You are on page 1of 3
380 ‘A DIALETICA DO DESEIO E DA DEMANDA, Como dar conta da etapa necesséria pela qual normalmente se realiza a integragao do complexo de Edipo e do complexo de castragao, ‘ou seja, a estruturagao, por intermédio deles, do desejo do sujeito? ‘Como se produz isso? Vocés o encontram desenvolvido neste diagr ma, E por intermédio do significante falo que se introduz o para-além da relagdo com a fala do Outro. Mas, é claro, a partir do momento fem que isso se constitui, uma vez que 0 significante falo esté presente como desejo do Outro, ele nao fica mais nesse lugar, mas se integra na fala do Outro e vem, com toda a sequéncia que isso comporta, assumir seu lugar no para-aquém, no lugar primério da relagao de fala com a mie. & af que ele desempenha seu papel e assume sua fungao. Em outras palavras, esse para-além que postulamos, na medida fem que procuramos delimitar as etapas necessérias & integragao de uuma fala que permita ao desejo encontrar seu lugar para 0 sujeito, permanece inconsciente para 0 sujeito. De agora em diante, € aqui que se desenrola para ele a dialética da demanda, sem que ele saiba que essa dialética $6 € possfvel na medida em que seu desejo, seu verdadeiro desejo, encontra lugar numa relagao, que para ele perma- nece inconsciente, com o desejo do Outro, Em suma, normalmente, essas duas linhas sio intercambiaveis Pelo simples fato de elas terem de se intercambiar, sucede no intervalo todo tipo de acidentes. Esses acidentes, nds os encontramos sob diversas formas. Quero apenas indicar-Ihes, hoje, os elementos de caréncia que sempre encontramos no histérico. ‘Tomemos 0 caso Dora Nela, vemos o além do desejo do Outro produzir-se em estado puro, e podemos ver com clareza por que falta uma parte da bateria dos elementos. Nao se fala da mae, em absoluto. Talvez vocés tenham notado que ela est completamente ausente do caso. Dora vé-se confrontada com o pai, E do pai que quer amor. ‘Temos que dizer: antes da andlise, a vida de Dora esté muito bem equilibrada. Até 0 momento em que eclode o drama, ela encontrara uma solugdo muito feliz para seus problemas, E 20 pai que enderega a demanda, e as coisas correm mito bem, porque o pai tem um dese jo, ¢ tudo corre ainda melhor na medida em que esse desejo € tum descjo insatisfeito. Dora, como Freud néo nos dissimula, sabe (© SONHO DA BELA AGOUGUEIRA a8 muito bem que seu pai € impotente ¢ que seu desejo pela Sra. K. € um desejo barrado, Mas, 0 que nés também sabemos — Freud s6 o soube meio tarde demais — € que a Sra. K. & 0 objeto do desejo de Dora, por ser 0 desejo do pai, 0 desejo barrado do pai. ‘Uma tinica coisa € necesséria & manutencéo desse equilibrio: que Dora consiga realizar em algum lugar uma identificagdo de si que Ihe dé uma base € the permita saber onde ela esté, ¢ isso em fungdo de sua demanda ndo satisfeita, sua demanda de amor feitaJao pai. Isso se sustenta dessa maneira enquanto existe um desejo, um desejo que néo pode ser satisfeito, nem para Dora, nem para seu pai. Tudo isso depende do lugar onde se produz a chamada identifi- cago do Ideal do eu. Como vocés veem no esquema, normalmente ela sempre se produz apés a dupla transposigao da linha do Outro, em 1(). No caso de Dora dé-se 0 mesmo, exceto que o desejo do pai é representado pela segunda linha. F depois da dupla transposicao das duas linhas que se realiza, aqui, em (80a), a identificagao da histérica. Nao se trata mais de uma identificagéo com o pai, como acontece quando 0 pai é, pura e simplesmente, aquele a quem se dirige a demanda. Nao se esquegam de que agora existe