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QUARTA-FEIRA, AGOSTO 08, 2007

INTRODUÇÃO AO BAIXO CONTÍNUO E RECITATIVO

INTRODUÇÃO AO BAIXO CONTÍNUO E RECITATIVO

Guilherme Daniel B. Mannis[1]


e Emanuel Martinez[2]

INTRODUÇÃO
Este trabalho pretende expor ao leitor um pouco da história de uma estrutura
musical que foi base de toda a teoria e composição musical até aproximadamente
1800. Esta estrutura chama-se baixo contínuo, teve início no século XVI e só perdeu
terreno no final do século XVIII, devido a mudanças de concepções musicais. A
história da música é uma sucessão de negações a períodos anteriores, e ao
negarem a concepção composicional barroca, no início do classicismo, tanto a
teoria do baixo contínuo, como a improvisação, até então muito utilizada, tiveram
grande declínio.

A meu ver, o baixo contínuo é uma forma tão ou mais eficiente de se analisar
músicas quanto as outras teorias harmônicas. Em certas teorias harmônicas como a
harmonia funcional e tradicional, há diversas falhas e incoerências analíticas (como
por exemplo, acordes sem fundamental, acordes em segunda inversão com quinta
no baixo, etc.). Problemas como estes seriam de fácil resolução numa análise a
partir do baixo contínuo, teoria que só lida com os intervalos entre as notas.
Alem disso, a execução do baixo continuo ao teclado é muito importante para
regentes, pois além de desenvolver raciocínio musical, percepção, harmonia e
contraponto, entre outros, facilita o estudo de partituras (ajuda no aprendizado de
leitura de grades, tão essencial para a profissão).

No quinto item do trabalho falarei um pouco sobre técnicas de execução. Este item,
como todos deste trabalho, não pretende ser completo, atentando para apenas
alguns aspectos numa imensidão de obras e compositores da época. Para um
melhor entendimento do trabalho, escrevi um apêndice explicando algumas
questões teóricas básicas do baixo contínuo.

DEFINIÇÕES

Primeiramente, antes de apresentar minha definição, gostaria de citar três


definições de compositores barrocos que lidaram amplamente com o aprendizado e
a técnica do baixo contínuo. É importante que saibamos a opinião de pessoas da
época, pois são as que mais tinham contato com a prática musical vigente.
Comecemos por Johann Mattheson (1681-1764), organista, cravista, cantor,
compositor e escritor musical alemão. Em seu método de baixo contínuo, Grosse
Generalbassschule, Mattheson escreve a seguinte definição (1735)[3]:
“(O baixo contínuo é ) Nada mais do que um baixo com figuras que indicam uma
harmonia. De acordo com as figuras deverão ser executados ao cravo acordes de
quatro notas.”

Passemos agora a definição de Johann David Heinichen (1683-1729), compositor


alemão, em sua obra Der Generalbass in der Komposition (1728):

“Nenhum entendedor de música pode negar que o baixo contínuo é um dos mais
fundamentais e importantes pontos do conhecimento musical, depois da
composição. Aliás, o baixo contínuo muitas vezes mistura-se à composição musical.
A execução do baixo contínuo não é nada mais do que uma composição de quatro
vozes a partir de um baixo dado.”

Para encerrar, observemos a opinião de Johann Sebastian Bach (1685-1750) sobre


o assunto:

“O baixo contínuo é a estrutura fundamental da música e é executada com ambas


as mãos, de modo que a mão esquerda toque as notas escritas e a mão direita
toque notas consonantes ou dissonantes às outras. Isto deve formar uma harmonia
agradável para a glória de Deus e o descanso do espírito.”

Fazendo uma pequena análise das definições, concluímos que a primeira aborda o
contínuo de uma maneira mais prática (execução de harmonias a partir de figuras),
e não fala nada sobre ornamentação. Já a segunda mostra um aspecto importante
da educação musical da época: o baixo contínuo era considerado vital para a
aprendizagem musical e principalmente para a composição musical (todos os
grandes compositores do período barroco, clássico e até romântico tiveram o baixo
contínuo como base de seu aprendizado musical). Bach já tem uma definição ligada
à teoria dos afetos, uma visão mais filosófica predominante no período barroco
"descansar o espírito".

O baixo contínuo consiste numa linha de baixo que podendo ou não ser figurada
evidencia ao executante a harmonia a ser executada (e improvisada).
As três questões mais importantes que dizem respeito à história e à técnica de
execução são as seguintes:

1) Por quê, como e onde esta técnica começou?

2) Quais são as harmonias grafadas e como o executante deve interpretá-las?

3) O executante deve tocar sozinho ou acompanhado por outros instrumentos? Se


acompanhado, por quais?

A prática do baixo contínuo não envolve apenas questões que concernem à


interpretação e ao estilo histórico, mas envolve outros tópicos do conhecimento
musical, como orquestração, improvisação, regência, contraponto e harmonia.
O termo baixo contínuo deriva provavelmente do compositor Ludovico Grossi da
Viadana (1564-1645)[4], que teve sua obra Cento concerti ecclesiastici ... con il
basso contínuo publicada e divulgada por toda a Europa. Viadana escolheu o nome
"contínuo" pois a linha fornecida ao acompanhamento não havia sido retirada da
linha vocal dos baixos (como era de costume), mas sim era uma linha independente
que percorria toda a composições sem interrupções.

ORIGEM
O baixo contínuo tem seu surgimento diretamente ligado ao renascimento e à busca
de antigas teorias gregas, nas quais, como afirmavam os teóricos renascentistas,
havia a predominância de um solista acompanhado por um instrumento.
A prática de contínuo provavelmente começou a se desenvolver na música secular
italiana no início do século XVI, vindo a ecoar na música sacra apenas no final do
século. Dois fatores principais foram essenciais ao surgimento do contínuo:

1) Renascimento da monodia acompanhada[5]

Na idade média e início de renascimento era mais relevante numa composição


musical a igualdade entre as vozes e a complexidade contrapontística. Já no
renascimento tardio, início do barroco há uma grande valorização da monodia
acompanhada, que seria derivada da prática musical grega. O baixo contínuo seria
então o acompanhamento desta monodia, inicialmente realizado em instrumentos
da família dos alaúdes (chitarrone, teorba) e posteriormente em instrumentos de
teclado (cravo, órgão e o regal)[6].

