noruega, Polónia, Senegal, Espanha, Suíça, Togo, Estados
Unidas da América, Arménia, que assinaram a 23 de Setembro de 2009,
Madagáscar, que assinou a 25 de Setembro de 2009, Arménia e
Camarões, assinaram a 29 de Setembro de 2009, Mali a 26 de Outubro
de 2009, Luxemburgo a 31 de Agosto de 2010 e o último Estado
signatário a Suécia em 20 de Julho de 2011. Sendo que destes vinte e
cinco Estados signatários apenas dois ratificaram a Convenção,
nomeadamente a Espanha, a 19 de Janeiro de 2011 e o Togo, a 17 de
Julho de 2012.
Assim, esta apenas entrará em vigor depois de mais dezoito Estados
procederem à sua ratificação. Entrará em vigor no primeiro dia útil do
mês seguinte ao do fim do prazo de um ano, a partir da data, em que

79
MÁRIO RAPOSO, Transporte Marítimo de Mercadorias. Os Problemas, pág. 44 cit.: “…o mais
espectacular caso de fracasso do propósito de uniformizar, através de uma convenção… deu-
se com o transporte multimodal. A convenção de 1980 foi ratificada apenas por 11 Estados de
fraco relevo em DM…” e MIGUEL ROCA LÓPEZ, Las Reglas de Roterdam pág. 608, cit.:“...su
aprobación se constató uno de los mayores fracasos habidos en la historia de las convenciones
internacionales y su texto quedó relegado al estúdio comparativo de académicos Juristas”.
80
Há data da realização deste trabalho, Janeiro de 2014, dados do CMI.

34
A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão
____________________________________________________________________________

tenha sido depositado o vigésimo instrumento de ratificação, aceitação,


aprovação ou adesão81.
Esta Convenção passou a designar-se por Regras de Roterdão e
pretende substituir as Regras de Haia Visby e as Regras de Hamburgo,
colocando assim um fim à fragmentação originada pelos anteriores
instrumentos internacionais82.
Estamos perante uma convenção multimodal83, uma vez que
regulamenta o transporte internacional de mercadorias, e embora este
tenha que envolver um percurso marítimo, também regulamenta os
outros meios de transporte, como diz JANUÁRIO DA COSTA GOMES, na
sua poética frase, “ …o projecto da Convenção, estando, embora, gizado
numa filosofia multimodal, está impregnado de um forte cheiro de
maresia”84.
Difere, assim, da Convenção de Bruxelas de 1924 e das Regras de
Hamburgo, que apenas disciplinam o transporte de mercadorias por
mar, sendo assim convenções port-to-port, pelo que estamos perante
uma convenção door-to-door ou multimodal85, que dá especial atenção à
contentorização86, em que existe um contrato único para o transporte

81
JANUÁRIO DA COSTA GOMES, Sobre a Responsabilidade do Transportador nas Regras de
Roterdão. Breves nota, in Estudios de Derecho Marítimo, pág. 640.
82
Cfr. MARTÍN OSANTE, Responsabilidad del Porteador por Perdida, Daño o Retraso en Las
Reglas de Rotterdam, pág. 253, cit.: “…com la finalidade de uniformizar el regímen jurídico del
transporte marítimo internacional de mercancias, intentando superar los inconvenientes
generados por sus precedentes…”.
83
Crf. IGNÁCIO ARROYO, Ámbito de Aplicación de la Normativa Uniforme, Anuário de Derecho
Maríimo, Vol. XVIII, pág. 431.
84
JANUÁRIO DA COSTA GOMES, Do transporte “port-to-port” ao Transporte “door-to-door”,
cit. pág. 402.
85
O transportador assume integralmente a responsabilidade, aplica-se, assim, ao transporte
multimodal na acepção estrita. Cfr. IGNÁCIO ARROYO, Ámbito de Aplicación de la Normativa
Uniforme, Anuário de Derecho Marítimo, Vol. XVIII, pág. 432; Crf. FRANCISCO RUEDA, El
Transporte Multimodal Internacional: La Viabilidad de un Régimen Jurídico Uniforme, Anuário
de Derecho Marítimo, Vol. XXI, pág. 334.
86
ALEXANDRE DE SOVERAL MARTINS, As Regras de Roterdão, pág. 100 cit.:. “O transporte
multimodal tem consideráveis vantagens quando associado ao transporte em
contentores…torna a passagem de mercadorias de um meio de transporte para outro mais
fácil…”.

35
A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão
____________________________________________________________________________

de mercadorias em, pelo menos, dois meios de transporte diferentes87, e


apenas o operador assume a obrigação de transportar, sendo assim este
o único responsável88. Estamos perante uma prestação única89.
Uma regulamentação uniforme sobre o transporte multimodal visa
colmatar os inconvenientes trazidos pela regulamentação unimodal90-91
tais como: a Convenção de Bruxelas e as Regras de Hamburgo para o
Transporte marítimo; a Convenção de Varsóvia e Montreal para o
transporte aéreo; a CMR para o transporte rodoviário e a Convenção de
Berna (COTIF/CIM) para o transporte ferroviário.

4.2.- SISTEMATIZAÇÃO

A Convenção de Roterdão encontra-se dividida nos seguintes


capítulos:
Capítulo 1- Disposições gerais
Capítulo 2- Âmbito de aplicação
Capítulo 3- Documentos electrónicos de transporte
Capítulo 4- Obrigações do transportador
Capítulo 5- Responsabilidade do transportador por perda dano ou
atraso

87
JANUÁRIO DA COSTA GOMES, Do transporte “port-to-port” ao Transporte “door-to-door”,
pág. 380, Nt. 38.
88
FRANCISCO RUEDA, Introducción a la Jurisprudencia Multimodal, Anuário de Derecho Vol.
XXV, pág. 201; Crf. IGNÁCIO ARROYO, Ámbito de Aplicación de la Normativa Uniforme, Anuário
de Derecho Maríimo, Vol. XVIII, pág. 431 v.g. diferença do transporte segmentado utilizado na
Convenção de Genébra em que a responsabilidade é exigida a cada um dos transportadores.
Cfr. MÁRIO RAPOSO, Transporte Internacional de Mercadorias por Mar, pág. 162 v.g diferença
entre transportes sucessivos e multimodal.
89
JANUÁRIO DA COSTA GOMES, Do transporte “port-to-port” ao transporte “door-to-door”,
pág. 384.
90
JANUÁRIO DA COSTA GOMES, Do transporte “port-to-port” ao transporte “door-to-door”,
pág. 387.
91
Crf. IGNÁCIO ARROYO, Ámbito de Aplicación de la Normativa Uniforme, Anuário de Derecho
Marítimo, Vol. XVIII, pág. 430.

36
A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão
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Capítulo 6- Disposições adicionais relativas a certas etapas do


transporte
Capítulo 7- Obrigações do carregador para com o transportador
Capítulo 8- Documentos de transporte e documentos electrónicos de
transporte
Capítulo 9- Entrega das mercadorias
Capítulo 10- Direitos da parte controladora
Capítulo 11- Transmissão de direitos
Capítulo 12- Limites da responsabilidade
Capítulo 13- Prazo para intentar acções
Capítulo 14- Jurisdição
Capítulo 15- Arbitragem
Capítulo 16- Validade de cláusulas contratuais
Capítulo 17- Matérias não reguladas pela presente Convenção
Capítulo 18- Disposições finais

É esta extensão da Convenção que surpreende e que leva alguma da


doutrina a criticá-la pela sua complexidade92. Note-se que conta com 96
artigos, enquanto as regras de Haia tem apenas 1693. Contudo, essa não
é a posição dominante da doutrina. A este respeito leia-se a crítica
acutilante feita por MIGUEL ROCA LÓPEZ “…Y respecto a la alegada
«complejidad», cuesta creer que un jurista pueda realizar tan pobre critica.
Cualquier jurista es perfectamente capaz de leer y entender un texto
jurídico, y las Reglas de Rotterdam no deberían serle una excepción…esa
«complejidad» es facilmente superable. Y si no lo es, quizás sea más un
problema del próprio jurista que no de la Convención”94.
Evidentemente esta Convenção tem que ser mais extensa e complexa,
desde logo, porque visa regulamentar o transporte door-to-door e não

92
Crf. FRANCISO PELETEIRO, Ventajas de Las Reglas de Rotterdam para Porteadores Y
Cargadores. El Punto de Vista de Armadores, Anuário de Derecho Marítimo, Vol. XXVII, pág.
245.
93
JANUÁRIO DA COSTA GOMES, Introdução às Regras de Roterdão – A Convenção “Maritima-
Plus” sobre Transporte Internacional de Mercadorias, pág. 11.
94
MIGUEL ROCA LÓPEZ, Las Reglas de Rotterdam, in Estudios de Derecho Marítimo, pág. 609.

