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Apostila 1

O século II: A formação da identidade cristã frente ao judaísmo, à


filosofia e religiões pagãs e ao gnosticismo.

a) evitar os anacronismos;

Para o nosso estudo: b) enquadrar o contexto histórico do personagem ou evento


estudado na medida do possível de acordo com as fontes e
testemunhos disponíveis;

c) evitar o dogmatismo interpretativo que tendem a expor


um tema em comparação de outro subestimando um de
ambos.

1.1 O cristianismo e o judaísmo

O cristianismo nasce como um fenômeno social, histórico e religioso do judaísmo.


Sua matriz é basicamente judaica, na qual Jesus Cristo desenvolve e prega o evangelho,
numa Palestina helenizada em meio à dominação romana, na primeira metade do século
I d.C. Sobre isso, há tanto no Novo Testamento quanto em outros testemunhos, como
Filão de Alexandria, abundante documentação acerca da situação política, social e
religiosa do próximo Oriente na época.

Os romanos haviam estabelecido uma divisão administrativa imperial na região,


e governavam através de hierarquia civil e religiosa judaica, respeitada e mantida por eles
mesmos, devido a sua política imperial – Pompeu havia destruído o reino selêucida no
ano 63 a. C. – É assim que podemos encontrar figuras como Hircano II, Antípatro,
Herodes, Arquelau, Filipe, Herodes Antipas, que são reis e sacerdotes filoromanos. Esta
divisão política manifesta também parte do ambiente religiosos judaico da época. De
antigo existem seitas judaicas tais como os samaritanos, os fariseus, saduceus e outros
grupos nascidos neste período, tais como os essênios e os zelotas. De todos estes grupos
também falam as fontes e apresentam suas características principais:

a) Fariseus: representados pelos escribas, ligados ao culto oficial do Templo de


Jerusalém e das principais escolas exegéticas da Escritura de então. Encontravam-
se no poder e eram fiéis aliados de Roma. São quase 100 as menções sobre eles
no NT.
b) Saduceus: membros pertencentes à aristocracia, favoráveis à helenização e ao
domínio político romano. No NT, mencionados 14 vezes.
c) Samaritanos: pretendiam representar o verdadeiro judaísmo, em conflito com os
outros grupos, numa postura de cisma. No NT há 16 menções deste grupo.
d) Essênios: formavam comunidades de vida ascética, com tendências puritanas,
tratando de levar uma rigorosa observância da lei mosaica; eram opositores
radicais tanto da dominação romana e quanto daqueles que a aceitavam, e da
helenização; desta oposição compreende também sua visão profética, que espera
a libertação eminente de Israel e a manifestação poderosa de Deus sobre seus
inimigos – devem ser enquadrados junto à tradição palestina apocalíptica, que é
anterior à revolta dos Macabeus. Características do movimento seriam: o
determinismo (Ant. XVIII, 18); a interpretação da tradição que se converte em
revelação; a comunhão com o mundo angélico – elemento central da tradição
apocalíptica – e a concepção do Templo escatológico entre outros aspectos. A
comunidade de Qumrã é certamente uma seita essênica, mas não compreende a
totalidade deste movimento religioso que, como assegura Flávio Josefo, igual aos
saduceus e fariseus, tem sua origem na Palestina (Ant. XIII, 171 – 172; XVIII,
11). A escatologia tem um lugar preeminente na evolução de Qumrã. Já nos
tempos do pontificado de Hircano, encontramos a figura do Mestre da Justiça, que
consuma o cisma essênico e se instala com seus fiéis naquelas margens do Mar
Morto – vão ao deserto por opção, como um ato de ruptura total com o poder
religioso oficial.
e) Zelotas: seu nome indica o zelo da Lei que os move, o radicalismo absoluto da
luta armada contra a ocupação romana. Teremos abundantes dados acerca deste
movimento e alguns dos seus representantes, tais como Judas Galileu, filho de
Ezequias - inicia um movimento rebelde contra Herodes Antipas no ano 6 d.C. –
que foi considerado o fundador da seita. Recorda-se imediatamente também,
dentro do âmbito neotestamentário, da figura de Simão (Lc 6, 15), discípulo de
Jesus.

