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EXPERIMENTANDO

Ano XVII, n° 24, Junho/2005 139

Motrivivência Ano XVII, Nº 24, P. 139-149 Jun./2005

PRÁTICA PEDAGÓGICA EM EDUCAÇÃO


FÍSICA: a importância do pressuposto
epistemológico no processo de ensino

Daniel Minuzzi de Souza 1 , Daniele Rorato Sagrillo 2


Liliane Nobre Lima 3 , Maristela da Silva Souza4

Resumo Abstract
Este trabalho objetiva demonstrar a This objective work to demonstrate the
importância da opção epistemológica no importance of the epistemologic option
processo de ensino. Com esse fim in the education process. With this end
utilizamos a experiência desenvolvida na we use the experience developed in
disciplina de estágio profissionalizante discipline of professionalizing period of
em Educação Física, no projeto “Criança training in Physical Education, in the
Cidadã” do Centro de Educação Física e project “Criança Cidadã” of the Center of
Desportos da UFSM. O Projeto utiliza Physical Education and Sports of the
como base epistemológica o Materialismo UFSM. The Project uses as epistemologic
Histórico e Dialético que se baseia base the Historical Materialism and
especificamente nos passos Dialect that if bases specifically on the
metodológicos sistematizados por Saviani metodologics steps systemize by Saviani
(1997). Realizamos uma análise (1997). We carry through a

1
Aluno da disciplina de estágio profissionalizante.
2
Professora orientadora do estágio.
3
Aluna da disciplina de estágio profissionalizante.
4
Professora CEFD/UFSM. Orientadora do estágio.
140

epistemológica, buscando explicitar epistemologic analysis, searching to


porque optamos por este pressuposto explicit because we opt to this estimated
científico como também, intervimos, scientific as also, we intervine, of
pedagogicamente, em uma escola pedagogical form, in a school of basic
deensino fundamental. education.
Palavras-chave: epistemologia, educa- Keywords: epistemology, physical
ção física, materialismo histórico education, historical materialism

Introdução to escolar, e sim, com o processo de


formação acadêmica, especificamen-
Acreditamos que a pedago- te nas disciplinas de prática de ensi-
gia que desenvolve práticas individu- no e estágio profissionalizante.
alistas, competitivas e autoritárias, O presente trabalho, en-
concepção própria da sociedade capi- tão, tem o objetivo de demonstrar
talista, influência fortemente o espa- a importância da opção epistemo-
ço escolar. Para isso, defendemos ser lógica no processo de ensino da EF
necessário, por parte dos educadores, escolar. Para isso, usamos como re-
leitura crítica e apurada da realidade, ferência a experiência desenvolvida
que os leve a problematizar a sua vi- na disciplina de Estágio Profissi-
são social de mundo, de maneira a onalizante em EF, realizada durante
assumir posição política/pedagógica o segundo semestre do ano de 2003
frente ao seu ato educativo. Isso im- no Projeto Criança Cidadã5 do Cen-
plica em entender os caminhos do co- tro de EF e Desportos da Universi-
nhecimento e seus projetos científi- dade Federal de Santa Maria, no
cos, que se anunciam nas concepções período de 08/09/2003 à 07/12/
pedagógicas, que trazem visões de 2003. O Projeto utiliza como
mundo diferentes, estabelecendo for- referencial teórico, o Materialismo
mas pedagógicas específicas. Histórico e Dialético, que se baseia
Este propósito, ao nosso metodologicamente nos passos sis-
ver, não se desenvolve a partir do tematizados por Saviani (1997). Nes-
momento em que o aluno adquire se período, foi realizado através de
seu diploma e insere-se no contex- grupos de estudos, gerais e especí-

5
No atual momento, o Projeto Criança Cidadã denomina-se Linha de Estudos Epstemológicos e
Didáticos em EF Escolar –LEEDEFE -, por acreditarmos que essa denominação melhor se aproxima
da totalidade das atividades que o grupo de trabalho atualmente desenvolve.
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ficos, uma análise epistemológica sociais passa a modificar-se, tornan-