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A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão
____________________________________________________________________________

apenas port-to-port, além de que regulamenta outras situações, como a


responsabilidade de personagens como o carregador, as marine parties
e os documentos electrónicos.

4.3. O CONTRATO DE TRANSPORTE

As Regras de Roterdão assentam no contrato de transporte95, que


não existe na Convenção de Bruxelas de 1924, uma vez que esta assenta
no conhecimento de carga.
Ora, no âmbito das Regras de Roterdão, o contrato de transporte96
é aquele pelo qual o transportador se obriga, contra o pagamento de um
frete, a transportar mercadorias de um local para outro97, tendo no
entanto que existir um “sea leg”. Assim, as Regras de Roterdão aplicam-
se a outros modos de transporte, que não apenas o marítimo, desde que
as partes assim o acordem98.

95
Que é definido nos termos do art.º 1 n.º 1 (“Contract of carriage” means a contract in witch
a carrier, against the payment of freight, undertakes to carry goods from one place to another.
The contract shall provide for carriage by sea and may provide for carriage by others modes of
transport in addition to the sea carriage.). Cfr. FRANCISCO RUEDA, Las Reglas de Roterdam. Un
Regime Uniforme para los Contratos de volumen?, Anuário de Derecho Marítimo, Vol. XXVI,
que classifica o contrato como atípico, pág. 104 e 106.
96
Tal como as regras de Hamburgo, mas em moldes diferentes, desde logo nestas o contrato
de transporte é aquele pelo qual o transportador se obriga, contra o pagamento de um frete,
a transportar mercadorias por mar, de um porto para outro porto excluindo expressamente a
sua aplicação ao transporte que não seja marítimo.
97
FRANCISCO COSTEIRA DA ROCHA, O Contrato de Transporte de Mercadorias, pág. 27/28 cit.:
“ a deslocação terá que ser o principal da prestação do transportador. Quando tal não acontece
não se pode falar em contrato de transporte”.
98
FRANCESCO BERLINGIERI, A Comparative Analysis of the Hague-Visby Rules, the Hamburg
Rules and the Rotterdam Rules, pág. 2 “Normally a contract is defined on the basis of the
obligations of the parties. The Hague- Visby Rules do not contain any such definition, but
merely connect the notion of contract of carriage to the document issued there under, the bill
of lading. For that reason it has been said that they have adopted a documentary approach…”.
In the Hamburg Rules and in the Rotterdam Rules there is instead a definition of the contract
of carriage but it differs in respect of the description of the obligation of the carrier which is
merely the carriage of goods by sea from one port to another in the Hamburg Rules and the
carriage of goods from one place to another in the Rotterdam Rules. The Hamburg Rules
expressly exclude their application to the carriage by modes other than sea in case the contract

38
A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão
____________________________________________________________________________

Não se pode, assim, considerar uma convenção totalmente


multimodal, uma vez que a sua aplicação depende não só da existência
de uma fase marítima, mas também que esta esteja prevista no contrato
de transporte99.
O contrato de transporte comporta três fases distintas100: a
primeira consiste na entrega da mercadoria ao transportador; a segunda
consiste no transporte propriamente dito, sendo nesta fase que o
transportador tem a mercadoria sob a sua custódia e a terceira que
consiste na entrega da mercadoria ao destinatário. Desta última derivam
três obrigações para o transportador: avisar o destinatário sobre a
chegada da mercadoria; colocar as mercadorias à disposição do
destinatário para que este as levante e, por último, apresentar ao
destinatário o documento de transporte da mercadoria.
Sendo que, em sede de regime jurídico, o contrato de transporte
marítimo é autónomo e distinto do regime geral de transporte101.

4.3.1. FRETAMENTO E CONTRATO DE TRANSPORTE

“O contrato de fretamento de navio é aquele em que uma das partes


(fretador) se obriga em relação à outra (afretador) a pôr à sua disposição
um navio, ou parte dele, para fins de navegação marítima, mediante uma
retribuição pecuniária denominada de frete”102.
O fretamento é, assim, caracterizado pela afectação de um navio
determinado à realização de navegação marítima103, e não à deslocação

involves the carriage by other modes, while the Rotterdam Rules extend their application to
the carriage by other modes if the parties have so agreed.”.
99
ALEXANDRE DE SOVERAL MARTINS, As Regras de Roterdão, pág. 102.
100
HUGO RAMOS ALVES, Da Limitação da Responsabilidade do Transportador na Convenção
de Bruxelas de 1924, pág. 14 e pág. 62.
101
LYNCE FARIA, O Transporte Internacional de Mercadorias, Da Convenção de Bruxelas de
1924 às Regras de Hamburgo de 1978, pág. 26.
102
DL 191/87 art. 1º.
103
LUÍS DE LIMA PINHEIRO, Estudos de Direito Civil, Direito Comercial e Direito Comercial
Internacional, pág. 153.

39
A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão
____________________________________________________________________________

de mercadoria. Por essa razão ainda que este se destine à deslocação de


mercadoria, não estamos perante um contrato de transporte104.
O fretamento pode ser por viagem, a tempo e a casco nu.
No fretamento por viagem, o navio realiza uma ou várias viagens
pré-definidas e a gestão náutica e a gestão comercial pertencem ao
fretador. Aquele tem semelhanças com o contrato de transporte, porque
o que está em causa é a deslocação da mercadoria, tem em vista um
carregamento, mas o fretador não se obriga a transportá-la. No
fretamento a tempo, o navio é afecto durante um determinado período
de tempo, sendo a gestão náutica do fretador, mas a comercial é do
transportador. Por fim, no fretamento a casco nu, o fretador
disponibiliza um navio não armado nem equipado num determinado
período de tempo, pertencendo a gestão náutica e comercial ao
afretador105.
Pelo que, no fretamento por viagem, o fretador disponibiliza o
navio armado, equipado e assume a gestão náutica e comercial do
mesmo; no fretamento por viagem disponibiliza o navio armado e
equipado, assumindo apenas a gestão náutica e no fretamento a casco
nu disponibiliza o navio sem ser armado ou equipado.
Consequentemente, no fretamento por viagem, o afretador é
apenas responsável pela entrega da carga ou pelas operações da carga;
a tempo, suporta os custos da viagem e as operações de carga; em casco
nu, suporta os custos de exploração, da viagem e das operações de
carga106.
Assim, o fretamento diz respeito a um navio que o armador-
fretador coloca à disposição do afretador, tendo a carta partida como o
documento que prova a celebração de um contrato de fretamento e que

104
FRANCISCO COSTEIRA DA ROCHA, O Contrato de Transporte de Mercadorias, pág. 28 e
LYNCE FARIA, O Transporte Internacional de Mercadorias, Da Convenção de Bruxelas de 1924
às Regras de Hamburgo de 1978, pág. 30
105
LYNCE FARIA, O Transporte Internacional de Mercadorias, Da Convenção de Bruxelas de
1924 às Regras de Hamburgo de 1978, pág.34.
106
LYNCE FARIA, O Transporte Internacional de Mercadorias, Da Convenção de Bruxelas de
1924 às Regras de Hamburgo de 1978, pág. 33 a 35.

40
A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão
____________________________________________________________________________

deve conter certos elementos como a identificação do navio, o tipo de


contrato, a identificação das partes e o montante do frete, pelo que,
mesmo que seja emitido um conhecimento de carga, este será
subsidiário à carta-partida, uma vez que tem apenas por função a de
recibo, que faz prova da entrega da mercadoria a bordo, e a de aferir a
quantidade e o tipo de mercadoria.
Devemos, no entanto, ter presente que se nos dados do contrato,
não existir a identificação do transportador, nos termos do artigo 37º n.º
2, presume-se que o proprietário que tem o registo do navio a seu favor
“Registered owner”, é o transportador, assumindo, assim, a
responsabilidade por perdas ou avarias provocadas na mercadoria, ou
pelo atraso na sua entrega. Contudo, pode o proprietário ilidir essa
presunção, fazendo prova que o transporte, aquando da ocorrência do
dano, era objecto de um contrato de fretamento107.
O contrato de transporte é um contrato sinalagmático, através do
qual o transportador se obriga a deslocar/transportar determinadas
pessoas ou coisas de um local para outro, mediante retribuição. Assim,
a deslocação é a obrigação fundamental assumida pelo transportador,
este assume um dever de custódia em relação à mercadoria, por isso
não tem apenas a obrigação de transportá-la mas de o fazer em
condições de a entregar no destino, dentro do prazo e sem perdas ou
danos, cumprindo assim também uma obrigação de resultado. No
contrato de transporte, o controlo deste é exercido pelo transportador,
ou seja, “o transportador tem a gestão comercial e técnica, a execução
material das operações de deslocação”108.
O contrato de transporte abarca todo o momento em que o
transportador recebe as mercadorias até à sua entrega.
Como contrapartida, o transportador deverá receber o preço do
transporte.