Assim, pois, se põem a observar de modo resumido panorama sócio-político e


religioso do Oriente entre os séculos II a.C. e II d.C., e é dentro desta amplitude de
tendências espirituais, com amplas conotações políticas, que surgem primeiro Jesus de
Nazaré, e depois a Igreja como continuadora da sua doutrina e da nova religião cristã, que
também foi vista já por diversas personagens da época como mais uma das seitas judaicas.

Porém, o cristianismo se diferencia do resto das tendências espirituais judaicas em


diversos aspectos, tais como a figura de Jesus identificado como Filho de Deus e Messias
esperado pelos profetas, mas que prega uma doutrina de amor e paz, contrastante das
expectativas políticas e culturais de Israel naquele tempo.

1.2 O Novo Testamento e Qumrã

Depois de meio século da descoberta de Qumrã, apesar do sensacionalismo, cabe


dizer que não existe qualquer texto neotestamentário entre os cerca de 800 manuscritos
recuperados. O fragmento 7Q5 não corresponde a Mc 6,52-53, como chegou a afirmar
José O´Callaghan Martínez S.J1. Porém, isto não significa que Qumrã não seria de suma
importância para a compreensão do cristianismo primitivo do século I d.C. Assim, entre
as grandes contribuições linguísticas, literárias, legais, históricas e teológicas de Qumrã
para a compreensão do Novo Testamento, teremos a noção de frases ou expressões
enigmáticas, incompreensíveis em âmbito grego e agora documentadas em ambiente
judaico contemporâneo; a origem de determinadas inserções de diversos escritos
neotestamentários; os exatos paralelos literários de certas perícopes, tais como as Bem-
aventuranças; as prescrições legais operantes em grupos judaico marginais, como é o caso
de Qumrã – casos da repressão fraterna e da observância sabática – ; o caráter do Messias
esperado; a justificação da fé; a onipresença de uma ação inimiga angélica, etc. Qumrã

1
Cf. O´CALLAGHAN, J. M., Notas sobre 7Q tomadas en el "Rockefeller Museum" de Jerusalén. Bíblica,
1972. Roma. p. 517-536
aparece muitas vezes em seus textos como uma teoria e práxis radicalmente oposta ao
cristianismo, mas isto não exclui alguns pontos de contato em diversos níveis. Assim,
Qumrã deve ser considerado como um ponto seguro de comparação no conhecimento do
cristianismo originário.

1.3 O Judeu-cristianismo

Seguindo Jean Daniélou, SJ 2, pode-se dizer que o judeu-cristianismo não é tanto


um movimento específico, mas uma série de ideias presentes na comunidade cristã
originária, tais como a concepção da iminência do fim do mundo, a angelologia, certo
rigor moral do tema da virgindade da Maria, entre outros. É verdade que há influência do
judaísmo sobre o cristianismo primitivo, como também a existência de grupos que
combinam práticas e costumes judaicos com a doutrina cristã, que dependendo da medida,
permanecem dentro ou fora da entendida ortodoxia. A radicalização de posturas nos temas
acima listados leva à formação de grupos independentes ou seitas já mencionadas por
Inácio de Antioquia (Magn. 10,2) e Justino, mártir (Diál. 47). Outras menções
importantes dos Padres da Igreja sobre esses grupos a temos em Ireneu (Adv. Haer.
I.26,2); Eusébio (HE III,5,3) e Epifânio de Salamina (Pan. 29,7,7-8; 30,2,7) que
consideram tais grupos como sobreviventes da queda de Jerusalém (70 d.C.). Textos que
refletem esta problemática são a Carta de Barnabé e o Pastor de Hermas.