um mais além, ¢ isso deixa a histérica muito bem arranjada para sua satisfagao € seu equilibrio. A identificagao é feita com um pequeno outro, que, por sua vez, esté em condigdes de satisfazer 0 desejo. E 0 Sr. K. marido da Sra. K., dessa Sra. K. to sedutora, to encantadora, tao deslumbrante, verdadeiro objeto do desejo de Dora. A identificagao € feita aqui porque Dora € histérica e, no caso da histérica, 0 processo nio pode ir adiante. Por qué? Porque o desejo € o elemento encarregado, sozinho, de tomar o lugar do para-além situado pela propria posigao do sujeito em relagdo a demanda, Por se tratar de uma histérica, ela ndo sabe 0 que demanda, simplesmente necessita que haja em algum lugar esse desejo mais além. Mas, para que nesse desejo ela possa apoiar-se, consumar-se, encontrar nele sua identificagao, seu ideal, € preciso pelo menos que haja af, no nivel do para-além da demanda, um encontro que Ihe permita repousar, referenciar-se nessa linha, € af que intervém o Sr. K., no qual, como se evidencia por toda a observagao do caso, ela encontra seu pequeno outro no sentido do a minisculo, aquele em quem ela se reconhece. por essa razio que Dora se interessa extremamente por ele, & onto de a principio enganar todo 0 mundo, ou seja, de Freud acreditar ‘ye ‘A DIALETICA DO DESEIO E DA DEMANDA que ela ama o Sr. K. Dora ndo 0 ama, mas ele Ihe € indispensavel, e Ihe € muito mais indispens4vel ainda por desejar a Sra. K. Como 4 Ihes assinalei cem veres, isso ¢ arquidemonstrado pelo fato de que a circulagio entra inteira em curto-circuito, e de que Dora cai, diante do a minisculo, na situagao de impeto agressivo que se manifesta numa formidavel bofetada. Essa é a ftria contra o outro na medida tem que ele € nosso semelhante ¢ em que, sendo nosso semelhante, simplesmente nos arrebata a existéncia. A réplica fatal que o Sr. K. Ihe diz — ele ndo sabe nada do que esta dizendo, o pobre coitado, Go sabe que € 0 suporte da identificagéo de Dora —, ou seja, que sua mulher néo é nada para ele, é justamente o que Dora nao pode tolerar. E ndo pode tolerar por qué? ‘Tem-se razao em dizer, exceto pelo fato de isso ser incompleto, que Dora é visivelmente estruturada de maneira homossexual, tanto quanto uma histérica pode sé-lo. Depois do que Ihe diz 0 Sr. K., ela deveria, em condigdes normais, ficar muito contente. De modo algum; € precisamente isso que desencadeia sua firia, pois nesse momento desmorona sua bela construgdo histérica de identificaséo com a méscara, com as insignias do Outro, especialmente com as rematadas, insignias masculinas que the sao oferecidas pelo Sr. K., néo por seu pai, Ela volta entdo & demanda pura e simples, a reivindicago do amor do pai, e entra num estado quase paranoico ao se conceber pelo que ela de fato € para o pai, em termos muito mais objetivos, ou seja, um objeto de troca, alguém que diverte o Sr. K. enquanto le, 0 pai, pode cuidar da Sra. K. Por mais ilusoriamente que seja, isso the basta, e vocés percebem bem, no caso, a prépria fungao do desejo. Depois do dito do Sr. K., nossa histérica desaba Ié do alto e volta 20 nivel totalmente primitivo da demanda. Exige, pura e simplesmente, que 0 pai s6 cuide dela, que the dé amor, ou, em outras palavras, segundo nossa definigéo, tudo aquilo que ele nao tem. Esse foi, hoje, um primeiro pequeno exercicio que fiz com a barr, para tratar de thes mostrar qual & 0 sentido da relaggo do desejo com a demanda, A medida que vocés se habituarem com ela, i860 nos permitiré avangar com muito mais seguranga e it muito mais longe. 30 DE ABRIL DE 1958

You might also like