107
Cfr. CHRISTIAN SCAPEL, La Responsabilité du Transporteurs Selon les Règles de Rotterdam,
pág. 19 e sgts.
108
FRANCISCO COSTEIRA DA ROCHA, O Contrato de Transporte de Mercadorias, cit. pág. 29

41
A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão
____________________________________________________________________________

Assim, o fretamento diz respeito a um navio que o armador-


fretador coloca à disposição do afretador enquanto o contrato de
transporte, surge associado a uma venda de mercadorias. Diz, assim,
respeito a um carregamento de mercadorias que o armador-
transportador se obriga a transportar.

4.4.- ÂMBITO DE APLICAÇÃO

Quanto ao seu âmbito de aplicação, as Regras de Roterdão


aplicam-se a todo o contrato de transporte, em que o lugar da recepção
e da entrega estejam em Estados diferentes e em que o porto de carga e
o de descarga dessa mercadoria também se encontrem em Estados
diferentes, contando que algum dos seguintes lugares esteja num
Estado Contratante: lugar de recepção; porto de carga; lugar de entrega;
ou porto de descarga, nos termos do artigo 5.º109, ou seja, o transporte
tem que ser internacional.
Há assim, uma dupla exigência de internacionalidade. Além do
transporte ser internacional, o transporte marítimo também tem que o
ser 110.

109
“1. Subject to article 6, this Convention applies to contracts of carriage in which the place of
receipt and the place of delivery are in different States, and the port of loading of a sea carriage
and the port of discharge of the same sea carriage are in different States, if, according to the
contract of carriage, any one of the following places is located in a Contracting State: ( a) The
place of receipt; ( b) The port of loading; ( c) The place of delivery; or (d) The port of discharge.
2. This Convention applies without regard to the nationality of the vessel, the carrier, the
performing parties, the shipper, the consignee, or any other interested parties.”
110
JANUÁRIO DA COSTA GOMES, Introdução às Regras de Roterdão – A Convenção “Maritima-
Plus” sobre Transporte Internacional de Mercadorias, pág. 18.

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A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão
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Mais, nos termos do seu artigo 6.º111, a Convenção só se aplica ao


transporte de linha regular112 e não ao tráfico tramp113 que recorre a
cartas partida, excepto nos termos do artigo 6.º n.º 2 a) “ there is no
charter party or other contract between the parties for the use of a ship or
of any space thereon; and” e b) “A transport document or an electronic
transport record is issued”, esta redacção deve-se à existência de
realidades, cada vez mais comuns, como os transportadores que, apesar
de não serem regulares, prestam serviços de transporte e emitem
conhecimentos de carga, que pela sua aceitação a Convenção pretende
regulamentar114.

4.5.- ARCO TEMPORAL

Relativamente ao Arco Temporal115, este inicia-se quando o


transportador ou uma performing party (parte executante) recebe as
mercadorias para transporte e acaba quando as mercadorias são

111
“1. This Convention does not apply to the following contracts in liner transportation: ( a)
Charter parties; and ( b) Other contracts for the use of a ship or of any space thereon.
2. This Convention does not apply to contracts of carriage in non-liner transportation except
when: ( a) There is no charter party or other contract between the parties for the use of a ship
or of any space thereon; and ( b) A transport document or an electronic transport record is
issued.”.
112
Cfr. Art.º. 1º n.º 3 “«Liner transportation» means a transportation service that is offered to
the public through publication or similar means and includes transportation by ships operating
on a regular schedule between specified ports in accordance with publicly available timetables
of sailing dates.”.
113
Cfr. Artº. 1º n.º 4 “«Non-liner transportation» means any transportation that is not liner
transportation.”.
114
ALEXANDRE DE SOVERAL MARTINS, As Regras de Roterdão, pág. 106.
115
Que é aquele período em que o transportador é responsável pela perda, dano ou atraso na
entrega da mercadoria, Cfr. MARTÍN OSANTE, Responsabilidad del Porteador por Perdida, Daño
o Retraso en Las Reglas de Rotterdam, pág. 254. Refere ainda o autor, a importância das Regras
de Roterdão alargarem o período da responsabilidade do transportador, para além do período
em que este tem a mercadoria sob a sua custódia, v.g pág. 254/255; e CHRISTIAN SCAPAL, La
Responsabilité du Transporteurs Selon les Règles de Rotterdam, pág. 22

43
A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão
____________________________________________________________________________

entregues, nos termos do artigo 12.º n.º 1116. Alargando assim, o período
da responsabilidade do transportador, face às convenções anteriores, o
que implica que a responsabilidade se extenda ao transporte marítimo,
mas também ao aéreo, ferroviário ou rodoviário, assim como a todas as
operações portuárias117.
Isto, porque, num sistema multimodal, o transportador pode
receber as mercadorias antes de chegar ao porto e pode ter de as
entregar depois de estas terem chegado ao porto118.
Basta pensar no exemplo: num transporte do Huambo (Angola)
para Coimbra (Portugal), o transportador não recebe a mercadoria no
porto e a entrega em Coimbra também não será num porto.
As partes podem estipular o momento e o lugar da entrega, desde
que este não seja posterior ao da operação inicial da carga, nem a
entrega seja anterior ao momento da operação final da descarga, sendo
nulas todas as cláusulas que desrespeitem estes limites, nos termos do
artigo 12.º n.º 3119.
O artigo 13.º n.º 2, prevê a estipulação de cláusulas no contrato
de transporte que transfiram as obrigações do transportador para o
carregador, o carregador documentário ou o destinatário120, prevendo

116
Art.º 12 n.º 1 “The period of responsibility of the carrier for the goods unther this Convention
begins when the carrier or a performing party receives the goods for carriage and ends when
the goods are delivered.”
117
MARTÍN OSANTE, Responsabilidad del Porteador por Perdida, Daño o Retraso en Las Reglas
de Rotterdam, pág. 256.
118
ALEXANDRE DE SOVERAL MARTINS, As Regras de Roterdão, pág. 111/112; e JANUÁRIO DA
COSTA GOMES, Introdução às Regras de Roterdão – A Convenção “Marítima-Plus” sobre
Transporte Internacional de Mercadorias, pág. 56
119
“For the purpose of determining the carrier’s period of responsibility, the parties may agree
on the time and location of receipt and delivery of the goods, but a provision in a contract of
carriage is void to the extent that it provides that: ( a) The time of receipt of the goods is
subsequent to the beginning of their initial loading under the contract of carriage; or ( b) The
time of delivery of the goods is prior to the completion of their final unloading under the
contract of carriage.”
120
Art.º 13º n.º 2 “Notwithstanding paragraph 1 of this article… the carrier and the shipper may
agree that loanding, handling, stowing or unloading of the goods is to be performed by the
shipper, the documentar shipper or the consignee…”

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A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão
____________________________________________________________________________

assim as cláusulas FIO121, mas sempre com respeito pelo período da


responsabilidade consagrado no artigo 12.º n.º 3. Assim a Convenção
reconhece as cláusulas FIO, mas para evitar a sua utilização indevida e
abusiva, apenas as permite fora do período de responsabilidade
estabelecido122. Há autores que entendem que esta transferência diz
respeito não apenas a custos, mas também à própria
responsabilidade123.
Dentro deste arco temporal vem, o artigo 12.º n.º 2, estabelecer
uma excepção, à responsabilidade do transportador. Este não será
responsável pelos danos ou perdas que a mercadoria sofra, durante o
período em que esta se encontra em poder de uma autoridade ou de um
terceiro, desde que este não seja uma parte executante. Entende-se esta
exclusão uma vez que o transportador perde durante esse período a
custódia da mercadoria124.