onde buscamos explicar o porque do-se predominante, dando início à
optamos por esta metodologia. Além Idade Média. A crença em Deuses
desse estudo do conhecimento e recorre à divindade cristã, que mar-
concomitante a esse, fizeram parte ca o período medieválico. O enten-
do estágio a intervenção pedagógi- dimento de natureza não mais se
ca realizada na Escola Municipal de compatibiliza com a visão antiga e
Ensino Fundamental Vicente passa a ser um âmbito criado por
Farencena localizada no bairro Deus, que reside fora dela, determi-
Camobi na cidade de Santa Maria/RS. nando seus movimentos, inclusive
a determinação do próprio sujeito.
A lógica formal e a lógica Em nome de Deus estabelece-se
uma hierarquia, no qual alguns pas-
dialética no processo de
sam a administrar a sociedade e
produção do conhecimento muitos a contemplá-la.
O sujeito perde na Idade
Em um primeiro momento Média sua naturalidade, ao mesmo
para fundamentar a metodologia uti- tempo em que vem despensando
lizada, fez-se necessário uma análise Deus de sua vida. Muitos aconteci-
epistemológica, passando pelo pro- mentos ocorreram em termos eco-
cesso de apreensão da construção do nômicos e de pensamento, do qual
conhecimento, no sentido de enten- resultou uma mudança de sistema
der que as explicações para os fatos econômico, dando início à Idade
foram concedidas na relação Sujeito Moderna. Prevalece neste período,
x Deus/Mito x Natureza que se de- a idéia de que Deus esta fora da na-
ram nos períodos da Antigüidade, tureza, porém o sujeito toma, tam-
Idade Média e Modernidade sob vi- bém, posição fora dela, enquanto
sões diferentes, a partir das circuns- seu dominador, enquanto divinda-
tâncias de cada momento, legitiman- de. E é esta a idéia que predomina,
do formas contraditórias de pensa e transferindo a preocupação Deus-
agir nas sociedades humanas. Sujeito presente na Idade Média à
Na Antigüidade, desde as preocupação Sujeito-Natureza, na
primeiras explicações racionais até modernidade.
o conhecimento cientifico desenvol- Neste contexto, os cientis-
vido no museu de Alexandria, não tas naturais conquistam direitos ex-
excluem a presença divina na natu- clusivos, pelo fato do conhecimento
reza, sendo que a ideologia religio- desenvolvido nas ciências naturais
sa, juntamente com as mudanças apresentarem-se dotado de sentido
142

que viria a dar conta da palavra de dência sua correlação e suas inter-
ordem que prevalecia: o progresso. dependências necessárias. O conhe-
Para o alcance do progres- cimento fica no plano do entendi-
so, a necessidade consistis na busca mento imediato das coisas, englo-
de leis universais naturais baseado bando apenas o que se encontra na
no estudo da mecânica, do qual o superfície dos objetos.
universo passa a ser regido por leis Porém, é lançada à realida-
universais. Com este sentido, os ci- de humana outra perspectiva de ra-
entistas sociais procuraram, tam- zão quando surge na segunda me-
bém, a melhor maneira de garantir tade do século XIX, na esteira dos
este conhecimento exato, que se movimentos revolucionários, a Te-
constituiu através do positivismo, oria Marxista que em sua composi-
teoria da ciência que propõe à soci- ção articula dois conjuntos de co-
edade uma ordem a fim de garantir nhecimentos, o Materialismo
Dialético que é a sua filosofia e o
o progresso social (LÖWY, 1994).
Materialismo Histórico que é a teo-
A teoria positivista, então,
ria científica do Marxismo, ou seja,
toma frente não somente na concep-
é a aplicação do Materialismo
ção de sociedade, mas também na
Dialético na história, podendo as-
concepção de conhecimento cientí- sim também ser denominada de
fico. Assim a razão transforma-se em Materialismo Histórico Dialético.
objeto operacional, estabelecendo Marx e Engels propõem
uma lógica formal de apreensão do uma lógica materialista-dialética para
conhecimento, no plano do pensa- entendimento de sujeito e para a
mento. Cheptulin (1982) nos escla- construção do conhecimento. Segun-
rece que a lógica formal desconhe- do eles, os fenômenos materiais são
ce o problema da modificação das processo, sendo o princípio último
formas do pensamento no curso do da realidade a própria matéria. A
desenvolvimento do conhecimento. matéria é um princípio dinâmico,
Na lógica formal, as formas do pen- ainda não construído, está em pro-
samento não são consideradas nem cesso, evolui dialeticamente, segun-
em movimento nem em desenvol- do a tríade tese, antítese e síntese.
vimento, mas sim como estáticas e Nesse sentido, Cheptulin
imutáveis umas ao lado das outras. (1982), nos diz, fundamentado em
A partir desse fato, os sistemas de Marx (1983), que a lógica Dialética
classificação elaborados não refletem nos permite chegar à essência do
o processo histórico do surgimento fenômeno, ultrapassando a sua apa-
e do desenvolvimento das formas do rência. Vejamos como Cheptulin
pensamento, nem colocam em evi- (1982) explica esta questão.
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No primeiro estágio do tação visual, sensível e caótica do


