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Grandes solilóquios do teatro

Neste mês, percorreremos os grande solilóquios do teatro mundial, para serem lidos como
poemas, fora do contexto da peça. Édipo Rei foi montada pela primeira vez provavelmente
em 430 a.C em Atenas. É a primeira peça da chamada Trilogia Tebana (Édipo Rei, Édipo
em Colono e Antígona), todas escritas pelo poeta Sófocles (496 a.C – 406 a.C). A peça gira
entorno das descobertas por Édipo dos fatos terríveis que motivaram o castigo que assola
Tebas – a peste. Tendo ordenado Creonte consultar ao oráculo, Édipo, descobre que houve
um crime – o assassinato de Laio – então pede ao adivinho Tiresias que conte tudo que
sabe sobre a morte do antigo rei, da qual Tirésias foi testemunha. Após muito insistir diante
à relutância de Tirésias, Édipo descobre que fora o responsável pela morte de Laio, que o
mesmo também era seu pai e que casara com sua própria mãe, Jocasta. A rainha se mata e,
Édipo, embebido de culpa, cega-se como auto-punição. Este é o solilóquio onde justifica seu
ato. Fala ao corifeu.

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ÉDIPO
(ÉDIPO REI)
Não tentes demonstrar que eu poderia agir
talvez de outra maneira, com maior acerto.
Não quero teus conselhos. Como encararia
meu pai no outro mundo, ou minha mãe, infeliz,
depois de contra ambos perpetrar tais crimes
que nem se me enforcassem eu os pagaria?
Teria eu algum prazer vendo o semblante
dos pobres filhos meus, nascidos como foram?
Não, certamente já não poderia vê-los,
nem a minha cidade, nem seus baluartes,
nem as imagens sacrossantas de seus deuses,
eu, o mais infeliz entre os desventurados!
Após haver vivido em Tebas a existência
mais gloriosa e bela eu mesmo me proibi
de continuar a usufruí-la ao ordenar
que todos repelissem o maldito ser,
impuro para os deuses, da raça de Laio.
Depois de ter conhecimento dessa mácula
que pesa sobre mim, eu poderia ver
meu povo sem baixar os olhos? Não! E mais:
se houvesse ainda um meio de impedir os sons
de me chegarem aos ouvidos eu teria
privado meu sofrido corpo da audição
a fim de nada mais ouvir e nada ver,
pois é um alívio ter o espírito insensível
à causa de tão grandes males, meus amigos.
pausa

Ah! Citéron! Por que tu me acolheste um dia?


Por que não me mataste? Assim eu não teria
jamais mostrado aos homens todos quem eu sou!
Ah! Pólibo! e Corinto! Ah! Palácio antigo
que já chamei de casa de meus pais! Que nódoas
maculam hoje aquele que vos parecia
outrora bom e tantos males ocultava!…
Pois hoje sou um criminoso, um ser gerado
por criminosos como todos podem ver.
Ah! Tripla encruzilhada, vales sombreados,
florestas de carvalhos, ásperos caminhos,
vós que bebestes o meu sangue, derramado
por minhas próprias mãos – o sangue de meu pai –
ainda tendes a lembrança desses crimes
com que vos conspurquei? Pois outros cometi
depois. Ah! Himeneu! Deste-me a existência
e como se isso não bastasse inda fizeste
a mesma sementeira germinar de novo!
Mostraste ao mundo um pai irmão dos próprios filhos,
filhos-irmãos do próprio pai, esposa e mãe
de um mesmo homem, as torpezas mais terríveis
que alguém consiga imaginar. Mostraste-as todas!
pausa

Mas vams logo, pois não se deve falar


no que é indecoroso de fazer. Levai-me!
Depressa, amigos! Ocultai-me sem demora
longe daqui, bem longe, não importa onde;
matai-me ou atirai-me ao mar em um lugar
onde jamais seja possível encontrar-me!
Aproximai-vos e não tenhais nojo, amigos,
de pôr as vossas mãos em mim, um miserável.
Crede-me! Nada receeis! Meu infortúnio
é tanto que somente eu, e mais ninguém,
serei capaz de suportá-lo nesta vida!
Antígona é a peça final da Trilogia Tebana e foi representada pela primeira vez em 441 a.C,
em Atenas. Após a morte de Édipo em Colono (retratada em Édipo em Colono, segunda
peça da trilogia), Antígona, filha de Édipo, retorna com Ismene, sua irmã, a Tebas, onde
seus irmãos, Etéocles e Polinices disputavam a sucessão do pai no trono da cidade. Após um
breve acordo, Etéocles não cede o lugar para Polinices que, revoltado, segue para Argos,
cidade rival de Tebas. Após uma batalha entre os irmãos, ambos caem mortos. Creonte
assume o poder e proíbe o sepultamento de Polinices. Antígona, revoltada, desrespeita a
ordem de Creonte e concede o sepultamento alegando que seus direitos eram mais válidos.
A maior parte da peça trata dessa medida. Este é o discurso de Antígona antes de ser levada
pelos guardas de Creonte como punição de seus atos.

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ANTÍGONA
(Antígona de Sófocles)
Túmulo, alcova nupcial, prisão eterna,
cova profunda para a qual estou seguindo,
em direção aos meus que a morte muitas vezes
já acolheu entre os finados! Eu, a última
e sem comparação a mais desventurada,
vou para lá, antes de haver chegado ao termo
de minha vida! Mas uma esperança eu tenho:
meu pai há de gostar de ver-me, e tu também
gostarás muito, minha mãe, e gostarás
também, irmão querido, pois quando morreste
lavei-te e te vesti com minhas próprias mãos
e sobre tua sepultura eu espargi
as santas libações. E agora, Polinices,
somente por querer cuidar de teu cadáver
dão-me esta recompensa! Mas na opinião
da gente de bom senso todo o meu cuidado
foi justo. Sim! Se houvera sido mãe de filhos,
ou se o esposo morto apodrecesse exposto,
jamais enfrentaria eu tamanhas penas
tendo de opor-me a todos os concidadãos!
Que leis me fazem pronunciar estas palavras?
Fosse eu casada e meu esposo falecesse,
bem poderia encontrar outro, e de outro esposo
teria um filho se antes eu perdesse algum;
mas, morta minha mãe, morto meu pai, jamais
outro irmão meu viria ao mundo. Obedeci
a essas leis quando te honrei mais que a ninguém.
Creonte acha, porém, que errei, que fui rebelde,
irmão querido! Assim ele me leva agora,
cativa em suas mãos; um leito nupcial
jamais terei, nem ouvirei hinos de bodas,
nem sentirei as alegrias conjugais,
nem filhos amamentarei; hoje, sozinha,
sem um amigo, parto – ai! infeliz de mim! –
ainda viva para onde os mortos moram!
Que mandamentos transgredi das divindades?
De que me valerá – pobre de mim! – erguer
ainda os olhos para os deuses? Que aliado
ainda invocarei se, por ser piedosa,
acusam-me de impiedade? Se isso agrada
aos deuses me conformo, embora sofra muito,
com minha culpa, mas se os outros são culpados,
que provem penas pelo menos tão pesadas
quanto as que injustamente me impuseram hoje!
Eurípides nasceu em Salamina (ilha situada nas proximidades de Atenas) provavelmente
em 485 a.C e morreu em 406 a.C. Escreveu no mínimo 74 peças, destas, 19 chegaram a nós.
Medéia foi apresentada provavelmente em 431 a.C em Atenas. A peça gira entorno dos
acontecimentos finais de um mito grego muito conhecido: Jasón e os Argonautas. Após o
grande êxito na expedição do Argonautas, Jasón retorna a cidade de Iolco também com
Medéia, filha do rei Aietes e neta do Sol, com quem se casaria. Após negar a Pelias (o
usurpador da coroa de Iolco) o mesmo remédio da juventude que dera a Áison, pai de
Jasón, e tê-lo dado uma poção que o mataria, o casal, Jáson e Medéia, foge para Corinto.
Após dez anos de união perfeita, Jáson se apaixona por Glauce, filha de Creonte, e repudia
Medéia para casar-se com ela. Resultado: Além da traição, Medéia é expulsa de Corinto
junto com os filhos. Medéia resolve fazer de tudo para causar sofrimento em Jáson, e, com
isso, mata seus filhos. Este é o solilóquio onde Medéia decide matar seus filhos:

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MEDÉIA
(MEDÉIA DE EURÍPIDES)
Dirigindo-se ao Corifeu

Agora vou contar-te todos os meus planos


(minhas palavras não serão para agradar).
Enviarei a Jáson um de seus criados
para pedir-lhe que venha encontrar-me aqui.
Quando chegar, falar-lhe-ei suavemente;
direi que suas decisões são acertadas
e concordo com elas; ele me abandona
para casar-se com a filha do rei; faz bem,
pois isso corresponde aos interesses dele.
Mas pedirei que deixe meus filhos aqui,
não que eu queira largá-los numa terra hostil
nem os expor à sanha de quem os odeia,
mas afim de aprontar para a filha do rei,
por intermédio deles, a armadilha atroz
em que ela morrerá levando o pai à morte.
Mandá-los-ei a ela com presentes meus
para a nova mulher, a fim de que ela evite
o exílio deles: um véu dos mais finos fios
e um diadema de ouro. Se ela receber
os ornamentos e com eles enfeitar-se,
perecerá em meio às dores mais cruéis
e quem mais a tocar há de morrer com ela,
tão forte é o veneno posto nos presentes.
com uma expressão de horror

Mas mudo aqui meu modo de falar, pois tremo


só de pensar em algo que farei depois;
devo matar minhas crianças e ninguém
pode livrá-los desse fim. E quando houver
aniquilado aqui os dois filhos de Jáson,
irei embora, fugirei, eu, assassina
de meus muitos queridos filhos, sob o peso
do mais cruel dos feitos. Não permitirei,
amigas, que riam de mim os inimigos!
Terá de ser assim. De que vale viver?
Já não existem pátria para mim, meu lar,
nenhum refúgio nesta minha desventura.
Fui insensata quando outrora abandonei
o lar paterno, seduzida pela fala
desse grego que, se me ajudarem os deuses,
me pagará justa reparação em breve.
Jamais voltará ele a ver vivos os filhos
que me fez conceber, e nunca terá outros
de sua nova esposa que – ah! miserável! –
deverá perecer indescritivelmente
graças aos meus venenos! Que ninguém me julgue
covarde, débil, indecisa, mas perceba
que pode haver diversidade no caráter:
terrível para os inimigos e benévola
para os amigos. Isso dá mais glória à vida.
O enredo de Ifigênia em Áulis faz parte do chamado Ciclo Troiano, e foi representada pela
primeira vez após a morte de Eurípides, provavelmente, em 405 a.C. A peça se passa em
frente a tenda de Agamêmnon, no acampamento dos gregos em Áulis. O exército está
pronto para partir para Tróia, porém, imóvel diante uma calmaria. Calcas, o adivinho,
profetiza que, para os gregos poderem partir, Ifigênia, uma das filhas de Agamêmnon, rei e
comandante do exército, precisaria ser sacrificada à deusa Ártemis. O rei então envia uma
mensagem à sua mulher, Clitemnestra, para trazer Áulis ao acampamento, sob o pretexto
de casá-la com Aquiles. Segredo revelado, Clitemnestra e Ifigênia imploram em vão. Po sua
vez, Ifigênia, declara que está disposta a morrer pela Grécia. Após ser levada para o
sacrifício, o Mensageiro, conta que no momento da morte, Ifigênia desaparece
milagrosamente, surgindo no lugar dela uma corça enviada por Ártemis. Este é o solilóquio
onde Ifigênia decide morrer.

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IFIGENIA
(Ifigênia em Áulis de Eurípides)
fala a Aquiles e Clitemnestra

Ah! Minha mãe e tu! Agora vou falar.