4.6.-OBRIGAÇÕES DO TRANSPORTADOR

Ao contrário das Regras de Haia, em que o transportador tinha


que exercer uma razoável diligência quanto ao navio para o colocar
“seaworthy and cargo worthy”125, antes do início da viagem, porque
naquela altura, depois do início da viagem, o transportador perdia o

121
TOMOTAKA FUJITA, The Coverage of the Rotterdam Rulles, pág. 3, cit.: “Such an
arrangemant is called “free in/free out” FIO, razão pela qual a Convenção claramente consagra
as cláusulas FIO. Referindo–se ainda MARTÍN OSANTE, Responsabilidad del Porteador por
Perdida, Daño o Retraso en Las Reglas de Rotterdam, pág. 260, às cláusulas FIOS (freen in and
out stowed); FIOST (free in and out stowed and trimmed) e FIOSTLSD (freen in and out stowed
trimmed lashed secured and dunnaged).
122
MARTÍN OSANTE, Responsabilidad del Porteador por Perdida, Daño o Retraso en Las Reglas
de Rotterdam, pág. 261
123
ALEXANDRE DE SOVERAL MARTINS, As Regras de Roterdão, pág. 113
124
MARTÍN OSANTE, Responsabilidad del Porteador por Perdida, Daño o Retraso en Las Reglas
de Rotterdam, pág. 256 e sgts.
125
HUGO RAMOS ALVES, Da Limitação da Responsabilidade do Transportador na Convenção
de Bruxelas de 1924, cit. pág. 70 “…a navegabilidade abarca não só a aptidão do navio para a
navegação, mas, também a aptidão para receber a carga transportada, bem como transportá-
la em condições de segurança numa determinada viagem…”.

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A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão
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controlo do navio, nas Regras de Roterdão essa diligência tem que se


manter durante a viagem, porque, fruto do avanço das
telecomunicações, é possível manter o contacto com o navio, nos termos
do artigo. 14.º: “The carrier is bound before, at the beginning of, and
during the voyage by see to exercice due diligence to:…”126, assim, tem o
transportador que exercer uma razoável diligência, antes do início da
viagem e durante a viagem, para pôr o navio em estado de
navegabilidade, armar equipar e aprovisionar convenientemente o navio,
preparar e pôr em bom estado os porões, os frigoríficos e todas as outras
partes do navio em que as mercadorias são carregadas, para a sua
recepção, transporte e conservação.
Nos termos do artigo. 11º das Regras de Roterdão, o transportador
tem não só a obrigação de transportar mas também de entregar a
mercadoria “ the carrier shall,…, carry the goods to the place of
destination and deliver them to the consignee”.
Esta entrega é uma obrigação que não se encontra na Convenção
de Bruxelas e apenas surge implicitamente nas Regras de Hamburgo no
seu artigo 5.º 127-128.

As obrigações específicas, relativas ao transporte marítimo, do


transportador iniciam-se quando este tem a mercadoria a seu cargo, nos
termos do artigo12º, e estão contempladas no artigo 13º129, como, entre

126
ALEXANDRE DE SOVERAL MARTINS, As Regras de Roterdão, pág. 106/107 e JANUÁRIO DA
COSTA GOMES, Introdução às Regras de Roterdão – A Convenção “Marítima-Plus” sobre
Transporte Internacional e Mercadorias, pág. 58
127
FRANCESCO BERLINGIERI, A Comparative analysis of the Hague-Visby Rules, the Hamburg
Rules and the Rotterdam Rules, pág. 6
128
Artigo 5 º das Regras de Hamburgo, «Fundamento da responsabilidade» “1. O
transportador é responsável pelo prejuízo resultante da perda ou dano às mercadorias, bem
como de atraso na entrega, se a ocorrência que causou a perda, avaria ou atraso ocorreu
quando as mercadorias estavam sob sua responsabilidade, tal como definido no artigo 4, a
menos que prove que ele, seus funcionários ou agentes tomaram todas as medidas que
poderiam razoavelmente ser exigidas para evitar a ocorrência e suas consequências.
2. Atraso na entrega ocorre quando as mercadorias não foram entregues no porto de
descarga previsto no contrato de transporte dentro do prazo expressamente acordado ou,
na ausência de tal acordo, dentro do tempo que seria razoável exigir de uma transportadora
diligente, tendo em conta as circunstâncias do caso.”.
129
Art.º 13º nº 1 “The carrier shall …properly and carefully receive, load, handle, stow, carry,
keep, care for, unload, and delivery the goods”.

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A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão
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outras, receber, carregar, manipular, estivar, transportar, descarregar e


entregar a mercadoria de forma apropriada e cuidadosa. Contudo, já
referimos supra, que nos termos do artigo 13º n.º 2 estas operações
poderão ficar a cargo do carregador, do carregador documentário ou do
destinatário, apesar de esta não ser uma prática viável no transporte
door-to-door130. Sendo que os limites da responsabilidade estabelecidos
no artigo 59º, que iremos abordar infra, também se aplicam a estas
obrigações do transportador131.

4.7- A RESPONSABILIDADE DO TRANSPORTADOR

Encontramos o regime da responsabilidade do transportador


consagrado nos artigos 17.º a 23.º da Convenção 132. Do n.º 2 do artigo
17º decorre que a responsabilidade do transportador é baseada na
culpa133, “The carrieris relieved of all or part of its liability pursuant to
paragraph 1 of this article if it proves that the cause or one of the causes
of the loss, damage, or delay is not attributable to its fault or to the fault
of any person referred to in article 18”134.
Assim, nos termos do artigo 17º n.º 1 o transportador é
responsável em caso de perda, avaria ou atraso na entrega da

130
“Therefore, it is perfectly possible for the parties, for instance, to enter into a traditional
“port-to-port” contract of carriage in which the shipper delivers the goods to the container
yard of the port of loading, and the carrier unloads them at the container yard of the port of
discharge, with the carrier only responsible for the carriage between the two container yards.”
Cfr. Questions and Answers on The Rotterdam Rules, The CMI INTERNATIONAL WORKING
GROUP of the Rotterdam Rules.
131
ALEXANDRE DE SOVERAL MARTINS, As Regras de Roterdão, pág. 108, Nt. 26.
132
IGNÁCIO ARROYO, Las Reglas de Rotterdam. Para Qué?, Anuário de Derecho Marítimo, Vol.
XXVII, pág. 37 refere um sistema misto de responsabilidade objectiva e por culpa.
133
Deriva do incumprimento do contrato de transporte de mercadorias, sendo que se
considera haver incumprimento do contrato quando haja perda, dano ou atraso na entrega da
mercadoria, cfr. MARTÍN OSANTE, Responsabilidad del Porteador por Perdida, Daño o Retraso
en Las Reglas de Rotterdam, pág. 262
134
ALEXANDRE DE SOVERAL MARTINS, As Regras de Roterdão, na pág. 109, escreve que a
responsabilidade do transportador parece estar baseada na culpa, uma vez que a palavra
inglesa “fault” não é inteiramente coincidente com “culpa” (“fault” é mais indicado para “falha”
e “guilt” para culpa).

47
A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão
____________________________________________________________________________

mercadoria, quando estas ocorram dentro do período da sua


responsabilidade. A Convenção define no seu artigo 21º o atraso na
entrega, contudo não define nem a perda nem a avaria. Entendemos, no
entanto, que a perda se traduz na não entrega, parcial ou total, da
mercadoria no destino, enquanto a avaria se traduz numa alteração da
mercadoria que implica a sua desvalorização. Pelo que, a perda implica
uma diminuição quantitativa e a avaria uma diminuição qualitativa da
mercadoria135.
O atraso, nos termos do artigo 21º, consiste na ausência da
entrega da mercadoria, no prazo acordado no contrato de transporte,
pelo que, para que exista atraso, é condição fundamental, a estipulação
de um prazo de entrega, que pode constar no contrato de transporte,
num documento electrónico ou ser simplesmente verbal, levantando-se,
obviamente, neste último o problema da prova da sua existência, uma
vez que a Convenção não estabelece um critério supletivo, do
denominado prazo razoável de entrega de um transportador diligente136.
Contudo, embora fora do âmbito da responsabilidade do
transportador, encontramos na Convenção a estipulação de um prazo
de entrega razoável, no capítulo 9º respeitante à entrega da carga, no
seu artigo 43º, quando não tenha sido estabelecido um prazo de entrega
pelas partes.
O artigo 17.º comporta um complexo sistema de ónus de prova
denominado por alguns autores de “four-step-process”137.
O primeiro passo cabe ao reclamante, que tem que provar que a
mercadoria se encontrava à guarda do transportador, nos termos do

135
V.g. MARTÍN OSANTE, Responsabilidad del Porteador por Perdida, Daño o Retraso en Las
Reglas de Rotterdam, pág. 263
136
Idem; V.g também CHRISTIAN SCAPEL, La Responsabilité du Transporteurs Selon les Règles
de Rotterdam, pág. 23
137
JANUÁRIO DA COSTA GOMES, Introdução às Regras de Roterdão – A Convenção “Maritima-
Plus” sobre Transporte Internacional de Mercadorias, pág. 59, Nt. 171.