conhecimento, no estágio da intui- todo, ele reflete a natureza interna
ção viva, aparecem e formam-se con- das formações materiais.
ceitos concretos que refletem o ob-
jeto ou o fenômeno na totalidade
A prática pedagógica
de suas propriedades e de seus as-
pectos. Mas o concreto neste está-
Com a clareza das teorias
gio é apenas sensível. É uma repre-
acima mencionadas, direcionarmos
sentação desordenada, caótica do
o nosso ato educativo na escola,
todo e, por essa razão, o conceito
funde-se com as representações e comprometendo-nos pedagogica-
aparece como uma representação mente em oferecer a possibilidade
concreta–sensível. Depois, quando aos nossos alunos (as) de apropria-
o sujeito conhecedor analisa os da- rem-se do conhecimento de forma
dos concretos–sensíveis, começa a que superem o entendimento ime-
distinguir os diferentes aspectos e diato das coisas – especificamente
propriedades dos objetos estudados no âmbito da cultura corporal -
e passa do singular para o geral, e rumo ao entendimento mais elabo-
então, aparecem e se formam con- rado dessas. Entendemos que ao
ceitos abstratos que refletem apenas apropriar-se de um objeto de ensi-
certos aspectos dos objetos e dos no – conteúdo – os alunos acrescen-
fenômenos. Mas, à medida que o tam novos dados na história corpo-
conhecimento humano em desen- ral, e ao mesmo tempo, apresentam
volvimento penetra na essência das a possibilidade de refletir sobre a sua
formações materiais estudadas, re- prática social.
produz na consciência, passando de Baseados, então, na lógi-
um elo a outro, todo o sistema de ca dialética de apreensão do conhe-
ligações e de relações necessárias e cimento, utilizamos os passos sis-
internas, então aprecem novamen- tematizados por Saviani (1997) que
te conceitos concretos. Mas esse serviram de base para a organiza-
concreto, ao contrário do concreto ção e sistematização de nossas au-
que apareceu no estágio inicial do las6 . Segue-se então, o exemplo de
conhecimento, não é uma represen- uma aula de Esporte Individual Gi-

6
Esta proposta apresenta-se de maneira mais aprofundada em Souza, M.S. Conhecimento teórico
metodológico em Esporte Escolar: Possibilidade Superadora no plano da Cultura Corporal. Tese de
Doutorado. UFSM/CEFD, 2004.
144

nástica 7 . Para a elaboração desta alunas. O professor(a) através de seu


aula usamos como fundamentação conhecimento sintético apresenta per-
teórica básica, referente ao conteú- cepção da totalidade no que condiz
do de ginástica, os textos: Ginástica ao entendimento de que o saltar, arti-
do Livro Metodologia do ensino de culado com outros fundamentos
EF (1992) de um Coletivo de Auto- como equilibrar, trepar, embalar/balan-
res e o texto Repensando a çar e rolar/girar constituem a cultura
Genealogia da Ginástica (1992) de corporal da ginástica. Seu conheci-
autoria da Profª Ana Márcia Silva. mento sintético permite também en-
tender o saltar com o significado de
Plano de aula desprender-se da ação da gravidade,
Conteúdo: Ginástica Artística ou manter-se no ar e cair sem se machu-
Olímpica car. No entanto, o nível de compreen-
Fundamento: Saltar são dos alunos e das alunas, referen-
Turma: 6ª série do ensino funda- te ao conhecimento saltar, ele não
mental pode conhecer neste momento, o que
Objetivo: Através do conteúdo ginás- torna a sua síntese precária. Já os alu-
tica artística ou olímpica, proporci- nos e as alunas apresentam uma vi-
onar a apropriação do fundamento são sincrética, porque por mais expe-
saltar de maneira a desenvolver o riências que já tenham realizado com
entendimento de historicidade pre- a prática do saltar, sua condição de
sente nas objeti- vações culturais das aluno limita a sua experiência ao ní-
práticas corporais.
vel do imediato.
O professor, então, no pri-
1º passo: prática social - saltar meiro momento da aula, pedirá à
turma que a partir de suas experi-
O fundamento saltar signi- ências corporais acumuladas no dia-
fica o ponto de partida, o que é co- a-dia ou através das experiências já
mum ao professor e aos alunos e vivenciadas entre outras aulas de EF,