Vejo-te, mãe, inutilmente revoltada
contra teu esposo insensível. Não é fácil
ser persistente contra um fato inelutável.
É justo que sejamos gratas a Aquiles
por seu esforço, mas é hora de pensar
que não devemos atrair acusações
do exército contra ti mesma sem vantagens
para nós duas; além disso ainda expomos
nosso aliado e defensor a infortúnios.
Escuta agora, minha mãe, o pensamento
que ora me ocorre ao refletir sobre estes fatos.
Tomei neste momento a decisão final
de me entregar à morte, mas o meu desejo
é enfrentá-la gloriosa e nobremente,
sem qualquer manifestação de covardia.
Pondera, então, comigo, minha mãe querida,
na fama que me há de trazer esta atitude.
A Grécia inteira, nossa generosa pátria,
dirige neste instante os olhos para mim;
dependem só de mim a viagem da frota
e a extinção de Tróia, e de mim depende
eliminar de vez a possibilidade
de os bárbaros tentarem novas agressões
contra as mulheres gregas e futuros raptos
em nossa terra amada, depois de expiarem
a vergonha de Helena levada por Páris.
O fruto de meu sacrifício será este:
propiciando uma vitória à nossa pátria
conquistarei para mim mesma eterna fama.
E mais ainda, não é justo que me apegue
demasiadamente à vida, minha mãe;
deste-me à luz um dia para toda a Grécia,
e não somente para ti. Pensa comigo:
muitos milhares de soldados protegidos
por seus escudos, outros, também numerosos,
empunhando seus remos, terão de arriscar-se
a lutar e morrer pela terra natal
porque ela foi insultada, e minha vida,
a existência de uma única mulher,
poderá ser um óbice a tanto heroísmo?
Isto seria justo? De que subterfúgios
nos valeríamos? Perguntarei ainda:
este guerreiro – Aquiles – terá de lutar
contra o exército dos gregos e arriscar-se
por uma só mulher – por mim -, pois a existência
de um homem só tem certamente mais valor
que a de muitas mulheres juntas?. E se Ártemis
quer receber meu corpo em santo sacrifício,
resistirei à deusa, eu, simples mortal?
De modo algum! Darei a minha vida à Grécia!
Matem-me para que desapareça Tróia!
Meu sacrifício me trará renome eterno
como se fosse minhas núpcias e meus filhos
e minha glória! Os gregos mandarão
nos bárbaros, e não os bárbaros nos gregos,
já que eles todos são de uma raça de escravos
enquanto nós nos orgulhamos de ser livres!
As Bacantes é um peça em louvor ao deus Dioniso. Foi uma das tragédias preferidas pelos
espectadores gregos, tendo sido representada até o século IV a.C. A cena se passa diante o
palácio de Tebas, onde Dioniso, disfarçado de profeta, traz sua religião para a Grécia. Sua
intenção é punir Agave e Autônoe, irmãs de sua mãe Sêmele, por terem dito que esta se
unira a um mortal, e não a Zeus, e eliminar o jovem Penteu, rei de Tebas e filho de Agave.
As servas de Dioniso, As Bacantes, estão no alto do monte Citéron, para onde se dirigem o
Coro de devotas frígias, Tirésias, o adivinho, e Cadmo, pai de Agave. Penteu os censura, As
Bacantes fazem um apelo a Dioniso, que é prontamente acorrentado por ordem de Penteu.
Dioniso se revolta, provoca incêndios e terremotos no palácio. Penteu fica enfurecido, mas
encontra um pastor de bois, que lhe conta das celebrações das Bacantes no monte Citéron e
o convence a se vestir de mulher e ir conferir os ritos. Penteu, já confuso, sobe o monte.
Depois, um mensageiro conta como Penteu lá foi esquartejado e degolado por sua própria
mãe Agave, todos inebriados. Esta é a fala do Coro quando Dioniso convence Penteu a se
vestir de mulher e ir para a celebração.

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CORO
(AS BACANTES DE EURÍPIDES)
Vamos enfim juntar nosso pés nus
aos cortejos noturno de Dioniso,
lançando para trás nossas cabeças
no ar umedecido pelo orvalho,
como corças saltando satisfeitas
nos verdes prados depois escaparem
das redes escondidas nas veredas.
Mas de repente o caçador incita
com gritos a corrida de seus cães;
mais rápidas que as tempestades súbitas
elas saltam ao longo dos riachos
pelas campinas, procurando, aflitas,
bem longe dos homens desnaturados
a paz e a sombra da floresta escura.
Que é ciência, que é glória máxima,
presentes dos bons deuses, senão ter
nas mãos vitoriosas o inimigo?
O que é bom é sempre desejável.
Move-se lentamente a onipotência
das divindades, mas é infalível.
Elas dão o castigo às criaturas
condescendentes com a iniquidade
e cuja mente devotada ao mal
tira dos deuses justas homenagens.
Graças a mil ardis elas ignoram
o perpassar do tempo e implacáveis
seguem até o fim as suas presas.
Mas nada nós devemos conceber,
nada devemos praticar na vida,
que esteja acima das divinas leis.
Não é difícil realmente crer
na onipotência de um poder supremo,
seja qual for a verdadeira origem
das divindades que desde os primórdios
e ao longo dos tempos imemoráveis
têm a força de lei entre os mortais,
pois vem da natureza sua origem.
Que é ciência, que é glória máxima,
presentes dos bons deuses, senão ter
nas mãos vitoriosas o inimigo?
O que é bom é sempre desejável
Feliz é quem pode escapar à morte
em pleno mar e chega vivo ao porto!
Feliz é quem consegue superar
as provocações ao longo desta vida!
Alguns seres humanos vencem outros
em ventura e poder. São incontáveis
os míseros mortais, e incontáveis
as esperanças que eles acalentam.
Alguns chegam sem dúvida à riqueza,
mas para a maioria nada resta!
Consideramos bem-aventuradas
as criaturas que sabem gozar
toda a satisfação de cada dia!
Ésquilo é o mais antigo dos três grandes poetas trágicos gregos. Nasceu em Elêusis, em 525
a.C, combateu nas batalhas de Salamina e Maratona contra os invasores persas e morreu no
ano de 456 a.C. Prometeu Acorrentado foi apresentada aproximadamente em 458 a.C.
Trata do mito grego de Prometeu. Prometeu está acorrentado num rochedo da região da
Cítia, vítima da ira de Hefesto (o deus do fogo). Prometeu havia se rebelado contra a
vontade divina com o intuito de ajudar a humanidade primitiva. Prometeu se revolta diante
do céu, do mar e da terra. Aparecem as Oceanides, ninfas do mar, para quem Prometeu
revela que, por amor às criaturas humanas, deu-lhes o fogo por ele roubado no céu
permitindo o início da civilização. Oceano chega, mas Prometeu se recusa a ser libertado.
Aparece Io, a quem Prometeu revela uma profecia na qual um filho de Zeus o destronaria,
seria Épafo. Hermes entra em cena no afã de saber mais sobre essa profecia. Por ter sido
tratado desdenhosamente por Prometeu, Hermes anuncia que uma águia devoraria seu
fígado todos os dias até que recompusesse. Ocorre um cataclismo e Prometeu desaparece
junto com as Oceanides. Este é o solilóquio em que Prometeu revela seus bens feitos à
humanidade.

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PROMETEU
(PROMETEU ACORRENTADO DE ÉSQUILO)
depois de longo silêncio

Não se deve conjeturar que meu silêncio


decorre da arrogância ou de maus sentimentos;
mas uma ideia me atravessa o coração
quando sou ultrajado de maneira ignóbil:
quem concedeu, então, a esses deuses novos
todos os privilégios recém-outorgados?
Calo-me quanto a isto, porém já sabeis
o que eu poderia dizer-vos novamente.
Falar-vos-ei agora das misérias todas
dos sofridos mortais e em que circunstâncias
fiz das crianças que eles eram seres lúcidos,
dotados de razão, capazes de pensar.
Farei o meu relato, não para humilhar
os seres indefesos chamados humanos,
mas para vos mostrar a bondade infinita
de que são testemunhas numerosas dádivas.
Em seus primórdios tinham olhos mas não escutavam,
e como imagens dessas que vemos em sonhos
viviam ao acaso em plena confusão.
Eles desconheciam as casas benfeitas
com tijolos endurecidos pelo sol,
e não tinham noção do uso da madeira;
como formigas ágeis levavam a vida
no fundo de cavernas onde a luz do sol
jamais chegava, e não faziam distinção
entre o inverno e a primavera
e o verão fértil; não usavam a razão
em circunstância alguma até há pouco tempo,
quando lhes ensinei a básica ciência
da elevação e do crepúsculo dos astros.
Depois chegou a vez da ciência dos números,
de todas a mais importante, que criei
para seu benefício, e continuando,
a da reunião das letras, a memória
de todos os conhecimentos nesta vida,
labor do qual decorrem as diversas artes.
Fui também o primeiro a subjugar um dia
as bestas dóceis aos arreios e aos senhores,
para livrar os homens dos trabalhos árduos;
em seguida atrelei aos carros os cavalos
submissos desde então às rédeas, ornamento
da opulência. Eu mesmo, e mais ninguém,
inventei os veículos de asas de pano
que permitem aos nautas percorrer os mares.
Eo infeliz autor de tantas descobertas
para os frágeis mortais não conhece um segredo
capaz de livrá-lo da desgraça presente!
Voltando a Sófocles. Electra foi apresentada pela primeira vez por volta de 413 a.C. Há uma
duvida histórica com relação a qual Electra foi montada primeiro, a de Sófocles ou a de
Eurípides. A peça é sobre vingança. Agamêmnon, rei do argivos, retorna de Tróia para
Micenas, capital de seu reino, onde Clitemnestra, sua esposa, tomara-se de amores pelo
usurpador Egisto, primo de Agamêmnon. O rei é morto por Clitemnestra com um “cutelo
todo de bronze” com a ajuda de Egisto, sob o pretexto de que Agamêmnon matara uma de
suas filhas, Ifigênia, antes de partir para Tróia. O casal tinha mais três filhas – Ifiânassa,
Crisôtemis e Electra – e um filho, Orestes. Electra consegue salvar Orestes, ainda com dez
anos, e o envia a Fócida. Orestes retorna, anos depois, e junto com Electra, vingam a morte
do pai, matando sua mãe. Este é o solilóquio onde Electra combina a morte de sua mãe com
o irmão, Orestes.

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ELECTRA
(ELECTRA DE SÓFOCLES)
Tudo se passará como mandaste, irmão,
o meu contentamento é teu, não me pertence;
nem o maior dos bens seria desejável
à custa do menor transtorno para ti;
não fosse assim, eu estaria sendo ingrata
aos deuses poderosos, nossos protetores.
Já sabes como vão as coisas por aqui?
Egisto se ausentou, mas volta ainda hoje,
e nossa mãe está lá dentro, mas não temas
que em hora alguma eu lhe apareça inalterado.
Apresentar-me-ei com lágrimas nos olhos
porque também se chora de alegria, Orestes.
Parece-te excessivo o meu contentamento?
Não devo estar alegre se num mesmo dia
primeiro regressaste morto e depois vivo?
Tanta perplexidade tudo isto causa
que eu eu visse voltar meu pai, ressuscitado,
não descreveria nem assim de meus sentidos;
a tua vinda não foi menos milagrosa.
Dispõe de mim; ordena e obedecerei.
Ainda que faltasses eu já decidira:
matá-los-ia, mesmo só, ou morreria!
A montagem de Ájax tem data incerta, mas é provavelmente anterior a 441a.C, quando foi
encenada a Antígona. É a peça da vaidade ferida. Decorre em frente à tenda de Ájax, no
acampamento dos gregos próximo a Tróia. Revoltado com a resolução dos chefes gregos de
entregar as armas de Aquiles, recém-morto por Páris a Odisseu, preterindo-o, Ájax toma a
decisão de matar Agamêmnon e Menelau seu irmão. Atena priva-o da razão e ele,
enfurecido, mata os animais dos rebanhos conquistados pelos gregos pensando estar
matando os dois. Recuperando a lucidez, Ájax percebe que está perdido e resolve se matar.
Após isso, Teucro, seu meio-irmão, aparece e decide desobedecer às ordens de Menelau e
de Agamêmnon de deixá-lo insepulto. Até que Odisseu aparece e os convence do contrário.
Sófocles foi muito criticado por não ter acabado a peça logo após a morte de Ájax. Este é o
famoso solilóquio de Ájax antes de se matar.