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A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão
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artigo12.º n.º 1, quando sofreu o dano ou o atraso, ou a circunstância


que provocou o dano, a perda ou o atraso138.
Nesse caso, o transportador é responsável, mas pode sempre
contestar, recorrendo aos fundamentos da exoneração da sua
responsabilidade, previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 17.º, e estamos na
segunda fase.
O transportador pode elidir a presunção de culpa estabelecida
pelo artigo. 17.º n.º 1 “ The carrier is liable for loss or damage to the
goods, as well as for delay in delivery, if the claimant proves that the loss,
damage or delay, or the event or circumstance that cause or contributed
to it took place during the period of the carrier’s responsability as defined
in chapter 4”, se provar que a causa do dano, perda ou atraso não é
devida a culpa sua ou à de qualquer das pessoas mencionadas no artigo
18.º139, nos termos do artigo 17.º n.º 2 “ The carrieris relieved of all or
part of its liability pursuant to paragraph 1 of this article if it proves that
the cause or one of the causes of the loss, damage, or delay is not
attributable to its fault or to the fault of any person referred to in article
18”, ou em alternativa lançar mão do artigo 17.º n.º 3, invocando um
dos excepted perills ai elencados, e em muito semelhantes aos
constantes na Convenção de Bruxelas de 1924, no seu artigo 4º, embora
nas Regras de Roterdão não conste a falta náutica.
Assim, basta ao transportador provar que a ocorrência de uma
dessas causas provocou o dano, a perda ou atraso, para conseguir a
exoneração da sua responsabilidade.
Poderá entrar-se numa terceira fase, se o reclamante conseguir
fazer prova das situações previstas no artigo17.º n.ºs 4 e 5.

138
JANUÁRIO DA COSTA GOMES, Introdução às Regras de Roterdão – A Convenção “Maritima-
Plus” sobre Transporte Internacional de Mercadorias, pág. 59, Nt. 173, uma vez que há
circunstancias que ocorreram nesse período mas cujos efeitos se produzem mais tarde.
139
Denominadas de “Himalaya protetion”; cfr. TOMOTAKA FUJITA, The Coverage of the
Rotterdam Rulles, pág. 5.

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A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão
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Segundo o artigo 17.º n.º 4 a)140 pode o reclamante provar que o


facto ou circunstância que o transportador alegou para se exonerar da
sua responsabilidade, foi provocado por culpa do próprio transportador
ou de alguma das pessoas enunciadas no artigo18.º; ou pode o
reclamante recorrer ao artigo 17.º n.º 4 b)141, provando que o facto que
provocou a perda, dano ou atraso na mercadoria, não foi nenhum dos
constantes nos excepted perills; ou pode o reclamante provar, nos
termos do artigo 17.º n. º 5 a)142 que o dano perda ou atraso da
mercadoria, se deu devido à inavegabilidade do navio; deficiências no
armamento, aprovisionamento ou equipagem do navio; os porões ou
outras partes do navio não se encontrarem em condições de receber,
transportar e conservar a mercadoria.
Entramos então na quarta e última fase em que o ónus da prova
cabe ao transportador.
Pode o transportador provar que o facto ou circunstância (alegado
pelo reclamante nos termos do artigo 17. n.º 4 b), como não sendo um
dos excepted perills não ocorreu por culpa sua ou dos elementos
constantes no artigo 18.º, nos termos do artigo 17.º n.º4 in fine; ou
lançando mão do artigo 17.º n.º 5 b)143, provar que nenhum dos factos
mencionados na alínea anterior causou o dano, perda ou atraso na

140
“Notwithstanding paragraph 3 of this article, the carrier is liable for all or part of the loss,
damage or delay: a) If the claimant proves that the fault of the carrier or of a persen referred
to in article 18 caused or contributed to the event or circumstance on which the carriers relies;
or”.
141
“If the claimant proves that an event or circumstance not listed in paragraph 3 of this article
contributed to the loss, damage, or delay and the carrier cannot prove that this event or
circumstance is not attributable to its fault or to the fault of any person referred to in article
18”.
142
“The carrier is also liable, notwithstanding paragraph 3 of this article, for all or parto f the
loss, damage or delay if: a) The claimant proves that the loss, damage or delay was or was
probably caused by or contributed to by (i) the unseaworthiness of the ship; (ii) the improper
crewing, equipping, and supplying of the ship; or (iii) the fact that the holds or other parts of
the ship in witch the goods are carried, were not fit and safe for reception, carriage, and
preservation of the goods; and”.
143
“The carrier is unable to prove either that: (i) none of the events or circumstances referred
to in subparagraph 5 (a) of this article caused the loss, damage, or delay; or (ii) it complied with
its obligation to exercise due diligence pursuant to article 14.”.

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A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão
____________________________________________________________________________

mercadoria ou que actuou com a diligência devida, nos termos do artigo


14.º.
Poderemos de uma forma clara e sucinta, recorrer ao esquema
apresentado por FRANCESCO BERLINGIERI144, para melhor demonstrar
este “four step process”.

144
FRANCESCO BERLINGIERI, A Comparative Analysis of the Hague-Visby Rules, the Hamburg
Rules and the Rotterdam Rules, pág. 9.

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A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão
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• 1ª fase (art.º 17/1) Presunção de culpa

2ª fase – O transportador prova que não teve culpa (art.17/2)


ou
O transportador invoca os excepted perills (art. 17/3)

3ª Fase

O reclamante prova que o facto alegado pelo


Transportador ocorreu por culpa do mesmo.
(art.º 17/4 a))

O reclamante prova que o facto que provocou o dano


não é nenhum dos previstos no art.17/3. (art. 17/4b))

O reclamante prova que o dano foi causado pelo


estado de inavegabilidade ( art. 17/5 a))

4ª Fase

O transportador prova que o facto não é devido


a culpa sua ( art. 17/4b))
O transportador prova que nenhum
desses factos causou o dano/ que
agiu com diligência. (art. 17/5b))

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A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão
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4.7.1 ATRASO NA ENTREGA

A responsabilidade do transportador dá-se não só pela perda, ou


dano da mercadoria, mas também pelo atraso na sua entrega145, que
consiste na ausência da entrega da mercadoria, no prazo acordado,
conforme decorre do artigo 17.º146.
O transportador responde pelo atraso, apenas nos termos do
artigo 21.º147, ou seja, quando as mercadorias não são entregues no
local de destino e no prazo estipulados no contrato de transporte,
conforme já referimos supra no ponto 4.7.

4.7.2.- A RESPONSABILIDADE DO TRANSPORTADOR POR


ACTOS OU OMISSÕES DE OUTRAS PESSOAS

O transportador é responsável pela violação das suas obrigações,


ainda que estas resultem de actos ou omissões de outras pessoas. Esta
responsabilidade resulta expressamente do artigo 18.º148. Assim, o
transportador é responsável pelos actos ou omissões de qualquer
performing party149; do capitão e tripulação do navio; dos empregados do

145
CHRISTIAN SCAPEL, la Responsabilité du Transporteurs Selon les Règles de Rotterdam, pág.
22 e sgts, cit.: “ l’éxtension du domaine de la Convention se manifeste, également, à l’égarde
de la responsabilité pour retard”.
146
“1. The carrier is liable for loss of or damage to the goods, as well as for delay in delivery, if
the claimant proves that the loss, damage, or delay, or the event or circumstance that caused
or contributed to it took place during the period of the carrier’s responsibility as defined in
chapter 4.”.
147
“Delay in delivery occurs when the goods are not delivered at the place of destination
provided for in the contract of carriage within the time agreed.”.
148
“ The carrier is liable for the breach of its obligations under this Convention caused by the
acts or omissions of: a) any performing party; b)the master or crew of the ship; c) employees
of the carrier or a performing party; or d) any other person that performs or undertakes to
perform any of the carrier’s obligations under the contract of carriage, to the extent that the
person acts, either directly or indirectly, at the carrier’s request or under the carrier’s
supervision or control”.
149
Cfr. Art. 1º n.º 6 “(a) “Performing party” means a person other than the carrier that performs
or undertakes to perform any of the carrier’s obligations under a contract of carriage with
respect to the receipt, loading, handling, stowage, carriage, care, unloading or delivery of the

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A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão
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transportador ou de uma das performing party; ou de qualquer outra


pessoa que tenha a obrigação de executar obrigações do transportador,
desde que essa pessoa actue directa ou indirectamente, a pedido ou sob
a supervisão ou controlo do transportador.