7
Optamos, no desenvolvimento deste relato de experiência ressaltar a importância do pressuposto
epistemológico no processo de ensino, tomando cuidado para não cair no que Bracht (1999) diz
que é comum acontecer enquanto expectativa: O entendimento de que a teoria deve ter como
tarefa oferecer um conjunto de prescrições, as chamadas receitas ou como nos alerta Saviani na
apresentação do livro de Wachowics (1985, p.7): “Há os que imaginam que uma concepção
dialética de educação corresponde uma pedagogia dialética e, por conseqüência, uma didática
dialética. Assim, pensando, esperam por uma nova didática construída no seu todo, com regras
claras e acabadas, prontas para ser aplicadas pelo professor em suas salas de aula. Nesta expectativa
não se dão conta de que é precisamente a concepção dialética que desautoriza tal entendimento”.
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experimente livremente variações ginásio...) causam sensações de pra-


do saltar com ou sem aparelhos ofi- zer ou de medo?
ciais ou alternativos que se apresen- - Vocês acham que o sal-
tam disponíveis. tar que foi realizado aqui na escola
ou que vocês realizam nas práticas
2º passo: problematização diárias, apresentam o mesmo signi-
ficado do saltar realizado na ginás-
A partir do conhecimento tica olímpica desportiva que vocês
do saltar vivenciados/demonstrados assistem na televisão? O que muda?
pelos alunos e pelas alunas em aula Porque se deu esse processo de
é o momento de confrontar esse co- mudança?
nhecimento popular com o saber ci-
entífico da escola. Com o objetivo de 3º passo: instrumentalização
que através da apropriação do saltar
os alunos desenvolvam o entendi- A partir do diálogo estabe-
mento de historicidade e sua impor- lecido no momento da proble-
tância no processo do vir-a-ser huma- matização, torna-se necessário,
no, o professor(a) levantará questões instrumentalizar os alunos e as alu-
que precisam ser resolvidas no âm- nas de maneira que estes se apro-
bito da prática social do saltar, para priem da prática do saltar como fer-
que os alunos e as alunas consigam ramenta cultural, capaz de servir
atingir o objetivo estabelecido. como mediação para uma leitura
- Vocês conseguiram perce- mais apurada da realidade.
ber os diferentes momentos do sal- A instrumentalização, para
tar? Perda do contato com o solo? efeitos didáticos, será dividida em
Fase de permanência no ar (vôo) e a partes:
queda? 1ª parte- O professor(a) pe-
- Vocês acreditam que os dirá que os alunos e as alunas, em
saltos variam de acordo com o tipo pequenos grupos experiencie dife-
de impulsão? Quando se salta reali- rentes saltos, onde através da ob-
zando a impulsão com os dois pés, servação do movimento do compa-
que tipo de salto resulta? Quando nheiro e através do sentir o seu pró-
se salta realizando a impulsão com prio movimento tenham a oportu-
um pé, que tipo de salto resulta? nidade de perceber/sentir a combi-
- E os saltos sobre os apa- nação de movimentos executados
relhos ou sobre os desafios que apre- pelo corpo, que constituem as dife-
sentam o contexto da escola (pátio, rentes expressões do saltar, como
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por exemplo: a)Salto grupado; b)Salto (atletismo, handebol, basquete...)


