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UM CONTRARIANISTA NO LIMBO
ARTIGOS EM VIA POLÍTICA, 2006-2009
Brasília
Edição do Autor
2017
Um Contrarianista no Limbo
Artigos em Via Política, 2006-2009
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Um Contrarianista no Limbo
Artigos em Via Política, 2006-2009
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Direitos de publicação reservados:
© Paulo Roberto de Almeida
2017
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Acredito...
Eu também aprendi, que os resultados são sempre mais importantes do que as intenções,
mas que os fins não justificam os meios...
Acredito, para terminar, que coisas simples assim podem ser partilhadas com outros...
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Índice
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Apêndices
30. Relação dos artigos publicados em Via Política, 2006-2009 237
31. Livros de Paulo Roberto de Almeida 242
32. Nota sobre o autor 245
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Apresentação
Resquícios de um quilombo de resistência intelectual
Considero os trabalhos reunidos neste volume, que de outra forma poderiam ser
chamados de “crônicas do limbo,” como remanescentes de alguns dos meus quilombos
de resistência intelectual, quando eu estava reduzido a um ostracismo funcional, ou seja,
confinado a uma espécie de limbo institucional por razões que muitos sabem quais
foram, mas que talvez não seja o caso de discutir aqui. Em todo caso, basta informar
que, convidado no início de 2003 a assumir a coordenação do mestrado em diplomacia
do Instituto Rio Branco, fui “desconvidado” logo em seguida, por motivos obscuros
mas que podem ser deduzidos mediante uma simples consulta à lista de minha produção
acumulada desde muitos anos. O fato é que, desde então, e pelos 13 anos seguintes,
permaneci sem qualquer função na Secretaria de Estado, uma travessia do deserto que
apenas foi interrompida com o impeachment de certa senhora. Tudo coincidência, claro.
Enterrado um regime, iniciado um outro, retomei meus trabalhos, não exatamente
na Secretaria de Estado, mas numa função de corte acadêmico, que por acaso coincide
com meus interesses intelectuais. Durante aquele longo período – do início de 2003 a
meados de 2016 –, frequentei, ou criei, vários tipos de “quilombos”, que eu chamei de
“resistência intelectual”, em geral sob a forma de blogs, que eu mantinha e alimentava
com objetivos variados: resenhas de livros, transcrição de escritos alheios, usos tópicos
diversos (por ocasião de eleições presidenciais, por exemplo), e mais frequentemente
para finalidades pessoais (como o DiplomataZ, entre vários outros), ou blogs de caráter
geral, dos quais o mais constante, e até hoje em uso, é o Diplomatizzando.
Num desses quilombos, ou fora deles, a verdade é que eu estava no limbo, o que
até pode parecer anacrônico, uma vez que a Cúria do Vaticano parece ter extinguido
esse “território” muitos anos atrás. Enfim, sempre podem subsistir limbos virtuais. O
limbo, segundo os dicionários, representa, na teologia cristã, uma região próxima do
inferno, um refúgio para as almas dos homens bons, que viveram antes da chegada de
Cristo, e para as almas das crianças falecidas não batizadas. Num sentido civil, pode
aproximar-se de uma espécie de prisão, ou confinamento, o que deve ter sido o meu
caso. No sentido mais comum do termo, seria um lugar ou a condição de negligência
ou de esquecimento aos quais seriam relegadas coisas ou pessoas não desejadas. Estas
são, em todo caso, as definições que retiro do Webster's New Universal Unabridged
11
Dictionary (2nd edition; New York: Simon and Schuster, 1979), p. 1.049. Os muito
curiosos por outras significações, ou por explicações mais detalhadas, podem procurar o
verbete na Wikipédia.
Retomemos o meu caso. Consciente do ostracismo que me foi imposto, por
decisões provavelmente políticas (ainda que não declaradas), continuei a fazer o que
sempre fiz, no decorrer de toda uma vida dedicada a uma atividade fundamental: ler,
refletir, escrever, eventualmente divulgar meus escritos pelos meios disponíveis. Estes
meios não eram muitos; ao início, na verdade, nenhum, uma vez que eu só dispunha, em
2003, de meu próprio site pessoal (www.pralmeida.org), que se destinava unicamente a
divulgar alguns trabalhos acadêmicos, em temas sobre os quais eu era frequentemente
consultado por estudantes, jornalistas ou colegas acadêmicos: integração regional,
política externa brasileira, relações internacionais de modo geral. O site pessoal era um
instrumento passivo, pois nunca fiz dele um instrumento de comunicação, ou plataforma
para qualquer outro objetivo, senão a compilação de trabalhos de natureza intelectual,
que refletiam essa minha produção de tipo acadêmico. A partir de certo momento, para
facilitar o trabalho de carregamento e disponibilização de trabalhos mais curtos, passei a
utilizar a ferramenta dos blogs, o único free lunch real, conhecido sob o capitalismo.
Por inépcia pessoal, incompetência técnica notória, tive vários deles, sucessivos,
até conseguir estabilizar no Diplomatizzando, sem que todos os demais tivessem sido
desativados; foram apenas sendo deixados de lado, para não complicar muito a vida. O
fato é que comecei a postar um volume crescente de materiais suscetíveis de atrair a
atenção de um número maior de leitores, e até de “editores” de ferramentas semelhantes
ou até de instituições de ensino e pesquisa espalhadas pelo Brasil. De várias recebi
convites para colaborar, o que procurei atender na medida de minhas possibilidades e,
sobretudo, interesse no tipo de veículo, seu perfil social e nicho de interesse intelectual.
Um deles foi a revista eletrônica Via Política (Porto Alegre), animada pelos
jornalistas gaúchos Omar Luiz de Barros Filho e Sylvia Bojunga, que me localizaram
em algum momento do início de 2006 e formularam o convite para que eu colaborasse.
Refleti por algum tempo, sobre se deveria aceitar ou não, e resolvi colaborar, tanto
porque havia sido contatado quase simultaneamente por dois outros veículos online de
comunicação, e também porque, desde 2001, já contribuía mensalmente com a revista
digital Espaço Acadêmico, um bem sucedido empreendimento editorial mantido em
condições quase artesanais pelo professor Antonio Ozaí, da Universidade de Maringá,
no Paraná. Depois de ter inaugurado minhas colaborações mensais nessa revista por um
12
texto – “Dez novas regras de diplomacia” – que deve ter sido o mais acessado de toda a
minha produção acadêmica (na verdade diplomática), continuei durante dez anos com
meus artigos provocadores (ao ambiente de gramscismo disseminado), até que o corpo
editorial deve ter se cansado de meus ataques à nossa miséria acadêmica e resolveram
dispensar-me dos colaboradores regulares. Ufa! Poupou-me uma obrigação adicional.
Em Via Política, com total liberdade de colaboração, cheguei até a dispor de uma
coluna dedicada e especial, que reproduzia o título de um dos meus blogs na ocasião – a
“Diplomatizando”; link: http://www.viapolitica.com.br/diplomatizando – e mandava
minhas contribuições a intervalos regulares, embora sem uma periodicidade fixa. No
total, salvo engano de registro, contei 87 publicações, mas pelo menos duas delas foram
longos artigos divididos em postagens diferidas ao longo de algumas semanas, como foi
o caso de um ensaio sobre o Brics e uma análise das parvoíces do Fórum “Surreal”
Mundial (que parecem ter desaparecido da paisagem, mais por falta de dinheiro oficial
do que de besteirol à disposição dos incautos).
Nesta minha seleção ilustrativa, escolhi três dezenas de trabalhos, reproduzidos
neste volume de compilação (nem sempre fiel aos textos efetivamente publicados, pois
que buscados nas minhas pastas de “originais”, organizadas ano a ano. Creio que podem
ser considerados os trabalhos mais representativos, e ainda válidos, de minhas reflexões
e de minha produção intelectual nesses anos em que me encontrava afastado de
qualquer atividade funcional na Secretaria de Estado ou de postos no exterior. Depois
da decisão de efetuar o “renascimento” desta colaboração com um blog infelizmente já
desaparecido, comecei a pensar em como intitular esta nova série de trabalhos atinentes
às minhas pesquisas, reflexões e escritos. Diferentes opções estavam à disposição deste
autor: crônicas do deserto, do cerrado, do agreste, ou qualquer outro conceito denotando
uma situação áspera, difícil, de isolamento ou de dificuldade, enfim, algo conforme às
minhas condições naquele período.
Resolvi então adotar o que era mais característico quanto ao autor e sua situação:
um “contrarianista” – ou seja, alguém não absolutamente contrário a tudo o que vê, ou
encontra, mas praticando o que eu sempre chamei de “ceticismo sadio” – ,“no limbo”,
pois esta era, efetivamente, a minha situação naquele momento. Esta foi, pois, a decisão
de deixar registrados trabalhos de uma fase já passada, mas que ainda pode voltar a
ocorrer novamente, pois nunca se sabe que tipo de complicações esses contrarianistas
profissionais podem criar para si mesmos, em termos de projetos de vida, tanto pelo
lado profissional, como pelo lado acadêmico ou pessoal. Acredito que as pessoas são
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responsáveis, em grande medida, pelo seu próprio destino, na medida em que fazem
escolhas, adotam posturas, assumem atitudes que as colocam em maior ou menor
conformidade com o seu meio social, com o seu ambiente profissional, com o seu
universo de relacionamentos e interações. Sou o resultado de minhas próprias escolhas,
ainda que outros possam ter contribuído, direta ou indiretamente, para minha condição,
em determinados momentos de minha carreira profissional ou itinerário acadêmico.
Não pretendo lamentar nada, ainda que exercícios de autorreflexão e revisões
críticas de trajetórias passadas e presentes sejam sempre desejáveis, na perspectiva de
corrigir o que está errado e impulsionar caminhos mais atrativos, ou interessantes. Ao
refletir sobre esse tipo de situação, em dezembro de 2006, ao confirmar-se o limbo no
qual eu andava metido, escrevi num dos textos pessoais: “Vou estabelecer, neste final
de ano [2006], um plano de trabalho para enfrentar os próximos meses, talvez anos, de
travessia do meu deserto particular”. Não sabia, naquela momento, que o limbo teria a
exata duração de dez anos, durante os quais preferi ficar com minha consciência e em
defesa de certos princípios e valores, do que aderir a um governo que sempre considerei
um desastre no plano econômico, político, institucional, e até ético e moral. Acho que
eu não estava errado a este respeito, como constatamos pelos incontáveis processos,
delações, investigações sendo feitas e casos sendo julgados atualmente no Judiciário.
O Brasil atual, de certo modo, me dá vergonha, pelo aspecto de corrupção impune
a que se assiste. Mas, por outro lado, existem pessoas e instituições lutando para que tal
vergonha seja corrigida, punida, senão eliminada, pelo menos limitada. É isso que eu
sempre procurei fazer através de meus escritos e publicações. Eles não são fortuitos, ou
puramente circunstanciais. Eles traduzem um compromisso com certos princípios de
vida, com certos valores que julgo importantes, para minha geração e as que se seguirão
nas décadas seguintes, agora representadas por meus filhos e netos.
A palavra limbo talvez não é mais adequada à minha situação atual. Ela fica, em
todo caso, como conceito chave destas minhas crônicas de um período especial, hoje
felizmente superado, mas que talvez possa voltar pelo lado de um contrarianismo
sempre presente em meus textos. Nesse caso, eu talvez tenha de escolher algum
substantivo mais apropriado. No momento este é o que me convém para expressar estas
colaborações a um dos muitos veículos com os quais colaborei ao longo dos anos.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 26 de dezembro de 2017
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Primeira Parte
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1. Dicionário político dos novos pecados capitais
Como todos sabem, os sete pecados capitais da tradição cristã são, sem ordem
particular de prioridade, os seguintes:
1) inveja;
2) avareza;
3) cobiça;
4) orgulho (ou soberba);
5) preguiça;
6) luxúria;
7) gula.