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ÁJAX
(ÁJAX DE SÓFOCLES)
Está firme a espada para o sacrifício,
pronta a varar meu corpo da melhor maneira,
se ainda posso demorar-me em falatórios.
Ela foi o presente de um anfitrião
abominado por minha alma e por meus olhos,
e agora está fixada no solo inimigo
de Tróia detestada, depois afiada
na pedra que desgasta o ferro, e bem plantada
com o maior desvelo para me trazer,
como um grande favor, a morte imediata.
Já estou pronto. Agora, Zeus, és o primeiro,
como convém, a quem devo implorar ajuda.
Não pretendo pedir-te um favor muito grande.
Concede-me somente a graça de mandar
um mensageiro a Teucro dando-lhe a notícia,
para que ele seja o primeiro a levantar
meu corpo traspassado pela espada férrea
molhada com meu sangue quente. Não desejo
que ele, encontrado antes meu inimigos,
seja pasto de cães e de aves carniceiras.
Eis tudo que espero de ti agora, Zeus.
Invoco depois dele Hermes Infernal,
guia dos mortos. Peço-lhe que me entorpeça
suavemente, e que num salto ao mesmo tempo
fácil e rápido eu consiga atravessar
a longa espada no meu corpo. Ainda invoco
as virgens inflexíveis, divinas Erínias
de calcanhares rápidos, que sempre observam
os males praticados pelos homens maus.
Fiquem elas sabendo como vou morrer
– pobre de mim! – por causa dos filhos de Atreu
e os faça perecerem miseravelmente
– ah, miseráveis! -; e da mesma forma que elas
verão meu próprio sangue derramado aqui,
eles pereçam sob os golpes de parentes
depois de derramarem por seu turno o sangue!
Avante, Erínias, vingadoras expeditas!
Participai deste banquete e não poupeis
nenhum dos súditos dos dois chefes argivos!
E tu, sol cintilante que guias teu carro
pelas alturas do insondável firmamento,
quando vires a terra de meus ancestrais
retrai as rédeas recobertas de ouro puro
para comunicar a minha desventura
e meu fim melancólico a meu velho pai
e a minha mãe – coitada! E quando a infeliz
receber a notícia, logo sairão
de sua boca soluços intermináveis
que repercutirão pela cidade inteira.
Mas, de que serve lamentar-me inutilmente?
Devo entregar-me por inteiro à minha obra,
e com máxima preteza! Ah! Morte! Ah! Morte!
Chegou a hora! Vem! Olha bem para mim!
No outro mundo ainda falarei contigo,
pois estarás perto de mim a todo instante.
Tu, ao contrário, claridade deste dia,
e tu, sol em teu carro! Desejo saudar-vos
pela última vez! Nunca mais vos verei!
Luz e solo sagrados da terra natal!
Ah! Salamina, que sempre serves de assento
à lareira da casa dos antepassados!
Atenas muito ilustre com teu povo irmão!
E vós, fontes e rios que meus olhos viram
nestas planícies troianas, agradeço-vos!
Adeus, vós todos que me haveis dessedentado!
Dirijo-vos as minhas últimas palavras.
A partir deste instante falarei apenas
com os habitantes das profundezas do inferno!
De modo geral, as tragédias conservadas têm um final infeliz. Não é o caso de Alceste, de
Eurípides. A tragédia se aproxima dos dramas satíricos, e fora apresentada num tetralogia
após três tragédias propriamente ditas. A peça transcorre diante do palácio de Ádmeto, rei
da Tessália. O deus Apolo conta como conseguiu convencer as Parcas a permitirem que
Ádmeto se livrasse da morte desde que alguém fosse sacrificado em seu lugar. O velhos pais
do rei se recusaram a salvar o filho, somente sua mulher, Alceste, prontificou-se para tal.
Apolo suplica, em vão, à Morte (Thânatos) pela vida da rainha. Após despedir-se dos
cidadãos, Alceste está pronta para morrer, quando aparece o deus Heraclés, a quem
Ádmeto pede que seja seu hóspede, sem dizer nada sobre o que haverá. Após impedir seu
próprio filho, Feres, de tentar salvar sua mãe, Ádmeto revela a Heraclés o que está
acontecendo. Um pouco mais sóbrio que antes, Heraclés decide salvar a rainha. Entra no
castelo e sai com uma mulher nos braços, dizendo ter sido conquistada por ele como prêmio
numa competição atlética, era Alceste coberta por um véu. Alceste não morre e tudo fica
bem. Este é belo e divertido solilóquio do deus Heraclés, após as reclamação de um servo
por estar bebendo e comendo muito.

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HERACLÉS
(ALCESTE DE EURÍPIDES)
fala ao servo

Que significa, servo, o teu olhar tristonho


e inquieto? Os serviçais devem cuidar
de não mostrar o rosto contrafeito aos hóspedes;
cumpre-lhe recebê-los em qualquer hipótese
com o coração afável. Tu, que vês aqui
um doa amigos de teu rei, estás expondo-lhe
as feições contraídas, a testa enrugada:
por que observas este luto rigoroso?
Vem até mim; vou ensinar-te a ser sensato.
Conheces bem a natureza dos mortais?
Não creio; onde saberias? Então ouve-me.
Sem excessão, todos morreremos um dia,
e nenhum de nós sabe se amanhã bem cedo
estará vivo. Ninguém é capaz de ver
para onde nos levam os passos da sorte;
não há maneira alguma, servo, de sabermos,
e nenhuma ciência jamais nos dirá.
Já que é assim, esclarecido finalmente
por minha boca, vê se te manténs alegre;
ciente de que só és dono incontestável
do momento presente e o resto é do destino,
bebe! Cultua a divindade que é sem dúvida
a maior fonte de prazer para os mortais
– Cípris, a bela deusa que só nos quer bem.
Deixa de lado todos os outros cuidados
e crê nestas palavras se as achaste certas
(suponho que elas são). Não estás decidido
a expulsar de ti essa tristeza toda
para beber comigo, demonstrando assim
que és superior a quaisquer contratempos?
Vamos! Adorna de guirlandas a cabeça!
Tenho certeza de que o bailado das taças
afastará de ti esta disposição
tensa e desagradável e a compelirá
a procurar abrigo em outro ancoradouro.
Somos todos mortais e nossa obrigação
é ter apenas sentimentos de mortais,
já que as pessoas de temperamento amargo,
embora sejam muitas, só vivem catástrofes,
com o cenho permanentemente contraído,
em vez de viverem de fato suas vidas.
Fechando o ciclo de tragédias gregas. Eurípides foi chamado por Aristóteles como “o mais
trágico dos trágicos”. Considerada por alguns como a mais dolorosa, foi representada
provavelmente em 423 a.C, em Atenas. Após a queda de Tróia, as troianas foram entregues
como escravas. Os gregos ansiavam partir de volta, mas havia uma grande calmaria que
deixava as naus retidas. O fantasma de Aquiles surge e diz que Polixena, filha de Príamo e
Hécuba, rei e rainha de Tróia, fosse sacrificada para que houvesse vento. Hécuba suplica,
em vão, e Polixena segue para a morte. Enquanto Hécuba cuidava de um dos funerais, o
cadáver de seu filho mais novo, Polidoro, é levado até ela. O jovem havia sido morto por
Pólimestor, rei do Quersoneso Trácio, com o intuito de apoderar-se dos tesouros e jogou o
cadáver ao mar. Hécuba revolta-se e apela a Agamêmnon por vingança, que reluta. Hécuba
então vinga-se com a próprias mãos. Atrai Poliméstor e seus filhos para um tenda onde ela
e suas companheiras matam o filhos e cegam Poliméstor. Este é o solilóquio de Hécuba
após ter se vingado. Fala a Agamêmnon.

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HÉCUBA
(HÉCUBA DE EURÍPIDES)
Entre as criaturas humanas, Agamêmnon,
as palavras jamais devem prevalecer
sobre as ações. Quando se age retamente,
deve-se falar bem, e quando alguém faz mal,
suas palavras nos parecem vãs e ocas.
Nunca, jamais a injustiça possa ter
uma linguagem agradável aos ouvidos!
Os inventores de discursos refinados
são realmente hábeis, mas não podem ter
invariavelmente a mesma habilidade;
seu fim é inditoso e ninguém até hoje
se livrou dele. Quanto a ti, eis meu preâmbulo.
apontando para Poliméstor

Agora quero responder a este homem.


Afirmas que mataste meu querido filho
para poupar os gregos de uma dupla pena
e para prestar um serviço a Agamêmnon.
Devo dizer de início que jamais os bárbaros
serão amigos dos aqueus – muito ao contrário.
Qual o motivo de teu zelo, Poliméstor?
Seria o desejo de algum casamento?
Seriam os laços de sangue ou, porventura,
outras razões? Iriam eles devastar
as terras cultivadas de teu território
antes de retornar ao mar com suas naus?
Pensas que alguém aceitaria tais desculpas?
Se quisesse dizer apenas a verdade,
o ouro e tua cupidez foram as causas
da morte de meu filho. Dize-me, afinal:
quando existia Tróia e sua muralhas
ainda a protegiam, quando o velho Príamo
inda vivia e as armas de Heitor brilhavam,
por que, então – se querias ser agradável
a Agamêmnon – não mataste meu menino
deixado a teus cuidados e sod o teu teto,
ou por que não o entregaste vivo aos gregos?
Mas não! Foi só após deixarmos de existir,
depois do anúncio de que Tróia estava em chamas
aniquilada pelos nosso inimigos
que assassinaste o hóspede em teu próprio lar!
E isto não é tudo. Escuta, celerado,
na hora de mostrar teu péssimo caráter:
se eras realmente amigo dos aqueus,
estavas obrigado, quanto a este ouro
que pertencia a Polidoro e não a ti
de acordo com a tua própria confissão,
a entregá-lo aos gregos, tão necessitados
e há tanto tempo afastados de sua pátria.
Mas, mesmo neste instante falta-te coragem
para afastar as tuas mãos do ouro alheio
e insistes em guardá-lo ainda no palácio.
De fato, é no infortúnio que se vê melhor
a amizade das pessoas generosas;
quando somos felizes não faltam amigos.
Se meu filho vivesse e fosse venturoso,
e se passasses por alguma provação,
ele te ajudaria com o seu tesouro.
Agora, que teu crime te privou do amigo,
o ouro não te ajudará de forma alguma;
teus filhos foram-se e tu mesmo estás assim.
voltando-se para Agamêmnon

Digo-te, rei: se resolveres apoiá-lo,


serás considerado um homem de má índole;
terás favorecido um homem sem caráter,
impiedoso, infiel a seus deveres
de anfitrião, indiferente às divindades
a à justiça humana. Até pensaremos
que dás valor aos maus por seres como eles.
Mas não pretendo injuriar-te, meu senhor.
Lúcio Aneu Sêneca nasceu em Córdova, atual Espanha, no ano 4 a.C. Sua vida estendeu-se
ao longo dos principados de Augusto, Tibério, Calígula, Cláudio e Nero. Anos após ter sido
exilado por Cláudio, envolveu-se com opositores ao regime e, condenado por Nero,
suicidou-se, em Roma, no dia 19 de abril de 65 d.C. O escasso teatro romano o tem como
um dos grandes trágicos. Fedra enfoca o mito de uma filha de Minos e Pasífae, casada com
Teseu, herói da Ática que venceu Minotauro e libertou Atenas do tributo anual devido a
Creta. Teseu é dado como desaparecido e, Fedra, se apaixona por Hipólito, seu enteado. O
rapaz, que havia dedicado sua vida e jurado castidade à Diana, recusa as propostas da
madrasta. Ela, furiosa, acusa-o de tê-la violado. Teseu, de volta à cidade, pede a Posêidon
que mate o filho quando ele, após uma queda com sua biga, é pisoteado pelo cavalos. Este é
o solilóquio onde Fedra se mata ao ver o corpo de Hipólito completamente despedaçado.