As críticas modernas3 foram tentando estabelecer paralelismo entre os judeu-


cristianismos representados por Pedro e Tiago, e os cristãos gentios formados por Paulo,
vendo a Igreja como resultado dos conflitos entre ambos grupos (cf. Ech 15). Para
Prosper Grech4, o judeu-cristianismo é formado pelas correntes provenientes do judaísmo
(Séc. I-II d.C.), cujos membros continuam circuncidando seus filhos e observando a Lei
mosaica, independentemente de acreditarem que estas práticas fossem necessárias para
alcançar a salvação. Estas correntes podem ser abertas ou fechadas aos gentios, com uma
cristologia “baixa” ou “alta”.

Entre os grupos elencados do judeu-cristianismo, teremos os ebionistas (HE III,


27), cerintianos (HE III, 28), helcesaítas (HE VI, 38), nazareus (De vir. ill. 3),
simaquianos etc. Porém, os Padres, quase sempre, agrupam sob o nome de ebionitas
(Ireneu, Adv. Haer. I 26. 2; Orígenes, De princ. IV. 3,5 ss.; Epifânio, Pan. 30); que deriva
da palavra hebraica “pobre”.

Entre as características comuns a estes grupos teremos:

a) Consideram Jesus um simples homem: O nudus homo. Jesus é um justo que se


converte em filho adotivo de Deus no momento do batismo no Jordão. Não
aceitam a divindade nem preexistência de Jesus Cristo, como também seu

2
Cf. DANIELOU,J. Les manuscrits de la Mer Morte et les origines du christianisme, Paris, 1957.

3
Cf. BAUR, F. C., Das Manischäische Religionssystem. Hildesheim – New York, 1835.

4
Cf. GRECH, P., Il messaggio biblico e la sua interpretazione. Saggi di ermeneutica, teologia ed esegesi.
Roma, 2005.
nascimento virginal. Consideram Jesus ora o novo Moisés e ora o novo Adão. Sua
autoridade provém do cumprimento definitivo que nele se deu da lei mosaica).
b) Vivem segundo a lei judaica (principalmente pregam a necessidade da
circuncisão).
c) São opositores radicais a Paulo. Para os ebionistas, Paulo é chamado Simão, em
referência a Simão, o Mago. Dizem que Paulo quis matar a Tiago, mas sem
sucesso; além de não ter tido nenhuma visão divina, mas diabólica.

1.4 Cristianismo e “paganismo5”

É sabido que o conflito entre o monoteísmo e as instituições greco-romanas não


nasce com o cristianismo, mas, em sentido inverso, se acentua. Sobretudo depois dos anos
70 d.C., quando por parte do governo romano, judeus e cristãos são entendidos como o
mesmo fenômeno religioso.

Assim, partamos da prática religiosa imperial, que concebia a religião como parte
constitutiva do Império no seu culto aos deuses e imperadores, visto que o favor dos
deuses garantia a ordem pública da polis, a prosperidade de seus cidadãos e a continuidade
do Império; o que nos permite compreender que o conflito cheio de antagonismo será
inevitável tanto aos gentios quanto aos cristãos – haja vista nestes a impossibilidade de
adorar e prestar culto a qualquer divindade diversa, negando a participação no culto
devido ao seu caráter imoral, trazendo assim a desconfiança da sociedade sobre si.

Desta forma, a negação cristã ao culto imperial significa um isolamento social,


religioso e político da sociedade romana, além de afronta aos deuses, significando, em
última instância, uma desobediência ao Imperador e à ordem estabelecida. Por estas
razões, encontramos diversos testemunhos que apresentam os cristãos como ateus, feito
que significa um delito jurídico e que determina a intervenção da autoridade imperial,
mediante denúncias, quase nunca isentas de interesses particulares, sociais e políticos
levantadas em diversos contextos. É neste âmbito que podemos situar uma relação
negativa estabelecida entre o Cristianismo e o Império Romano. Contudo, podemos dizer
que existe uma relação positiva entre a Igreja primitiva e seus interlocutores greco-
romanos contemporâneos – se bem que se desenvolvam a partir das acusações e das
perseguições do Império contra os cristãos.

Contudo, o cristianismo não despreza de tudo a cultura “pagã”. Com a conversão


de pessoas versadas nas letras gregas e latinas, o posicionamento cristão sobre este tema
não é monolítico, encontrando-se:

a) Rejeição total do pensamento clássico (Taciano, Hérmias, Tertuliano e Arnóbio).