Sobre eles não precisamos nos alongar indevidamente, tendo em vista toda a
exegese já registrada na história, a começar por São Tomás de Aquino até exemplos
mais recentes na literatura. Pode-se questionar, inclusive se esses “pecados” continuam
sendo “capitais” ou se a sua presença na vida diária já não vem sendo admitida com
alguma tolerância pelos mais diversos personagens da vida pública. Afinal de contas,
todos eles, com alguma discrição para a luxúria, vêm sendo exibidos por esses
personagens, até mesmo com certa desfaçatez, sem que autoridades morais ou religiosas
venham a público condenar atos e atores com a veemência que seria de se esperar.
Deixando de lado esses pecados da velha tradição, proponho-me agora listar
alguns novos pecados da moderna vida política, da brasileira em particular. Os políticos,
em geral, exibem uma penca deles, não todos os políticos, em bloco, nem todos os
pecados, ao mesmo tempo, mas vários desses personagens da vida pública ostentam
alguns de forma cumulativa e, o que é pior, de maneira reincidente.
Não vou deter-me agora sobre casos concretos da vida pública brasileira, tanto
porque eles estão sendo expostos de maneira recorrente, nas comissões parlamentares
de inquérito e nas páginas da imprensa e em outros meios de comunicação.
Parafraseando uma frase famosa, pode-se dizer que nunca, tantos podres da vida
pública foram assumidos de forma tão aberta, para o conhecimento de tantos cidadãos,
estupefatos. Assistimos, desde vários meses, a uma enxurrada de denúncias, várias delas
já substanciadas por provas contundentes, sem que se tenha visto, até aqui, nenhuma
condenação moral, ou qualquer condenação de fato. Resta saber se velhos e novos
pecados serão, de alguma forma, julgados e condenados no futuro previsível.
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Esperando que chegue o “dia do julgamento final”, proponho-me, assim, a
apresentar alguns novos pecados da vida política brasileira que, numa lista não
exaustiva, poderiam ser identificados com os seguintes:
1) corrupção
2) hipocrisia
3) fraude
4) desfaçatez
5) volubilidade
6) inconstância
7) mentira
8) mediocridade
9) transferência de encargos para terceiros
10) ignorância deliberada de fatos de sua competência
11) irresponsabilidade quanto ao desempenho de funções
12) pretensão
13) eleitoralismo desenfreado
14) propaganda indireta, com meios públicos
15) uso da máquina estatal para fins particulares
16) populismo (velho e novo)
17) demagogia (aparentemente, uma segunda natureza)
18) arrogância
19) clientelismo
20) fisiologia
21) nepotismo
22) fuga da realidade (autismo político)
23) esquizofrenia (defesa de objetivos conflitantes na vida política)
24) ofensa à inteligência alheia (“eu não sei”, “eu não vi”, “não estou sabendo”...)
Paro provisoriamente por aqui, e não pretendo, no momento, elaborar sobre cada
um desses novos pecados, esperando ao menos que eles sejam autoexplicativos. Os
fatos que poderiam substanciar cada um desses verbetes do novo dicionário de costumes
políticos da vida brasileira são conhecidos de todos e não requerem nova descrição.
Termino parafraseando Dante Alighieri (1265-1321), o poeta italiano, autor de A
divina comédia, que em uma de suas frases memoráveis disse o seguinte:
“Não menos do que saber, me agrada duvidar.”
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2. Prioridades possíveis em uma administração racional
Todo mundo tem a sua pequena lista de tarefas urgentes e inadiáveis a serem
feitas no Brasil: se consultarmos os representantes do povo, eleitos para isso mesmo,
eles já têm pronta uma lista enorme de projetos a serem implementados com a máxima
urgência possível, com a particularidade de que são todos nas respectivas circunscrições
eleitorais, obviamente. Se perguntarmos a um conclave de universitários, reunidos, por
exemplo, numa dessas conferências anuais da SBPC, eles também terão a sua lista de
prioridades, geralmente vinculadas à ciência e tecnologia, ao investimento em educação,
incentivo à pesquisa, aumento de salário aos professores – notoriamente defasados –,
financiamento às universidades e coisas do gênero. Se falarmos com os industriais, ou
aos agricultores ou, ainda, aos simples trabalhadores do campo e da cidade, cada uma
dessas categorias terá uma lista de medidas urgentes a serem tomadas pelo governo, sob
risco de desemprego, insuficiência alimentar, deterioração das condições de vida ou
sabe-se lá o que mais.
Recursos orçamentários são, por definição, escassos, como mais de um governo
“comprometido com o povo” descobriu no dia ou nas semanas seguintes à vitória nas
eleições. Não dá, obviamente, para fazer tudo ao mesmo tempo ou sequer no tempo
total do mandato. Como já disse alguém, “não espere que eu faça em quatro anos aquilo
que não foi feito nos últimos 500 anos”. Elementar, não é mesmo?
O problema é que as pressões emergem de todo lado, cada grupo de interesses,
cada categoria social berrando pela sua fatia do orçamento e os políticos estão aí para
isso mesmo: para fazer chantagem com o governo de plantão, só dando o seu voto
depois de ter assegurado o financiamento para o seu projeto particular. O resultado é o
pior possível, com a fragmentação total do orçamento público em uma miríade de
pequenos projetos, quando não, o esquartejamento puro e simples dos recursos escassos
em uma variedade de pequenos gastos, que não resolvem qualquer dos grandes
problemas sociais do país, e mantém intactos os pequenos problemas com sua resolução
parcial mediante uma parte da verba originalmente pedida.
Pois bem, a intenção do presente exercício é outra. Seria a de tentar concentrar
os recursos disponíveis mediante sua focalização nos melhores projetos disponíveis. O
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critério básico é o de encontrar as prioridades sociais efetivas, isto é, aquelas ações que
redundam no maior efeito social possível, alcançando o maior volume de pessoas que
exibem carências detectáveis que redundam em perdas sociais mensuráveis. A aplicação
dos recursos disponíveis – por definição, escassos, como sempre – tem de ser feita com
a melhor eficácia possível no dispêndio, o que os economistas usualmente chamam de
custo-benefício, ou seja, o maior retorno alcançável pelo dinheiro aplicado. Por fim, a
ação visada precisa apresentar eficiência; em outras palavras, estender benefícios ao
maior número com efeitos permanentes de bem-estar, contribuindo para a elevação dos
índices de produtividade social (direta ou indiretamente).
Com base nessa trilogia – prioridades efetivas, custo-eficácia e eficiência –
podemos traçar uma escala de ações prioritárias que poderiam ser implementadas por
um governo interessado em corrigir as distorções mais gritantes existentes na sociedade
brasileira, quais sejam, a desigualdade, a má educação, a infraestrutura precária e uma
baixa produtividade geral no sistema produtivo.
Não consideremos, aqui, demandas de grupos ou, mesmo, a escassez de
recursos. Vamos simplesmente supor que temos um volume de recursos dado, mas que
precisamos escolher apenas as ações mais prioritárias dentre as prioridades
governamentais, deixando para depois as menos prioritárias. Numa segunda etapa,
pode-se discutir a disponibilidade de recursos. Não vamos, tampouco, considerar o
sistema político, mas sim uma organização a mais racional possível, que aja com base
na já mencionada eficácia e eficiência máximas dos investimentos feitos.
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4) Reformas microeconômicas para a melhoria do ambiente de negócios
(a) ampla reforma trabalhista num sentido mais contratualista do que com base no
diploma legal; eliminação do imposto sindical e da justiça trabalhista, com amplo
recurso ao sistema arbitral e criação de varas especializadas na justiça comum;
(b) redução da informalidade empresarial e trabalhista mediante reformas tributária,
regulatória e burocrática; redução dos custos de transação impostos pelo Estado;
(c) descentralização dos sistemas de compras públicas, com uso ampliado dos
mecanismos eletrônicos de oferta, aquisição e controle dos gastos efetuados;
(d) eliminação dos tratamentos diferenciados entre setores, de maneira a eliminar
distorções e competição fiscal danosa aos orçamentos públicos e aos regimes
tributários;
(e) ampliação da competição interna e externa, com eliminação de cartéis e setores
oligopolizados, redução do protecionismo alfandegário e maior integração à
economia mundial, com abertura ampliada aos investimentos estrangeiros.
5) Segurança pública
(a) reformulação dos aparelhos policial, penitenciário e de justiça, num sentido
preventivo, repressivo e restaurativo;
(b) diminuição da idade de imputabilidade legal;
(c) redução dos casos de prescrição de pena e ampliação dos prazos;
(d) integração do sistema preventivo com os mecanismos de assistência social e de
incorporação escolar, para diminuir a delinquência juvenil e a criminalidade
envolvendo crianças.
23
3. Uma verdade inconveniente: pode o Brasil crescer 5% ao ano?
24
precisaria diminuir, muito e rapidamente, o nível da “despoupança” estatal, que
consome os recursos dos particulares no estéril jogo das despesas públicas.
Uma das evidências mais notórias da política econômica nas últimas décadas, tal
como demonstrada por exercícios feitos a partir de estatísticas dos países da OCDE, é a
que vincula o nível das despesas públicas nacionais com as taxas de crescimento anual.
Em estudo sobre as causas dos diferenciais de crescimento entre as economias da
OCDE ao longo de 36 anos a partir de 1960, o economista James Gwartney, da Florida
State University (https://www.cato.org/people/james-gwartney), demonstra a existência
de uma correlação direta entre crescimento econômico e carga tributária. A explicação
para esse fenômeno é tão simples quanto corriqueira: quanto maior o nível da punção
fiscal sobre a sociedade, menor é o incentivo para que os agentes econômicos se
disponham a oferecer uma contribuição positiva para a sociedade; em contrapartida,
quanto mais alta a carga tributária, mais e mais recursos fluem dos setores produtivos
para o aparato do governo.
Para aqueles ainda não convencidos por esta simples correlação matemática, ou
meramente empírica, recomenda-se uma consulta a este trabalho de Gwartney, junto
com J. Holcombe e R. Lawson: “The Scope of Government and the Wealth of Nations”,
The Cato Journal (Washington: vol. 18, nr. 2, outono de 1998, p. 163-190; link:
https://object.cato.org/sites/cato.org/files/serials/files/cato-journal/1998/11/cj18n2-
1.pdf). A figura 2, à p. 171, contém a evidência da correlação apontada: a taxa média
anual de crescimento do PIB, entre 1960 e 1996, para os países de carga fiscal inferior a
25% do PIB foi de 6,6%, ao passo que o mesmo índice para os países com carga
superior a 60% do PIB foi de 1,6%.
Recentemente, o economista Jeffrey Sachs, da Columbia University, enfatizou
as supostas virtudes do “modelo escandinavo” de desenvolvimento: em um curto artigo,
quase uma nota, “The Social Welfare State, beyond Ideology” (Scientific American,
11/2006; link: https://www.scientificamerican.com/article/the-social-welfare-state/), ele
afirma expressamente que “Friedrich von Hayek was wrong” e que o modelo nórdico,
baseado na forte presença do Estado, é superior ao modelo anglo-saxão (que produz
mais crescimento do que o modelo econômico adotado na Europa continental). Ele já
tinha sido desmentido previamente por um trio de belgas, Martin De Vlieghere, Paul
Vreymans e Willy De Wit, que assinaram conjuntamente o artigo “The Myth of the
Scandinavian Model”, publicado no The Brussels Journal (25/11/2005; link:
http://www.brusselsjournal.com/node/510).
25
Uma consulta à página do site da instituição que patrocinou o estudo que
fundamenta o referido artigo de imprensa, o think tank belga Work for All, traz
comprovações irrecusáveis sobre o sucesso do modelo irlandês de crescimento
econômico – baseado, justamente, em baixas taxas governamentais sobre o lucro das
empresas e sobre o trabalho –, em contraste com o medíocre desempenho das
economias escandinavas ou continentais, todas apresentando altos níveis de despesas.
Ou seja, a existência de um grande Estado indutor e de redes generosas de proteção
social estão, de fato, contribuindo para o lento declínio dessas sociedades, outrora bem
mais prósperas.
