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1 DE DENTRO E DE FORA: a ambiguidade entre pertencer ao espaço de


alcance dos muros do cárcere

No inicio do trabalho, foi posto como as escolhas para planejar os espaços


físicos da cidade, determinam e impactam fortemente a esfera social, mas não pretendo
com isso considerar o espaço urbano apenas uma entidade própria que determina e
domina, através de disputas econômicas, por completo a vida dos seus moradores
(SANTOS,1987), mas, quero ressaltar como ao selecionar quais serão as obras
instaladas em determinados espaços, definem não só o tipo de bairro, mas e o tipo vida,
de rotina e de cotidiano que os moradores vivenciarão, neste caso não é precoce afirmar
que o bairro Jd.Pinheiros/Vila Biagioni foram fadados a ser o bairro de Araraquara, para
viver entre os muros do cárcere. Segundo Milton Santos (2011, p. 7): “O espaço é o
lugar final da ação[...] daí o fato de que todo avanço social, econômico e político, se faz
através de um pacto territorial”.
Quando no O.P o morador se auto intitulou como periferia, confirmou-se
àquilo que a dimensão geográfica já indicava, e ainda mais: como a paisagem urbana
influi na categorização pessoal desses indivíduos, isto é, como os habitantes desse
espaço incorporam a paisagem que eles foram submetidos a viver diariamente
(AGIER,2009). A primeira entrevista achei que seria uma boa opção iniciar com a moça
que me abordou no O.P, isto é, com a Giovana. Devo dizer que optei em não utilizar um
gravador para que ela não ficasse intimidada, até porque até o momento, ela era minha
única interlocutora a ter relatado um caso violento e pessoal com a família no bairro. A
entrevista aconteceu em um espaço em comum, na Universidade Estadual Paulista Júlio
de Mesquita Filho (FCLar/UNESP)pois ela também é estudante e cursa a Administração
Pública.
Há um viés de ambiguidade relevante a ser percebido nesse primeiro caso: sob
uma perspectiva positiva, durante a primeira abordagem feita no O.P notei que diálogo
com ela seria mais “linear”, pois, como já disse, apesar de demonstrar insatisfação
imediata com seu endereço “periférico”, ela também se colocou naquele momento como
observadora da sua vizinhança – talvez por sentir que tem condições de se manter
afastada, ao possuir também uma educação acadêmica etc. - expos como tenta não
manter “vínculo” afetivo com ninguém do bairro, e se colocou numa posição racional
capaz de “identificar” fenômenos ao pronunciar que (afirmação verbal) “A Vila
Biagioni está em um fogo cruzado entre o moderno(por ser um bairro mais novo que o
Jardim Pinheiros) e o tráfico”.
De imediato, ficou evidente a importância de selecioná-la para essa aplicar a
entrevista “semi-estruturada” com o tipo de roteiro já exposto no capítulo anterior, pois
nossa conversa foi fluída e a linguagem se manteve padrão e menos emotiva, afinal: ela
não se sentia parte do “pedaço” (MAGNANI, 2002). No entanto, o fato da entrevistada
não se sentir parte daquele processo, possuía também um complicador negativo, pois o
meu papel era ver o seu bairro por ‘cima dos ombros’ (AGIER, 2011) da moradora, e a
proximidade contida no espaço em comum - a Universidade - fez com que ela olhasse
mais através do ponto de vista cientifico para o seu lugar de moradia, quando eu
buscava as sensações e cotidiano de moradores daquele espaço.
Diante dessa proximidade circunstancial com a entrevistada, somado às
condições que expliquei anteriormente e pela entrevista não ter sido realizada no bairro,
preferi não aplicar um questionário, ou fazer uma entrevista fechada. A empatia dela
pelo tema e pela situação permitiu que a entrevista fosse somente guiada através de
algumas incitações, dentre elas a principal: que ela me falasse como é ser moradora do
seu bairro, assim como ela já tinha iniciado no O.P. Diante dessa perspectiva, indiquei
que ela demonstrasse o que achava pertinente respeito daquele contexto incitado por
mim. Imediatamente recoloca sua insatisfação por morar ali, afirma que não vê a hora
de se mudar, pois ainda que ela morasse ali a vida inteira, ela não possuía vínculos para
querer continuar lá. Eles (sua família) já tinham sido assaltados diversas vezes, sendo
uma delas a mais complicada, quando ela tinha cinco anos, Giovana (informação
verbal): Eu acho que isso foi causado pela rebelião na penitenciária, naquela época
meus pais contaram que o bairro ficou um inferno e estava muito perigoso.
Segundo seu relato, durante esse momento, alguns assaltantes colocaram as
armas apontadas diretamente pra ela e seus pais, enquanto cinco bandidos assaltavam
sua casa. Depois disso, a entrevistada conta que ficou um tempo indo a psicólogos,
porque ficava com medo de qualquer barulho que ouvia na sua rua, é importante
salientar que segundo ela, ainda que ela e seus pais morem lá há 18 anos, eles conhecem
os vizinhos somente o “suficiente” ou os únicos que são realmente próximo (de muro)
da sua residência:
O bairro passou por modificações comerciais e vive em constante mudança de
moradores, pois há muitos traficantes, a gente não conhece as pessoas direito, na
minha rua é mais tranquilo porque moramos logo na avenida principal, mas atrás da
minha casa não tem iluminação e parece ‘Cidade de Deus’, nós nunca ficamos
tranquilos, minha casa tem alarme, câmera e cerca elétrica... meus pais não estão
dispostos a lutarem por melhorar o bairro, nem por segurança, ou a gente se previne
ou sai, estamos saindo e meus pais preferiram se prevenir enquanto isso. Da última vez,
o vizinho que é drogado roubou só o fogão e o botijão da minha casa, ai descobrimos
porque vimos na câmera (Giovana, informação verbal).