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FEDRA
(FEDRA DE Sêneca)
De mim, de mim te apodera, cruel senhor do profundo
pélago, e contra mim lança os monstros do mar cerúleo,
o que quer que a longínqua Tétis no imo seio traga,
o que quer que, abraçado pelas vagas errantes,
o Oceano recubra com as suas mais remotas ondas.
Ó Teseu, severo sempre, ó tu que nunca volta aos teus
sem receio: filho e pai com a morte expiaram os teus
retornos; a tua casa pervertes, sempre nocivo
às esposas, por amor ou por ódio.
Hipólito, teu rosto é esse que vejo, e causei isso?
Que cruel Sínis ou que Procrustes te espedaçou os
membros, ou que criatura de Creta, enchendo os claustros
de Dédalo com fortes mugidos, Touro biforme, feroz,
de fronte cornígera, te dilacerou?
Ai de mim, para onde fugiu a tua beleza e os teus olhos,
nossas estrelas? Tu jazes sem vida?
Aproxima-te um instante e ouve as minhas palavras:
nada de torpe falamos: com esta mão pagarei a ti
as minhas dívidas e cravarei neste peito nefando a espada,
despojarei Fedra igualmente da vida e do crime, e pelas
ondas e pelos lagos do Tártaro, pelo Estige e pelos rios
de fogo, insana, seguir-te-ei.
Aplaquemos os manes: da minha cabeça toma os despojos
e aceita a madeixa que corto da fronte mutilada.
Não se puderam unir os corações, mas decerto podem
unir-se os destinos. Se és casta, morre pelo marido;
se incestuosa, pelo amor. Buscarei o leito do cônjuge,
manchado por tamanho crime? Faltava-te este sacrilégio,
para que, como se pura, fruísses do tálamo reclamado.
Ó morte, único alívio do amor malévolo,
ó morte, máxima honra do pudor ferido, recorremos a ti.
Abre o teu seio sereno.
Ouve, Atenas, e tu, um pai pior do que a funesta madrasta:
falsas coisas relatei e, mentindo, forjei o sacrilégio que eu mesma,
demente, concebera no coração insano. Puniste em vão, pai,
e o jovem casto, por uma acusação incestuosa, jaz, puro,
inocente: recebe de volta os teus costumes.
Meu peito ímpio se abre à lâmina justa, e o meu sangue
cumpre o sacrifício do homem virtuoso.
O que devas fazer, pai, tendo um filho arrebatado, aprende-o
com a madrasta: sepulta-te nas plagas do Aqueronte.
Teatro Elizabetano. Christopher Marlowe nasceu provavelmente em 1564 e morreu
prematuramente em uma briga de taverna em 1593. Foi contemporâneo de Shakespeare,
tendo conseguido reconhecimento antes dele. Consta que introduziu o verso branco (com
métrica, sem rimas) na linguagem teatral. A Trágica História do Doutor Fausto é uma de
suas obras mais conhecidas e influenciou a muitos posteriormente (Goethe, por exemplo).
Foi escrita provavelmente em 1580, e publicada postumamente. Trata-se da história do
estudioso alemão Fausto, que vende sua alma para o demônio, representado na figura de
Mefistófeles, em troca de mais conhecimento, poder e extravasar os limites humanos. Uma
curiosidade da peça: Além de Mefistófeles, há também Lúcifer e Belzebu. Este é o famoso
solilóquio de Fausto, momentos antes de levado para o inferno pelos demônios.

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FAUSTO
(A TRÁGICA HISTÓRIA DO DOUTOR FAUSTO DE CHRISTOPHER MARLOWE)
Ah, Fausto, você tem menos de uma hora de vida agora, e, depois, será
a condenação eterna. Ah, esferas celestes em eterno movimento, detenham-se!
Que o tempo cesse de correr e a meia-noite jamais chegue. Olhos brilhantes da
natureza, ergam-se! Ergam-se novamente e façam de hoje um dia perpétuo.
Ou permitam que esta hora seja um ano, um mês, uma semana, um dia.
Que Fausto possa ainda se arrepender e salvar a sua alma.
Oh, cavalos da noite, diminuam sua marcha, vão devagar!
Mas as estrelas continuam se movendo, o tempo corre, o relógio logo baterá
outra vez, o demônio chegará… e Fausto está condenado. Mas não, vou me
atirar nos braços de Deus! Quem está me retendo? Vejam, vejam, se o sangue
de Cristo fosse um filete percorrendo o firmamento, bastaria uma gota dele para
me salvar. Oh, meu Jesus! Ah! Não rasgue meu coração por mencionar o nome
de meu Salvador! E mesmo assim chamarei por Ele. Ó Lúcifer, me poupe!
Onde ele está, agora? Desapareceu! E veja o ponto onde Deus me estende Seu
braço, me apontando, e franze Seu cenho, irado. Montanhas, colinas, venham,
caiam sobre mim e me ocultem da pesada fúria de Deus. Não? Não? Então, eu
me precipitarei nas entranhas da terra. Terra, abra-se! Ah, não, a terra não vai me
dar abrigo. Vocês, estrelas, que reinaram sobre o meu nascimento, cuja influência
determinou a morte e o inferno, agora envolvam Fausto numa névoa mística, nas
reentrâncias de nuvens de magníficas tempestades, de modo que, quando
vomitarem sua raiva no ar, meus membros possam ser projetados de suas bocas
fumarentas e minha alma, então, possa ascender aos céus. [Bate o relógio]
Ah, passou-se meia hora. Logo tudo estará terminado! Oh, Deus, onde está a Vossa
misericórdia? Não é ela infinita? Então, se não é Seu desejo ter piedade de minha alma,
ainda assim, em nome de Cristo, cujo sangue resgatou meus pecados, pelo menos
imponha um fim ao meu tormento infernal. Que Fausto padeça por mil anos, por cem
mil anos, para, a seguir, ser salvo. Ah, não! Não há um fim para os tormentos de uma
alma condenada. Ah, por que não sou uma criatura sem alma? Que imortalidade é essa
que me foi dada? Se a Metempsicose de Pitágoras fosse verdadeira, essa alma sairia
de mim, voaria para o ar e se transformaria em alguma besta brutal. Todas as bestas
são felizes porque, quando morrem, suas almas se dissolvem entre os elementos,
mas a minha deve viver para sempre, sofrendo, no inferno. Malditos sejam os pais
que me geraram! Não, Fausto, amaldiçoe a você mesmo. Amaldiçoe Lúcifer, que
o privou das alegrias do Paraíso. [O relógio bate meia-noite] Ah, o relógio bateu.
Agora, corpo, torne-se ar, ou Lúcifer, depressa, o arrebatará para o inferno.
[Relâmpagos, trovões] Ó alma, torne-se pequenas gotas de água e derrame-se
no oceano para jamais ser encontrada! Meu Deus! Meu Deus! Não olhe para mim
com essa raiva toda! [Entram Belzebu, Mefistófeles e outros demônios] Víboras,
serpentes, deixem-me respirar por mais um instante! Tenebroso inferno, não se abra!
Não venha, Lúcifer! Vou queimar meus livros, todos eles, prometo! Mefistófeles!
William Shakespeare nasceu em Stratford-upon-Avon em 23 de abril de 1564 e morreu no
mesmo lugar em 23 de abril de 1616. Percorreremos em pouco mais de duas semanas
alguns célebres solilóquios de suas peças com a difícil tarefa de resumi-las em poucas
linhas. Romeu e Julieta, se não a mais montada, é, com certeza, a peça mais amada da
história. O primeiro registro do texto é de 1597, de um ou dois autores que o tinham
reconstituído de memória. O definitivo aparece em 1599 já com as características do nosso
querido bardo. A peça se passa e Verona, onde, duas famílias, Capuletos e Montéquios
sustentam um ódio mútuo. Há uma festa na casa dos Capuletos, onde, Romeu Montéquio,
seu primo Benvólio e seu amigo Mercúcio, parente do príncipe de Verona, invadem para se
divertir. Lá, Romeu se apaixona por Julieta Capuleto, sem saber de sua estirpe. Se casam
escondidos. A paixão ganha proporções trágicas quando Teobaldo acidentalmente mata
Mercúcio numa briga e depois é morto por Romeu. Romeu é banido da cidade. Para que
fiquem juntos, Frei Lourenço, sugere que Julieta beba uma poção que a deixará como morta
por dois dias e, assim, fugirem juntos. Porém, Romeu recebe a notícia que Julieta morrera.
Desesperado, vai ao cemitério e se mata bebendo veneno nos braços da amada. Julieta, ao
acordar, também se mata com um punhal. Este é o famoso soliloquio do riquíssimo
personagem Mercúcio, antes de invadirem a festa na casa dos Capuletos. Mais amanhã.

MERCÚCIO
(ROMEU E JULIETA DE WILLIAM SHAKESPEARE)
Sonhei que Mab, a rainha, o visitou.
É a parteira das fadas e ela vinha
Como uma ágata pequenininha
No dedo indicador de um conselheiro.
Puxada por um par de vermezinhos
A correr no nariz do adormecido.
Uma casca de noz é sua carruagem,
Feita por um esquilo carpinteiro;
Que sempre foi das fadas carreteiro.
As varas são perninhas de uma aranha,
Asas de gafanhoto sua cobertura;
As rédeas vêm de teias pequeninas,
E a canga, de résteas de luar.
O seu chicote é um ossinho de grilo,
Seu cocheiro, uma mosca varejeira cinza
Que não é nem metade de uma larva
Que uma donzela tira do dedinho;
Assim cavalga ela pela noite
E, atravessando o cérebro do amante,
Faz nascerem ali sonhos de amor;
Nos joelhos dos nobres, cortesias,
No dedo do advogado, grandes ganhos;
Os lábios das donzelas sonham beijos,
Mas Mab, zangada, faz nascerem bolhas
Nos que encontra borrados por bombons.
Se pesa no nariz de um cortesão,
Ela sonha com o cheiro de favores;
Às vezes passa o rabo de um leitão
Pelo nariz de um cura adormecido,
E o faz sonhar com mais uma prebenda.
Se passa no pescoço de um soldado,
Seu sonho é com a degola do inimigo,
Ou com assaltos, aço e emboscadas,
Ou mares de bebida; e, logo após,
Toca o tambor no ouvido, ele desperta
Assustado, e, depois de uma oração ou duas,
Dorme de novo. É essa aquela Mab
Que embaraça a crina dos cavalos
E assa as carapinhas dos capetas
Que, penteadas, trazem grandes males.
É essa a velha que, se uma donzela
Adormece de costas, deita em cima
E a ensina a arcar com um peso vivo,
Pra aprender a pesar com outras cargas.
É ela…
Após terem se apaixonado na festa da casa dos Capuletos, já sabendo que ambos eram de
famílias rivais, Romeu segue sua volúpia, sua flamejante libido recém desperta por Julieta e
pula os muros de seu pomar após a festa. É a famosa cena do balcão. Romeu a observa,
balbucia sua paixão sem chamar atenção. Está escondido. Quando ouve Julieta, com os
braços abertos dizer: Romeu, Romeu, por que há de ser Romeu, negue seu pai, renuncie
esse nome; Ou se não quiser, jure só que me ama e eu não serei mais dos Capuletos. Romeu
não aguenta mais e aparece. Julieta se apavora. Eles se veem. Há de novo a flama. Após
algumas belas palavras de Romeu, Julieta, se abre.