2) Praticidade

A maioria das canções acompanhadas no século XVI vinha com um


acompanhamento a quatro vozes, como se todas as vozes do coro estivessem
concentradas em um só instrumento. No entanto, a execução nem sempre era
possível, pois havia instrumentos acompanhantes de várias naturezas, como
instrumentos de cordas dedilhadas (alaúde, chitarrone, cítara, harpa, lira) e de
teclado. A execução das quatro vozes também já não era mais importante, pois a
importância maior estava na melodia solista. Para que estes problemas fossem
solucionados criou-se um sistema mais simples e eficaz para os acompanhamentos.
Além disso, houve um grande aumento na produção musical, de modo que a
maioria das cortes possuía um certo número de músicos profissionais e um órgão.
O desenvolvimento do contínuo ofereceu uma maior praticidade musical nas
seguintes funções:

a) segurar a afinação de coros;


b) substituir instrumentos originalmente especificados pelo compositor para uma
performance em outro local (dependendo da acústica de cada local, o que variava
muito);
c) substituir cantores por vozes instrumentais; na falta de um cantor sua voz seria
executada ao órgão;
d) substituir inteiramente um coro (celebrações menores, impossibilidade da
presença do corpo musical).
Havia também um problema em relação aos organistas: possuíam uma linguagem
própria de notação (tablatura) de modo que todos os acompanhamentos deveriam
ser transcritos para esta linguagem. O baixo contínuo eliminou esta transcrição e
poupou os organistas de possuírem várias coleções de transcrições para órgão.
As três primeiras publicações de baixos cifrados, isto é, que possuem cifras
explicando diretrizes para o acompanhamento, ocorreram entre outubro de 1600 e
fevereiro de 1601, e são as seguintes: Rappresentatione di Anima et di corpo, de
Emilio de Cavalieri[7], Euridice, de Giulio Caccini[8], e Euridice, de Jaccopo Peri[9].
No início não havia cifragem dos baixos; a técnica só começou a ser amplamente
utilizada a partir de 1610 (mesmo após a popularização da técnica, os compositores
continuaram a grafar de uma forma incompleta). Anteriormente possuíamos apenas
bemóis e sustenidos[10]. alterando a natureza do acorde. É também provável que a
técnica de cifragem seja também de algum ano anterior a 1600, pois foram
encontrados alguns manuscritos de Caccini que já possuíam este tipo de notação.
Vale ressaltar que os três compositores pertenciam à Camerata Florentina, de modo
que o método de cifragem pode ter saído desta academia de eruditos.
DESENVOLVIMENTO

Os tratados de contraponto do século XVI classificam os intervalos como números;


destes números vem a cifragem do baixo contínuo, que designam que intervalos
devem ser executados a partir da nota do baixo dado.

Nas primeiras peças cifradas há uma grande dificuldade na recomposição das


harmonias devido a grande imprecisão na grafia por parte dos compositores e
devido a variações de significados de região para região. Canções para contínuo de
compositores como Henry Purcell (1659-1695)[11] e Francesco Cavalli (1602-
1676)[12] foram arranjadas por eles próprios para vozes e cordas e o resultado
revela o quão distante estava a grafia da real intenção harmônica do compositor. Há
também confusões entre “6” e “b”, pois são símbolos parecidos e usualmente
grafados sem cuidado, de modo que pode haver muita confusão nestes casos[13].
Há dois principais problemas na reconstituição dos baixos do primeiro período:
1) Em algumas situações onde ocorrem determinadas cadências, não houve uma
especificação grafada pelo compositor. Certas cadências eram "fórmulas" pré-
estabelecidas na época que deveriam ser conhecidas pelo músico executante. Nos
trechos musicais em que ocorriam estas fórmulas, os compositores não se
preocupavam em notar algo, pois o intérprete já saberia solucionar este
problema[14]. Cabe a nós entender quais eram estas fórmulas pré-estabelecidas
estudando os tratados da época. Este problema ocorre no Vespro della Beata
Vergine, de Cláudio Monteverdi (1567-1643)[15].
2) De acordo com a prática composicional da época, havia também uma busca pela
contradição do óbvio, de forma que certas cadências eram alteradas a fim de criar
uma quebra maior da homogeneidade na composição. Isto também era comum em
Monteverdi.

Outro fato importante é o de que inicialmente os compositores especificavam a


oitava em que o intervalo deveria ser executado (por exemplo, havia diferença entre
11 e 4, havia símbolos como 13, 15, etc.). Esta prática caiu em desuso ao longo do
tempo.

Em relação aos tratados, podemos dizer que foram decisivos para a difusão da
técnica do baixo contínuo por toda a Europa. Um dos tratados que ajudou nesta
difusão, principalmente na Alemanha, foi o Syntagma Musicum de Michel Praetorius
(1571-1621)[16]. Em seu tratado, Praetorius, que tomara conhecimento de muitos
autores italianos, citou um prefácio de B. Strozzi defendendo que o baixo cifrado
poderia dar a oportunidade a organistas de executarem motetos de Palestrina[17]
de uma forma que o ouvinte não percebesse a utilização de uma notação diferente
da tablatura (considerada até então a notação mais perfeita para órgão). Vale
lembrar que a substituição da tablatura pelo contínuo teve certa resistência,
principalmente na Alemanha, onde perdurou até aproximadamente 1700.
Outro fator importante defendido pelos teóricos é o de que a prática de contínuo
poderia empobrecer o conhecimento musical, principalmente dos executantes, que
acabariam apenas lendo as cifras sem entender as razões específicas da execução
de cada acorde[18].

Além disso, a medida que o tempo passava, os tratados passaram a transmitir não
mais apenas a forma de interpretação da harmonia mas diretrizes calculadas para
improvisações contrapontísticas coerentes. Apesar da ampla divulgação, por volta
de 1675 o contínuo só estava completamente difundido na Itália; na Alemanha a
prática estava apenas em grandes cortes e capelas; já na França e Inglaterra só
estava disponível nas capitais. Havia certa resistência na adoção da técnica por
parte de alguns compositores como Heinrich Schütz (1585-1672)[19], que só
escrevia partes de contínuo a pedido do escritor, e o próprio Michel Praetorius, que
apesar de divulgar a técnica em seu tratado, não apreciava escrever partes
específicas cifradas. No final do século XVII estabeleceu-se o grupo instrumental
mais comum para a execução do baixo contínuo: um instrumento de teclado (cravo
e órgão, o cravo mais ligado a recitativos e o órgão mais ligado à música sacra)
acrescido de uma viola da gamba baixo ou um violoncelo. Apesar disso, há
exceções, como as sonatas de Arcangelo Corelli (1653-1713)[20], que requisitam o
alaúde além do órgão (formação muito recomendada anteriormente por
Monteverdi). Nas casas de ópera ainda havia uma grande quantidade de
instrumentos, aos quais era delegada a obrigação de acompanhar os cantores de
forma mais adequada. Cabia então ao cravista a função de improvisador, enquanto
os outros instrumentos seguravam a harmonia.

Já na primeira metade do século XVIII é criado um gênero muito importante, que


pode ter tido uma grande contribuição no declínio da técnica do baixo contínuo: a
sonata obbligato. O maior exemplo é a série de sonatas compostas por Bach para
flauta e cravo, cuja voz superior da parte de cravo era uma voz independente[21].
Esta voz freqüentemente responde e se contrapõe às melodias do solista[22].
Apesar das sonatas obbligato contribuírem no declínio da técnica do contínuo, elas
possuem um grande papel na reconstituição da técnica de improvisação da época,
de modo que oferecem muitas resoluções de problemas relativos à execução de
baixo contínuo na música de Bach[23].