A explosão de crescimento na Irlanda, a uma taxa superior a 5% ao ano nas duas
últimas décadas, continuou sustentada, mesmo quando o desempenho econômico geral
da UE começou a diminuir ao longo dos anos 1990. Alguns argumentos tendem a fazer
crer que as altas taxas de crescimento experimentadas pela Irlanda, ou pela Espanha, em
determinados períodos, são devidas aos abundantes subsídios comunitários, que
irrigaram essas economias com pesados investimentos em infraestrutura ou diretamente
em setores produtivos. As evidências, porém, demonstram que a Irlanda – que
efetivamente recebeu transferências de Bruxelas a partir de seu ingresso na então
Comunidade Europeia, em 1972, já que o país ostentava então metade da renda per
capita da média comunitária – começou a crescer apenas a partir de 1985, quando ela
reformou inteiramente sua estrutura tributária, no sentido de aliviar a carga sobre as
empresas e o trabalho, e quando, justamente, os subsídios europeus começaram a
diminuir.
Outras regiões deprimidas da Europa, como a Valônia belga, ou a Grécia,
receberam igualmente, subsídios generosos, com efeitos muito limitados sobre as taxas
de crescimento, em virtude, justamente, de aspectos negativos em outras vertentes, entre
eles o nível das despesas governamentais. Um eloquente gráfico comparativo entre o
desempenho da Bélgica e da Irlanda, inserido no site do think tank, ilustra à perfeição
que a elevação da taxa de crescimento da Irlanda começou, precisamente, em 1985,
quando o país reduziu sua carga fiscal.
Como evidenciado nesses trabalhos de pesquisa empírica, a conclusão de que
governos desmesurados prejudicam o crescimento e que altas alíquotas tributárias sobre
a renda e o trabalho são os impostos mais distorcivos de todos – em oposição aos
impostos sobre o consumo – não está apoiada apenas na comparação entre dois únicos
países, mas deriva de análises científicas de regressão múltipla com muitos países (link:
26
http://workforall.net/Tax_policy_and_Growth_differentials_in_Europe.pdf; resumo
aqui: http://workforall.net/EN_Tax_policy_for_growth_and_jobs.html).
No caso do Brasil, infelizmente, todos sabem dos níveis anormalmente elevados
da carga fiscal e das despesas públicas, que nos colocam, inevitavelmente, na faixa dos
países impossibilitados de crescer mais de 3% ao ano. Como vem demonstrando, desde
longa data, o economista Ricardo Bergamini, o Brasil vive um verdadeiro “manicômio
tributário”, com uma profusão de impostos atingindo justamente os setores produtivos.
Adicionalmente, uma parte significativa da renda dos não tributados diretamente, isto é,
as faixas dos cidadãos mais pobres, também é extraída compulsoriamente pelo Estado
sob a forma de impostos sobre os produtos e serviços, em níveis muito elevados no
Brasil, em comparação com outros países. Como resume esse economista, o Brasil
amargou sucessivas quedas no crescimento, desde as fases de alta expansão do PIB, nos
anos 1950 a 1980, até os anos de relativa estagnação no período recente, como se pode
verificar na tabela abaixo:
27
encargos reduzidos sobre a folha de salários das empresas). A tabela abaixo resume
alguns dos dados apresentados nesse trabalho:
Com base nas evidências disponíveis, Shikida e Araújo Jr. chegam à conclusão
de que o ponto “ideal” da carga fiscal, nas condições brasileiras, não deveria ser
superior a 32% do PIB. Registre-se, apenas, que a média para os países emergentes
situa-se em 28% do PIB, sendo que países de maior crescimento ostentam taxas de 17%
(China) ou de 18% (Chile) do PIB, ao passo que os ricos países europeus, que crescem
abaixo de 3%, estão na faixa de 38% do PIB (que é a ostentada atualmente pelo Brasil,
mas com tendência a um crescimento ainda maior), com picos acima de 50% para os já
referidos escandinavos (estes, que saíram de altos patamares de renda per capita, veem
declinando lentamente, alinhando-se com as médias “normais” dos países da OCDE).
Em síntese, a única conclusão possível a ser retirada dessa abundância de dados
quantitativos e de análises qualitativas sobre as condições objetivas e os requerimentos
do crescimento econômico seria mesmo esta: o Brasil é um país excepcionalmente bem
preparado para NÃO CRESCER. Verdades inconvenientes como estas merecem ser
repetidas, até que os principais decisores e a própria população tomem consciência dos
fatores impeditivos ao crescimento brasileiro e resolvam contribuir para a construção de
um consenso que se torna cada vez mais necessário para a definição de uma agenda de
desenvolvimento nacional: ou o Brasil diminui o peso excessivo do Estado sobre os
28
cidadãos ativos e as empresas, ou o Estado continuará a pesar sobre a taxa de
crescimento do país. Não há como escapar a essa verdade inconveniente...
29
4. Reflexão pessoal sobre as relações entre Estado e governo
32
5. Pequeno manual prático da decadência (recomendável em caráter
preventivo...)
33
“anomia” e na “desorganização”, a que são normalmente associados essas noções de
decadência ou de declínio.
O fato é que a decadência pode ter elementos difusos de todos esses processos
citados acima, mas pode não ser percebida como tal pelos próprios integrantes da
sociedade em questão. O sentimento geral dos cidadãos pode ser, simplesmente, de um
certo malaise, de um mal-estar vago e indefinido, partilhado por diferentes estratos
sociais e percebido como tal por intelectuais, mas raramente expresso de forma direta e
cabal nos discursos das autoridades ou traduzidos nas propostas de ação por candidatos
alternativos ao poder político. “Entra-se” em decadência muitas vezes sem o saber,
como aquele personagem de Molière que fazia prosa involuntariamente.
Proponho-me, neste curto ensaio analítico, traçar os elementos principais de uma
pequena radiografia da decadência, de maneira a subsidiar, talvez, diagnósticos mais
precisos de situações concretas que possam preocupar os leitores eventuais deste
“manual” de identificação dos sinais precursores de uma decadência anunciada (não
necessariamente percebida). Assim, pode-se saber que um país, ou uma sociedade, está
em decadência quando:
44
6. Prometeu acorrentado: o Brasil amarrado por sua própria vontade
49
O Brasil padece de centralismo excessivo e concebe o sistema democrático
apenas como um regime político, não como um sistema autorregulado de organização
social que deveria, em princípio, começar pelo próprio ordenamento da vida
comunitária. O “abutre”, ou seja, o Estado adquiriu poderes extraordinários, que o
habilitam a ir buscar recursos diretamente no bolso dos cidadãos e no caixa das
empresas, mediante um sistema de captação extensiva – e preventiva, em muitos casos –
que deixam todos e qualquer atividade à mercê do sanguessuga institucional. O mais
dramático é que proporções crescentemente maiores desses recursos são canalizadas
para os próprios gastos correntes do Estado, não para atividades produtivas ou
investimentos de mais longa maturação, como podem ser as despesas com educação e
saúde.
Tendo em vista a nítida imbricação dos regulamentos existentes, a selva de
dispositivos constitucionalizados, a solidez dos interesses constituídos e dos privilégios
legalizados, ademais da dificuldade notória que consiste em reformar aspectos
importantes da vida nacional – sistema político, regime tributário, legislação trabalhista,
instituições educacionais e outros mais – parece claro que será muito difícil ao
“Prometeu brasileiro” livrar-se do atual “abutre estatal”, inclusive porque o mais
importante, que seria a reforma das mentalidades, ainda precisa ser feito. Não tenho
nenhuma ilusão de que o Brasil empreenderá o conjunto de reformas que seria
necessário no horizonte previsível. O mais provável é que ele continue a se arrastar
lentamente em direção da modernidade – uma vez que, como dizia Mário de Andrade,
“o progresso também é uma fatalidade” – e que seu declínio não seja irresistível e
catastrófico, apenas relativo e tendencial. Ou seja, estamos progressivamente nos
afastando dos países mais dinâmicos e das economias mais empreendedoras. Não
haverá um colapso generalizado da sociedade e da economia como um todo – tanto
porque os elementos de modernidade e de espírito empreendedor presentes na sociedade
são suficientemente fortes para garantir alguma adequação criativa aos desafios da
globalização –, mas os esforços desses fatores dinâmicos não serão suficientes para
fazer o Brasil galgar novos patamares de modernidade inclusiva e de justiça social.
Em outros termos, o “Prometeu” continuará acorrentado por muito mais tempo,
pelo menos até que a sociedade se convença de que precisa se livrar do abutre
explorador e libertar o personagem principal dos grilhões que o prendem, ainda, à
miséria e à ignorância, mediante um esforço de auto-organização da sua vida cotidiana e
de liberação a mais completa possível das iniciativas individuais. Conhecendo as
50
limitações existentes no quadro institucional brasileiro da atualidade, não tenho a menor
ilusão de que essa liberação ocorra no futuro previsível. Se ouso resumir meu
pensamento sobre a questão, eu diria simplesmente que o Brasil não está condenado
obrigatoriamente à derrocada no seu esforço social-desenvolvimentista, mas ele exibe
notórias dificuldades para reformar-se a si mesmo.
Continuaremos a progredir lentamente, talvez muito lentamente para o ritmo
atual da globalização. A escolha é nossa...
51
7. Algumas coisas simples que deveríamos ter no Brasil
Toda pessoa de bom senso concordaria em que um cenário ideal, para o Brasil,
seria contar com um regime democrático seguro, estável e aberto, caracterizado por
amplas liberdades individuais, a maior liberdade econômica possível – isto é, espaços
garantidos para a iniciativa privada, no quadro de uma regulação amigável aos negócios
e pouco “extratora” no plano dos tributos –, direitos iguais para os cidadãos, tolerância
mútua no terreno cultural e religioso, sufrágio universal sob um regime representativo
equilibrado e respeitador das minorias e um governo responsável (accountable) que
funcionasse segundo normas institucionais impessoais (rule of law), sem qualquer tipo
de patrimonialismo, fisiologismo ou desvio de função dos poderes constituídos.
A essa estrutura política formal, correspondendo, grosso modo, a uma
democracia liberal, muitos agregariam elementos de social democracia inclusiva, ou
seja, a atribuição de um papel qualquer ao Estado no sentido de construir um regime de
equidade social, o que representa ajudar os mais necessitados e tentar evitar
disparidades gritantes de renda e riqueza. Não há exatamente concordância quanto aos
meios de ser cumprido este papel distributivo por parte do Estado, pois muitos
prefeririam que a repartição se fizesse sobre fluxos sempre crescentes de renda – teoria
do crescimento do “bolo” – ao passo que outros privilegiariam o esforço contributivo
dos mais ricos a partir dos estoques existentes de riqueza disponível (canalização da
renda “excedentária” via tributos progressivos).
Qualquer que seja o julgamento que se tenha sobre a natureza do regime
democrático que se pretenda ter no Brasil – se mais formal, ou “burguês”, ou se mais
igualitário e inclusivo e, portanto, social-democrático –, uma coisa é certa: estamos
bem longe do cenário ideal traçado acima. Nosso regime democrático pode até ser
estável – atualmente –, mas ele é certamente de baixa qualidade, uma vez que persistem
deficiências notórias no sistema representativo, disfunções visíveis no sistema
partidário, uma regulação excessivamente intrusiva na vida das empresas por um Estado
famélico por mais e crescentes tributos, o que conduz, por outro lado, a uma evasão e
uma informalidade generalizadas na vida econômica, agregando ao quadro bem
conhecido de corrupção disseminada nos mais diversos poderes do Estado.
52
Pois bem: o que impede, hoje, a sociedade brasileira de aproximar-se daquele
ideal (seria ele idealizado)? Observando-se a dinâmica social brasileira, com uma classe
empresarial bastante ativa nos seus esforços de modernização, uma universidade que
acompanha grosso modo os progressos do espírito científico no mundo, uma população
trabalhadora, cordial e ordeira, o que se poderia constatar é que os principais obstáculos
à consecução de um sistema democrático funcional e à realização de um ritmo de
crescimento satisfatório no plano econômico está todos do lado do sistema político, ou
mais propriamente estatal.