5
Cabe explicar que os termos “pagão-paganismo”, no sentido em que compreendemos, partem de
uma concepção pejorativa que os cristãos da antiguidade tiveram das culturas ou povos contemporâneos a
si, que adoravam deuses outros que não o Deus cristão. É no século IV d.C. que “pagão” adquire esse novo
significado.
b) Aceitação daquelas ideias, conhecimentos e sistemas filosóficos que contribuíram
para o bem da fé, atitude fixada por Justino através do conceito de “sementes do
Verbo” – intervenção da providência na história – (cf. também Aristides, Melitão,
Justino, Atenágoras, Minúcio Félix e Lactâncio).

Um sistema bem aceito, ainda que em sua versão popular, pelos cristãos foi o
Estoicismo, que sendo entendido como uma “filosofia viva” no seu tempo, também
havia influenciado grandemente sobre as concepções morais e religiosas do Império
(cf. Cícero, Séneca e Marco Aurélio), foi um ponto de diálogo entre o cristianismo e
o mundo pagão dos primeiros séculos.

Estes são os Padres apologistas gregos e latinos:

1. Quadrato (HE IV.3,1-2), escreve Apologia dirigida a Adriano (117-138).


2. Aristides (HE IV.3,3), também escreve uma Apologia a Antonino Pio (138-161).
3. Justino (HE IV.18.2.6-7), que morre mártir em Roma entre 163 e 167, escreveu
duas Apologias a Antonino Pio e o Diálogo com Trifão – a mais antiga apologia
que teremos contra os judeus).
4. Taciano (HE IV.29,7) que compôs o Discurso contra os Gregos, de caráter
polêmico.
5. Atenágoras deixou, em torno de 177, uma Súplica em favor dos cristãos a Marco
Aurélio.
6. Teófilo de Antioquia (HE IV.24) redigiu três livros a Autólico em torno de 180.
7. Hérmias, em data incerta, compôs Sátira sobre os filósofos profanos, num tom
sarcástico.
8. De Milcíades (HE V.17,5) escreveu uma Apologia da filosofia cristã dirigida aos
príncipes temporários.
9. Cláudio Apolinário (HE IV.27), bispo de Hierápolis, autor de vários textos hoje
perdidos.
10. Melitão de Sardes (HE IV.26.4-11), em torno de 170 escreve uma Apologia
dirigida a Marco Aurélio.
11. A Carta a Diogneto pode ser localizado no início do século III d.C.
12. Tertuliano nos deixou o Ad nationes, o Apologeticum e o Ad Scapulam.
13. Minúcio Félix escreveu o diálogo intitulado Octavius.
14. De Cipriano de Cartago contamos o Ad Donatum e o Ad Demetrianum.
15. Arnóbio conta sete livros em sua Adversus Nationes
16. Lactâncio também escreveu sete livros nas Divinae institutiones e também o De
mortibus persecutorum.

1.5 O Cristianismo e o gnosticismo

O movimento que gerou maior inquietação junto aos cristãos dos três primeiros
séculos seguramente foi o gnosticismo, plasmado em diversos sistemas que, na prática,
se diferiam muito entre si. Basicamente, se tratava de uma doutrina da redenção que se
desenvolveu em paralelo e em competição com cristianismo, tomando elementos mais
antigos e cujo interesse principal era explicar o mal no mundo, a situação do homem nele
e sua possibilidade de salvação, de caráter sincrético.

Assim, pois, considerando os elementos desta síntese, sabemos que o gnosticismo


gerou uma literatura considerável e que, até a metade do século IV havia provocado forte
e radical reação da parte da Igreja em suas variadas tradições, que temos acesso s partir
dos escritos dos Padres. Privilegiados testemunhos do gnosticismo são os códigos
descobertos em Nag Hammadi em 1945. Datam do século IV e continham 52 escritos,
principalmente textos gregos em tradução copta; são evangelhos, trechos dos Apóstolos,
diálogos, Apocalipses, livros de sabedoria, cartas, homilias, etc. Entre os textos havia
obras cristãs e não cristãs. Antes destas descobertas, contavam-se quase exclusivamente
com os testemunhos dos Padres para o estudo do Gnosticismo (Ireneu, Hipólito, Clemente
e Orígenes).