Na primeira metade do século XVIII já podemos observar um declínio da técnica,


pelo fato dos compositores entenderem que já não era mais necessário um
instrumento de teclado para acompanhar quaisquer formações instrumentais. As
obras que ainda utilizavam contínuo possuíam com freqüência a inscrição tasto
solo, que significava a exclusão do instrumento de teclado durante determinado
texto. Muitas obras permaneciam quase inteiramente em tasto solo.

Ainda há, no entanto, algumas obras para contínuo durante este período e um dos
principais compositores desta fase foi Wolfgang Amadeus Mozart[24], que em suas
missas escrevia partes de contínuo, na maioria das vezes extremamente
complexas. Apesar da complexidade, o contínuo desta época não possuía a mesma
função barroca, ficando muitas vezes ocultado por outros instrumentos. Por causa
da complexidade (havia muita grafia) o contínuo não tem a mesma conotação
improvisativa dos períodos anteriores. Alem disso haviam os concertos para piano
nos quais Mozart pedia ao solista (inscrição col basso) que durante os tuttis tocasse
com a orquestra, prática comum na época. Era comum também em concertos que o
solista comandasse a orquestra, sendo o contínuo uma forma de coordenação da
de todos os músicos[25].

INSTRUMENTOS

Neste item abordarei a orquestração do contínuo, isto é, quais foram os


instrumentos utilizados ao longo do tempo. Primeiramente falaremos sobre a música
sacra, na qual o órgão foi predominante. Este instrumento foi o principal
acompanhante das funções litúrgicas da igreja.

Alguns órgãos possuíam também um jogo de cordas de cravo para o organista


utilizar durante os recitativos. Em alguns locais não era permitido que se tocasse
órgão durante a quaresma. Há também alguns estudos sobre a utilização da harpa
nas funções litúrgicas, sobretudo nos países da Península Ibérica[26]. Em relação a
registração do órgão, podemos dizer que foi um tema sempre muito controverso,
pois compositores e tratadistas da mesma época possuíam idéias e opiniões bem
diferentes. Compositores e tratadistas como Francesco Gasparini (1668-1727)[27],
Viadana e Praetorius afirmavam que não se deveria acrescentar registros mas sim
quantidade de vozes. Já Monteverdi recomenda na execução do Vespro della Beata
Vergine que sejam utilizadas três registrações[28] distintas para o órgão:

1) Principale - um principal de 8 pés;


2) Intermediária - Principal 8' 4' 2' ;
3) Organo Pleno - todos os registros de Principal mais as misturas.

Alguns tratadistas, como Johann Mattheson (1681-1764)[29], C. Ph. E. Bach (1714-


1788)[30] e Adlung (1763), falam em seus tratados que o organista deve executar
toda a voz do baixo na pedaleira, acrescentando 16'. Se não fosse possível a
execução na pedaleira devido a dificuldade do trecho, o organista deveria
acrescentar um 16' pés no manual. Como se pode observar, é uma visão muito
mais tardia e de um caráter mais romântico (quanto mais som, melhor)[31].
No entanto, é preferível que o organista escolha algo mais suave que o principal,
como flautas e bordões[32]. Principais são muito sonoros para a execução do
contínuo, cuja função é acompanhante e não solista. Para partes solenes o
organista deve utilizar registros de 8, 4 e 2 pés, enquanto que para trechos com
menor volume deve utilizar apenas 8 pés. A registração depende muito também da
acústica da sala (sala mais secas necessitam de mais registros) e do número de
instrumentistas e cantores acompanhados pelo órgão: quanto maior, mais registros.

Para trechos que possuam partes alternadas de tutti e solo o organista deve
preparar dois teclados com registrações distintas: uma mais forte e uma piano.
O cravo é outro instrumento de destaque na instrumentação de contínuo, cravos
com alguns registros e dois teclados têm a possibilidade de alteração de dinâmica.
O cravo foi amplamente utilizado nas funções de contínuo, principalmente em obras
com caráter mais recitativo. Quase todo o repertório de contínuo foi composto para
ser executado neste instrumento[33].

Sempre houve uma grande variedade de instrumentos acompanhantes, mas a


combinação principal estabilizou-se em um instrumento de teclado e um instrumento
de cordas friccionadas numa tessitura grave (gamba baixo ou viloncello).
Um ponto importante a ser ressaltado é a família dos instrumentos de cordas
dedilhadas. Instrumentos como alaúde, chitarrone, cítara, harpa, tiveram grande
importância no desenvolvimento da técnica. Em certas peças o regente, possuindo
três instrumentos executantes de contínuo diferentes como um órgão, um cravo e
um chitarrone, pode lidar com a instrumentação diminuindo ou aumentando o
volume do acompanhamento (para trechos em piano, apenas o chitarrone; para
trechos mais fortes os três instrumentos).

Temos alguns outros instrumentos acompanhantes e executantes de contínuo


principalmente na música profana, tais como fagote, sacabuxa e regal.
É necessário também dizer que o piano[34] foi (e é) um costumeiro executante de
contínuo, principalmente em apresentações modernas que não têm preocupação
em fidelidade à partitura.

Para encerrar este item, gostaria de salientar a importância da orquestração de


contínuo nas apresentações de música barroca. Como já disse anteriormente, o
regente, desde que possua alguns instrumentistas de contínuo, deve saber lidar
com este artifícios para o embelezamento da obra. É de praxe que o órgão seja
utilizados para as partes de coro e orquestra, enquanto os recitativos são
acompanhados pelo cravo; no entanto, há muitas combinações possíveis que
podem ser utilizadas pelos regentes[35].

TEORIA ELEMENTAR DO BAIXO CONTÍNUO


1. Formação dos acordes

Como já defini anteriormente, o baixo contínuo evidencia ao executante a harmonia


que deve aparecer no trecho musical. Desta forma o executante montará acordes a
partir de uma linha de baixo pré-estabelecida, e estes acordes obedecerão às
relações intervalares fornecidas pelas cifras (ou por sua própria omissão). Neste
item explicarei o método de formação dos acordes e algumas convenções de
época, concernentes às relações intervalares entre as notas. Primeiramente devo
explicar que todo intervalo é designado por números: para uma segunda o número
2, para uma terça o número 3, e assim por diante. Em seguida, o intérprete deve
descartar todos os conceitos de teorias harmônicas vigentes, como a harmonia
tradicional e harmonia funcional. Não há no baixo contínuo o conceito de inversão
de acordes e acordes sem fundamental (todos os acordes possuem fundamental,
que é sem exceções a nota do baixo). Para uma melhor compreensão, observe o
exemplo 1.1.