Pensando bem, é o Estado que não faz sua parte em obras de infraestrutura e de
fornecimento energético, de logística de transportes, de regulação amigável dos
negócios e de tributação adequada das atividades produtivas, deixando assim de criar as
condições para uma taxa mais elevada de crescimento econômico. É o Estado que, ao
concentrar volume exagerado de recursos em suas mãos, abre espaço a todos os tipos de
corrupção e de desvio do dinheiro público. É o Estado quem deixa de investir na
educação e em ciência e tecnologia, que torna a Justiça excessivamente lenta para os
necessitados e excessivamente leniente para os criminosos com canais privilegiados nos
foros judiciais. É o Estado quem produz inflação ou desequilíbrio fiscal, ameaçando
assim a boa gestão das contas públicas e comprometendo a renda das futuras gerações.
Chega a ser surpreendente que, em face desse quadro de anomalias bem visíveis, os
cidadãos brasileiros não procurem corrigi-las atacando a fonte do “mal”, que é o próprio
Estado, mas concordem em soluções que implicam sempre em mais Estado (agora para
“vigiar e punir” os responsáveis pelas anomalias). Parece bizarro que, com tanto
dinheiro público sendo desviado para bolsos indevidos, as pessoas não pensem,
simplesmente, em cortar o mal pela raiz, isto é, retirando ou diminuindo o montante de
recursos da sociedade que são canalizados pelo Estado, mas busquem, ao contrário,
paliativos ou mecanismos de “controle” que custam bem mais do que produzem ou
apenas desviam o foco da atenção que se deve dar à própria forma de conduzir os
negócios públicos.
Uma sociedade mais auto-organizada, um Estado mais contido em suas funções,
estas me parecem ser receitas simples para construir uma sociedade mais inclusiva e um
sistema político mais condizente com os ideais de democracia traçados acima.
53
8. Como criar uma nação de assistidos
56
9. Duro de crescer: obstáculos políticos ao crescimento econômico do
Brasil
58
Como se pode constatar, o Brasil foi a economia que menos cresceu em termos
reais per capita, de todos os países em desenvolvimento, ficando até mesmo atrás de
alguns desenvolvidos, como os Estados Unidos, só ganhando da Alemanha, que numa
certa época já foi chamada de “a economia enferma da Europa”. Alguma razão deve
existir para esse desempenho medíocre.
1) Estabilidade macroeconômica
Desde o Plano real, o Brasil tem apresentado políticas macroeconômicas
relativamente sólidas, com uma inflação baixa, contas nacionais razoáveis, isto é,
tendentes ao equilíbrio, mas ainda caracterizadas por desequilíbrios setoriais
(previdenciários, sobretudo) ameaçadores, e, desde 1999, uma taxa de câmbio
competitiva, a despeito da valorização observada no período recente (e entre 1995 e
1999), o que, de toda forma, induz a ganhos de produtividade e ajuda a combater a
inflação. Mas, a despeito de ter superado o histórico problema da vulnerabilidade
financeira externa, o Brasil ainda sofre de grande fragilidade no comportamento futuro
de suas finanças públicas, marcadas, como se sabe, por gastos exagerados em relação ao
crescimento do PIB. Com efeito, os gastos públicos têm crescido duas vezes mais do
que o PIB e do que a inflação, acarretando enorme pressão sobre o orçamento e,
59
consequentemente, sobre a dívida. Uma projeção das tendências atuais indica,
infelizmente, o crescimento contínuo das despesas públicas, sendo que a Constituição é
em grande medida responsável por “gastos encomendados”.
2) Microeconomia competitiva
Uma microeconomia competitiva significa uma estrutura de mercados aberta e
desprovida de barreiras a novos negócios, que devem ser o mais possíveis
concorrenciais, ou seja, com a defesa efetiva da competição pelas autoridades
governamentais encarregadas institucionalmente do setor, a ausência quase completa de
cartéis e oligopólios setoriais e um mercado de capitais amplo e de fácil acesso.
Infelizmente, o Brasil conhece diversos oligopólios setoriais e o ambiente de negócios é
próximo do horroroso, se considerarmos a estrutura tributária, não apenas extremamente
pesada, mas sobretudo ineficiente e altamente burocratizada. Conhecendo-se as
tendências predominantes no Estado brasileiro, parece pouco provável que esse
ambiente venha a mudar substancialmente no futuro previsível.
3) Capacidade institucional
Uma governança eficiente significa, em princípio, a remoção de incertezas
políticas e a mudança no quadro de instabilidade legal que desestimulam os
investimentos e prejudicam o crescimento. O Brasil conhece, indubitavelmente, uma
situação de democracia estável, ainda que caracterizada por sua baixa qualidade
institucional, com comportamentos rentistas inaceitáveis por parte de políticos e altos
burocratas do Estado. A capacitação institucional de muitos quadros da burocracia
pública apresenta deficiências preocupantes. Determinados serviços públicos
apresentam uma situação deplorável de ineficiências e desvio de funções. A situação é
tanto mais preocupante que o Brasil, no contexto dos países em desenvolvimento – e
aqui cabe reconhecer o legado da era militar –, havia conseguido construir um Estado
relativamente eficiente, dotado de uma burocracia bem organizada e “produtiva” (para
os padrões desses países).
63
5. Reduzida abertura externa, seja para comércio, investimentos ou fluxos de capitais,
criando ineficiências, altos custos e preços, ausência de competição e de inovação;
6. Sistemas legal e judicial atrasados, permitindo manobras processuais que atrasam a
solução das disputas e que aumentam os custos de transação.
Se ouso apresentar uma lista de reformas políticas, elas poderiam ser expressas
nos elementos seguintes:
1. Política (partidos e regime eleitoral);
2. Tributária (difícil, por causa da organização federativa);
3. Educacional (que será obstaculizada pelas corporações existentes);
4. Seguridade social (que se choca com privilégios remanescentes no setor público);
5. Trabalhista (uma das mais duras, pois o Brasil converteu-se numa República
sindical);
6. Governança (ainda mais difícil, em vista do perfil da representação política).
1. Reforma Política:
Começar pela Constituição (operar uma “limpeza” em regra, remetendo diversos
dispositivos para a legislação infra-constitucional); efetuar uma redução das legislaturas
nos três níveis da federação (já que a representação não apenas é excessiva, mas
provoca gastos em excesso); elaborar uma reforma eleitoral, com a introdução do
sistema distrital misto de seleção e de representação; por fim, tentar uma reforma
partidária (ainda que ela seja manifestamente difícil, também, em vista do autismo
político que caracteriza as lideranças partidárias).
2. Reforma Tributária:
Ela será obviamente dificultada pelo problema da federação e, por isso mesmo,
não poderia ser um simples arranjo formal, e sim uma reforma completa (macro e
micro), com simplificação tributária e disposição de se reduzir a carga tributária total,
ainda que de forma gradual e talvez até mesmo lenta. Em todo caso, ela deveria ser
colocada no contexto de uma continuidade da abertura econômica, com liberalização
ampliada do comércio exterior e dos investimentos diretos estrangeiros e com novos
incentivos à inovação (na linha de do respeito à propriedade intelectual).
3. Reforma Educacional:
Deveria estar centrada no ensino básico, tendo como eixos centrais a capacitação
dos professores dos ciclos fundamental e médio e o reforço do ensino técnico-
64
profissional. A dificuldade principal aqui parece ser a introdução de um regime
meritocrático de avaliação e de remuneração. Não é preciso dizer que a tarefa principal
dos governantes seria concentrar os recursos nos dois primeiros ciclos, uma vez que a
pirâmide de gastos do governo no ensino público – que é, de fato, uma grande pirâmide
– está completamente invertida. Quem conhece os resultados dos exames internacionais
de avaliação de desempenho dos nossos alunos do primário e do ciclo médio sabe que
essa missão é absolutamente crucial. Por fim, deve-se conceder, de imediato, autonomia
universitária às IFES, mas obrigando-as, ao mesmo tempo, a elaborar orçamentos
administrados por claros princípios de premiação por desempenho, de avaliação dos
resultados individuais e de aferição de mérito em bases não isonômicas.
65
República sindical –, a meta é claramente a da extinção da Contribuição Sindical, que
cria sindicatos de papel (quando não deliberadamente corruptos).
6. Reforma da Governança:
Sem nenhuma ilusão de que isto venha a ocorrer, o objetivo seria uma redução
radical do governo (ou colocá-lo sob dieta estrita). Infelizmente, a sociedade ainda não
se convenceu de que o Estado, em lugar de ser o indutor do desenvolvimento, que ele
foi num passado distante, converteu-se, de fato, no mais poderoso obstrutor do processo
de crescimento econômico, dilapindo recursos da sociedade e desviando investimentos
para seus gastos correntes. Caberia, assim, retomar as privatizações (uma vez que as
PPPs constituem, se tanto, uma maquiagem, uma privatização disfarçada), reforçar as
agências reguladoras (que foram deliberadamente sabotadas, ou aparelhadas no período
recente) e introduzir um conjunto de reformadas ainda mais ousadas no plano
administrativo (como, por exemplo, o fim da estabilidade do funcionalismo público).
Existe alguma chance de sucesso, para um programa como esse? Talvez,
embora, pessoalmente, eu considere isso praticamente impossível, em vista da chamada
“consciência cidadã”, hoje comprometida com as supostas “benesses do Estado”. As
pessoas, em geral, demandam “mais Estado”, grande parte dos formandos desejam fazer
um concurso público e aceder a salários que são, na média, o dobro daqueles vigentes
no setor privado, desfrutando, ademais, dos demais benefícios vinculados ao atual
regime do funcionalismo público (entre eles o da estabilidade no emprego). As razões
para o pessimismo, portanto, são reais.
Em todo caso, na ausência de reformas – não necessariamente as delineadas
aqui, mas funcionalmente equivalentes –, o Brasil estará provavelmente condenado ao
atraso relativo, em comparação aos demais emergentes, e ao baixo crescimento pelo
futuro indefinido, com a preservação da atual estrutura social iníqua e uma baixa
dinâmica nos processos de inovação e de modernização. Exemplos de lenta decadência
econômica abundam na história mundial e o Brasil certamente não é o primeiro a
enfrentar esse tipo de problema: a Grã-Bretanha (até os anos 1980) e a Argentina (a
partir dos anos 1930), por exemplo, constituem duas evidências inegáveis de longa
decadência e de empobrecimento contínuo de suas populações respectivas. Talvez o
Brasil siga pelo mesmo caminho nos próximos 20 anos, ou mais.
Eu gostaria de acreditar que não. A responsabilidade está com cada um de nós…
66
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67
10. Presença da universidade no desenvolvimento: perspectiva
histórica
Introdução
Ao apresentar algumas reflexões sobre o papel da universidade no
desenvolvimento nacional, quero deixar claro que estou aqui falando essencialmente da
universidade pública.
Os principais problemas da educação e do desenvolvimento nacional estão bem
mais fora do que dentro da universidade pública, que funciona razoavelmente bem para
os padrões falhos dos países em desenvolvimento. Mas, ela funciona cada vez mais mal
para os padrões exigentes do estilo de desenvolvimento interdependente que temos hoje
no âmbito do capitalismo global. Ela é autista, avessa à reforma, à competição e aos
critérios de eficiência e se julga no direito de usufruir de recursos públicos sem prestar a
devida conta à sociedade. Caminha para a decadência, ainda que a passos lentos, aliás,
como o Brasil, em seu conjunto; pior, ela não está atenta a isso.
Tenho nítida consciência de que meus comentários, julgamentos e avaliações,
tanto quanto minhas propostas e sugestões, serão recebidos com ceticismo, quando não
com desconforto, pois que situando-se em posição crítica, ou possuindo espírito
controverso, ao que normalmente se espera de um membro da academia, o que eu não
sou, possuindo, portanto, alguma independência de opinião em relação aos assuntos
interna corporis. Por fim, alerto, preliminarmente, que a maior parte de minhas críticas
e sugestões se dirigem a objetivos fora da universidade – mas aos quais ela não pode
ficar alheia –, uma vez que estamos falando da contribuição da universidade para o
desenvolvimento nacional, não para o seu próprio desenvolvimento.