Destas obras há que destacar o Evangelho da Verdade e o Evangelho copta de


Tomé (íntegro no código II/2 de Nag Hammadi – é uma tradução copta de um original
grego do século II escrito na Síria). Reúnem 114 ditos de Jesus em forma de apotegmas,
logia, ditos proféticos, apocalípticos, legais, comunitários e parábolas. Ademais, alguns
paralelos sinóticos se relacionam com a fonte Q, trazendo agrapha desconhecidos até
agora.

Mesmo com estes achados, permanece para os estudiosos uma sombra sobre a
origem deste fenômeno religioso. Por esta razão, temos apenas teorias aproximadas sobre
o gnosticismo:

• A. Harnack: reelaboração do cristianismo com esquemas helênicos;


• Johann L. Mosheim e L. Puech: gnosticismo como orientações do cristianismo;
• H. Schaeder: helenização das religiões orientais;
• H. Leisegang: degradação da filosofia grega;
• G. Quispel: variedade de um judaísmo sincrético mitológico-dualístico;
• R. Reitzenstein, W. Bousset, G. Wodemgren: forma de religiosidade iraniana
centrada num mistério da redenção;
• R. Bultmann – existência de uma gnoses pré-cristã que crê numa cristologia alta
e numa baixa partindo do mito do Redentor redento;
• C.Colpe – o gnosticismo nasce no século I d.C.

Entre as sínteses atuais sobre o gnosticismo teremos a de H. Jonas6 (a partir do


existencialismo, o gnosticismo em um fenômeno pré-cristão que empresta a sua
linguagem mitológica à nova religião) e de G. Filoramo7 (um redescobrimento
epistemologicamente cientifico do fenômeno gnóstico antigo).

Convém também distinguir, como faz H. Drobner, entre o gnosticismo como


doutrina de conhecimento e como doutrina da redenção que supõem a existência de um
sistema gnóstico já existente. Para M. Simonetti, o Gnosticismo é uma heresia cristã;
critica a postura de H. Jonas e R. Bultmann, colocando em relação gnosticismo e
Marcionismo. P. Grech marca uma fronteira do gnosticismo, que se situa entre o I e o II
séculos d. C., nos limites do judaísmo, paganismo, cristianismo e as religiões orientais,
entre a ortodoxia e a heresia, junto com muitos elementos platônicos e neoplatônicos que

6
JONAS, H. The Gnostic Religion: The Message of the Alien God and the Beginnings of Christianity,
2001.

7
FILORAMO, G., A History of Gnosticism. Oxford and Cambridge, 1990).
mantém teoricamente este sistema. M. A. Williams colocou, ultimamente, algumas
objeções sobre o gnosticismo, baseando-se na correção e fidelidade das traduções feitas
dos textos coptas e da interpretação dos mesmos.

Ainda que de interpretações diferentes sobre o fenômeno gnóstico, desses autores


podemos abstrair os seguintes motivos ou impulsos ideológicos do gnosticismo:

a) A escatologia Apocalíptica judaica.


b) Os mitos de salvação dos cultos histéricos.
c) As concepções sapienciais judias sobre a sabedoria e a Divindade (Qumrã).
d) As doutrinas órfico-pitagóricas sobre a dualidade essencial do homem, um mundo
transcendente e a transmigração das almas.
e) A difusão do método da exegese alegórica dos textos sacros.
f) A popularização da doutrina aristotélica sobre as enteléquias.
g) A especulação iraniana sobre as forças espirituais que atuam na esfera divina e
humana.
h) A concepção cristã do Redentor.