em extensão; c) Salto Tesoura; d)Salto passa a ser controlado, causando
spagat. uma seleção entre os praticantes e
2ª parte- No decorrer desta conse- quentemente, a competição
apropriação corporal, dos diferentes entre estes torna-se mais forte. Nes-
saltos, o professor(a) proporcionará te sentido, na ginástica artística, es-
o entendimento, através do diálo- pecificamente, o sentido a ser atin-
go, de que o saltar acompanhou o gido é o do modelo desportivizado.
ser humano no seu processo de tor- Progressivamente, a prática sim-
nar-se humano, sendo objetivado ples do saltar, realizado por crian-
quando o ser humano precisou de ças e adolescentes em inúmeros
gestos corporais mais explosivos e lugares (praças, campos, ruas, es-
dinâmicos na sua relação com os colas...) é substituída pela prática
outros e com a natureza. Neste pro- com assistentes pagantes. Novas
cesso histórico, os gestos humanos regras, alterações de ângulos de
foram sendo aperfeiçoados/refinados apoio, aparelhos, vestuário, vão
para dar conta das circunstâncias sendo alterados com o fim expres-
históricas, sejam elas de trabalho ou sivo da circulação de capital.
do brincar. Esta última, foi respon- 3ª parte – Através da rela-
sável pela criação dos jogos e ginás- ção entre esse momento de desen-
tica populares, que sob a harmonia volvimento do fazer corporal do sal-
de diferentes expressões (caminhar, tar mais o momento do diálogo, o
correr, lançar...) trataram de dar con- professor lançará um desafio aos
ta da dimensão lúdica do ser huma- alunos, que consiste na criação de
no. Porém, a contradição presente uma seqüência de movimentos que
no processo histórico, representada combinem os diferentes saltos, bem
pelos valores dominantes da cultu- como a sua exibição com o fim de
ra moderna (competição, individua- demonstrar o trabalho coletivo e
lismo, selecionamento...), encarre- proporcionar o momento da avalia-
garam-se de apropriar-se da cultura ção que será realizado pelo grupo.
popular, impreguiná-la com os va-
lores da lógica do mercado e 4º passo: catarse
devolvê-la ao povo, sem os seus sig-
nificados originais. Com a prática do Momento em que ocorre a
saltar, o processo não é diferente. O ruptura com o entendimento menos
saltar que hoje, se faz presente na elaborado sobre o saltar e este pas-
ginástica artística desportiva e em sa a ser elemento cultural capaz de
outras modalidades olímpicas transformação. Nesta aula, trata-se
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do momento em que os alunos com- O processo do conhecimen-


preendam que a transformação his- to inicia-se pela prática social (conhe-
tórica presente no salto é humana e cimento caótico do todo), passando
como tal, digno de transformação pelo momento da problematização
quando constitui-se em um meio (contradições), instrumentalização
prático de resolver problemas que (apropriação do conhecimento histo-
afetam/afetarão os interesses coleti- ricamente acumulado), catarse (tota-
vos da turma como problemas de lidade - entendimento mais elabora-
raça, gênero e diferenças de habili- do), chegando a prática social (con-
dades corporais que poderão causar creto-pensado). Lembrando que este
momentos de discriminação. caminho, que devemos trilhar, é um
caminho de ida e de volta, que se dá
5º passo: pática social - saltar através da dialética materialista, par-
tindo do concreto-empirico ao con-
O saltar significa também creto-pensado.
o ponto de chegada, não mais en-
tendido de forma sincrética pelos
alunos e não mais entendido de for- Considerações finais
ma sintética e precária pelo profes-
sor, pois ambos chegam a uma com- Através desta breve funda-
preensão sintética do saltar. mentação, percebemos que não
Com a criação da seqüên- alheio ao quadro apresentado no
cia de movimentos que combinaram contexto moderno, a produção do
os diferentes saltos, juntamente com conhecimento em EF / Ciências do
a avaliação feita pelo grupo, se reali- Esporte, segue o modelo de
zou o caminho de volta, do saltar em racionalidade científica moderna (SIL-
sua imediaticidade, para o saltar, ago- VA, 1990). A cientificidade proposta
ra, concretizado, rico em determina- para a EF e esporte passou sobretu-
ções e relações. do a ser apreendida no âmbito da EF
Relacionando os cinco pas- escolar, que assumiu os princípios da
sos propostos por Saviani (1997) com modernidade, como a competição e
o método da passagem do abstrato a racionalidade técnica.
ao concreto proposto por Marx Dessa forma, no âmbito da
(1983), temos a seguinte lógica: EF escolar, através de uma aborda-
TESE (concreto) Î ANTÍTESE Î (abstrações) Î SÍNTESE (concreto-pensado)

ÎIsso se deu nas relações da prática pedagógica.