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JULIETA
(ROMEU E JULIETA DE WILLIAM SHAKESPEARE)
tradução de Bárbara Heliodora
O meu rosto usa máscara da noite,
Mas, de outro modo eu enrubesceria
Por tudo que foi dito até aqui.
Queria ser correta e renegar
Tudo o que eu disse. Mas adeus, pudores!
Me amas? Sei que vais dizer que sim,
E aceito tua palavra. Se jurar,
Pode ser falso. E dizem que Zeus ri
Dos perjúrios do amor. Doce Romeu,
Se me amas, mesmo, afirme-o com fé.
Mas, se pensar que eu fui fácil demais,
Serei severa e má, e direi não,
Pra que me implore; de outra forma, nunca.
Na verdade, Montéquio, ouso demais,
E posso parecer-lhe leviana;
Mas garanto, senhor, ser mais fiel
Que as que, por arte, fazem-se de difíceis.
Eu seria difícil, devo confessar,
Se não ouvisse, sem que eu soubesse,
Minha grande paixão; então perdoe-me
E não julgue o amor que, cedo,
O peso desta noite revelou.
Quando Romeu encontra o corpo de Julieta, morta, decide que ali também será o fim de sua
vida. Não sabia que Julieta havia tomado uma poção que a deixaria como morta por dois
dias. Julieta a tomara para fugir do casamento com Páris, pois, morta, poderia fugir com
Romeu. Romeu não foi avisado do plano a tempo e se mata tomando veneno. Julieta, ao
acordar, vê seu amado morto. Não aguenta a dor e se mata com um punhal. Este é o
solilóquio de Romeu antes de se matar.

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ROMEU
(ROMEU E JULIETA DE WILLIAM SHAKESPEARE)
Assim farei; deixe-me ver seu rosto.
O primo de Mercúcio, o nobre Páris.
O que disse o pajem quando minh’alma tonta,
Não lhe dava atenção? Creio ter dito
Que Páris ia casar com Julieta.
Não disse isso? Ou será que sonhei?
Ou fiquei louco, ao falar de Julieta,
E pensei que foi isso? Dê-me a mão,
Inscrita como a minha no infortúnio.
Hei de enterrá-lo em cova triunfal.
Cova? Não; junto a um esplendor de luz,
Pois jaz aqui Julieta; e sua beleza
Faz desta tumba festa luminosa.
Morte, deita-te aí, junto a esse morto.
Quantas vezes, logo antes de morrer,
Um homem fica alegre? É o que chamam
De fagulha mortal. E será isto
Tal fagulha? Meu amor, minha esposa,
A morte, que sugou-lhe o mel dos lábios,
Inda não conquistou sua beleza.
Não triunfou. A flâmula do belo
É rubra em seus lábios e seu rosto,
E o estandarte pálido da morte inda não tremula.
Teobaldo, ‘stás aí, banhado em sangue?
Que honraria mais posso eu prestar-te,
Que, co’a mão que ceifou-te a juventude,
Cortar a de quem foi te inimigo?
Primo, perdão. Querida Julieta,
Por que tão bela ainda? Devo crer
Que a morte etérea está apaixonada,
E que o esquelético monstro a prende aqui
Pra, neste escuro, ser a sua amada?
Só por medo que sim ficarei contigo
E jamais do negror deste palácio
Hei de partir. Aqui permanecerei
Com os vermes, seus criados. Aqui mesmo
Eu hei de repousar por todo o sempre,
E libertar da maldição dos astros
A carne exausta. Olhos, um olhar.
Braços, o último abraço! E vós, oh lábios,
Portal do alento, solene com este beijo
Pacto eterno com a Morte insaciável.
Vem, meu caminho amargo, insosso guia.
Piloto insano atira neste instante
Contra as rochas a barca desgastada.
Ao meu amor! (bebe) Honesto boticário,
Rápida é a droga. E assim, com um beijo, eu morro.
Datado provavelmente de 1601, chegou nas mãos de Shakespeare após ter passada pela
mão de vários autores. Conta a história de Hamlet, príncipe da Dinamarca, que recebe a
visita do fantasma do pai, recém morto, que revela seu assassino, Cláudio, seu irmão, tio de
Hamlet. O jovem jura vingar-se, mas tem dúvidas quanto a isso. Não sabe se o fantasma
está correto. No processo de investigação, Hamlet, finge estar louco para não levantar
suspeitas. Hamlet corteja Ofélia, mas Polônio, pai de Ofélia, tanto quanto seu filho Laertes
não crêem no interesse, acham que Hamlet está louco. Hamlet prepara uma peça de teatro
dentro do castelo com o objetivo de desmascarar o tio. Dá certo, e Hamlet é banido por seu
tio, sob um pretexto qualquer, para, na verdade, ser assassinado. Logo depois, Hamlet mata
Polônio, sem querer. Ofélia enlouquece, morre. Hamlet escapa da morte e regressa. Num
duelo de armas brancas com Horácio, Hamlet não bebe o veneno dado pelo rei, o que faz a
rainha “à sua sorte”. A rainha morre, Hamlet envenena o tio à força. Laertes também
morre, revelando a infâmia do rei. Hamlet, que havia sido ferido com a espada envenenada,
também morre. Este é o famoso solilóquio do ato III.

HAMLET
(Hamlet de William Shakespeare)
tradução: Bárbara Heliodora
Ser ou não ser, essa é que é a questão:
Será mais nobre suportar na mente
As flechadas da trágica fortuna,
Ou tomar armas contra um mar de escolhos
E, enfrentando-os, vencer? Morrer – dormir,
Nada mais; e dizer que pelo sono
Findam-se as dores, como os mil abalos
Inerentes à carne – é a conclusão
Que devemos buscar. Morrer – dormir;
Dormir, talvez sonhar – eis o problema:
Pois os sonhos que vierem nesse sono
De morte, uma vez livres deste invólucro
Mortal, fazem cismar. Esse é o motivo
Que prolonga a desdita desta vida.
Quem suportara os golpes do destino,
Os erros do opressor, o escárnio alheio,
A ingratidão no amor, a lei tardia,
O orgulho dos que mandam, o desprezo
Que a paciência atura dos indignos,
Quando podia procurar repouso
Na ponta de um punhal? Quem carregara
Suando o fardo da pesada vida
Se o medo do que vem depois da morte –
O país ignorado de onde nunca
Ninguém voltou – não nos turbasse a mente
E nos fizesse arcar co’o mal que temos
Em vez de voar para esse, que ignoramos?
Assim nossa consciência se acovarda,
E o instinto que inspira as decisões
Desmaia no indeciso pensamento,
E as empresas supremas e oportunas
Desviam-se do fio da corrente
E não são mais ação. Silêncio agora!
A bela Ofélia! Ninfa, em tuas preces
Recorda os meus pecados.
Considerada por muitos como “a mais sanguinária das tragédias de Shakespeare”, Macbeth,
foi concluída e apresentada, provavelmente, em 1606, porém, o texto, conta com um
primeiro registro de 1623. Trata-se do caminho de Macbeth e sua mulher, Lady Macbeth,
até o trono, acreditando encontrar a felicidade em tal posto. Macbeth assassina Duncan, Rei
da Escócia, e inicia alí sua busca ao poder. Sempre se questionando e muito atormentado,
Macbeth executa outros assassinatos, também pensando estar fazendo a coisa certa para
justificar seus atos. Macbeth se consulta o todo tempo com as três bruxas que, num dado
momento de crise, lhe revelam que “ninguém que tenha nascido de uma mulher fará mal a
Macbeth”, e que ele “jamais será vencido até que a Grande Floresta de Birnam vá até as
alturas do Monte Dusinane”. Todas as profecias se concretizam e Macbeth, apesar de ter
conseguido chegar ao trono, morre pelas mãos de Macduff, um dos generais do exército do
rei. Este é o famoso solilóquio de Macbeth, após saber que sua mulher morrera e pouco
antes de saber que a floresta se aproximava, era o exército do rei camuflado com ramos e
galhos.

MACBETH
(MACBETH DE WILLIAM SHAKESPEARE)
tradução Bárbara Heliodora
Ela só devia morrer mais tarde;
Haveria um momento para isso.
Amanhã, e amanhã, e ainda amanhã
Arrastam nesse passo o dia-a-dia
Até o fim do tempo pré-notado.
E todo ontem conduziu os tolos
À via em pó da morte. Apaga, vela!
A vida é só uma sombra: um mau ator
Que grita e se debate pelo palco,
Depois é esquecido; é uma história
Que conta o idiota, toda som e fúria,
Sem querer dizer nada.
(entra o Mensageiro)
Não tens língua? Depressa, a história.
Ricardo III é um drama histórico baseado na história verdadeira do Rei Ricardo III da
Inglaterra. Sob o pretexto de que a situação na Inglaterra já fora melhor e de que tem
direito ao trono, Ricardo, homem coxo e feio, se diz empurrado ao mal. Usando sempre a
dissimulação e aos outros para chegar ao poder, Ricardo, primeiramente, elimina os
sucessores ao trono para quando o rei morrer. Depois de ter matado o rei e seu filho, trata
de seduzir Lady Anne, esposa de Príncipe Eduardo, recém morto. Mata seus filhos. Chega
ao trono com ajuda de Buckingham, depois, não cumpre sua promessa de lhe conceder
terras. Ricardo chega ao poder, mas logo tem que lutar por ele contra Richmond. Na
batalha final, Ricardo diz seu famoso “My Kingdom for a horse” e morre pelas mãos de
Richmond. Este é o solilóquio que Ricardo diz logo após ter tido um sonho terrível, sua
morte não tardaria a chegar.

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RICARDO
(RICARDO III DE WILLIAM SHAKESPEARE)
tradução de Carlos A Nunes
Dai-me outro cavalo! Ligai minhas feridas!
Tende piedade, Jesus! Chiu, tão-só sonhava.
Ó covarde consciência, como me atormentas!
As luzes ardem azuis, é a meia noite dos mortos.
Gotas frias de terror são no meu corpo tremente.
De que me receio? De mim próprio?
Não é mais ninguém aqui. Ricardo ama Ricardo,
ou seja, eu e eu. E aqui um assassino? Não!
Sim, sou eu! Então fuge. Quê, de mim próprio?
Boa razão há, não me vá eu vingar!
Quê, eu próprio contra mim próprio?
Coitado de mim, eu amo-me a mim próprio. Porquê?
Pelos bens que eu próprio a mim próprio ofereci?
Oh, não, pobre coitado, antes a mim próprio tenho
ódio por feitos odiosos que eu próprio cometi.
Sou ruim vilão… mas minto, eu o não sou!
Sandeu, diz bem de ti próprio! Sandeu, não uses de lisonja!
Minha consciência tem milhares de línguas diferentes
e cada língua me diz um conto diferente, e cada conto
me condena como ruim vilão: perjúrio, perjúrio, no mais subido grau;
assassínio, assassínio horrendo, no mais horrífico grau.
Todos os pecados diferentes, todos cometidos
em cada grau, se ajuntam diante o juiz todos bradando:
“Culpado, culpado!” Em desespero cairei.
Não há criatura que me ame, e se eu morrer,
ninguém me lamentará…
E porque o fariam, se eu próprio em mim
próprio por mim próprio não encontro dó?
Cuido que as almas de todos os que assassinei vieram
a minha tenda, e cada qual me ameaçou que amanhã
a vingança tombaria sobre a cabeça de Ricardo.
Considerada por muitos como a obra-prima definitiva do bardo, Rei Lear, foi escrita
provavelmente em 1605, ou no início de 1606. No século XII, Geoffrey of Monmouth contou
a história de Lear como sendo parte da história da Inglaterra, porém, Lyr ou Ler já era uma
figura presente na lenda, mesmo que não muito definida. Lear foi reescrito algumas vezes
até chegar em Shakespeare, que usou todos os textos como base. A grosso modo: Lear quer
dividir seu reino entre as filhas. Cordélia, uma delas, o contraria, por não querer provar seu
amor como havia pedido o rei. Lear, não compreende o amor da filha e a expulsa da
Inglaterra e entregue ao Rei da França. Começa aí o calvário de Lear, que se arrepende, e
volta-se contra sua filha Goneril, que se une a sua irmã, Regan, contra o pai. Lear é expulso,
enlouquece, enquanto Edmundo, filho bastardo do conde Glócester, seduz Goneril e Regan
e torna-se o comandante das forças inglesas. Resultado: Goneril envenena Regan por
ciúmes e se mata; Glócester morre de desgosto; Cordélia é enforcada e Lear morre tentanto
reavivar a filha. Este é o solilóquio onde Lear percebe sua loucura ouvindo as bajulações de
Regan e Goneril.