Exemplo 1.1

Na harmonia tradicional, este acorde é considerado um acorde de dó com a quinta


no baixo; já na harmonia funcional este acorde é considerado uma dominante com
quarta e Sexta, se estiver em um ponto cadencial. No baixo contínuo ele é encarado
como um acorde em fundamental, com quarta e sexta, um "sol - quatro e seis" ou
"seis - quatro".

Passarei então às convenções de época. Devemos observar que muitas do baixo


não possuem cifras ou possuem cifras insuficientes.
Exemplo 1.2 (Jean-Baptiste Lully (1632-1687)[36], Ballet des Plaisirs, 1655)
Observe como há muitas notas que não possuem grafia, enquanto outras apenas
um sinal ou número. Na tabela a seguir serão explicadas estas convenções de
época:

Em relação aos dobramentos, para acordes que não possuam dissonâncias, há a


seguinte tabela, que não deve ser seguida com extremo rigor:

2. Execução[39]
O método mais simples e costumeiro de execução do baixo contínuo consiste no
continuista executar o baixo com a mão esquerda e montar a harmonia (acordes)
com a mão direita. O iniciante deve começar executando cadências simples ao
teclado, tais como I-IV-V-I, I-II-V-I, em todas as posições[40] e em todas as
tonalidades. Posteriormente deve começar a executar contínuos bem simples, que
não possuam muita cifragem. No encadeamento entre acordes vale a antiga regra
da menor movimentação possível entre as vozes e, quando possível, da preparação
e resolução de dissonâncias. É necessário também que o iniciante já pense no
caráter melódico da linha improvisada, que é de extrema importância nesta técnica
(É importante que o executante tenha uma base sólida de contraponto).
Posteriormente o estudante deve executar contínuos com maior cifragem, como os
de J. S. Bach. Quando superar esta fase, deve então recorrer aos Mozart (missas),
que além de possuir cifragem excessiva, trocam várias vezes de clave (Mozart em
um trecho da Grande Missa em Dó utiliza quatro claves diferentes: 3 de dó e clave
de fá). Um bom treino também são os contínuos não cifrados de Bach, nos quais o
continuista deve deduzir a harmonia a partir da melodia e do baixo fornecido[41].

REGÊNCIA DE RECITATIVOS

A regência de recitativos é um estudo à parte na técnica de regência, e deve


merecer uma atenção toda especial do regente.

Os recitativos podem ser acompanhados pelo Baixo Contínuo, que tanto pode ser
integrado por um instrumento - como o cravo, ou por um conjunto instrumental que
pode ser integrado por 1 Cravo e/ou Órgão, 1 Violoncello, 1 Contrabaixo, 1 Fagote,
além de vários outros instrumentos harmônicos, tais como Alaúdes e Theorbas. É
importante ressaltar que o cravista, organista, o executante de instrumentos
harmônicos, saiba resolver, conhecer a arte da interpretação das cifras que
compõem o baixo contínuo.
A regência de um recitativo requer por parte do maestro muito domínio da partitura
além de muita presença de espírito. É uma técnica precisa de movimentos e
qualquer erro pode resultar no fracasso da interpretação do recitativo.
Os recitativos podem ser divididos em três tipos:

1. O recitativo seco

É composto por um texto que deve ser recitado, declamado, com acompanhamento
do baixo contínuo. O cantor deve levar em conta o significado do texto para que
possa dar a correta interpretação; já o maestro deve dominar o texto do recitativo
com o objetivo de poder indicar corretamente as respectivas intervenções
instrumentais. É bom ressaltar, que no recitativo seco a coordenação dos
instrumentos do BC fica na responsabilidade do cravista, organista, ou do
instrumento harmônico, este por sua vez deve indicar todas as entradas dos demais
instrumentos que integram o BC. A intervenção do regente neste tipo de recitativo,
está condicionada à inabilidade do cravista na condução dos demais músicos. Com
relação ao posicionamento do BC, este deve se acomodar de tal forma que fiquem
todos os instrumentistas juntos, ou até, dependendo do caráter da obra em um
posicionamento diferenciado um pouco à parte do conjunto orquestral como um
todo.
Recitativo da "J.J. Passio secundum Joannem" de Bach.

2. O recitativo mesurado

É um recitativo de acompanhamento mesurado, possuindo ainda assim uma certa


flexibilidade de interpretação, com a utilização de passagens em rubato,
dependendo estritamente da declamação do texto musical. Encontramos dois tipos
de recitativo:

· accompagnato: este tipo de recitativo tem sua explicação na base da palavra, ou


seja é um texto mensural recitado, realizado com o acompanhamento instrumental,
seja ele o BC ou a orquestra. Em geral este termo esta associado à participação da
orquestra como meio de acompanhamento, tendo como característica a utilização
de notas longas. O solista, possui neste tipo de recitativo uma linha melódica mais
expressiva submetida a uma métrica explícita, mais exata e não tão livre quanto a
anterior.
Accompagnato do "Messiah" de Haendel

· Arioso: este tipo de recitativo assemelha-se à Ária e tem como característica, um


acompanhamento mais elaborado, no entanto também possui passagens na linha
do canto e da orquestra em rubato; diferente da Ária que em sua melodia e
acompanhamento são totalmente mensurados, a tempo. Não apresenta grandes
dificuldades de regência.

Arioso da "J.J. Passio secundum Joannem" de Bach.

O que Bach e Haendel, denominam de Arioso, também pode ser chamado por
Haydn e outros compositores de Cavatina.
Cavatina do oratório "Die Jahreszeiten" de Haydn

3. O recitativo misto

Como a própria designação indica, é um composto dos dois primeiros tipos de


recitativo, exigindo do maestro um domínio muito maior da técnica da regência e
musical.

Recitativo seco e Arioso do oratório "Die Schöpfung" de Haydn

Em qualquer das hipóteses, é dever do regente conhecer o texto do recitativo de


cor, e indicar em sua partitura os sinais necessárias para a perfeita atuação da
regência.

Em resumo cabe ao regente nos recitativos:

· Indicar o início do recitativo para o cantor,

· Indicar as entradas do conjunto instrumental designado para a realização do BC.,

· Indicar com clareza, com um movimento preparatório, todas as novas entradas


orquestrais.

· Havendo contagem para toda a orquestra, o início de cada compasso de


contagem deve ser indicado com um movimento descendente da mão. Isso não
quer dizer que o maestro deva indicar a cabeça de cada compasso no momento
exato em que ele acontece, mas pode por exemplo, indicar através de quatro gestos
descendentes consecutivos, os quatro compassos de espera. Num longo trecho de
recitativo seguido de um Accompagnato ou Arioso, o maestro deverá indicar a
contagem e chamar a atenção para a orquestra quando faltarem alguns compassos
para o término do recitativo, por exemplo cinco compassos antes do final do
recitativo, nesse momento o maestro inicia a marcação dos compassos, preparando
assim a próxima entrada.