4.7.3.- A RESPONSABILIDADE DA PARTE EXECUTANTE


MARÍTIMA

Para a cabal execução de um contrato de transporte de


mercadorias, é necessária a intervenção de diversos operadores. Com o
recurso à denominada Himalaya Clause150, estende-se o regime da
responsabilidade do transportador “à actividade de qualquer sujeito de
quem o transportador se socorra para a concreta execução das singulares
operações que entram no âmbito do contrato de transporte”151.
No entanto, as Regras de Roterdão regulamentam a
responsabilidade das marine performing parties152 no seu artigo 19.º,
estendendo a responsabilidade, bem como os meios de defesa e os
limites à responsabilidade, a outras pessoas que não o transportador,
tais como operadores de terminais, donos de armazéns, estivadores e
transportadores no porto.

goods, to the extent that such person acts, either directly or indirectly, at the carrier’s request
or under the carrier’s supervision or control. ( b) “Performing party” does not include any
person that is retained, directly or indirectly, by a shipper, by a documentary shipper, by the
controlling party or by the consignee instead of by the carrier.”.
150
JANUÁRIO DA COSTA GOMES, Sobre a Responsabilidade do Transportador nas Regras de
Roterdão, in Estudios de Derecho Marítimo, pág. 651.
151
JANUÁRIO DA COSTA GOMES, Do Transporte “port to port” ao Transporte “door to door”,
cit. pág. 375.
152
Cfr. Art.º 1º n.º 7 ““Maritime performing party” means a performing party to the extent that
it performs or undertakes to perform any of the carrier’s obligations during the period between
the arrival of the goods at the port of loading of a ship and their departure from the port of
discharge of a ship. An inland carrier is a maritime performing party only if it performs or
undertakes to perform its services exclusively within a port area.”.

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A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão
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Os marine performing parties, estão sujeitos às mesmas


obrigações153, responsabilidade, causas de exoneração da
responsabilidade e limitação da mesma, que o transportador154. Ao
contrário das partes executantes não marítimas, às quais não se aplica
o regime da convenção. O que, atendendo ao propósito uniformizador da
Convenção do Transporte “porta a porta”, não faz muito sentido, visto
que todas as fases anteriores ou posteriores à marítima ficarão sujeitas
à legislação nacional155. Mas para que se aplique o n.º 1 do artigo 19.º é
necessário que a marine party:
a) Tenha recebido as mercadorias para transporte, num Estado
contratante;
b) Tenha entregado as mercadorias num Estado contratante; ou
c) Tenha executado a sua actividade num porto de um Estado
contratante.
Cumulativamente, é necessário que o facto que provocou o dano, a perda
ou o atraso tenha tido lugar:
a) No período que medeia a chegada das mercadorias ao porto de
carregamento do navio e a sua saída no porto de descarga do
navio;
b) Durante a custódia da mercadoria pela marine party; ou
c) Em qualquer outro momento, desde que estivesse a participar na
execução de alguma das actividades previstas no contrato de
transporte.
Sendo também a marine party, nos termos do n.º 3 do artigo 19.º,
responsável por todos os actos ou omissões de pessoas a quem tenha
confiado a execução de qualquer das suas obrigações, não
abrangendo, no entanto, o capitão do navio e a sua tripulação, nem

153
Cfr. Art.º 1º n.º 6 a).
154
Cfr. Art.º 19 “A marine performing party is subject to the obligations and liabilities imposed
on the carrier under this convention and is entitled to the carrier’s defences and limits of
liability as provided for in this Convencion …”.
155
Cfr. MARTÍN OSANTE, Responsabilidad del Porteador por Perdida, Daño o Retraso en Las
Reglas de Rotterdam, pág. 276/277.

55
A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão
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um empregado do transportador ou do marine party, nos termos do


artigo 19.º n.º 4156.
A responsabilidade do transportador e das marine parties é uma
responsabilidade solidária, conforme estipulado no artigo 20.º n.º 1.
A responsabilidade solidária significa que a responsabilidade
pelos prejuízos, é imputável a várias pessoas, não apenas aos que
produziram o dano mas a todos que para ele contribuíram, pelo que
o lesado pode exigir a reparação do dano a qualquer um dos
responsáveis, podendo intentar a acção, directamente, contra a parte
executante.
Assim, o transportador e as marine parties, são responsáveis
solidariamente, pela totalidade da indemnização devida ao lesado.
Mas entende-se que esta responsabilidade solidária se dá apenas
entre o transportador e as partes executantes marítimas, não se
aplicando, portanto, ao transportador e a partes executantes não
marítimas157.

4.7.4- - TRANSPORTE NO CONVÉS

Quanto às mercadorias transportadas no convés, as Regras de


Roterdão mantêm o princípio das Regras de Hamburgo, ou seja, as
mercadorias só podem ser transportadas no convés em determinadas
situações.
Mas, nas Regras de Roterdão, essas situações são alargadas
havendo expressa referência às mercadorias transportadas em
contentores ou sobre veículos adequados para o transporte no convés.
O artigo 25.º n.º 1 elenca as situações em que a mercadoria pode ser
transportada no convés. Diz o n.º 1 do artigo 25.º “Goods may be carried

156
Cfr. MARTÍN OSANTE, Responsabilidad del Porteador por Perdida, Daño o Retraso en Las
Reglas de Rotterdam, pág. 276.
157
Cfr. MARTÍN OSANTE, Responsabilidad del Porteador por Perdida, Daño o Retraso en Las
Reglas de Rotterdam, pág. 277 e 288.

56
A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão
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on the deck of a ship only if: a) such carriage is required by law; b) they
are carried in or on containers or vehicles that are fit for deck carriage,
and the decks are specially fitted to carry such cointainers or vehicles, or;
c) the carriage on the deck is in accordance with the contract of carriage,
or the costoms, usages or practices of the trade in question” e o artigo 25.º
n.º 2 diz que o transportador é responsável, nos termos da Convenção,
pelo dano, perda ou atraso na mercadoria, contudo não será responsável
pelos danos ou perdas, resultantes dos especiais riscos do transporte no
convés, quando esse transporte tenha decorrido da alínea a) e c) do
artigo 25.º “…but the carrier is not liable for loss or for damage to such
goods, or delay in their deliverry, caused by the special risks involved in
their carriage on deck when the goods are carried in accordance with
subparagraphs 1 (a) or (c) of this article.”, ou seja, quando esse transporte
decorra por exigência da lei ou for feito de acordo com o estipulado no
contrato ou pelos usos do comércio ou a prática do tráfico.
Resulta do n.º 3 do artigo 25.º158 que o transportador é
responsável pelos danos, perdas ou atraso na entrega das mercadorias
que seja exclusivamente provocado pelo transporte no convés, quando o
transporte haja sido realizado fora dos casos previstos no artigo. 25.º n.º
1, nesse caso não pode o transportador invocar as causas de exoneração
previstas no artigo 17.º.
Contudo, quando um terceiro, de boa-fé tenha adquirido um
documento de transporte negociável, a não ser que esteja especificado
nos dados do contrato que as mercadorias podem ser transportadas no
convés159, o transportador não pode exonerar-se da sua

158
Art. 25 n.º 3“If the goods have been carried on the deck in cases other than those permitted
pursuant to paragraph 1 of this article, the carrier is liable for loss o for damage to the goods
or delay in their delivery that is exclusively caused by their carriage on deck, and is not entitle
to the defences provid for in article 17.”.
159
JANUÁRIO DA COSTA GOMES, Introdução às Regras de Roterdão – A Convenção “Maritima-
Plus” sobre Transporte Internacional de Mercadorias, pág.68, Nt. 199.

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A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão
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responsabilidade com base no artigo 25.º n.º 1 c), nos termos do artigo
25.º n.º 4160.
E estando o artigo 25 n.º 5161 na esteira do artigo 9.º n.º 4 das
Regras de Hamburgo, vem estabelecer que o transportador não tem
direito à limitação da responsabilidade, quando a perda, dano ou atraso
na entrega da mercadoria resultem do transporte no convés, quando
haja sido acordado pelo carregador e pelo transportador que o
transporte das mercadorias seria no porão.

4.8.- CASOS EXONERADORES DA RESPONSABILIDADE

A Convenção consagra nos n.ºs 2 e 3 do seu artigo 17.º os casos


em que o transportador fica exonerado de responsabilidade162.
O n.º 2163 estabelece que o transportador ficará totalmente ou
parcialmente exonerado da sua responsabilidade se provar que a causa
da perda, avaria ou atraso não foi provocada por sua culpa ou de
qualquer das pessoas previstas no artigo 18.º.
No seu n.º 3 elenca uma série de eventos, os excepted perills, que
exoneram o transportador de responsabilidade, caso este prove o nexo
causal entre esses eventos e o dano, avaria ou atraso. Estes casos

160
Art.º 25 n.º4 “The carrier is not entitle to invoque subparagraph 1 (c) of this article against
a third party that has acquired a negotiable transport documento or a negotiable electronic
transport record in good faith, unless the contract particulars state that the goods may be
carried on deck”.
161
Art.º 25 n.º 5 “If the carrier and shipper expressly agreed that goods would be carried under
deck, the carrier is not entitled to the benefit of the limitation of liability for any loss of, damage
to or delay in the delivery of the goods to the extent that such loss, damage, or delay result
from their carriage on deck”.
162
Contudo, as partes executantes não marítimas, não beneficiam destas exonerações nem da
limitação da responsabilidade, ficando, assim, estes desprotegidos. Mais uma vez é colocado
em causa o regime uniforme, pretendido pela Convenção. V.g. MARTÍN OSANTE,
Responsabilidad del Porteador por Perdida, Daño o Retraso en Las Reglas de Rotterdam, pág
280
163
“2. The carrier is relieved of all or part of its liability pursuant to paragraph 1 of this article
if it proves that the cause or one of the causes of the loss, damage, or delay is not attributable
to its fault or to the fault of any person referred to in article 18.”.