Mais adiante, ela reforça aquilo que ela demonstrou desde do inicio, o seu não
pertencimento ao bairro – ainda que tenha nascido ali e morado só neste lugar a vida
inteira. Pergunto qual a visão dela a respeito da presença da penitenciaria, ela diz não
acha ruim a estrutura física, mas que a existência dela gera outras consequências para o
bairro:
Não é uma estrutura ruim, é muito bacana esse modelo, é uma das melhores do
Estado de São Paulo, o padre da minha igreja é da pastoral carcerária e disse que a
reincidência dessa nossa é muito pequena, o problema mesmo é o CDHU[lado direito
da Vaz Filho, como citei anteriormente] e a vizinhança, que acaba se instalando por
conta da penitenciária e o tráfico é muito intenso, velado, mas intenso...já aprendemos
alguns sinais, as vezes, por exemplo, uma terça de manhã a gente escuta rojão e sabe o
que significa, as drogas chegaram...a minha vizinha de 14 anos fica trancada dentro de
casa porque os pais não deixam ela sair, eles até levam a chave com eles, morrem de
medo dela andar na nossa rua, parece que fica mais presa que os presos

O que se pode analisar da fala da Giovana, é que para eles – que evidentemente
tem uma formação a partir da fala dos seus pais, já que ela os cita - não é que a
penitenciária seja um problema, o problema é a vizinhança que se forma no entorno -,
que em grande parte, principalmente na Vila Biagioni(que é um bairro mais novo que o
Jd.Pinheiros) é formada por familiares de presos ou de ex-presos, quando cumprem sua
pena acabam fixando-se no bairro, principalmente nos prédios do conjunto habitacional
que faz parte dessa vizinhança, mas que por questão de tempo e até mesmo de não
encontrar um mediador para entrar nesse espaço, ficou de fora da pesquisa. A
interlocutora reforça que sua família agora está terminando uma casa em outro bairro
periférico da cidade, mas que (informação verbal/Giovana) graças a Deus nós vamos
mudar no final do ano(2017).
A ambiguidade da interlocutora aparece novamente ao final da entrevista,
quando ela faz um questionamento – retórico, aparentemente – de como será que a
vizinhança tal como ela descreveu, mesmo se deparando diariamente sempre com a
estrutura da penitenciária, tem “coragem” de continuar nesse mundo do tráfico.
Evidente, não tive como responder, não sei se ela esperava uma resposta pronta que
afirmasse a conexão entre a estrutura física do cárcere presente no bairro e as dinâmicas
do tráfico que ali ocorrem De qualquer modo, não há como ignorar o que Goffman
define como estigma logo no início de sua obra, para retratar tanto o que ela questiona, e
– talvez - o porquê de eu acha-la tão ambígua na sua fala e no seu papel de
moradora/observadora:

Os ambientes sociais estabelecem as categorias de pessoas que têm


probabilidade de serem neles encontradas. As rotinas de relação social
em ambientes estabelecidos nos permitem um relacionamento com
"outras pessoas”. Então, quando um estranho nos é apresentado, os
primeiros aspectos nos permitem prever a sua categoria e os seus
atributos, a sua "identidade social"[...] percebemos que durante todo o
tempo estivemos fazendo algumas afirmativas em relação àquilo que o
indivíduo que está à nossa frente deveria ser[...]Observe-se que há
outros tipos de discrepância entre a identidade social real e a virtual
como, por exemplo, a que nos leva a reclassificar um indivíduo antes
situado numa categoria socialmente prevista, colocando-o numa
categoria diferente, mas igualmente prevista e que nos faz alterar
positivamente a nossa avaliação. (GOFFMAN, p.5-6, 1963)

Assim sendo, reconheço a importância da fala dessa moradora, que possui um


papel duplo dentro da pesquisa, além de evidentemente discutir – ainda que sem saber –
a questão de identidade territorial no espaço do seu bairro pois , ao mesmo tempo que
não problematiza a estrutura física do presídio em si, ela atribui os males do seu bairro e
o seu trauma que ela passou, à presença “social” advinda da penitenciária. Logo, fica o
questionamento se o suas palavras são de denúncia, de defesa ou uma moradora que
mesmo de dentro, se vê somente como de fora.

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