68
ciclos anteriores. Creio que o descomprometimento com os dois ciclos iniciais de estudo
ainda continua a marcar a atitude geral da academia em relação ao problema
educacional brasileiro, em que pese a atuação de alguns dos seus mestres renomados e
atuantes nos diversos processos de reforma do ensino básico. A universidade brasileira
deveria, a meu aviso, voltar bem mais os olhos para a realidade educacional brasileira
como um todo.
3. Nem só de big science vive a universidade e nem sempre é disso que precisa o
país
Se pensarmos em três nomes que parecem caracterizar a consciência aguda dos
problemas brasileiros, José Bonifácio, Joaquim Nabuco e Monteiro Lobato, veremos
que suas agendas respectivas de transformação do país – elevação dos padrões da mão-
de-obra, via cessação do tráfico e da escravidão, promoção de uma colonização
comprometida com a qualificação técnica da agricultura e da indústria e melhoria dos
padrões educacionais e de saneamento da maioria da população – foram
superficialmente integradas à agenda de trabalho das universidades. Mesmo intelectuais
69
obcecados com a superação do atraso nacional, como Caio Prado Jr., por exemplo,
tiveram em certa medida de exercer suas atividades à margem ou no alheamento da
universidade.
Todos eles, de certa forma, não estavam pensando em converter o Brasil num
êmulo dos principais países desenvolvidos em suas épocas respectivas, mas apenas em
estabelecer as condições de base pelas quais esses países se tornaram desenvolvidos em
mérito próprio.
72
11. O afundamento da educação no Brasil
1) Estudos afrobrasileiros
Considerando-se que a sociedade brasileira é extremamente diversa em sua
composição étnica e em suas manifestações culturais, com intensa osmose entre suas
comunidades imigrantes e um processo crescente de “cross-fertilization” – termo que se
poderia aproximar de “fundição recíproca” –, qualquer tentativa de separar e apresentar
como mais relevante, no plano histórico ou populacional, qualquer um desses
componentes sociais equivale, à falta de melhor conceito, a uma tentativa de construção
de um “apartheid” cultural e social, quando não diretamente racial.
Não encontro outro equivalente funcional para designar essa tentativa mal
concebida, mal inspirada e, sobretudo, terrivelmente mal implementada no sentido de
destacar nossas supostas raízes “africanas” no cadinho multicultural e multirracial
brasileiro. Tendo já tratado em outro ensaio dos problemas acarretados pelo novo
apartheid representado pela ideologia afrobrasileira, não vou aprofundar a discussão de
um problema que ultrapassa de muito a dimensão estrita de sua aplicação nas salas de
aula do primeiro grau. Gostaria apenas de confirmar que vejo essa iniciativa funesta
como uma semente de racismo e de intolerância, gerando possíveis distorções nos
conteúdos curriculares, em função da manipulação anti-histórica que esse infeliz
conceito é suscetível de receber por parte de seus promotores. Sem entrar em suas
especificidades substantivas, é presumível que o conteúdo de tal “disciplina”, num país
dotado de raras pesquisas de boa qualidade sobre a história da África ou seu possível
legado transatlântico, sofra deformações de tal ordem por parte dos encarregados da
matéria que o conteúdo será um arremedo de protesto social, eivado de ideologia
antiescravista, com fortes colorações políticas e tênue embasamento histórico. Imagino
que toda uma mitologia da resistência negra será igualmente servida a descendentes de
colonos europeus, nas escolas do sul do país, sem que estes recebam sequer alguma
informação sobre sua cultura “eurobrasileira”.
Os resultados, obviamente, não poderiam ser mais perniciosos do ponto de vista
da boa formação escolar de crianças que teriam o direito de se considerar apenas
brasileiras, sem outro prefixo falsamente identificador de alguma origem étnica ou
75
geográfica. Não hesito em afirmar que tal iniciativa contribui poderosamente para a
construção do racismo em nosso país.
2) Ensino de espanhol
Outro resultado de um equívoco fundamental – o de que o processo de
integração será necessariamente beneficiado com o estudo obrigatório da língua
espanhola para as crianças do primeiro grau –, essa medida unilateral, sem
reciprocidade nos demais países da região (o português é ignorado nos currículos
nacionais), vem acarretar apenas despesas adicionais sem que se antevejam resultados
práticos, ou sequer “linguísticos”, para o processo de integração. Este já padece de
conhecida tendência à introversão e ao enclausuramento recíproco – quando o correto
seria a abertura ao exterior e a utilização das complementaridades existentes para maior
inserção no processo de globalização – e esse tipo de medida apenas reforça suas
características “hacia adentro”. Como no caso dos estudos brasileiros, ela demandará a
formação improvisada de centenas, ou mais provavelmente milhares, de mestres
supostamente capacitados em “portunhol”, carregando ainda mais um currículo já
penetrado por várias outras inutilidades “disciplinares”.
Supõe-se que um bom ciclo fundamental seja constituído de estudos de boa
qualidade na língua pátria, na matemática elementar, nas ciências naturais fundamentais
e nos estudos sociais básicos (história e geografia), apenas isto. Se alguma outra língua
tiver de ser aprendida, nos primeiros anos de estudo, supõe-se que a escolhida seja a
língua franca da ciência moderna e da globalização, isto é, a que mais usualmente é
utilizada para pesquisa na internet, ou seja, inglês. A obrigatoriedade do espanhol
servirá apenas para desviar recursos humanos e materiais voltados para a formação de
primeiro grau, num país tão carente de ambos. Trata-se de um falso espírito
integracionista e um equívoco educacional de consequências potencialmente danosas
para seus supostos beneficiários. A integração regional, aliás, nunca padeceu de “déficit
linguístico”.
79
12. O problema da universidade no Brasil: do público ao privado?
81
As universidades públicas no desenvolvimento brasileiro
Os principais problemas da educação e do desenvolvimento nacional estão mais
fora do que dentro das IES brasileiras, que funcionam razoavelmente bem para os
padrões algo falhos dos países em desenvolvimento. Mas elas funcionam mal para os
padrões exigentes do estilo de desenvolvimento interdependente que temos hoje, no
âmbito do capitalismo global. As IFES, por exemplo, são autistas, avessas à reforma, à
competição e aos critérios de eficiência; julgam-se no direito de usufruir os recursos
públicos sem prestar contas à sociedade. Caminham a passos lentos para a decadência,
mas ainda não atentaram para essa realidade.
O papel primordial da universidade é o de formar mestres e pesquisadores, algo
que no Brasil teve início tardiamente pela preparação de quadros de elite para o Estado,
sem que tivessem sido desenvolvidas atividades formadoras básicas nos dois ciclos
precedentes. Quando a universidade se instalou, ela o fez de forma superestrutural,
cuidando basicamente do terceiro ciclo, sem olhar para os dois ciclos anteriores. A
negligência com os dois ciclos iniciais de ensino continua a marcar a atitude da
academia em relação ao problema educacional brasileiro, em que pese a atuação de
alguns dos seus mestres renomados e atuantes nos diversos processos de reforma do
ensino básico. Mas ainda hoje, as IES, em especial as IFES, continuam não se
preocupando com a grave realidade educacional brasileira.
Quer seja na formação de quadros para os ciclos precedentes, quer seja no
retorno à sociedade das atividades de pesquisa financiadas com recursos públicos, as
IFES têm deixado muito a desejar. Embora a maior parte dos cursos científicos e
tecnológicos isolados – que vieram a integrar a universidade – tenha se constituído com
vistas ao provimento de soluções e respostas práticas aos problemas da agricultura e da
indústria, a atenção prioritária das IFES esteve concentrada na própria universidade, não
necessariamente na agenda real dos problemas nacionais.
Pode-se argumentar que formação de professores para o básico nunca foi
pensada como função primordial das IFES; mas cabe reconhecer aí um desvio de
origem, e não um mandato que, historicamente, possua legitimidade social. Aqui, o viés
superestrutural fica bem evidente. Quanto à pesquisa, também parece óbvio o
alheamento das IFES do setor produtivo, ao lado de comportamentos ainda mais
nefastos, como uma persistente cultura antipatentária e uma renitente (embora
decrescente) postura antimercado, mais evidente nas áreas de ciências humanas.
82
De volta ao básico: para evitar o afundamento da educação brasileira
A educação básica vem “afundando” devido a uma combinação involuntária de
fatores perversos que ultrapassam a capacidade das IFES de corrigi-los; mas elas não
deveriam estar alheias a estes, uma vez que a degradação do ensino básico vem se
refletindo cada vez mais na deterioração da qualidade da graduação no terceiro ciclo,
com a possível contaminação dos cursos de pós-graduação.
Quando as IFES deixam de se posicionar em relação aos problemas dos ciclos
anteriores, elas contribuem para a deterioração dos seus próprios padrões de ensino. Ao
não reagir contra deformações existentes nos primeiros ciclos – como refletidas, por
exemplo, no ensino obrigatório de certas matérias, por imposição do alto, contrária à
autonomia curricular que deveria refletir as características regionais de um país vasto e
culturalmente diversificado como o Brasil –, as IFES sancionam a tendência declinante
da educação pré-graduada e, com isso, comprometem a qualidade dos seus próprios
cursos (para nada dizer da politização demagógica dos regimes de cotas). A educação
básica carece, essencialmente, de professores de português, matemáticas e ciências
básicas; e isto as IFES não estão “entregando”.
O futuro do Brasil está ameaçado pelo “afundamento” dos fundamentos. Se o
Brasil empreendesse um ciclo sustentado de crescimento a altas taxas, o setor produtivo
não contaria com quadros competentes na tarefa de elevar seus padrões de
produtividade até níveis de excelência. A carência educacional nas áreas que constituem
o núcleo básico do ensino fundamental e médio é tão gritante que seria impossível não
pedir que as IPES se interessem pelo tema. Seria importante que as IPES se dedicassem
ao que é relevante: o domínio da língua pátria, o raciocínio matemático e
conhecimentos científicos elementares fazem parte do funil perverso que, hoje, restringe
a comunidade universitária a uma fração mínima da população.
A despeito de certos progressos, as IFES continuam resistindo à meritocracia, à
competição e à eficiência. Elas concedem estabilidade, não como retribuição por
serviços prestados ao longo do tempo, aferidos objetivamente, mas diretamente no
ponto de entrada. Elas premiam a dedicação exclusiva, como se este fosse o critério
definidor da excelência na pesquisa, ou como se ela fosse de fato exclusiva. Elas
coíbem a osmose com o setor privado, mas fecham os olhos à promiscuidade com
grupos político-partidários ou com movimentos falsamente sociais. Elas aspiram à
autonomia operacional, mas gostam de orçamentos elásticos, cujo aprovisionamento
tem de ser assegurado de maneira automática pelo poder público. Elas pretendem ter
83
eficiência na gestão, mas insistem em escolher os seus próprios dirigentes, numa
espécie de conluio corporativo que conspira contra a própria idéia de eficiência e de
administração por resultados. Elas dizem querer privilegiar o mérito e a competência
individuais, mas acabam deslizando para um sindicalismo exacerbado.
Com os desvios acumulados ao longo dos anos, as IFES são hoje parte do
problema nacional, sem necessariamente apresentar-se como parte da solução. O
problema básico do país não se situa no ciclo universitário e sim no ciclo universal. Mas
as IFES não têm feito um esforço suficiente para diagnosticá-lo e encaminhá-lo
satisfatoriamente. Aqui entram as IPES e o seu papel de formadoras de formadores.
84
tecnológica. Com dois anos de duração, esses cursos permitem capacitar técnicos de
forma rápida para as empresas em função de sua orientação aplicada a metas.
Mas é necessário, também, que as IPES assumam a liderança na formação de
recursos humanos para a educação básica e tecnológica, com intensa dedicação
simultânea à sua própria qualificação pedagógica. É sabido que no Índice Geral de
Cursos, menos de 5% das IPES foram classificadas no topo da escala, sendo que muitas
delas se situam nas posições mais baixas. Na verdade, esses dados não correspondem à
qualidade intrínseca dos cursos respectivos das IFES e das IPES, pois que, ademais das
metodologia enviesada do sistema de avaliação do MEC, o que se está medindo é mais
a natureza do “insumo” – isto é, a “matéria-prima” estudantil de entrada, toda ela
situada nos estratos A e B para as IFES, e abaixo disso para grande parte das IPES – do
que a qualidade do ensino stricto sensu.