LEAR
(REI LEAR DE WILLIAM SHAKESPEARE)
tradução de Bárbara Heliodora
Não pensem no que é preciso! até os mendigos
Têm na sua miséria algo supérfulo.
Só dando à natureza o necessário,
A vida humana se iguala à das feras.
A natureza não precisa do luxo
Que te esquenta.Mas quando ao que preciso…
Oh céus, dai-me paciência; é o que preciso!
Deuses, aqui ‘stou eu, um pobre velho
Infeliz pela dor e pela idade!
Se colocastes os corações de tais filhas
Contra o seu pai, não me deixeis qual tolo
Suportá-lo; dotai-me de ira nobre,
E não deixeis que armas femininas
Me molhem as faces! Bruxas anormais,
Hei de vibrar nas duas tais vinganças
Que o mundo inteiro… Eu farei coisas,
Não sei o que serão, mas hão de ser
O horror da terra. Esperais que eu chore?
Não não pra isso,
(Ouve-se a tempestade ao longe)
mas o peito
Há de romper-se em cem mil estilhaços
Antes que eu chore. Bobo, eu enlouqueço!
Fechando a série com Shakespeare, Henrique V é uma de suas peças históricas mais
conhecidas. Encenada pela primeira vez em 1599, a ação centra-se nas batalhas de Harfleur
e de Azincourt num dos conflitos que compõem a Guerra dos Cem Anos (1337-1453) e trata
de um dos personagens mais importantes da história da Inglaterra, o monarca Henrique V,
que governou de 1413 a 1422, pacificando a Inglaterra e consolidando a monarquia. É um
texto essencialmente nacionalista onde, a todo momento, o Rei agradece aos céus pelos
triunfos. Este é o famoso discurso de Henrique V no Dia de São Crispino antes da batalha
de Azincourt em pleno campo de batalha.

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HENRIQUE
(HENRIQUE V DE WILLIAM SHAKESPEARE)
tradução de Beatriz Viégas-Faria
Quem é este que deseja tal coisa? Meu primo
Westmorland. Não, meu iluminado primo. Se estamos
marcados para morrer, somos perda suficiente para o
nosso país. Se marcados para viver, quanto menos homens,
maior fração de glória competirá cada um. Pelo amor de Deus,
eu lhe peço, não deseje nem um único homem a mais.
Por Júpiter, não tenho ganância de ouro, nem me importa
quantos comem às minhas custas. Não me entristece ver
outro homem vestindo meus trajes. Essas coisas exteriores
não habitam os meus desejos. Mas, se for pecado ter
ganância de honra, sou a alma mais pecadora aqui neste mundo
dos vivos. Não, meu primo, por minha fé, não peça por nem mais
um homem da Inglaterra. Por Deus, não quero repartir com mais
ninguém tão grande de honra, pois tenho grandes esperanças.
Ah, primo, não queiras um único inglês a mais! Em vez disso,
anuncie o seguinte: o homem que não tiver estômago para este
combate está livre para partir. Seu salvo-conduto será confeccionado,
e serão depositadas coroas francesas em sua bolsa para custear
a passagem. Não queremos morrer na companhia desse homem
que teme ter a sua pessoa morrendo conosco. Hoje é dia de São Crispino.
Aquele que sobreviver ao dia de hoje e voltar para casa são e salvo
ficará de ouvidos em pé sempre que este dia for mencionado e vai
inflamar-se só de ouvir falar em São Crispino. Aquele que testemunhar
o dia de hoje e viver até a velhice presenteará seus vizinhos todos os
anos com um banquete, sempre na véspera, e dirá “Amanhã é dia
de São Crispino”. Então ele vai arregaçar as mangas e mostrar
os ferimentos e dizer: “Estas cicatrizes são herança do dia de São Crispino”.
Os velhos se esquecem e, mesmo que ele tenha se esquecido de tudo,
lembrará, contando vantagem, dos feitos que perpetrou naquele dia.
Teremos então que os nossos nomes, na boca deste senhor idoso,
tão comuns quanto as palavras que ele usa no dia-a-dia, serão pronunciados:
o Rei Henrique, Bedford e Exeter, Warwick e Talboth, Salisbury e Gloucester,
e serão todos lembrados uma vez mais, nos brindes de suas taças transbordantes.
Esta história o bom homem há de ensinar ao filho, e não se passará um
único dia de Crispino Crispiano, de hoje, até quando o mundo acabar, sem
que sejamos lembrados. Nós, estes poucos; nós, um punhado de sortudos;
nós, um bando de irmãos… pois quem derrama o seu sangue junto comigo
passa a ser meu irmão. Pode ser homem de condição humilde; o dia de
hoje fará dele um nobre. E os nobres que ficaram na Inglaterra, que estão
agora em suas camas, irmão julgar-se amaldiçoados porque não estavam
aqui e vão se considerar homens de menor virilidade sempre que ouvirem
falar aquele que lutou conosco no dia de São Crispino.
Faremos uma pequena passagem pelo teatro do fim do século XIX até o início do século XX.
Johan Augusto Strindberg nasceu em Estocolmo em 1849 e lá morreu em 1912. Foi escritor,
dramaturgo, pintor e fotógrafo sueco. Escreveu poucos dramas, onde se destaca Senhorita
Júlia, de 1888. A peça, O Pai, foi escrita em 1887, considerada “excelente” por Frederich
Nietzsche, trata dos detalhes “explosivos” das relações dentro do casamento. O Capitão se
vê cercado por mulheres (sua mulher Laura, a sogra, a governanta) que tentam a todo
tempo controlar suas decisões e o futuro de sua filha, subtraindo assim seu “poder”.
Pensado que toda mulher pode ter um filho sem precisar saber quem é o pai, e que, no caso
do homem, isso é inadmissível, o Capitão quer a certeza que Bertha, é realmente sua filha, o
que o leva à loucura. Aqui uma reflexão do Capitão sobre sua recente loucura e a perda de
poder como homem dentro do casamento e da família.

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CAPITÃO
(O PAI DE AUGUST STRINDBERG)
tradução de Guilherme da Silva Braga
(larga os livros em cima da mesa) Tudo está salvo aqui
nestes livros para quem quiser ler. Eu não estava louco!
Está aqui no primeiro livro da Odisséia, verso 215, página
seis da tradução de Uppsala. É Telêmaco quem fala a
Atena. “De fato a minha mãe afirma que Odisseu é meu pai,
mas disso não tenho certeza, pois ninguém descobre as
origens de sí próprio”. E Telêmaco levanta essa suspeita
a respeito de Penélope, a mais virtuosa das mulheres! Que
beleza, hein? Aqui temos o profea Ezequiel: “O louco diz:
eis aqui o meu pai, mas quem pode saber que semente
o criou?”. Acho que está bem claro! o que mais tenho aqui?
A história da literatura russa de Merzliákov: “O que matou
Aleksandr Púchkin, o maior dos poetas russos, foi antes
a angústia causada por rumores sobre a infidelidade da
esposa do que a estocada que recebeu no peito em um
duelo. No leito de morte, Púchkin jurou que ela lhe fora
fiel”. Mas que imbecil, que imbecil! Como ele poderia
jurar uma coisas destas? No entanto agora vocês sabem
o que eu estava lendo em meus livros! – Ah, Jonas, você
por aqui! Eo doutor, é claro! Vocês sabem o que eu respondi
a uma senhora inglesa que uma vez se queixou para mim
de que os irlandeses costumam jogar lamparinas de petróleo
acesas no rosto das esposas? – Meu Deus, que mulheres! –
eu disse. Mulheres? – ela resmungou. Claro! – respondi.
Quando chega o ponto em que um homem, um homem
que amou e idolatrou uma mulher, pega uma lamparina
acesa e atira no rosto dela – é só aí que sabemos!
É com muito prazer que digo: Samuel Beckett nasceu em Dublin, Irlanda, no dia 13 de abril
de 1906 e morreu em Paris em 22 de dezembro de 1989. Prêmio Nobel de 1969, na minha
opinião, foi um dos maiores dramaturgos de século XX. Ao lado de Eugène Ionesco, Arthur
Adamov, Jean Genet e, depois, Harold Pinter, “continuaram” o sonho de Jarry, naquilo que
ficou conhecido como o teatro do absurdo. Maravilhoso. Esperando Godot é sua peça mais
conhecida. Foi escrita em 1952 e não entrarei em nenhum tipo de interpretação da famosa
espera, fica com cada um. A peça conta a história de Estragon, Vladimir, Pozzo, Lucky e um
menino. Os dois primeiros se encontram numa estrada para esperar um tal de Godot. A
peça de desenrola dentro da espera, onde, ambos, começam um diálogo trivial até a
chegada de Pozzo e Lucky. Pozzo chega puxando Lucky por uma corda amarrada em seu
pescoço, que causa estranheza em ambos. Um menino entra em cena avisando que Godot
só chegaria no dia seguinte. No segundo ato, tudo igual, exceto pela árvore que está
mudada. Os dois voltam a dialogar quando Pozzo e Lucky voltam, só que, Pozzo está cego e
Lucky, surdo. Volta o menino com a mesma notícia. Este é o extenso solilóquio de Lucky,
que nada dizia, até esse dado momento.