· Ao final da contagem, o maestro mostrar o sinal de atenção, é uma prudência, o


que significa dizer que o recitativo está acabando e a partir do próximo sinal a
orquestra deverá tocar o que está indicado em sua partitura.

· Quando o conjunto do CB não possuir um responsável pela realização musical -


instrumento harmônico com a capacidade de liderança, as entradas do instrumental
podem ser dadas pelo maestro, com um sinal de atenção que antecede o
movimento descendente do braço para o momento exato do ataque instrumental.

NOTAS

[1] Texto: “Introdução ao Baixo Contínuo”

[2] Adicionei ao texto do baixo contínuo, texto sobre os vários tipos de recitativo,
além de informações adicionais ao rodapé devidamente anotadas além de dados
biográficos de compositores, baseados no livro: CANDÉ, Roland de: Dictionnaire
des Musiciens. Paris. Microcosme, 1968.

[3] As definições foram exstraídas do livro de Hermann KELLER: “Thoroughbass


Method: with excerpts from the theoretical works...” (vide bibliografia)

[4] Lodovico Grossi da Viadana (1564-1645). Nasceu por volta de 1564 na cidade
de Viadana e faleceu em Gualtieri sul Pò a 2 de maio. Irmão franciscano, foi mestre
de capella nas catedrais de Mantua e de Fano. Um dos primeiros a utilizar-se do
baixo contínuo não cifrado no concerti ecclesiastici, escrito em 1595 e publicado em
1602. É autor de missas; salmos, canzonette; madrigais e 100 “concerti
ecclesiastici” com uma a quatro vozes e baixo contínuo.

[5] O termo monodia acompanhada não significa uma única voz acompanhada. Às
vezes havia duas ou três vozes. O termo significa que as obras possuíam um
caráter mais recitativo.

[6] O regal é um pequeno órgão portátil de um só registro, que na maioria das vezes
era de palheta, com um timbre bem anasalado.

[7] Emilio de Cavalieri (1550-1602). Nasceu e faleceu a 11 de março em Roma.


Organista e Compositor e humanista italiano. Foi organista no Oratório Del
Crocifisso em Roma de 1578 a 1584 e depois tornou-se superintendente das artes
na corte de Ferninando I de Médicis em Florença. Foi um dos freqüentadores da
camerata de Bardi e foi um dos primeiros a escrever no novo estilo rappresentativo
ou recitar cantando imediatamente seguido por Giulio Caccini (1545-1618) e
Joccopo Peri (1561-1633). Também foi um dos primeiros a se utilizar do basso
contínuo, antes mesmo de Lodovico Grossi da Viadana (1564-1645) se
autodenominar o inventor do novo sistema. Sua principal obra a “Rappresentazione
di Anima e di Corpo” foi executada em Roma em 1660 no Oratório della Vallicella.
Uma espécie de ópera sacra, bem distante da forma oratório clássico de Heinrich
Schütz (1585-1672) e Giacomo Carissimi (1605-1674) e seus sucessores, que é
estático por definição. Num prefácio muito preciso, ele dá informações e indicações
para os movimentos cênicos, instrumentação, a realização do baixo contínuo e
ornamentos vocais. Além dessa obra, Cavalieri é autor de pastorais dramáticas;
intermedii e madrigais.

[8] Giulio Caccini (1545-1618). Nasceu em Roma e faleceu em Florença. Célebre


cantor e compositor, atuou na corte dos Médicis em Florença, além de assíduo
freqüentador da camerata de Bardi. Caccini foi um dos poucos compositores que
faziam executar suas obras segundo os novos princípios, num estilo monódico
dramático, o qual foi chamado de estilo rappresentativo. Esse novo estilo era
resumido em “falar cantando”, surgindo daí os primeiros embriões da ópera e do
oratório. Caccini envereda rapidamente para um novo caminho, a melodia
ornamentada, muito mais lírica que dramática, que deu origem ao bel canto. A parte
do melódica do canto importa passagens expressivas ou afetas que foram
chamadas de gorge (garganta), técnicas estas explicadas no prefácio de sua
coletânea de árias e madrigais editada em 1601, texto esse que se tornou capital
para a história do canto. Entre suas obras destacam-se: pastorales; intermezzi;
coletânea de árias e madrigais no estilo novo – monodia acompanhada; Nuove
Musiche de 1601 – (árias a uma voz e baixo contínuo e madrigais a várias vozes);
Fuggilotio Musicale (1613) (a uma e duas vozes com baixo contínuo); Nuove
musiche e nuova maniera de scriverle (1614) (a uma voz com baixo contínuo).
[9] Jaccopo Peri (1561-1633). Nasceu em Roma a 20 de agosto e faleceu em
Florença a 12 de agosto. Cantor, tornou-se, por indicação de Caccini, músico na
corte dos Médicis em Florença, por volta de 1590. escreveu de Intermedii para
serem tocados durante as cerimônias de casamento do grão duque Ferdinando I,
que ele mesmo cantou, acompanhado por um chitarone. É um dos freqüentadores
da camerata de Bardi. Um dos principais objetivos de Peri era ressuscitar o que os
humanistas acreditavam encontrar na récita lírica das tragédias dos antigos gregos.
Contribuiu para a criação do recitativo moderno fazendo triunfar a monodia
acompanhada. Peri contribui com um avanço a esta nova forma musical com sua
inigualável qualidade dramática, como se encontra em “Dafne” que foi representada
em 1597 no Palazzo Corsi. O sucesso foi tamanho que Henri IV encomendou uma
nova obra para ser executada em sua cerimônia de casamento com Marie de
Médicis, a qual foi chamada de Eurídice, representada em 1600 no Palazzo Pitti,
considerada a primeira ópera que chegou integralmente a nossos dias. Peri foi
nomeado diretor de música do grão duque depois promovido a camerlengo
generale. Escreveu numerosos Balleti; intermedii; melodramas (também chamadas
de pré-óperas) – Dafne e Eurídice; Lê Varie Musiche (para uma a três vozes e baixo
contínuo no estilo novo); madrigais; monodias e diversas obras avulsas.
[10] Os bemóis e sustenidos colocados sob a notas dizem respeito a alterações das
terças, por isso a alteração da natureza do acorde.

[11] Henry Purcell (1659-1695). Nasceu e faleceu a 21 de novembro, em Londres.

[12] Francesco Cavalli (1602-1676). Nasceu a 14 de fevereiro em Crema na


Lombardia e faleceu a 14 de janeiro em Veneza.

[13] Basicamente esta confusão é solucionada na análise da obra. Deve-se


observar a coerência musical.

[14] Um exemplo disso é a colocação de bemóis em lugares determinados. O cantor


da época aprendia em sua educação musical onde colocar e onde não colocar as
alterações; é difícil reconstituir. Mais uma vez o problema deve ser solucionado pela
coerência musical. Um exemplo de edição crítica é a obra completa para órgão de
J. S. Bach (1685-1750), editadas pela Breitkopf & Härtel. Diversas vezes o editor
propõe soluções e modificações, algumas coerentes e várias totalmente
incoerentes, como alterações de “ousadias harmônicas” feitas por Bach à execução
de um acorde aumentado, colocando um bequadro sobre a nota dissonante. Só que
a nota dissonante pertence ao coral que está sendo arranjado, de modo que nunca
poderia ser alterada.