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A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão
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exoneratórios da responsabilidade do transportador são muito


semelhantes aos que constam na Convenção de Bruxelas no seu artigo
4.º, se bem que na Convenção de Roterdão, algumas são novidade, como
o salvamento de bens, a prevenção de danos ambientais, e houve a
exclusão da falta náutica.
Temos assim, os seguintes casos exoneratórios, previstos no n.º 3
do artigo 17.º164:
a) Actos de Deus;
b) Riscos, perigos e acidentes no mar ou em outras águas navegáveis;
c) Guerra, hostilidades, conflito armado, pirataria, terrorismo, motins e
tumultos;
d) Restrições de quarentena; interferência ou impedimentos criados por
governos, autoridades públicas, dirigentes ou pessoas, incluindo
detenção, prisão ou embargo não imputado ao transportador nem a
nenhuma das pessoas previstas no artigo 18.º;
e) Greves, dispensa temporária de funcionários com o fim de os levar a
aceitar determinadas condições de trabalho, obstruções ou restrições
intencionais ao trabalho;
f) Incêndio no navio;

164
“The carrier is also relieved of all or part of its liability pursuant to paragraph 1 of this article
if, alternatively to proving the absence of fault as provided in paragraph 2 of this article, it
proves that one or more of the following events or circumstances caused or contributed to the
loss, damage, or delay: (a) Act of God; (b) Perils, dangers, and accidents of the sea or other
navigable waters; (c) War, hostilities, armed conflict, piracy, terrorism, riots, and civil
commotions; (d) Quarantine restrictions; interference by or impediments created by
governments, public authorities, rulers, or people including detention, arrest, or seizure not
attributable to the carrier or any person referred to in article 18, (e) Strikes, lockouts,
stoppages, or restraints of labour ( f) Fire on the ship; (g) Latent defects not discoverable by
due diligence; (h) Act or omission of the shipper, the documentary shipper, the controlling
party, or any other person for whose acts the shipper or the documentary shipper is liable
pursuant to article 33 or 34; (i) Loading, handling, stowing, or unloading of the goods
performed pursuant to an agreement in accordance with article 13, paragraph 2, unless the
carrier or a performing party performs such activity on behalf of the shipper, the documentary
shipper or the consignee; (j) Wastage in bulk or weight or any other loss or damage arising from
inherent defect, quality, or vice of the goods; (k) Insufficiency or defective condition of packing
or marking not performed by or on behalf of the carrier; (l) Saving or attempting to save life at
sea; (m) Reasonable measures to save or attempt to save property at sea; (n) Reasonable
measures to avoid or attempt to avoid damage to the environment; or (o) Acts of the carrier in
pursuance of the powers conferred by articles 15 and 16.”.

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A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão
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(g) Vícios ocultos não descobertos através da devida diligência;


(h) Acto ou omissão do transportador, do transportador documentário,
da parte controladora ou de qualquer outra pessoa por cujos actos seja
responsável o transportador ou o transportador documentário conforme
Artigos 33.º ou 34.º;
(i) Carga, manuseio, armazenamento ou descarga da carga executada,
conforme acordo previsto no artigo 13.º, parágrafo 2, a menos que o
transportador ou a parte executante realize tal tarefa em nome do
exportador ou do consignatário;
(j) Perda de volume ou peso ou qualquer outra perda ou avaria imputada
a defeito de natureza, de qualidade ou vício da carga;
(k) Condições insuficientes ou defeitos de embalagem ou marcação da
carga não executados pelo transportador ou em nome dele;
(l) Salvamento ou tentativa de salvamento de vidas no mar;
(m) Medidas razoáveis para salvar ou tentar salvar bens no mar;
(n) Medidas razoáveis para evitar ou tentar evitar danos ao meio-
ambiente; ou
(o) Actos do transportador, de acordo com os poderes que lhe são
conferidos pelos artigos 15.º e 16.º.

4.8.1.- A FALTA NÁUTICA

Já analisámos supra, quando abordámos os excepted perills da


Convenção de Bruxelas, a falta náutica. Vimos que esta ocorre quando
os danos são provocados pelos actos, negligência ou falta do capitão
mestre, piloto ou empregados do armador na navegação ou na
administração do navio e recorrendo ao critério do “navio vazio”, a falta
náutica compromete a expedição e o navio. Estamos perante uma falta
náutica desde que esta também pudesse ocorrer sem qualquer
mercadoria a bordo, ou seja a culpa náutica diz apenas respeito ao
navio.

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A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão
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A falta náutica é um dos excepted perills, constantes no artigo 4º


da Convenção de Bruxelas, e que permite o transportador exonerar-se
da sua responsabilidade, por perdas ou danos resultantes de actos,
negligência ou falta do capitão, mestre, piloto ou empregados do
armador na navegação ou administração do navio.
Este excepted perill não se encontra no elenco do n.º 3 do artigo
17.º da Convenção de Roterdão, pelo que, responde o transportador
pelos danos, perdas ou atraso, provocados por actos ou falta do capitão
mestre, piloto ou empregados do armador na navegação ou
administração do navio.
Temos que atender ao factor histórico para entender esta
mudança. Aquando da Convenção de Bruxelas de 1924, durante a
expedição marítima o transportador perdia totalmente o contacto com o
navio. Nos nossos dias, fruto dos avanços tecnológicos das
telecomunicações, em princípio, é sempre possível manter o contacto
com o navio, mesmo quando este navega em alto mar.

4.9.- LIMITAÇÃO DA RESPONSABILIDADE

Como já abordamos na introdução deste trabalho, o transporte de


mercadorias é uma actividade fulcral para o desenvolvimento da
economia em termos globais. Mas devido aos grandes riscos que a
mesma envolve, se não houvesse uma limitação da responsabilidade do
transportador, que no fundo tem uma função de distribuir o risco, o
preço dos transportes sofreria um agravamento, reflexo do risco da
actividade e do agravamento dos seguros, alcançando assim valores que
poderiam comprometer esta actividade. Assim, temos que o limite da
responsabilidade está ligado à protecção de uma actividade de grande

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A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão
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importância para o desenvolvimento económico, mas que comporta


grandes riscos165.
As Regras de Roterdão consagram no seu artigo 59.º166 os limites
de responsabilidade aplicáveis ao transportador; o artigo 60.º os limites
de responsabilidade pelo prejuízo causado, especificamente, por atraso
na entrega da mercadoria e o artigo 61.º determina os casos em que o
transportador perde o direito de invocar o limite de responsabilidade.
O artigo 59.º n.º 1 da Convenção, estabelece o limite da
responsabilidade do transportador, por violação das suas obrigações,
em 3 direitos de saque especial por quilograma de peso bruto ou 875
direitos de saque especial por volume ou outra unidade, consoante o
valor que seja maior167, excepto quando um valor mais alto tenha sido
declarado pelo carregador e conste do contrato, ou quando, por acordo
entre carregador e transportador, se fixe um limite da responsabilidade
mais elevado.