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LUCKY
(ESPERANDO GODOT DE SAMUEL BECKETT)
tradução de Fábio de Souza Andrade
Dada a existência tal como se depreende dos recentes trabalhos
públicos de Poinçon e Wattmann de um Deus pessoal quaquaquaqua
de barba branca quaqua fora o tempo e do espaço que do alto de sua
divina apatia sua divina athambia sua divina afasia nos ama a todos
com algumas poucas exceções não se sabe por quê mas o tempo dirá
e sofre a exemplo da divina Miranda com aqueles que estão não se sabe
por quê mas o tempo dirá atormentados atirados ao fogo às flamas às
labaredas que por menos que isto perdure ainda e quem duvida acabarão
incendiando o firmamento a saber levarão o inferno às nuvens tão azuis
às vezes e ainda hoje calmas tão calmas de uma calma que nem por ser
intermitente é menos desejada mas não nos precipitemos e considerado
por outro lado os resultados da investigação interrompida mas consagrada
pela Academia Antropopopometria de Berna-sobre-Bresse de Testu e Conard
ficou estabelecido sem a menor margem de erro tirante a intrínseca a todo
e qualquer cálculo humano que considerando os resultados da investigação
interrompida interrompida de Tesu e Cunard ficou evidente dente dente o
seguinte guinte guinte a saber mas não nos precipitemos não se sabe
por quê acompanhando os trabalhos de Poinçon e Wattmann evidencia-se
claramente tão claramente que à luz dos esforços de Fartov e Belcher
interrompidos interrompidos não se sabe por quê de Tesu e Conard
interrompidos interrompidos evidencia-se que o homem ao contrário
da opinião contrária que o homem em Bresse de Tesu e Conard que o
homem enfim numa palavra que o homem numa palavra enfim não
obstante os avanços na alimentação e na defecação está perdendo peso
e ao mesmo tempo paralelamente não se sabe por quê não obstante os
avanços da educação física na prática de esportes tais quais quais o
tênis o futebol a corrida o ciclismo a natação a equitação a aviação a
conação o tênis a camogia a patinação no gelo e no asfalto o tênis a
aviação o tênis o hockey na terra no mar no ar a penicilina e seus
sucedâneos numa palavra recomeço ao mesmo tempo paralelamente
de novo não se sabe por quê no Sena Sena-e-Oise Sena-e-Marne
Marne-e-Oise a saber ao mesmo tempo paralelamente não se sabe
por quê está perdendo peso e encolhendo recomeço Oise e Marne numa
palavra a perda líquida per capita desde a morte de Voltaire sendo da ordem
de por volta de duzentos gramas aproximadamente na média arredondando
bem pesados e pelados na Normandia não se sabe por quê numa palavra
enfim tanto faz fatos são fatos e considerando por outro lado o que é ainda
mais grave se evidencia ainda mais grave à luz de à luz das experiências
em curso de Steinweg e Petermann o que se evidencia ainda mais grave se
evidência ainda mais grave à luz de à luz das experiências interrompidas
de Steinweg e Petermann que nas planícies na montanha no litoral junto aos
rios de água corrente fogo corrente o ar e a terra feitos de pedras na grande
glaciação ai de mim no sétimo ano da sua era o éter a terra o mar feitos de
pedras na grande escuridão na grande glaciação sobre o mar sobre a terra
e pelos ares que pena recomeço não se sabe por quê recomeço adiante
numa palavra enfim ai de mim adiante feitos de pedras quem poria em
dúvida recomeço mas não nos precipitemos recomeço a cabeça ao mesmo
tempo paralelamente não se sabe por quê não obstante o tênis adiante a
barba as labaredas as lágrimas as pedras tão azuis tão calmas ai de mim
a cabeça a cabeça a cabeça a cabeça na Normandia não obstante o tênis
os esforços interrompidos inacabados mais grave as pedras numa palavra
recomeço ai de mim ai de mim interrompidos inacabados a cabeça a cabeça
na Normandia não obstante o tênis a cabeça ai de mim as pedras Conard Conard…
(confuso, Lucky deixa escapar ainda vociferações_ Tênis!… As pedras!…
Tão calmas!… Conard!… Inacabadas!…
Também é com enorme prazer que digo: Thomas Stearns Eliot nasceu em St Louis, EUA, no
dia 26 de setembro de 1888 e morreu em Londres em 4 de janeiro de 1965. Foi, de longe,
um dos maiores poetas do século XX. Laureado com o prêmio Nobel em 1948, escreveu
poemas antológicos como The Love Song of J. Albert Prufrock e The Waste Land. Escreveu
cinco peças de teatro, onde, destaca-se Cocktail Party. A peça Reunião de Família se passa
numa casa de campo no Norte da Inglaterra, onde, a velha Amy, prepara um jantar. Harry,
seu filho mais velho, reaparece na casa após oito anos de ausência. Ainda atormentado pela
morte da esposa, Harry descobre, aos poucos, os demônios escondidos no passado da
família. O jantar vai se tornando um pesadelo quando descobre que seu próprio pai tentara
matá-lo quando ainda estava no ventre da mãe. Este é o solilóquio do Coro antes do fim da
peça.

CORO
(REUNIÃO EM FAMÍLIA DE T.S ELIOT)
tradução de Ivo Barroso
Não gostamos de olhar pela mesma janela e ver uma paisagem
de todo diferente.
Não gostamos de subir uma escada e descobrir que ela nos leva
para baixo.
Não gostamos de atravessar uma porta e nos encontrarmos de
novo na mesma sala.
Não gostamos do labirinto do jardim porque parece demais com o
labirinto do cérebro.
Não gostamos do que acontece quando estamos acordados porque
se parece demais com o que acontece quando estamos adormecidos.
Compreendemos os normais afazeres da vida,
Sabemos como operar as máquinas,
Conseguimos em geral evitar acidentes,
Estamos assegurados contra o fogo,
Contra o furto e as doenças,
Contra os defeitos dos encanamentos,
Mas não contra a vontade de Deus.
Conhecemos várias magias e encantamentos,
E outras formas inferiores de feitiçaria,
Adivinhações e quiromancia,
Específicos contra a insônia,
Lumbago e a perda de dinheiro.
Mas o ciclo do nosso entendimento
É uma área muito limitada.
Exceto por um restrito número
De desígnios estritamente práticos,
Não sabemos de fato o que fazemos;
E mesmo, quando pensamos a respeito,
Não sabemos muito sobre o ato de pensar.
Que está acontecendo no exterior do círculo?
E qual o significado de acontecer?
Que emboscada nos espera além das urzes
Ou por trás das carrancas monolíticas?
Acima da Camada de Heaviside
E por trás do sorriso da Lua?
O que foi feito conosco?
E o que somos nós e o que fazemos?
Para todas e cada uma destas perguntas
Não há resposta concebível.
Sofremos muito mais do que uma perda pessoal…
Perdemos nosso caminho no escuro.
Anton Pavlovitch Tchékhov nasceu em Taganrog, Rússia, no dia 29 de janeiro de 1860 e
morreu em Badenweiler em 14 ou 15 de julho de 1904. Curiosamente, além do grande
dramaturgo e contista que foi, era também médico. Escreveu peças que se tornaram
clássicos do teatro como: A gaivota, As três irmãs, Tio Vânia e o Jardim das Cerejeiras (está
última é uma beleza). As Três Irmãs conta a história de Irina, Macha e Olga Prosorov, que
veem suas esperanças despertarem após um ano de luto em virtude da morte do pai. Elas
desejam intensamente voltar para Moscou, onde a vida volta a ser mais interessante, pois
todas foram criadas na cidade grande e não se adaptaram à vida no campo. Elas apoiam
suas esperanças no irmão Andrey, que, infelizmente, se apaixona por Natasha, desiste de
ser tornar um professor e vicia-se em jogo. Após alguns percalços amorosos, seu sonho de
voltar a Moscou não se realiza. Este é o pequeno monólogo de Olga após saber que não mais
voltarão para Moscou

OLGA
(AS TRES IRMÃS DE ANTON TCHÉKHOV)
tradução de Klara Gouriánova
A música é tão alegre, tão animadora
e dá vontade de viver! Oh, meu Deus!
O tempo vai passar e nós iremos com ele,
para sempre. Esquecerão de nós, dos
nossos rostos, das nossas vozes e de
quantas éramos, mas o nosso sofrimento
vai se transformar em alegria daqueles
que viverão depois de nós, a felicidade
e a paz reinarão na Terra e aqueles que
vivem agora serão lembrados com boas
palavras e serão abençoados. Oh, minhas
queridas irmãs, nossa vida ainda não
terminou. Vamos viver! A música é tão
alegre, tão feliz, parece que mais um
pouquinho e saberemos por que vivemos,
por que sofremos… Ah, se pudéssemos
saber, se pudéssemos saber!
Terminando os dramaturgos-poetas do século XX em grande estilo e, ao meu ver, bem
solto. Eugène Ionesco nasceu em Slatina, Romênia, no dia 26 de novembro de 1909 e
morreu em Paris, no dia 28 de março de 1994. O termo mais usado é “Pai do teatro do
absurdo”, “para um texto burlesco, uma interpretação dramática; para um texto dramático,
uma interpretação burlesca’, assim definia-se o tom. A Cantora Careca foi escrita em 1954 e
conta a história de Sr e Sra Smith, que dizem banalidades um para o outro, até a criada,
Mary, anunciar a visita dos Martin. Entram, se sentam, começam a conversar, até
perceberem, pelas coincidências, que são marido e mulher. Depois entra um Bombeiro em
busca de um incêndio que não há. O bombeiro vai embora e a conversa continua entre os
quatro. Esta é a história que o Bombeiro conta a pedido de Sr e Sra Smith.

BOMBEIRO
(A CANTORA CARECA DE EUGÈNE IONESCO)
tradução de Luiz de Lima
O resfriado. (sentam-se todos) Meu cunhado tinha do lado paterno,
um primo irmão, cujo tio paterno tinha um sogro cujo avô paterno tinha
desposado em segundas núpcias, uma jovem indígena, cujo irmão tinha
encontrado, numa de suas viagens, uma moça de quem ele tinha se
enamorado e da qual teve um filho que se casou com uma farmacêutica
intrépida e era sobrinha de um oficial desconhecido da marinha de Sua
Majestade a Rainha da Inglaterra (erguem-se todos e tornam a sentar)
e cujo pai adotivo tinha uma prima falando correntemente o espanhol
e que era talvez uma das netas de um enfermeiro morto muito moço
neto ele por sua vez de um proprietário de vinhas que dava um licor
medíocre mas que tinha um primo em segundo grau, caseiro, sargento,
cujo filho casara com uma linda moça divorciada, cujo primeiro marido
era filho de um sincero patriota, que tinha sabido educar na ambição
de fazer fortuna uma de suas filhas, que se casou com um caçador
que conheceu um Rotschild e cujo irmão, depois de ter mudado várias
vezes de profissão, se casou e teve uma filha, cujo bisavô avarento
usava óculos que lhe tinha presenteado um seu primo, cunhado de um
português, filho natural de um oleiro não muito pobre, cujo irmão de leite
tomou por mulher a filha de um velho médico do interior, irmão de leite
do filho de um leiteiro, ele mesmo filho natural de um outro médico de
interior, casou duas vezes seguidas, cuja terceira mulher…
Agora, o teatro brasileiro. Plínio Marcos nasceu em Santos, São Paulo, no dia 29 de
setembro de 1935 e morreu em São Paulo no dia 19 de novembro de 1999. Escreveu peças
que se tornaram clássicos no teatro brasileiro, com especial devoção para Quando as
Máquinas Param (1963); Dois Perdidos Numa Noite Suja (1966) e Navalha na Carne. Plínio
retratou como ninguém as relações do submundo, dos “excluídos”. Navalha na Carne conta
um dia na vida de três figuras: A prostituta Neusa Sueli, o cafetão Vado e o servente
homossexual, Veludo. Vado exige de Neusa Sueli o dinheiro do programa, que Neusa diz ter
colocado no criado-mudo. Após uma grande discussão, suspeitam que Veludo pode ter pego
o dinheiro. Chamam Veludo, que prontamente nega, porém, logo confessa após apanhar
um pouco. Depois disso, Vado toma de Veludo a maconha comprada por ele. Fuma, e
começa um tórrido jogo de sedução e provocação entre os dois. Neusa fica irada e expulsa
Veludo. A peça termina com Vado trancando Neusa no quarto após seduzí-la. Este é o
famoso solilóquio de Neusa refletindo sobre sua vida, após ter suas coisas jogadas no chão
por Vado.