De qualquer forma, as IPES terão de empreender um esforço sério de
qualificação para assumir o papel que poderia ter sido das IFES, mas que estas não
podem ou não querem cumprir: a formação de toda uma geração de formadores
aproximando-se do ideal da excelência pedagógica.
Para alcançar esse ideal, as IPES terão de caminhar no sentido de reforçar a
pesquisa e estimular a publicação do seu corpo docente. Elas poderiam começar por
atender os seguintes critérios de desempenho:
85
3) A competição é positiva e deve ser incentivada, em todos os níveis:
O desenvolvimento de competências e habilidades que levem à perspectiva
diferenciada de futuro deve estar baseado na emulação do ambiente real que o
profissional vai encontrar em mercados de trabalho competitivos. A concorrência é
sempre saudável e deve ser estimulada em todo os níveis do sistema de ensino,
superando o igualitarismo nivelador (para baixo) de uma isonomia deformadora.
86
13. Fim de consenso na diplomacia?
88
Segunda Parte
89
14. O Brasil no Índice dos Estados falidos
A revista Foreign Policy e The Fund for Peace (dos EUA) passaram a divulgar,
a partir de 2005, um índice de “estados falidos”, ou seja, dos países incapazes de se
manterem dentro da normalidade política, econômica ou social. Esse índice foi
elaborado a partir de doze critérios sociais, econômicos, políticos e militares,
ponderados em função de um sofisticado modelo quantitativo desenvolvido pelo Fund
for Peace (ver a metodologia neste link: http://fundforpeace.org/fsi/).
No plano mundial, os países que encabeçam o ranking dos Estados falidos são o
Sudão, a República Democrática do Congo (antigo Zaire), a Costa do Marfim (que
antigamente preferia ser chamada pelo seu nome francês de Côte d’Ivoire), o Iraque e o
Zimbábue. Uma seleção desse estudo, restrita aos países latino-americanos foi
elaborada pelo boletim espanhol Red Electronica de Relaciones Internacionales, (link:
http://diplomatizando.blogspot.com/2006/05/403-indice-de-estados-falidos.html).
Em geral, os países latino-americanos melhoraram sua situação em relação à
primeira edição do estudo (em 2005), “descendo” algumas posições no ranking geral
dos Estados falidos. Podem ser destacados os progressos do Brasil (que saiu do número
62 para o 101, ou seja, bem mais distante de uma eventual “falência”), a Venezuela, a
República Dominicana, o Peru, Honduras e o Paraguai. Os países mais mal
posicionados são o Haiti (em primeiro lugar no ranking latino-americano e 8º no
mundo), a Colômbia e a mesma República Dominicana (que, ainda assim, saiu da 19ª
posição para a 48ª).
Neste momento, pretendo apenas examinar, não a posição relativa do Brasil, que
não é de todo má (já que ele melhorou sua posição no ranking), mas seu
posicionamento em relação aos indicadores qualitativos específicos que permitiram
construir o índice sintético. Estes comentários preliminares possuem, portanto, uma
validade meramente metodológica e visam discutir a adequação dos indicadores
selecionados pelo Fundo para a Paz à real situação do Brasil. Os doze critérios
utilizados pelo Fundo para a compilação dos índices individuais dos países são os
seguintes:
91
Indicadores Sociais
1. Pressões demográficas crescentes
2. Movimento massivo de refugiados ou pessoas internamente deslocadas criando
emergências humanitárias complexas
3. Legado de desejo de vingança – Injustiça ou paranoia grupal
4. Fuga crônica e sustentada de pessoas
Indicadores Econômicos
5. Desenvolvimento econômico desigual entre grupos sociais
6. Declínio econômico acentuado ou severo
Indicadores Políticos
7. Criminalização e/ou deslegitimização do Estado
8. Deterioração progressiva dos serviços públicos
9. Suspensão ou aplicação arbitrária das normas legais e violações generalizadas dos
direitos humanos
10. Aparelho de segurança operando enquanto “Estado dentro do Estado”
11. Ascensão de elites facciosas
12. Intervenção de outros Estados ou de atores políticos externos
Pois bem, em face desses critérios, vejamos como o Brasil – cuja posição
absoluta é a de número 101, à frente da maioria dos demais países latino-americanos,
inclusive do México, mas abaixo dos países do Cone Sul, com destaque para o Chile
(que possui uma melhor pontuação do que países desenvolvidos como França, Espanha,
Estados Unidos ou Grã-Bretanha) – se situa em relação aos indicadores analíticos, cuja
importância relativa, por ordem negativa, está aqui enfatizada:
Brasil: posição geral no índice de Estados falidos do Fund for Peace: 101
Composição da pontuação, em função de valores decrescentemente negativos:
Ordem – Número do Indicador – Descrição – Pontuação sobre dez pontos possíveis
1) 5: Desenvolvimento econômico desigual entre grupos sociais: 8.5
2) 8: Deterioração progressiva dos serviços públicos: 6.7
3) 1: Pressões demográficas crescentes: 6.5
4) 10: Aparelho de segurança, enquanto “Estado dentro do Estado”: 5.7
5) 3: Legado de vingança – Procurando injustiças grupais: 5.7
6) 7: Criminalização ou deslegitimização do Estado: 5.5
7) 9: Violações generalizadas dos direitos humanos: 5.3
8) 4: Fuga crônica e sustentada de pessoas: 5
9) 12: Intervenção de outros Estados ou de atores externos: 4.7
10) 2: Movimentos maciços de refugiados ou de pessoas deslocadas: 3.6
11) 11: Ascensão de elites facciosas: 3.2
12) 6: Declínio econômico acentuado ou severo: 2.7
Soma geral: 63.1
96
15. América do Sul: rumo à desintegração política e à fragmentação
econômica?
100
O caso da Colômbia é um tanto diverso, na medida em que esse país representa
um dos exemplos “bem sucedidos” de dominação oligárquica com incorporação gradual
de setores médios, o que pode ter evitado os exemplos sensíveis de deterioração social e
política observada nos demais países, nos quais a componente indígena era mais viva.
Ainda assim, sua elite tampouco conseguiu evitar a transformação da luta política em
guerra civil, hoje transformada em banditismo puro, com a narco-guerrilha e a indústria
dos sequestros. Na Venezuela, país que conta com uma bem sucedida experiência de
mistura racial, a crise política foi praticamente criada pela “maldição do petróleo”, já
que esta fonte abundante de recursos fáceis criou uma sociedade rentista, na qual os
ricos e os líderes políticos simplesmente se encarregaram de “organizar” a dilapidação
dos recursos nacionais, em lugar de criar uma sociedade “normal”, baseada em outras
fontes de receitas do que unicamente a renda petrolífera. A decadência moral das velhas
lideranças políticas chegou a tal ponto que o país “regrediu” para a solução ilusória da
liderança cesarista-distributivista-populista. Ganhou um fascismo leniente, como brinde.
Feito esse giro pela política da região, vejamos agora a “integração”, na prática.
101
3. Esforços integracionistas e de coordenação política
Depois de décadas de esforços integracionistas uniformemente multilateralistas,
mas “hacia adentro”, a América Latina adentrou em iniciativas mais limitadas, de cunho
sub-regional. O México, depois da crise de 1982, procurou seu caminho liberalizador
próprio e encerrou décadas de lutas contra sua própria geografia para tentar, por uma
vez, render-se ao charme pouco discreto do grande irmão do Norte. Pode-se dizer que
foi relativamente bem sucedido na empreitada, pois conseguiu consolidar um acesso ao
mercado norte-americano através do Nafta e teria conseguido um canal seguro para
“exportar” regularmente seu excedente demográfico se não fosse pelo 11 de setembro.
Em todo caso, uniu seu destino, para o bem e para o mal, ao dos EUA, mas continua
perseguindo outros esquemas livre-cambistas, dentro e fora da região.
Na América do Sul, os resultados da sub-regionalização foram contraditórios,
parar dizer o mínimo. O Chile escolheu a via da “multilateralização” do livre-comércio
e permanece consistentemente nesse itinerário, mesmo de forma unilateral. Quanto aos
demais, houve sucessos e fracassos. O Pacto Andino, que primeiro tinha perseguido um
modelo “europeu” de integração, e definido a panóplia completa de “políticas comuns”
e instrumentos institucionais para a integração – inclusive um Tribunal –, não conseguiu
sequer completar a sua união aduaneira, ficando bem atrás do Mercosul, que logrou
relativo sucesso nos seus primeiros quatro (transição) ou nove anos (depois de formar a
união aduaneira) de vida. O comércio se expandiu, assim como as trocas com o resto do
mundo, mas a introversão econômica habitual das suas economias e as muitas exceções
feitas à zona de livre-comércio e à própria união aduaneira abriram espaços para as
resistências setoriais ao acabamento do que seria um mercado comum embrionário.
Não foi por falta de instituições que o Mercosul deixou de se consolidar, como
alegado por juristas e outros neófitos do processo, mas sim por uma infeliz combinação
de circunstâncias conjunturais e de fatores estruturais, que acabaram se constituindo em
poderosos obstáculos à implementação completa do Tratado de Assunção. Os processos
domésticos de estabilização econômica foram divergentes entre si – caso dos regimes
cambiais da Argentina e do Brasil – e agravados pelas crises financeiras dos anos 1990,
ao passo que as assimetrias existentes entre os países não puderam ser vencidas por
esforços próprios de reconversão ou de adaptação às novas condições de concorrência.
De fato, depois de implementada a TEC, nunca mais houve esforços adicionais
de liberalização comercial ou de abertura econômica, mas ao contrário, um rol completo
de medidas protelatórias ou protecionistas, seguidas de constantes promessas de “mais
102
Mercosul” para vencer as deficiências constatadas do processo. Das poucas iniciativas
de liberalização comercial surgidas, nenhuma partiu do Mercosul ou de algum dos
países membros, mas sim de parceiros externos, como os EUA – no caso da Alca – ou a
UE – no caso do acordo bi-regional.
O México e o Chile foram os mais consistentes liberalizadores “hacia adentro” e
“hacia afuera”, ao passo que o Mercosul parecia se fechar numa visão introvertida do
processo. Os demais países – e mesmo alguns dentro do Mercosul – procuraram o que
lhe parecia a melhor promessa de ampliação de mercados: o dos EUA, que perseguiram
sua estratégia minilateralista de forma sistemática, isolando o Mercosul em direção da
Antártida, como tinha prometido o ex-USTR Robert Zoellick.
Quando o Brasil, tardiamente em relação à primeira reunião promovida por FHC
em 2000, decidiu completar a Alcsa – a zona de livre-comércio sul-americana, proposta
em 1993 pelo chanceler Amorim – mediante o esquema político da Comunidade Sul-
Americana de Nações (e seu estranho acrônimo), as condições já não eram propícias
para assegurar uma mesma visão estratégica do processo. Vários países se desgarraram
do ideal integracionista, seja por interesse em resultados mais tangíveis de curto prazo –
na direção do império – seja por problemas políticos internos. Registre-se, também, que
a iniciativa brasileira veio no bojo de uma autoproclamada (e por isso inconveniente)
“liderança regional”, reforçando sentimentos de desconfiança dos vizinhos, inclusive
porque não vinha secundada pelos meios materiais ou políticos para o seu exercício. A
Casa pode dificultar, em lugar de ajudar, a promoção da integração física do continente.
O fato é que o Mercosul mergulhou na crise desde 1999 e nunca mais saiu dela,
mesmo se o comércio voltou a crescer nos últimos anos entre os dois maiores membros,
à luz da recuperação argentina da crise de 2001. Mas, salvaguardas abusivas e déficit de
internalização de normas contribuem para restringir as potencialidades de um bloco que
constitui metade da economia do continente. Mesmo a recente decisão pela adesão
“plena” da Venezuela não deve produzir resultados significativos antes de muitos anos,
em virtude de prazos de transição que obedecem em grande medida a acordos aladianos
pouco ambiciosos (sem mencionar o risco de politização ainda maior do Mercosul).