[15] Cláudio Monteverdi (1567-1643). Nasceu em maio em Cremona e faleceu a 29


de novembro em Veneza.
[16] Michel Praetorius (1571-1621).Nasceu em Kreuzberg a 15 de fevereiro e
faleceu em Wolfenbüttel a 15 de fevereiro. Filho de um pastor luterano, fez seus
estudos universitários em Francfort-sur-l’Oder. Depois de iniciar sua atividade como
Kapellmeister em Lünebourg, tornou-se organista e Kapellmeister do duque de
Brunswick. Sua celebridade deve-se à obra Syntagma musicum, magnífico tratado
em quatro volumes, sendo que o quarto ficou inacabado, dos grandes estilos e
gêneros musicais praticados após a antiguidade, os instrumentos musicais (um
estudo completo sobre todos os recursos dos instrumentos da época), das formas e
da prática musical realizada no início do século XVII. É autor de 16 volumes de
Muae sioniae, obra composta por 1.244 motetos; 15 volumes de Polyhymnia; 9
volumes de Musa Aonia (obras profanas); Syntagma musicum; e várias peças
instrumentais.

[17] Giovanni-Pierluigi da Palestrina (1525-1594). Nasceu em palestrina e faleceu a


2 de fevereiro de 1594.

[18] Neste ponto já vemos aquela questão que perdura por toda a história da
música: a questão do intérprete “ignorante”, que não sabe o que está tocando. Esta
é uma visão preconceituosa, pois se o intérprete está executando a música de uma
forma correta e coerente, está sim compreendendo o que executa. Mesmo na época
o pensamento já era falho, pois o intérprete necessitava improvisar também e para
isso necessitava de grande conhecimento musical e “ouvido harmônico”.

[19] Heinrich Schütz (1585-1672). Nasceu a 04 de outubro em Köstritz, na Saxe e


faleceu a 06 de novembro em Dresde.

[20] Arcangelo Corelli (1653-1713). Nasceu a 17 de fevereiro em Fusignano,


Bolonha e faleceu a 8 de janeiro em Roma.
[21] Vale relembrar que a mão direita do cravista era inteiramente escrita; não era
contínuo.

[22] Por exemplo, às vezes o solista executava o tema na tônica, o cravo responde
na dominante.

[23] O baixo contínuo na música de J. S. Bach é extremamente complexo, de modo


que seria necessário um livro para explica-lo de uma forma mais completa.

[24] Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791). Nasceu a 27 de janeiro em Salzbourg


e faleceu a 5 de dezembro em Viena.

[25] Nos próprios concertos para violino, Mozart solicita ao solista que toque com os
primeiros violinos durante o tutti.

[26] Conseqüentemente, nos países colonizados por espanhóis e portugueses, caso


da América latina e Brasil, deveriam ser utilizadas harpas nas funções litúrgicas. Há
estudos nesta área desenvolvidos pelo musicólogo Paulo Castanha, que já mostram
que a harpa era muito utilizada, sobretudo nos ensaios e nas funções mais simples.

[27] Francesco Gasparini (1668-1727). Nasceu a 5 de março em Camaiore, Lucca e


faleceu a 22 de março em Roma. De 1702 e 1720 foi morar em Veneza. Tornou-se
um dos compositores de óperas dos mais populares. Ensinava no L’Ospedale della
Piertà. Mais tarde vai para Roma, onde em 1725 é nomeado maestro di cappella em
Saint-Jean-de-Latran. É autor de mais de 65 óperas; intermezii; 7 oratórios; missas;
salmos; motetos; cantatas de câmara; e um importante tratado de baixo contínuo
chamado Armonico pratico al cembalo.

[28] Em relação à registração organística, um registro é um conjunto de tubos com


uma altura e timbre determinados, que cobrem toda a extensão do teclado (um tubo
para cada nota). Em relação aa numeração dos registros, que diz respeito a altura,
8 pés (ou 8’) significa que o tubo do órgão corresponde a nota mais grave (Do 1)
possua um comprimento de 8 pés, ou sejam 2,4 metros. Quando executada, a nota
soará na oitava real (por exemplo, o La 3 soará 440 Hz). Se temos um registro de
4’, tudo soará uma oitava acima, pois a primeira nota do teclado terá um tubo
correspondente a 4”, ou seja, de 1,2 metros (metade do tamanho de 8’). Como a
freqüência é inversamente proporcional ao tamanho dos tubos, teremos no La 3 não
mais 440 Hz, mas sim 880 Hz. Já um tubo de 16”, soará uma oitava abaixo e assim
por diante.

[29] Johann Mattheson (1681-1764). Nasceu em Hanburgo a 28 de setembro e


faleceu em sua cidade natal a 17 de abril. Organista, compositor e teórico. Desde a
idade de nove anos tocava órgão e cravo, além de cantar e compor,
independentemente de ter levado os seus estudos até à faculdade onde se formou
em Direito e Ciências Políticas, e paralelamente desenvolvia a dança e a esgrima.
Era um dotado em todas essas atividades. Aos 14 anos debutou como cantor, num
papel feminino, na ópera de Hamburgo, onde permanece até 1705, destacando-se
nas interpretações de seu amigo George Friedrich Haendel (1685-1759). Aos 18
anos apresenta, nesse mesmo teatro sua primeira ópera. Em 1715 torna-se cantor
na catedral de Hamburgo, permanecendo neste posto até 1728, quando foi
acometido de surdez, dedicando-se daí para a frente a escrever textos teóricos e
críticas. É autor de 8 óperas; 24 oratórios; cantatas; sonatas para flauta ou violino;
suítes para cravo; assim como textos literários: “Critica Musica” e “Grundlage einer
Ehrenpforte” (ambos livros de críticas) – “Grosse Generalbasschule” e “Der
vollkommene Kapellmeister” (ambos livros teóricos).

[30] Carl Philipp Emanuel Bach (1714-1788). Nasceu em Weimar a 8 de março e


faleceu em Hamburgo em 15 de dezembro. Quinto filho de J.S. Bach (1685-1750) e
Maria Bárbara Bach. É autor de aproximadamente 700 obras que incluem: 2
oratórios; 2 paixões; 1 magnificat; cantatas sacras e profanas; numerosos lieder;
sinfonias; 50 concertos; sonatas; trios; numerosas coletâneas, destacando os 6
livros de sonatas; fantasias e rondós para cravo, destinados a músicos amadores;
sonatas para 2 cravos com orquestra; obras literárias destaco “Versuch über die
wahre art das clavier zu spielen” um dos mais importantes manuais de técnica de
execução musical nos instrumentos de teclado publicado em 1759.