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gem “naturalística da história8 ” ex- tas atividades foram construídas em


pressão humana e leis naturais co- determinados momentos históricos
incidem (SOUZA, 2004). em resposta a determinadas necessi-
Sob esta perspectiva a prá- dades. Juntamente vem a compreen-
tica pedagógica da EF escolar é são de que enquanto sujeito históri-
estabelecida na relação certo/errado, co, poderá criar suas atividades/jogos,
bom/ruim, no qual o professor toma que podem vir a ser realizadas/joga-
a decisão, não proporcionando a das por outras pessoas no decorrer
problematização/contextualização da história, construindo, dessa for-
dos acontecimentos. O aluno, então, ma, novas culturas corporais.
se apropria do conhecimento, no Na experiência desenvolvi-
plano do pensamento, de maneira da, o salto qualitativo realizado pe-
a-critica, não compreendendo como los alunos foram evidenciados nas
se estabelece as complexas relações falas dos mesmos e nos momentos
na construção do mundo e não se em que se realizou “o caminho de
vê como sujeito desta construção. volta”, ou seja, quando foi propor-
Já a apropriação do conhe- cionado aos alunos voltarem ao con-
cimento sob a lógica da Dialética teúdo e demonstrarem no contexto
Materialista, a experiência desenvol- prático uma articulação da experi-
vida no estágio profissionalizante, ência com o processo de análise (re-
demonstrou que a cada dia que pas- lação teoria e prática).
sava, os alunos superavam a visão No que se refere aos pro-
reducionista da realidade a medida fessores (estagiários), o processo de
que os conteúdos da Educação Físi- conhecimento alterou-se qualitativa-
ca eram entendidos como elemento mente pela mediação da ação peda-
da cultura, portanto fundamentais gógica, demonstrando a proviso-
na vida social como um todo. riedade da produção/apropriação do
O entendimento mais ela- conhecimento. Porém, vale salientar
borado sobre a cultura corporal, que uma das questões que se evi-
possível quando o aluno atinge o denciou nesta experiência foi o fato
momento catártico, faz com que ele de que a adesão a uma proposta de
compreenda, como nos diz Coleti- cunho transformador exige a clare-
vo de Autores (1992), que o sujeito za de seus pressupostos científicos,
não nasceu exercitando-se e prati- pois sem este entendimento, corre-
cando atividades padronizadas. Es- mos o risco de banalizarmos a sua

8
Expressão usada por Engels, Dialética da natureza, p. 172, no sentido de fundamentar o entendimento
dado ao processo social tendo como referencia os aspectos das leis naturais.
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sistematização e, dessa forma, não alista: Categorias e Leis da Dialé-


alcançarmos os seus reais objetivos, tica. São Paulo: Alfa - Ômega,
restando uma prática frustrada e a 1982.
conclusão de que o movimento crí- COLETIVO DE AUTORES. Metodo-
tico constitui-se em uma mera logia do ensino da Educação
teorização sem a possibilidade de Física. São Paulo : Cortez, 1992.
desenvolvimento prático. ENGELS, F. Dialética da natureza.
Por essas razões, o Projeto Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1979.
Criança Cidadã entende que um pro- LÖWY, M. As aventuras de Karl Marx
jeto pedagógico que direcione a área contra o Barão de Münchhausen:
da EF deve contemplar em seu in- marxismo e positivismo na
terior, uma lógica de conhecimento sociologia do conhecimento. São
que permita a apreensão, no plano Paulo: Cortez, 1994.
do pensamento, do movimento con- MARX, K. Contribuição à crítica da
traditório presente na realidade so- economia política. São Paulo:
cial e, conseqüentemente, no univer- Martins Fontes, 1983.
so de conhecimento da EF. Enten- SAVIANI, D. Escola e Democracia:
demos, também, que o professor Polêmicas do nosso tempo.
que almeja a transformação, deve Campinas – SP: Autores e
apropriar-se de uma base episte-
associados, 1997.
mológica coerente com seu projeto
SILVA, R.V.S. Mestrados em Educação
social, pois como nos declara
no Brasil: pesquisando suas
Vazquez (1968): “A teoria em si (...)
pesquisas. Dissertação de Mes-
não transforma o mundo. Pode con-
trado . Santa Maria : UFSM, 1990.
tribuir para a sua transformação,
VAZQUEZ, A. S. Filosofia da práxis.
mas para isso tem que sair de si
Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1968.
mesma, e, em primeiro lugar tem
que ser assimilada pelos que vão WACHOWICS, L. A . O método
ocasionar, com seus atos reais, efe- dialético na didática. Campinas :
tivos, tal transformação” (p. 206). Papirus, 1985.

Contatos:
Referências souzamaris@bol.com.br

BRACHT, V. Educação Física e Ciên- Recebido em: set/2004


cia: Cenas de um casamento Aprovado em: dez/2004
(in)feliz. Ijuí : Unijuí, 1999.
CHEPTULIN, A. A Dialética Materi-

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