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NEUSA SUELI
(NAVALHA NA CARNE DE PLÍNIO MARCOS)
Pára com isso! Pára! Por favor, pára! Poxa, será que você
não se manca? Será que você não é capaz de lembrar que
venho da zona cansada pra chuchu? Ainda mais hoje.
Hoje foi um dia de lascar. Andei pra baixo e pra cima, mais
de mil vezes. Só peguei um trouxa na noite inteira. Um
miserável que parecia um porco. Pesava mais de mil quilos.
Contou toda a história da puta da vida dele, da puta da mulher
dele, da puta da filha dele, da puta que o pariu. Tudo gente
muito bem instalada na vida na puta da vida. O desgraçado
ficou em cima de mim mais de duas horas. Bufou, bufou,
babou, babou, bufou mais pra pagar, reclamou pacas.
Desgraçado, filho da puta. É isso que acaba com a gente…
Isso cansa a gente. A gente só quer chegar em casa, encontrar
o homem de cara legal, tirar aquele sarro e se apagar, pra
desforrar de toda a sacanagem do mundo de merda que está aí.
Resultado: você está de saco cheio por qualquer coisinha, então
apronta. Bate na gente, goza a minha cara e na hora do bem-bom,
sai fora. Poxa, isso arreia qualquer uma. Às vezes chego a pensar:
Poxa, será que eu sou gente? Será que eu, você, o Veludo, somos
gente? Chego até a duvidar. Duvido que gente de verdade viva assim,
um aporrinhando o outro, um se servindo do outro. Isso não pode
ser coisa direita. Isso é uma bosta. Uma bosta! Um monte de bosta!
Fedida! Fedida! Fedida!
Os célebres solilóquios não são uma característica na obra teatral de Nelson Rodrigues
(Recife, 23 de agosto de 1912 – Rio de Janeiro, 21 de dezembro de 1980). Porém, encontrei
uma fala, não por ser extensa, mas por conter maneiras de pensar que caracterizam bem
alguns personagens de Nelson, no caso, sobre a morte, e que nos fazem tremer quando nos
vimos nele. Teatro minha gente! Pois bem, esta é de Gastão, na tardia ‘O Anti-Nelson
Rodrigues’. A peça foi aos palcos em 1974 sob direção de Paulo César Pereio. Conta a
história de Oswaldinho, filho de Gastão e Tereza, um jovem mimado pela mãe e desprezado
pelo pai. Inescrupuloso, ladrão e mulherengo, se torna o dono de uma da fábricas do pai e
se apaixona por uma das recém contratadas, a jovem Joice. Acostumado a ter tudo que
quer, Oswaldinho tenta comprar Joice, que sempre reluta, pois só quer seu amor. Aqui
Gastão suspeita de algo que o incomoda.

GASTÃO
(O ANTI-NELSON RODRIGUES DE NELSON RODRIGUES)
Não fecho nada. Tereza, escuta. Uma vez, eu vi um filme italiano.
Era uma história de bandido. História feroz, sem nenhuma vergonha
do dramalhão. E lá havia o velório genial, o velório que cada um
deseja para si. O bandido estava na mesa do necrotério, e cravejado
de balas. E de repente chega a mãe do defunto. Minha mulher, está
ouvindo? Qualquer grande dor tem gritos que ninguém ouviu, jamais.
Mas nenhuma mãe, em nenhum idioma, berra, uiva, como a mãe
daquele morto. Era a mais siciliana das sicilianas. Ao ver o cadáver,
esganiçou todos os gritos do seu espanto. Ah, Tereza, Tereza. Na
minha poltrona, eu tive uma sensação de deslumbramento. E aquela
mãe devoradora começou beijando o dedo grande do pé. Não beijou
apenas. o que seria pouco para sua fome. Ela sorvia os dedos um por um,
como aspargos. Ah, meu Deus, aquela boca continuou beijando – a sola
do pé, o calcanhar, as canelas. Nada restou que não fosse beijado. E eu
sei que também vou morrer, não varado de balas. Deus quer que eu tenha
enfarte, que é a morte da moda. Essa dor manhosa no braço esquerdo
não me engana. Eu sei que é minha morte que está doendo mansamente.
Eu penso no bandido. Mas sei que não vou ser chorado assim, beijado
assim, amado assim.
Se não ouvisse a minha morte, ouve meu sonho. Um sonho de uma
semelhança espantosa com a realidade. Sonhei que meu filho vinha
me dizer: – “Sou eu que escrevo as cartas anônimas, eu!” E começou
a chorar como um menino. Depois, caiu aos meus pés e beijou os meus
sapatos. Tereza, se meu filho fizesse isso, eu estaria salvo, não morreria
mais. E se morresse, seria beijado como o maravilhoso defunto siciliano.
José Oswald de Sousa Andrade Nogueira nasceu em São Paulo no dia 11 de janeiro de 1890
e lá morreu em 22 de outubro de 1954. Como muitos sabem, foi um dos personagens mais
importantes para Modernismo Brasileiro. Humor, entusiasmo, busca pelo novo e por uma
identidade artística nacional. O Rei da Vela é considerado o marco teatral modernista.
Escrita a partir de 1933 após a crise de 29, que muito afetou Oswald, só foi montada 30
anos depois na antológica apresentação de Zé Celso Martinez Correa. Conta a história do
agiota Aberlado I, o Rei da Vela, que faz empréstimos a juros altíssimos. Abelardo é um
burguês ascendente, que trabalha em diversos ramos, sempre especulando. Abelardo II é
um empregado que tenta tomar seu lugar. Heloisa de Lesbos é sua mulher, que representa a
decadência das famílias fazendeiras. Abelardo II rouba toda a fortuna de Abelardo I, que se
mata. Na peça há “desvios” sexuais entre todos os personagens, numa podrosa crítica à
sociedade. Este é um belo trecho de Abelardo I num momento de crise.

ABELARDO I
(O REI DA VELA DE OSWALD DE ANDRADE)
Tão esperto! Olhe menina. Eu fui um porcalhão!
Sabe você a quem a burguesia devia erguer estátuas?
Aos caixas dos bancos! Esses sim é que são colossais!
Firmes como a rocha. Os homens que resistem à tentação
da nota. Sabendo para onde ela vai, para que ela serve,
donde vem, que infâmias pode tecer… Os que recusam
o chamado da nota! Antigamente, quando a burguesia ainda
era inocente… A burguesia já foi inocente, foi até revolucionária…
Nos bons tempos do romantismo, antes do cinema devassar
o mundo, acreditava-se no chamado do Oriente, esse apelo
insondável dos países misteriosos e tardos, onde, no fundo –
o cinema depois divulgou -, só havia exploração imperialista
e palmeiras, mais nada. Na época moderna, para nós, classe
dirigente, minha amiga, só há um chamado – chamado da nota!
Eu não soube resistir ao chamado da nota! Sendo Rei da Vela,
banquei o Rei do Fósforo. Também me apossei do que pude!
Joguei numa terrível aventura, todas as minhas possibilidades!
Pus as mãos no que não era meu. Blefei quanto pude! Mas fui
vergonhosamente batido por um coringa… Pois bem! O Rei da Vela
não será indigno do Rei do Fósforo!…
(agita o revólver)
Francisco Buarque de Holanda nasceu no Rio de Janeiro no dia 16 de junho de 1944. Paulo
Pontes nasceu em Campina Grande, Paraíba, no dia 8 de novembro de 1940 e morreu no
Rio de Janeiro no dia 27 de dezembro de 1976. Escreveram juntos Gota D’Água em 1975. É
uma adaptação de Medéia, de Eurípides. Tal como na tragédia grega, Jasão, um sambista
morador da Vila do Meio-Dia, larga a mulher, Joana, para casar-se com Alma, filha do rico
empresário Creonte. Trata-se de um belo musical, com Joana sendo interpretada por Bibi
Ferreira na primeira montagem e direção de Gianni Ratto. Aqui o Desabafo de Joana para
Jasão, revendo tudo aquilo que passara com o marido ao saber que Jasão a trocara por
Alma.

JOANA
(GOTA D’ÁGUA DE CHICO BUARQUE E PAULO PONTES)
Pois bem, você vai escutar as conta que eu vou lhe fazer.
Te conheci moleque, frouxo, perna bamba, barba rala,
calça larga, bolso sem fundo, não sabia nada de mulher,
nem de samba e tinha um bruto medo de olhar pro mundo,
As marcas do homem, Jasão, uma a uma, hein,
tu tirou todas de mim.
O primeiro filho, o primeiro prato, o primeiro violão,
o primeiro refrão, o primeiro estribilho, te dei cada
sinal do teu temperamento, te dei matéria prima
para o teu tutano, e mesmo essa ambição, que nesse
momento se volta contra mim, eu te dei por engano!
Fui eu, Jasão, você não se encontrou na rua não!
Você andava tonto quando eu te encontrei,
fabriquei energia que não era tua, pra iluminar uma
estrada que eu te apontei,
e foi assim, do nada, que eu vi nascer uma alma ansiosa,
faminta, preguiçosa, uma alma de homem, enquanto eu,
enciumada dessa explosão, ao mesmo tempo vaidosa
e orgulhosa de ti, Jasão, era feliz, eu era feliz Jasão,
feliz e iludida, porque o que eu não sabia, quando eu fiz meus
dez anos, há mais uma sobrevida, pra completar a vida
que você não tinha, é que eu estava desperdiçando o meu
alento, tava vestindo boneco de fuinha, assim que bateu
um primeiro pé de vento, assim que despontou o segundo
horizonte, lá se foi meu homem, orgulho, minha obra completa,
lá se foi pro acervo de Creonte. Certo, o que eu não tenho,
Creonte tem de sobra, prestígio, posição, o teu samba vai
tocar em tudo quanto é programa, tenho certeza que a Gota D’Água
não vai para de pingar de boca em boca, mas em troca pela
gentileza, vai me engolir a filha, aquela mosca morta, como
engoliu meus dez anos, é esse o preço, ahn? dez anos?
até que apareça uma outra porta que te leve direto pro inferno
Aguenta a vida rapaz! Só de ambição, sem amor, tua alma
vai ficar torta, desgrenhada, aleijada, pestilenta, aproveitador!
Aproveitador! Aproveitador!
Fechamos esta série de solilóquios de teatro com um muito especial. Marcos Vinicius da
Cruz e Melo Moraes nasceu no Rio de Janeiro no dia 19 de outubro de 1913 e lá morreu no
dia 9 de julho de 1980. Orfeu da Conceição foi escrita em 1954 e marca a parceria musical
de Vinicius e Tom Jobim. A peça reconta o mito de Orfeu, que vai ao mundo dos mortos
atrás de sua amada Eurídice. Nesta versão, Orfeu é um condutor de bonde e sambista que
se apaixona pela jovem Eurídice, moça do interior, no Carnaval. O amor de ambos desperta
os ciúmes de Mira, ex-noiva de Orfeu. Tal qual no mito, Eurídice morre e Orfeu desce às
profundezas buscá-la. A peça contém músicas que se tornaram clássicos de Vinicius e Tom.
Eis o famoso e belíssimo monólogo de Orfeu.

ORFEU
(ORFEU DA CONCEIÇÃO DE VINICIUS DE MORAES)
Mulher mais adorada!
Agora que não estás, deixa que rompa
O meu peito em soluços! Te enrustiste
Em minha vida; e cada hora que passa
E’ mais por que te amar, a hora derrama
O seu óleo de amor, em mim, amada…
E sabes de uma coisa? cada vez
Que o sofrimento vem, essa saudade
De estar perto, se longe, ou estar mais perto
Se perto, – que é que eu sei! essa agonia
De viver fraco, o peito extravasado
O mel correndo; essa incapacidade
De me sentir mais eu, Orfeu; tudo isso
Que é bom capaz de confundir o espírito
De um homem – nada disso tem importância
Quando tu chegas com essa charla antiga
Esse contentamento, essa harmonia
Esse corpo! e me dizes essas coisas
Que me dão essa força, essa coragem
Esse orgulho de rei. Ah, minha Eurídice
Meu verso, meu silêncio, minha música!
Nunca fujas de mim! sem ti sou nada
Sou coisa sem razão, jogada, sou
Pedra rolada. Orfeu menos Eurídice…
Coisa incompreensível! A existência
Sem ti é como olhar para um relógio
Só com o ponteiro dos minutos. Tu
És a hora, és o que dá sentido
E direção ao tempo, minha amiga
Mais querida! Qual mãe, qual pai, qual nada!
A beleza da vida és tu, amada
Milhões amada! Ah! criatura! quem
Poderia pensar que Orfeu: Orfeu
Cujo violão é a vida da cidade
E cuja fala, como o vento à flor
Despetala as mulheres – que ele, Orfeu
Ficasse assim rendido, aos teus encantos!
Mulata, pele escura, dente branco
Vai teu caminho que eu vou te seguindo
No pensamento e aqui me deixo rente
Quando voltares, pela lua cheia
Para os braços sem fim do teu amigo!
Vai tua vida, pássaro contente
Vai tua vida que eu estarei contigo!
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