[31] Há organistas atualmente que, por falta de conhecimento, insistem nesta tese
(e freqüentemente acabam se perdendo na música ou atrasando o coro. É
necessário muito estudo e prática para executar todo o contínuo na pedaleira, e o
resultado sonoro é duvidoso).

[32] Gedackt, em alemão.

[33] Na verdade os compositores, apesar de ao compor pensarem no cravo como


expressão musical, compunham para o chamado Clavier. Esta palavra significava
que o trecho poderia ser executado em qualquer instrumento de teclado. A
instrumentação não era um dos fatores preponderantes no período barroco.

[34] O piano como instrumento moderno. Vale ressaltar que algumas óperas
modernas utilizam-se do piano como instrumento de acompanhamento de
recitativos como era feito pelo contínuo no barroco, é o caso de algumas obras de
Benjamin Britten (1913-1976) e Gian Carlo Menotti (1911). (anotação minha)

[35] Um exemplo importante é o regente Gabriel Garrido (Argentina), que em suas


apresentações de música colonial hispânica utiliza sem preconceitos a harpa
paraguaia.

[36] Jean-Baptiste Lully (1632-1687). Nasceu a 28 de novembro em Florença na


Itália e faleceu em Paris a 22 de março de 1687. É o fundador de uma era na ópera
francesa. Conservou as formas operísticas de Cavalli, muito apreciadas pela corte
francesa, mas adapta estas formas ao ritmo e ao espírito da poesia francesa. Em
primeiro lugar introduz a abertura muito desenvolvidas e majestosas, seguidas de
um andamento allegro em estilo fugato, depois uma reprise abreviada da primeira
parte, que recebias o nome de ouverture à la francçaise, obtendo grande sucesso.
Esta forma de abertura contribuiu para a eclosão da sinfonia clássica. Ë autor de 32
ballets; 11 comédias-ballets ou pastorais; 14 tragédias líricas; grandes motetos,
entre outras obras.

[37] O 4 na maioria das vezes é um tipo de dissonância conhecida no contraponto


como retardo.

[38] Há exceções nesta regra.

[39] É importante que o iniciante já possua grande familiaridade com o teclado.

[40] Posições de oitava: a nota do soprano forma uma oitava com o baixo. Na
posição de quinta a nota forma um intervalo de quinta com o baixo e assim por
diante.

[41] Bach, não cifrava porque possivelmente era o próprio executante dos trechos.

BIBLIOGRAFIA

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Works of Praetorius, Niedt, Telemann, Heinichen, J.S. and C.P.E. Bach: NY, 1959.
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______________ Figured Bass Accompaniment, Volume 2. Edinburgh: University
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______________ História da Música Ocidental. Lisboa: Gradiva, 1998.
CANDÉ, Roland de: História Universal da Música. São Paulo: Martins Fontes, 1994.
_______________ Dictionnaire des Musiciens. Paris. Microcosme, 1968.GROUT,
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BERRY, Wallace: Structural Functions in Music. Nova York: Dover, 1987.
SALZER, Felix e SCHACHTER: Carl, Counterpoint in Composition. New York:
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HASKELL, Harry: The Early Musical Revival: a History. Londres, Thames and
Hudson, 1988.
MANN, Alfred: The Great Composer as Teacher and Student. Nova York: Dover,
1987.

A execução como reconstituição histórica


Teoricamente, a obra de arte deveria conter tudo o que fosse necessário à sua
compreensão, ressuscitar unicamente por suas forças, o universo espiritual onde
reside sua mensagem. E o intérprete, dotado de uma sensibilidade delicada, muitas
vezes adivinha na obra, além do que ela afirma de maneira evidente, aqueles laços
invisíveis e fortes que a ligam ao seu ambiente original. Apesar disso, o
conhecimento das circunstâncias em que a obra nasceu, pode em muitos casos nos
ajudar a compreendê-la, sem aliás nos obrigar a negar sua natural transcendência,
que a eleva além da sua época para acomodá-la à todas as épocas.
Entretanto, devemos sublinhar o papel que desempenham os conhecimentos
históricos na compreensão e na interpretação da obra e não nos enganarmos sobre
a exata importância desse papel. O conhecimento histórico é saber, mas a
compreensão ou a interpretação é julgamento estético, imediatismo de uma reação
emocional. Portanto o saber deveria se transformar em julgamento e emoção
estéticos. Seria possível?

Se não há limites para o saber histórico, há — e bem estreitos — para a


sensibilidade estética. Cada tipo de música está em relação com um certo tipo de
homem (diz Handschin) que ela reflete e para quem ela se dirige. Desse modo, só
poderíamos compreender uma música do passado tornando-nos esse homem do
passado que a criou e para quem ela foi criada. Na realidade, só podemos saborear
a música antiga com a nossa sensibilidade de homens atuais. Mesmo se a música
antiga seja exatamente reconstituída em sua realidade acústica, que ela soe
acusticamente como outrora, ela soará emocionalmente de maneira diferente para
nós. Ainda há discos (devem ser os mais antigos que existem atualmente) de peças
para piano de Grieg tocadas pelo compositor. Seu estilo nos parece hoje ridículo em
sua afetação e o efeito que Grieg queria obter conjuntamente com sua música e a
maneira de interpretá-la, é completamente desvirtuada. Desse modo uma
reconstituição exata do fato sonoro não é uma restituição do fato musical, porque
este é antes de tudo um fato humano, porque a obra musical, para existir, quer ser
recebida por um ouvinte que lhe corresponda, ouvinte que ela pressupõe mas que
não poderia ser ressuscitado unicamente pelos conhecimentos históricos. Pois se a
ciência pode nos ensinar quem era o homem do passado, de acordo com tal música
do passado, como poderia ela nos tornar esse homem do passado e nos despojar
de nossa sensibilidade estética de homens atuais?
Devemos distinguir claramente, na execução da música antiga, duas tendências
fundamentais: uma preocupada com a exatidão histórica, outra com a fidelidade em
relação à obra e em relação às exigências do homem atual; uma seria experimental
e científica e se limitaria rigorosamente ao que está historicamente estabelecido (e
não seria surpresa que ela possa nos parecer esteticamente absurda) a outra seria
essencialmente estética e seu ideal seria estabelecer um contato entre tal música
do passado e a sensibilidade estética do homem atual, de criar, por algum desvio ou
artifício, uma relação entre ela e nós que fosse análoga àquela que ela tinha com o
homem de então.

A "reconstituição histórica" no sentido de "restabelecimento de um fato" não poderia


ser a meta da ciência musicológica pois esta não pode se impor como norma à
estética e ao sentimento estético. O musicólogo não tem o direito de exigir do
intérprete que ele se conforme, na execução da música antiga, com os dados da
história musical. Certamente, o executante não deve ignorar esses dados, mas é
sobre seu sentimento musical que ele deve finalmente se basear para construir uma
execução moderna e nova utilizando livremente os dados históricos. Pode
acontecer aliás, que seu sentimento musical o faça descobrir de imediato e com a
maior precisão, o universo espiritual da obra, e por outro lado, se ele não
compreender esse universo espiritual em si mesmo, os dados históricos de nada lhe
servirão.