165
RICARDO BERNARDES, A Conduta do Transportador Impeditiva da Limitação da
Responsabilidade no Direito Marítimo, pág. 451.
166
Limits of liability “1. Subject to articles 60 and 61, paragraph 1, the carrier’s liability for
breaches of its obligations under this Convention is limited to 875 units of account per package
or other shipping unit, or 3 units of account per kilogram of the gross weight of the goods that
are the subject of the claim or dispute, whichever amount is the higher, except when the value
of the goods has been declared by the shipper and included in the contract particulars, or when
a higher amount than the amount of limitation of liability set out in this article has been agreed
upon between the carrier and the shipper. 2. When goods are carried in or on a container,
pallet or similar article of transport used to consolidate goods, or in or on a vehicle, the
packages or shipping units enumerated in the contract particulars as packed in or on such
article of transport or vehicle are deemed packages or shipping units. If not so enumerated,
the goods in or on such article of transport or vehicle are deemed one shipping unit. 3. The unit
of account referred to in this article is the Special Drawing Right as defined by the International
Monetary Fund. The amounts referred to in this article are to be converted into the national
currency of a State according to the value of such currency at the date of judgement or award
or the date agreed upon by the parties. The value of a national currency, in terms of the Special
Drawing Right, of a Contracting State that is a member of the International Monetary Fund is
to be calculated in accordance with the method of valuation applied by the International
Monetary Fund in effect at the date in question for its operations and transactions. The value
of a national currency, in terms of the Special Drawing Right, of a Contracting State that is not
a member of the International Monetary Fund is to be calculated in a manner to be determined
by that State.”.
167
ALEXANDRE DE SOVERAL MARTINS, As Regras de Roterdão, pág. 125 e 126 e JANUÁRIO DA
COSTA GOMES, Introdução às Regras de Roterdão – A Convenção “Maritima-Plus” sobre
Transporte Internacional de Mercadorias, pág. 73 e 74.

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A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão
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Se as mercadorias forem em ou sobre contentores, palete ou meio


semelhante, usado para agrupar mercadorias, em ou sobre um veículo,
os volumes ou unidades enumerados nos dados do contrato serão
considerados como volumes de carga. Se o contrato nada disser, as
mercadorias que sigam dentro ou sobre o referido elemento de
transporte serão consideradas como uma só unidade, nos termos do n.º
2 do artigo 59.º.
Em caso de atraso na entrega, vem o artigo 60.º168 estipular os
limites à responsabilidade do transportador, sendo que a
responsabilidade pelos danos económicos fica limitada a duas vezes e
meia o valor do frete relativo às mercadorias com atraso. Contudo, o
valor a pagar não pode nunca exceder os limites impostos pelo artigo
59.º n.º 1.
O artigo 22.º169 vem estabelecer sobre o cálculo da indemnização
a pagar pelo transportador, no caso de perda e danos na mercadoria ou
atraso na entrega da mesma. A indemnização devida pelo transportador
é calculada sobre o valor que as mercadorias têm na data e lugar da
entrega, não podendo esse valor exceder os limites resultantes do artigo
59.º n.º 1.

168
Limits of liability for loss caused by delay “Subject to article 61, paragraph 2, compensation
for loss of or damage to the goods due to delay shall be calculated in accordance with article
22 and liability for economic loss due to delay is limited to an amount equivalent to two and
one-half times the freight payable on the goods delayed. The total amount payable pursuant
to this article and article 59, paragraph 1, may not exceed the limit that would be established
pursuant to article 59, paragraph 1, in respect of the total loss of the goods concerned.”.
169
Calculation of compensation “1. Subject to article 59, the compensation payable by the
carrier for loss of or damage to the goods is calculated by reference to the value of such goods
at the place and time of delivery established in accordance with article 43. 2. The value of the
goods is fixed according to the commodity exchange price or, if there is no such price, according
to their market price or, if there is no commodity exchange price or market price, by reference
to the normal value of the goods of the same kind and quality at the place of delivery. 3. In case
of loss of or damage to the goods, the carrier is not liable for payment of any compensation
beyond what is provided for in paragraphs 1 and 2 of this article except when the carrier and
the shipper have agreed to calculate compensation in a different manner within the limits of
chapter 16.”.

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A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão
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4.9.1.- PERDA DO DIREITO DE INVOCAR OS LIMITES DA


RESPONSABILIDADE

Tal como no Protocolo de 1978 e nas Regras de Hamburgo,


também as Regras de Roterdão, no seu artigo 61.º n.º 1170 excluem a
possibilidade de o transportador ou qualquer das pessoas mencionadas
no artigo 18.º, limitarem a sua responsabilidade, se o reclamante provar
que as perdas ou danos foram provocados por um acto ou omissão do
transportador com a intenção de causar o dano ou de forma temerária
e com conhecimento de que esse prejuízo provavelmente ocorreria.
A responsabilidade pelo atraso, consagrada nos termos dos artigos
17.º e 21.º, também faz precludir o direito à limitação da
responsabilidade quando este tenha sido provocado por um acto ou
omissão do transportador ou qualquer das pessoas mencionadas no
artigo 18.º, com a intenção de causar o dano ou de forma temerária e
com conhecimento de que esse prejuízo provavelmente ocorreria, nos
termos do artigo 61.º n.º 2171.

4.10.- PRAZO PARA INTENTAR ACÇÕES

Estabelece a Convenção, no seu artigo 62.º, o prazo de dois anos


para a propositura de acções, judiciais, arbitrais ou mesmo

170
“Neither the carrier nor any of the persons referred to in article 18 is entitled to the benefit
of the limitation of liability as provided in article 59, or as provided in the contrato f carriage, if
the claimant proves that the loss resulting from the breach of the carrier’s obligation under
this Convention was atributable to a personal acto or omission of the person claiming a right
to limit done with the intente to cause such los sor recklessly and with knowledge that such
loss would probably result.”.
171
“Neither the carrier nor any of the persons referred to in article 18 is entitled to the benefit
of the limitation of liability as provided in article 59, or as provided in the contrat of carriage, if
the claimant proves that the delay in delivery resulted from a personal act or omission of the
person claiming a right to limit done with the intente to cause such loss or recklessly and with
knowledge that such loss would probably result.”.

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A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão
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extracontratuais172, contra o transportador, a contar da entrega ou do


último dia em que esta deveria ter sido feita.

172
V.g. CHRISTIAN SCAPAL, La Responsabilité du Transporteurs Selon les Règles de Rotterdam,
pág. 25, cit. “…s’applique a toute action judiciaire ou arbitrale, ce qui inclut donc d’éventuelles
actions extracontractuelles…”.

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A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão
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5.- CONCLUSÃO

As Regras de Roterdão aplicam-se aos contratos de transporte de


mercadoria porto a porto, ou de local para local, ou seja, door-to-door,
desde que haja uma fase marítima de transporte, sendo assim, uma
Convenção que se aplica ao transporte multimodal, desde que seja
internacional, excluindo-se a sua aplicação aos contratos de carta-
partida.

É uma convenção da qual resultam mais obrigações para o


transportador desde logo, porque aplicando-se porta a porta, obriga ao
recebimento e à entrega das mercadorias, e como tal também se alarga
o arco temporal que passa agora a ser desde o recebimento da
mercadoria até á sua entrega, ou seja, expande-se às fases não
marítimas do transporte. Expande-se também a obrigação de colocar o
navio em estado de navegabilidade, devendo o transportador diligenciar
para colocar o navio em estado de navegabilidade antes, no início e
durante a viagem.

Atenta à realidade da contentorização, prevê o transporte de


mercadoria no convés e a responsabilidade do transportador.

A responsabilidade do transportador é presumida, e estende-se ao


atraso na entrega, para além da perda e da avaria da mercadoria,
contudo a Convenção permite que o transportador se exonere da sua
responsabilidade, invocando um dos casos dos excepted perills, que são
muito semelhantes aos existentes na Convenção de Bruxelas, mas agora
com exclusão da falta náutica. Caso não possa excluir a sua
responsabilidade poderá sempre limitá-la, a não ser que haja actuado
com dolo ou de forma temerária, a 3 direitos de saque por quilograma
ou 875 direitos de saque por volume ou outra unidade, consoante o valor
que seja maior.

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A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão
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A responsabilidade imposta pela Convenção ao transportador e às


marine parties, tem um caracter imperativo, uma vez que as cláusulas,
incluídas no contrato, que visem excluir ou reduzir a responsabilidade
destes, durante o arco temporal, são nulas.

Para afastar a presunção de responsabilidade tem o transportador


que entrar, com o carregador, num complexo sistema de prova,
comummente denominado por “four-step-process” ou de “ping-pong”.

Quanto ao prazo para intentar a acção é fixado em dois anos, a


contar da entrega ou do último dia em que esta deveria ter sido feita.

As Regras de Roterdão ainda não entraram em vigor, em parte


devido à sua grande complexidade, fruto da regulamentação de diversos
tipos de transportes. Note-se que as Regras de Roterdão contam com 96
artigos, ao passo que as Regras de Hamburgo têm 34, a Convenção de
Haia-Visby 17 e a Convenção de Bruxelas apenas 16.

Pelo que se encontra a Comunidade Internacional em suspense


relativamente ao resultado das Regras de Roterdão, que a não serem
aprovadas levam a que continue em vigor uma Convenção, muito avant-
garde para a sua época, mas francamente desajustada das necessidades
e realidades actuais.

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A Responsabilidade do Transportador nas Regras de Roterdão
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Pela Entrega Indevida das Mercadorias

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