Se já não bastassem os inúmeros problemas comerciais, a nova administração
brasileira decidiu, ao dar início a seus esforços de “revitalização” do Mercosul, que os
aspectos comerciais seriam secundários em relação a outros objetivos, políticos ou de
ordem social, e que estes deveriam passar a sustentar o processo. Por fim, mas não
menos importante, a concepção originalíssima do líder venezuelano sobre o que deve
103
ser a integração torna todo o exercício – seja da Casa, seja do reforço do Mercosul – o
equivalente de uma aventura política de alto risco.
Observe-se que a Alba pode até ser movida a petrodólares durante algum tempo
mais – e certamente Mister Chávez está sendo beneficiado pela tendência irrefreável ao
aumento nos preços do óleo cru –, mas ela não parece constituir uma alternativa válida
de integração econômica para o continente, uma vez que pretende ignorar as regras mais
elementares da economia. Ou seja, pode-se comprar alguns países durante algum tempo,
mas não parece ser fácil comprar todos os países durante todo o tempo.
105
16. O papel dos BRICs na economia mundial
Os BRICs
Muito se tem falado sobre os BRICs, um suposto grupo de países emergentes
dinâmicos, composto pelo Brasil, Rússia, Índia e China, com perspectivas relevantes na
futura economia mundial. Em vista, porém, das baixas taxas de crescimento econômico
do Brasil, vários jornalistas têm retirado o Brasil desse grupo, convertendo-o em RICs,
apenas.
A verdade, entretanto, é que esse BRIC não existe. Trata-se de uma construção
arbitrária, que não se sustenta em nenhum arranjo político-diplomático, em nenhuma
configuração efetiva internacional. É um exercício puramente intelectual de um banco
de investimentos, o Goldman Sachs, que criou essa figura, sem justificativa em si, a não
ser pelo peso específico de cada um desses países.
Com efeito, na maior parte do tempo, os supostos BRICs não interagem entre si,
não atuam de forma coordenada para fins desse exercício feito pelo banco, que é a
emergência econômica, como massa atômica específica, de cada um desses países na
economia mundial. Ou seja, eles terão inevitavelmente um grande peso, inclusive o
Brasil, que é pouco dinâmico, mas cada um por sua própria conta.
A rigor, há também a Indonésia, que está um pouco diminuída hoje, mas que vai
voltar a crescer e emergir, não apenas na região da Ásia Pacífico. Há ainda a África do
Sul, o México, todos grandes países que, somados à China, à Índia e ao Brasil,
conformariam um G-11 ou G-13 da economia mundial.
Isso é relevante, em termos de coordenação da agenda econômica mundial, mas
não há nenhum exercício político-diplomático de coordenação entre BRICs, ou RICs.
Cada um tem uma forma específica de inserção na economia mundial. Cada um tem
interesses nacionais, que não são necessariamente divergentes, mas não são
coincidentes.
106
Não existe, sobretudo, para fins de qualquer classificação diplomática com
respeito ao possível alinhamento desses BRICs na política mundial, uma natural
identificação dos supostos integrantes desse grupo com os demais países em
desenvolvimento ou com alguma diplomacia do Sul. Para todos os efeitos de inserção
na economia mundial, a Rússia, a Índia e a China fazem parte do hemisfério norte,
assim como, do ponto de vista estritamente político, a Rússia integra plenamente as
estruturas de dominação e controle típicos dos países do hemisfério norte.
A Rússia é relevante por seu poderio atômico. Não foi incorporada ao G-7 por
ser uma economia de mercado, o que obviamente ela não era, mas porque poderia
causar problemas. Ela não faz parte do G-7 econômico, mas do G-8 político, que adota
resoluções um pouco inócuas. A Rússia não conta economicamente, a não ser por sua
energia. Como ela é importante no equilíbrio geopolítico asiático e europeu e no plano
energético mundial, ela faz parte desses esquemas de coordenação. Mas o processo de
reformas internas deve ser intensificado para que ela possa ser plenamente incorporada
à OMC e à OCDE.
Tampouco existe, para fins de comércio internacional, um realinhamento radical
dos fluxos, ainda que seja previsível e até natural um crescimento mais intenso dos
intercâmbios entre os próprios países do Sul. A “nova geografia comercial”, que se
anuncia como relevante para o Sul, na verdade já existe: são os emergentes asiáticos
exportando para o Norte desenvolvido – Estados Unidos e Europa – ou para outros
países em desenvolvimento de sua própria esfera geográfica, como é o caso da China e
sua imensa esfera de intercâmbios na própria Ásia Pacífico.
A China e a Índia
Para todos os efeitos imagináveis, o destino econômico da China está
intimamente ligado ao dos Estados Unidos. Os americanos dependem da transferência
de recursos asiáticos para continuar sustentando a sua avidez de consumo. A China
depende enormemente da capacidade comercial deficitária americana, ou seja, que os
Estados Unidos continuem comprando dela. Do catálogo do Wal Mart, 80% ou mais é
chinês ou pode ser feito na China.
A China exerce hoje um papel deflacionista extremamente importante na
economia mundial. Assim como a Inglaterra no século 19 ofereceu mercadorias baratas
a todo o mundo, a China desempenha hoje esse papel. É importante porque permite que
mesmo os trabalhadores desempregados pela concorrência chinesa nos mercados de
107
manufaturados da Europa e dos EUA continuem a consumir produtos, a partir de suas
bonificações-desemprego, que de outra forma não estaria ao seu alcance, se fossem
fabricados aos preços da Europa e dos EUA.
A Índia também está intimamente integrada aos Estados Unidos, pelas redes de
engenheiros, pelos seus executivos que trabalham na Califórnia ou na Costa Leste, que
vão alimentar a nova economia da inteligência e do conhecimento. A China é
basicamente um laboratório, um ateliê ou uma fábrica. A Índia é basicamente um
escritório de concepção e desenho. Os indianos desenham aquilo que lhes foi
encomendado desde o Vale do Silício, podendo inclusive agregar algo mais.
Mas o que é desenhado na Califórnia também o é por engenheiros indianos. Há
uma simbiose completa entre concepção e desenho americano, ou ocidental, e a nova
Índia, que está emergindo paulatinamente e vai ser uma potência em software e em
conhecimento também.
Trata-se, obviamente, de uma “pequena Índia”, pois se está falando da
incorporação de uma parte apenas da imensa população da Índia na economia de
mercado. A exclusão social da maior parte dos indianos dessa economia dinâmica pode
até representar algum fator de pressão interna contra as reformas e uma maior inserção
na globalização, mas esse é um fator interno que tem de ser resolvido na política
indiana. O fato é que a Índia vai continuar com milhões de miseráveis durante muito
tempo, assim como a China.
O que esse dois países já fizeram, em termos de crescimento econômico, é
propriamente extraordinário. A China tirou 200 ou 300 milhões de camponeses de uma
miséria abjeta para uma pobreza aceitável, e os transformou em operários. A Índia
também tirou algumas centenas de milhares de pessoas da miséria. Mas a miséria
indiana ainda é monumental, e vai continuar pelas décadas futuras. Mas isso não
importa para a economia mundial, e sim os grandes fluxos transnacionais de comércio,
bens, serviços.
Os analistas ocidentais e, sobretudo, os políticos americanos argumentam que,
no caso da China, isso foi obtido ao custo de um câmbio artificialmente baixo e de
salários baixos, até para o poder de compra chinês. Entretanto, esses são fatores
conjunturais. A China tem uma boa manipulação de sua política econômica, inclusive
para efeitos cambiais e comerciais. Tem uma boa manipulação da sua agenda financeira
– reservas, investimentos externos. Mas tudo isso é superestrutura, é espuma.
108
O mais importante, todavia, é o papel da China como produtora de bens
correntes no mundo globalizado. Para fazer isso, ela simplesmente se inseriu na divisão
internacional do trabalho. Quando acabou o socialismo, no fim dos anos 80, o impacto
da incorporação dos ex-socialistas na economia mundial não foi muito grande, porque
esses países eram pouco competitivos - tinham uma participação ridícula no comércio
de bens e de tecnologia internacional - e inexistentes no plano financeiro. O impacto
econômico da inserção do ex-bloco socialista no PIB mundial foi de 10% ou 15%, se
tanto. Agora, o impacto da incorporação do exército industrial de reserva ex-socialista
na divisão mundial do trabalho provavelmente supera um quarto da mão-de-obra total
do mundo.
Tudo isso é muito relevante no plano da alocação de investimentos para fins de
produção, montagem de produtos, enfim, tudo o que requer mão-de-obra. A China,
também, em algum momento, vai ficar um pouco cara, e aí outros países vão ser
incorporados. No que se refere ao setor industrial, a China manterá a sua preeminência
mundial nas próximas décadas.
De certa forma, ela está repetindo a história japonesa de copiar para depois criar.
Mas, não se trata de equiparar a China a um novo Japão. A história é sempre diferente.
A China produz mais engenheiros do que qualquer país do mundo. Quem produz
patentes, inovação tecnológica, são engenheiros. A China vai construir um poder
econômico nos seus próprios termos, que não necessariamente vai se dar no vácuo ou na
decadência ocidental, e sim em extrema osmose com o Ocidente.
As teses de hegemonias, declínios e substituição de impérios não são muito
válidas hoje, porque não se tem mais uma economia baseada apenas nas matérias-
primas ou na força bruta das máquinas. Como a economia é do conhecimento, tudo isso
tende a se disseminar. Quem está perdendo, na verdade, são os operários americanos e
ocidentais. Mas as empresas ocidentais vão continuar tão fortes quanto antes, inclusive
utilizando mão-de-obra chinesa, claro, para o que for necessário.
109
O fato é que todos os nossos problemas são made in Brazil. Nenhum deles tem
algo a ver com a globalização. Nada do que é externo é estratégico para os problemas
brasileiros atuais. São deficiências próprias: previdenciárias, educacionais,
organizacionais, corrupção, gastos públicos. A globalização até ajudaria na tarefa de
reforma. Mas como o Brasil é um pouco avestruz, introvertido, recusa a competição
externa e novos acordos comerciais com países desenvolvidos, sua indução à reforma
vai ser bem mais lenta. Tanto o Mercosul como os acordos hemisféricos são menos
importantes para o Brasil, enquanto acesso a mercados, do que enquanto estabilização
econômica e indução à reforma, à competição e à inovação. Como o Brasil continua
relativamente introvertido, o processo de reformas vai ser muito lento. Não é que não
haja consenso entre as elites quanto a uma agenda de reformas. Não há sequer
consciência de que a reforma é necessária, nos planos tributário, fiscal e educacional.
Na globalização, o papel da educação é extremamente relevante. Com a baixa
qualidade atual do seu ensino fundamental, o Brasil simplesmente não pode pensar em
se inserir na economia mundial de forma competitiva. Achamos que nossos problemas
econômicos são graves, por causa da falta de uma agenda de reformas. No plano
educacional, é pior do que possamos imaginar, e tendente à deterioração. A situação é
muito pior do que as estatísticas revelam. Não é apenas do ponto de vista organizacional
e de investimentos, mas no plano mental, de preparação dos professores. Temos
enormes problemas pela frente, que não serão resolvidos facilmente.
Não se deve ser muito otimista quanto às possibilidades do Brasil de concorrer
numa economia globalizada, na medida em que sua situação educacional é pavorosa. O
Brasil não está preparado para capacitar a mão-de-obra, no plano puramente industrial,
nem para enfrentar as exigências da modernidade, da inovação tecnológica. No plano
científico, existe muita capacidade: os cientistas brasileiros são tão bons ou até melhores
que os estrangeiros. Mas a vinculação do sistema científico com o tecnológico é muito
precária. Não há um sistema inovador autogerado. É tudo muito induzido pelo Estado.
O Estado brasileiro deixou de ser uma solução e passou a ser um problema
enorme. Um estudo com países da OCDE para o período 1960 a 1996 mostra que o
ritmo de crescimento está correlacionado à carga fiscal. Países com carga fiscal de até
25% do PIB tiveram crescimento anual de 6,6%; aqueles com carga fiscal superior a
60% do PIB, de apenas 1,6%. Isso ocorre porque simplesmente não existem recursos
para o investimento. A despoupança estatal é um fator extremamente negativo. E, no
110
plano tributário, a incidência sobre o lucro e o trabalho é fator de desemprego,
informalidade e não-crescimento.
