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O século XIX foi um período de mudanças. Momento cujas instituições sociais, culturais,
políticas, econômicas e religiosas movimentavam-se para a adequação ou para a resistência às
novas regras do capitalismo central. Entretanto, o processo de emancipação do Brasil e do
término da escravidão fomentaram reestruturações na sociedade brasileira e baiana.
A Bahia, nesse período, passava por um processo de transição do modelo oligárquico agro-
exportador para o comercial exportador de matérias-primas e bens industriais de necessidade
secundária. O poder começava a migrar do grupo dos produtores de açúcar para os grandes
comerciantes.
Vale ressaltar que a Bahia, tanto no período colonial como no imperial, tinha no comércio
exportador seu maior nicho econômico, setor sustentado pela produção do açúcar e outros
produtos agrários, liderado pelos senhores de engenho.
Com a crise do açúcar baiano oriunda da conquista do mercado pelo açúcar das Antilhas, essa
elite entra em decadência voltando-se para outras atividades políticas - econômicas. O comércio
tornou-se uma saída de investimento oportuna; principalmente pelo incentivo do capital
externo, dentro de suas estratégias geo-políticas e econômicas. O crescimento desse setor
favoreceu o grupo social que já o dominava: os portugueses.
A partir da segunda metade do século XIX ocorreram novas investidas do capital externo no
Brasil e particularmente na Bahia, que gerou uma onda modernizadora. O projeto de
modernização incluía, basicamente, os setores que estavam deficientes para atender às
necessidades das elites locais e do capital externo, eminentemente europeu (inglês e francês).
Eram três as principais preocupações: organizar o setor de transportes, o setor financeiro e o
setor industrial. Outros setores econômicos e demais grupos sociais ficaram em segundo plano.
Essa nova reestruturação da sociedade baiana fomentou crises fortes, a exemplo da crise de
alimentos e da crise sanitária. A primeira deriva da concentração de investimentos no setor
exportador esvaziando a economia interna, especialmente, a de subsistência e a segunda, mais
complexa, deriva de uma tradição escravista e rural despreparada para gerir o espaço urbano.
Em meados do século XIX, os baianos viviam em habitações pouco salutares, conviviam com a
sujeira e com a pobreza. A população estava exposta, cotidianamente, aos riscos da fome e de
doenças, sendo um alvo fácil para epidemias e endemias.
A Salvador do século XIX não impunha separação rígida entre pobres e ricos no que diz respeito
aos locais das suas habitações. A Cidade Alta era composta por cinco freguesias vizinhas e
centrais: Santo Antônio Além do Carmo, Passo, Santana, São Pedro, e a Sé que reunia o palácio
do governo, o prédio da Câmara Municipal, a sede do Arcebispado e a Faculdade de Medicina,
fundada em 1832. Nessa área da Província, residiam senhores de engenho, comerciantes,
funcionários civis, eclesiásticos, escravos e libertos habitantes dos subsolos dos sobrados. A
Freguesia de Nossa Senhora da Conceição da Praia abrigava várias famílias dos caixeiros e dos
comerciantes portugueses.
A distinção dos grupos sociais existentes em Salvador era identificada através da tipologia das
casas e pelas condições de moradia. As habitações dos pobres e dos escravos eram pouco
arejadas, carentes de luz, com excessiva umidade e calor. Essas edificações eram contrastadas
por casarões de pessoas de posses, com muitas janelas e áreas de ventilação possibilitando
iluminação natural. Era inexistente nas habitações, independente da classe social, um sistema de
esgotamento sanitário. Os excrementos eram despejados em barris e destinados aos rios e
praias. O sistema de esgoto da cidade era desorganizado, resumia-se a precárias galerias
isoladas, feitas na medida em que aumentava a população, que transitava por um cenário que
exibia lixo, animais mortos, ruas cortadas por valas descobertas. Além da falta de higiene, a
capital baiana foi ameaçada pela escassez de alimentos, causada pela seca que possibilitou o
aparecimento e disseminação de epidemias. As moléstias que se fizeram presentes nesta
rotatividade epidemológica foram: varíola; tuberculose; impaludismo; beribéri; peste bubônica;
febre tifóide; disenterias e lepra.
A Segunda, foi a criação do dispensário em Bom Despacho, na Ilha de Itaparica. Nesse recinto
eram realizadas as desinfecções necessárias e na ocorrência de morte, o sepultamento era
realizado no cemitério especial, localizado em um anexo do dispensário.
Nessa época os mortos e os cemitérios eram tidos como os responsáveis pela contaminação dos
indivíduos através do solo e da exalação de gases, por isso, eram alvos de constante fiscalização.
Mortos de doenças transmissíveis tinham um tratamento especial no momento do
acompanhamento do féretro e do sepultamento e eram enterrados em caixão de zinco e
observadas as mais rigorosas regras de desinfecção.
Uma das epidemias de maior impacto foi a Cólera Morbus. Estima-se que na província baiana
ocorreram quarenta mil óbitos provenientes da cólera. Em Salvador, com base nos dados oficiais,
o número chegou a 3.962 pessoas. O cemitério do Campo Santo, um dos principais da cidade,
recebeu 1.167 cadáveres de coléricos.
O presidente da Província da época, Dr. Álvaro Tibério de Morcovo e Lima diante da caótica
situação recorreu ao corpo médico com a esperança de reduzir a ação do morbus e anunciou
diversas providencias que deveriam ser tomadas: instruções sanitárias para a população; visitas
domiciliares para verificar as condições higiênicas do recinto; abertura de postos sanitários e
hospitais; fornecimento a todas as boticas dos medicamentos receitados para combater a
doença, com distribuição gratuita; convocação de todo o corpo médico disponível na Província e
regiões vizinhas; impedimento de enterros dentro das cidades, vilas e povoações; criação de
cemitérios e, desinfecção das casas, templos e cemitérios existentes, para evitar proliferação.
A concepção de medicina urbana da época, não era de uma medicina centrada nos homens,
corpos e organismos, mas, no meio que o cercava; o ar, a água, a estrutura das ruas, ou seja,
uma medicina que priorizava as condições de vida, sem necessariamente observar às
conseqüências das reestruturações urbanísticas na vida dos homens.
Foi neste contexto histórico que cidadãos portugueses idealizaram e criaram as Sociedades de
Beneficência.