Entretanto, se as execução da música antiga não é reconstituição histórica, ela


também não deve ser abandonada à livre vontade do intérprete, e este tem o dever
de encontrar um meio termo entre a verdade histórica e a fantasia excessivamente
desrespeitosa. Verdade histórica e verdade estética devem encontrar seu secreto
ponto de convergência e se unirem definitivamente.

Além disso, (diz Handschin), mesmo se a verdade histórica fosse a lei suprema que
regulasse a execução musical, deveríamos lembrar dessa latitude e liberdade que a
época antiga deixava ao executante e que dizia respeito não apenas às nuances
mas também à ornamentação de uma linha melódica e mesmo, indo mais além no
passado, à instrumentação. O compositor entregava ao executante uma obra de tal
modo que este pudesse terminá-la e assim adaptá-la. E nossos escrúpulos
históricos, eles mesmos fato histórico e criação do século XIX, surpreenderiam
bastante o compositor antigo e certamente iriam contra seus desejos. Por outro lado
não devemos esquecer o papel criador que um outro gênero de adaptação — muito
admitido — a transcrição da obra de um compositor por um outro compositor,
desempenhou na história da música.

A maneira pela qual nossos contemporâneos colocam o problema da interpretação,


sua firme crença que esse problema é antes de tudo o do respeito ao texto e à
verdade histórica, são na realidade uma conseqüência não apenas do "historismo"
da nossa época, mas também da própria história da música e da interpretação
musical.

Durante o primeiro classicismo, ainda não havia a questão do respeito ao texto e à


verdade histórica. Por um lado, reinava nas obras musicais um estilo universal e os
intérpretes só tocavam a música contemporânea; por outro lado, o "desejo de
indeterminação" do compositor se manifestava sem ambigüidade sobre uma
partitura avara de indicações e que parecia admitir e mesmo exigir a liberdade de
interpretação, obrigar o intérprete a colaborar com o compositor por uma invenção
pessoal. Mas em seguida, a medida que se avançava para o romantismo, eis que o
estilo musical, cada vez mais dócil à expressão dos estados de alma, se
individualizava e se fragmentava numa multiplicidade de idiomas de acordo com as
personalidades e as sensibilidades dos diversos músicos que os criavam. Não era
de surpreender que estes procurassem indicar em detalhes a interpretação que
desejavam, fazer com que os intérpretes compreendessem sua linguagem, os
estados de alma que a obra expressava e que lhe davam seu sentido e seu
conteúdo. Por fim, no período moderno, os executantes tocam as músicas mais
diversas e devem poder se adaptar à todos os estilos do passado; desse modo têm
como problema o respeito ao texto e à verdade histórica. Além disso, em reação ao
romantismo, a música e a interpretação musical contemporânea se orientaram para
um estilo objetivo e impessoal, incisivo e rigoroso, desdenhando as fantasias, os
abandonos e os lânguidos devaneios da subjetividade; de modo que às prescrições
exatas dos compositores, que nada querem deixar à liberdade e à sensibilidade dos
intérpretes, responde o desejo destes em respeitar a obra objetiva do compositor e
de não deformá-la acrescentando nela algo deles mesmos.Esse objetivismo da
música e da interpretação moderna está em pleno acordo com o historismo
reinante, que livra o intérprete de qualquer preocupação de invenção pessoal e lhe
propõe como ideal uma interpretação "objetiva e histórica".
O historismo, que nasceu no século XIX, quis, além do restabelecimento dos textos
musicais antigos, a restituição acústica da música antiga, especialmente pela
reposição em uso dos instrumentos antigos. E certamente é excelente que estes
sejam ressuscitados, pois a música antiga está em acordo com suas
particularidades e estas podem esclarecê-la. Mas seria absurdo pretender que a
música antiga tenha que ser, obrigatoriamente, tocada sobre instrumentos antigos
ou imitados dos antigos. Aqui ainda devemos distinguir o experimental do estético.
Pois, querendo ou não, os instrumentos modernos é que são os nossos e na
medida em que nós somos homens da nossa época, engajados na realidade
presente, esse fato só pode ser uma vantagem; pois é em sua perspectiva estética
e técnica que nossa percepção da música se forma. É inútil tentar ouvir uma obra
como seus contemporâneos a ouviam: mesmo se a execução exata da época nos
fosse restituída, nós só a ouviríamos segundo nós; a obra real para nós, não é mais
a obra original, e sim uma obra "transcrita". O piano tendo substituído para nós o
cravo, a obra primitivamente destinada ao cravo nos aparece ao mesmo tempo mais
acessível e viva quando a ouvimos ao piano. Se aliás, por um escrúpulo histórico,
só quisermos ouví-la no cravo, perceberemos de maneira clara a impossibilidade da
reconstituição histórica em fazer revivê-la para nós a obra original: o que nos agrada
no cravo é o que podemos chamar sua "cor local", o que sua sonoridade tem para
nós de estranho, estrangeira à nós mesmos, seu poder invocador, nascido
justamente da impossibilidade em que estamos de ouví-la como a ouviam seus
contemporâneos. Desse modo, o que é materialmente semelhante se torna
espiritualmente diferente pela própria diferença das épocas. E o historismo se
contradiz ao pretender que uma música exatamente restituída possa nos satisfazer.
Já que o homem do passado não pode ressuscitar em nós, é inútil que o executante
tente tocar as obras do passado como elas eram tocadas na época e sobre
instrumentos para os quais elas foram escritas. Essa reconstrução histórica
apresenta certamente um interesse científico, mas não artístico: pois do ponto de
vista musical, essa pretensa fidelidade é a mais perigosa das traições. De que serve
que a música do passado seja restaurada materialmente se ela não o pode ser
espiritualmente?

E querer reconstruí-la tal como foi, longe de salvá-la, é perdê-la definitivamente,


aprisioná-la ao passado proibindo-a de se ajustar à sensibilidade estética dos
homens atuais. A obra musical atravessando os séculos não permanece inalterada.
Ela participa do porvir vivo da evolução que a leva para além da época do seu
nascimento. A grande superioridade da obra musical sobre as outras obras de arte,
é a de nunca se encarnar definitivamente, de permanecer sempre rica de
possibilidades, à espera de encarnações sempre renovadas que lhe permitem
reviver indefinidamente.

Essa capacidade de adaptação é a prova maior de sua vitalidade. Pois a mudança


das épocas liberta a essência da obra da limitação de cada perspectiva particular
permitindo-lhe assim realizar ao longo das épocas e na diversidade das
perspectivas toda a riqueza de suas possibilidades.

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