Ainda que não haja um sistema gnóstico único, apresentamos um esquema geral de
sua cosmovisão:

Partindo de um deus desconhecido e totalmente transcendente, que não tem


relação com o mundo, o cosmos é criado por um ser intermediário, o demiurgo
– que seria o Deus do AT. Separado da divindade, os homens caem no pecado
neste mundo. Por outro lado, o homem é semelhante a Deus verdadeiro em
seu interior; no entanto, a centelha divina que nele está é controlada pelo
demiurgo em seu corpo, que está ligado ao mundo. O homem deve, então,
libertar-se da matéria e retornar ao verdadeiro Deus. Essa libertação se alcança
somente através do conhecimento reservado aos eleitos. Cristo não resgata do
pecado, mas somente revelou, num Evangelho secreto dado a alguns apóstolos
(como Judas Escariotes) esse conhecimento necessário para a libertação do
homem.

Entre as figuras gnósticas mais importantes convém distinguir:

a) Basílides: compôs um comentário dos evangelhos em 24 livros, de salmos ou


odes; contudo, sua doutrina nos chega de forma indireta por vários
testemunhos(como Clemente, Strom. IV,81-83; Hipólito, Ref. VII,20-27) e;
b) Valentim:egípcio que se mudou para Roma em 140 d.C. e funda sua própria escola
depois de refutar a ortodoxia. Depois de ir a Chipre, regressa a Roma e morre em
160 d.C. Escreveu homilias, salmos e cartas. Merecem destaque em sua doutrina
o desenvolvimento do pleroma divino em 30 éons agrupados em pares que se
geram uns nos outros; o pecado é gerado do último éon. Sophia provoca a
degradação divina no mundo; o Redentor busca levar a reunificação ao pleroma.
No que diz respeito à antropologia, os homens se dividem em grupos:
a. - pneumáticos: salvos para o pleroma,
b. - psíquicos: salvos em partes, e
c. - hílicos – não alcançaram a salvação.
1.6 Adendo: o gnosticismo e a Bíblia

A relação com as Escrituras judaico-cristãs não se dá de modo homogêneo entre


os grupos gnósticos, sobretudo no que diz respeito ao cânone. No entanto, é importante
notar o modo como as interpretam: o método alegórico. Tal uso é percebido em dois
escritos de origem gnóstica: a Exposição sobre a alma e o Poimandres. Os gnósticos
utilizam todo o Gênesis e Isaías, e à exceção do Evangelho de Tomé, raramente citam
alguns dos evangelhos canônicos. Às vezes, as citações são literárias, outras vezes
alegóricas; é certo que utilizam termos, passagens ou insinuações do texto bíblico
adaptando para uma situação gnóstica específica. Por fim, temos também o texto chamado
Pensamento trimorfo, que reinterpreta e amplia o Prólogo de São João, além do escritor
gnóstico Heraclião, que também elaborou um comentário do Evangelho.

BIBLIOGRAFIA UTILIZADA:

BERNARDINO, A. di (Ed.)., Dizionario Patristico e di Antichità cristiane I-II, Genova -


Roma 1999, Marietti – Institutum Patristicum Augustinianum (verbeti Apologisti-
Apologetica; Giudeo-cristianesimo; Gnosi-Gnosticismo; Pagano-Paganesimo).

DROBNER, Hubertus R., Manual de Patrología, Barcelona 2001, Herder.

GARCÍA MARTÍNEZ, F., TREBOLLE BARRERA, J., Los hombres de Qumrã. Literatura,
estructura social y concepciones religiosas, Madrid 1993, Trotta

FILORAMO, Giovanni, L´attesa della fine. Storia della Gnosi, Roma, Bari 1983, Laterza

KLIJN, A. F. J., REININK, G. J., Patristic Evidence for Jewish-Christian Sects, Leiden
1971, Brill.

MAZZARINO, Santo, L´Impero Romano I, Roma – Bari 1988, Laterza.

PIÑERO, A., MONTSERRAT TORRENTS, J., GARCÍA BAZÁN, F., Textos gnósticos. Biblioteca
de Nag Hammadi I. Tratados filosóficos y cosmológicos, Madrid 2000, Trotta.

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