Pode-se mencionar aqui o caso da Irlanda. Trata-se de um país que saiu do perfil
europeu típico de alta imposição fiscal e enveredou pelo caminho da eficiência, da baixa
tributação sobre os lucros e sobre o trabalho. Em menos de uma geração, em
aproximadamente 17 anos, ela saltou de metade da renda per capita européia para acima
da média. A China impressiona porque é grande. Mas a Irlanda, em termos de
transformação estrutural, é um caso único na história econômica mundial.
O Brasil poderia parar de olhar tanto para a China e para a Índia e verificar o que
fizeram, por exemplo, Irlanda e Chile, em termos de reforma econômica e inserção no
processo de globalização. Para todos os efeitos, não importa muito o tamanho dos
países e sim a qualidade de suas políticas econômicas.
111
17. Fórum Social Mundial: propostas idealistas, grandes equívocos
“Veja a seguir a lista completa dos nove objetivos gerais, que foram definidos a partir
de consulta realizada entre junho e agosto de 2006 sobre ações, campanhas e lutas
em que estão envolvidas as organizações participantes do FSM:
1. Pela construção de um mundo de paz, justiça, ética e respeito pelas espiritualidades
diversas;
2. Pela libertação do mundo do domínio das multinacionais e do capital financeiro;
3. Pelo acesso universal e sustentável aos bens comuns da humanidade e da natureza;
4. Pela democratização do conhecimento e da informação;
5. Pela dignidade, diversidade, garantia da igualdade de gênero e eliminação de todas as
formas de discriminação;
6. Pela garantia dos direitos econômicos, sociais, humanos e culturais, especialmente os
direitos à alimentação, saúde, educação, habitação, emprego e trabalho digno;
7. Pela construção de uma ordem mundial baseada na soberania, na autodeterminação e
nos direitos dos povos;
8. Pela construção de uma economia centrada nos povos e na sustentabilidade;
112
9. Pela construção de estruturas políticas realmente democráticas e instituições com a
participação da população nas decisões e controle dos negócios e recursos públicos.”
Fonte: Reunião do Conselho Internacional do FSM, em Parma, Itália, 10-12 de outubro
de 2006.
113
Ora, falar em relativismo cultural representa, em determinadas circunstâncias,
preservar as piores formas de opressão e de violação dos direitos humanos, culturais e
até religiosos (uma vez que essas mesmas sociedades convivem com formas
condenáveis de intolerância religiosa), sem que se possa avançar, por exemplo, a causa
da universalidade e da indivisibilidade desses mesmos direitos humanos (individuais ou
coletivos). De resto, o respeito às “espiritualidades diversas” é bem mais praticado nas
sociedades ocidentais do que nessas sociedades implicadas nas formas mencionadas de
discriminação, sem que se levante, contra elas, o mesmo princípio do “relativismo
cultural” (uma vez que o que as caracteriza, justamente, é um absolutismo a toda prova
na afirmação de suas particularidades espirituais e culturais). Em resumo, a defesa da
ética pode não combinar com o respeito de “espiritualidades” que ofendem a dignidade
humana.
117
6. Pela garantia dos direitos econômicos, sociais, humanos e culturais,
especialmente os direitos à alimentação, saúde, educação, habitação, emprego e
trabalho digno
Mais uma vez, nada a objetar, a não ser, igualmente, o fato de que esses
“direitos” têm de ser “produzidos” de alguma forma, o que coloca novamente na agenda
dos militantes do FSM a difícil questão de nos explicar a origem da “cornucópia”
fantástica que vai “garantir” esses bens de modo semiautomático. Em geral há uma
tendência, nesses meios, a considerar que basta determinar que os Estados sejam
organizados de forma a “prover” o acesso de toda a população a esses direitos básicos,
independentemente do seu modo efetivo de provimento, para que isso ocorra, como que
por fiat divino. É o que Marx e Engels chamavam de “socialismo utópico”.
Trata-se de uma carência lamentável na “economia política” desses movimentos,
uma vez que eles estão sempre invocando o slogan mágico de que “um outro mundo é
possível”, sem jamais, porém, avançar os rudimentos, que seja, desse mundo
alternativo. Dele não se conhecem seus contornos arquitetônicos, sua localização no
tempo ou no espaço e, mais importante, suas engrenagens essenciais, ou seja, seu modo
de funcionamento interno. A não ser que ele funcione por moto perpétuo, como no
velho sonho dos reformistas utópicos, não existe nenhuma maneira factível (conhecida
dos economistas, em todo caso) que seja capaz de assegurar o livre provimento desses
bens de maneira ampla e indiscriminada, a não ser distribuindo os custos e as penas do
processo produtivo por toda a sociedade. Como o Estado, em si, não produz
absolutamente nada – a não ser, obviamente, déficit público – e como tudo o que ele
recolhe sob forma de recursos teve de ser previamente produzido pelos agentes
econômicos (que são os trabalhadores e seus patrões), supõe-se que os militantes do
FSM já tenham pensado em modos alternativos de “dar” ao Estado o poder mágico de
dispensar favores sem custo para a sociedade.
Curiosamente, pelo que se conhece da experiência histórica – dos últimos 150
anos, pelo menos –, as sociedades menos aptas a prover seus cidadãos de quantidades
ilimitadas desses bens materiais (e alguns “espirituais”, como a cultura ou a liberdade)
são justamente aquelas mais dominadas pela presença econômica do Estado enquanto
agente ativo do processo produtivo. Ao contrário, as sociedades mais produtivas – e as
que desfrutam de maior liberdade, também – foram e são aquelas cujos princípios
organizadores dão menos ênfase ao papel do Estado e maior à própria sociedade civil,
no seu sentido estritamente produtivo. A objeção de que as sociedades mais avançadas
118
do mundo, no plano do IDH, por exemplo, são as escandinavas ou nórdicas, nas quais o
Estado desempenha um preeminente papel redistributivo, não pode ser considerada
como uma denegação dessa tese, uma vez que o direito à propriedade privada, em sua
expressão plena, e a capacidade de iniciativa individual estão nelas totalmente
asseguradas. O próprio Estado está nelas integralmente controlado pelas forças vivas da
nação, como sabem reconhecer todos os que conhecem o modo de funcionamento das
sociedades nórdicas.
121
geral que seja menos “democratista” em seus princípios básicos e mais realista em suas
aplicações práticas.
122
18. Socialismo do século XXI?: apenas para os incautos...
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(link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2014/02/socialismo-para-os-incautos-
paulo.html).
125
19. Sete teses impertinentes sobre o Mercosul
O estado atual do Mercosul pode ser interpretado de maneira muito diversa pelos
observadores interessados nesse processo de integração. Eles terão, segundo os casos,
uma interpretação mais ou menos otimista quanto ao seu desenvolvimento político no
período recente e serão mais ou menos realistas quanto às suas perspectivas evolutivas,
no atual contexto da integração sul-americana, dependendo da interação pessoal com
esse processo. Aqueles responsáveis por sua condução tenderão a enfatizar o muito que
se fez nos últimos anos para reforçar suas estruturas diretivas, para diversificar o escopo
e ampliar a cobertura da integração e para expandir sua influência na região, ou, na pior
das hipóteses, para evitar o prolongamento de uma crise começou em 1999.
Os observadores mais críticos desse processo poderão retrucar quanto ao não
cumprimento dos principais objetivos fixados originalmente e reafirmados de maneira
recorrente nos anos que se seguiram, sem que os obstáculos ao pleno funcionamento da
zona de livre-comércio ou à plena vigência da união aduaneira tenham de fato sido
superados. Eles também saberão reconhecer a preservação do esquema integracionista,
ainda que possam discordar quanto à utilidade das medidas adotadas para tal efeito.
Independentemente de qualquer julgamento sobre se as características atuais do
Mercosul resultaram de “acidentes de percurso” ou se elas derivaram, ao contrário, de
escolhas conscientes feitas pelos atuais dirigentes políticos, vou tentar formular algumas
“teses” sobre esse processo, oferecendo, ao final, algumas propostas tendentes a superar
algumas de suas atuais dificuldades. Cabe registrar que, a despeito de um julgamento
otimista ou pessimista que se faça da situação atual do Mercosul, não há como recusar o
fato de que esse processo atravessa dificuldades notórias, superáveis ou não em função
da avaliação que se possa fazer quanto à natureza ou a origem desses males e sobre os
“remédios” aplicados ao caso.
127
levado a converter-se – num esquema fragmentado de iniciativas setoriais, nos campos
político, social, cultural, ou outros, não coordenados e desconectados entre si.
2. Introversão
O Mercosul deixou de ser uma ferramenta facilitadora, ou um meio, para atingir
determinadas finalidades, que na origem eram as da modernização produtiva dos países
membros e sua inserção econômica internacional, e tornou-se um fim em si mesmo,
como se a forma devesse necessariamente determinar o conteúdo. Com essa nova
orientação “hacia adentro”, a integração vem sendo perseguida pela própria integração,
não como um veículo condutor ou uma alavanca para a consecução de objetivos
economicamente racionais. Seria como se a preocupação “estética” tomasse a dianteira
sobre o funcionamento efetivo do esquema.
4. Expansão arriscada
O Mercosul foi levado a expandir de maneira talvez impensada, em todo caso de
modo pouco condizente com os seus requerimentos intrínsecos, previstos no tratado de
Assunção e nas decisões já adotadas, em termos de Tarifa Externa Comum, regras de
origem, defesa da concorrência etc. Decisões políticas de incorporação, sem atenção aos
elementos constitutivos da união aduaneira, fragilizam o edifício original e tornam mais
difícil o consenso interno para negociações externas.
4. Expansão medida
O princípio de base deveria ser “aberto ma non troppo”, ou seja, novos sócios
devem submeter-se aos estatutos vigentes, não pretender alterar o funcionamento do
clube. A simpatia não pode ser um substituto para a seriedade no engajamento formal
do respeito às normas. Um entendimento claro quanto aos propósitos definidos e quanto
aos objetivos fundamentais é a primeira das condições para que novas incorporações
sejam decididas.
131
20. Terrorismo islâmico-fundamentalista: uma quarta guerra
mundial?
132
que se o diga) islâmico-fundamentalista, visa simplesmente a causar o maior número de
mortos, de forma indiscriminada (mesmo entre os próprios seguidores da religião
islâmica), em nome de objetivos muito difusos, mas que todos tem a ver com a recusa
da modernidade ocidental, com a rejeição das conquistas do iluminismo (que foi
ocidental, mas é propriamente universal).
Esse terrorismo islâmico-fundamentalista é profundamente reacionário e
obscurantista, e alguns observadores o acusaram de fascista, mas não creio que esse
conceito apreenda suas características peculiares. O fascismo tem a ver com uma
determinada noção de um regime político, com a conquista do Estado e a obtenção de
objetivos políticos, econômicos e sociais. O terrorismo islâmico-fundamentalista é mais
uma negação do existe do que a construção de uma nova sociedade.
Esse terrorismo se baseia num estoque infindável de pessoas-bomba, de todos os
gêneros e idades. Não é incomum assistir-se na TV, reportagens que mostram alguma
mãe de um pequeno candidato a menino-bomba (existem garotos de dez anos sendo
treinados para isso) dizendo se sentir orgulhosa de ver seu filho sendo treinado para ser
um combatente contra o inimigo sionista e americano. Pode ser patético, mas é
revelador de um certo estado de espírito.
Qual é a sociedade que produz uma mãe que pede, literalmente, que o seu filho
converta a si mesmo em bomba humana, levando consigo o maior número possível de
inimigos? Não creio que seja uma sociedade “normal”, mas esse tipo de predisposição
para o martírio corresponde a um movimento determinado, o do fundamentalismo
islâmico, que aparentemente conquistou muita gente. Existem, como se sabe, muitos
“meninos-bomba” em preparação, da Palestina ao Paquistão, e talvez mais além.
Não nos enganemos: todos esses candidatos voluntários ao martírio pertence a
um arco civilizatório específico: o do islamismo decadente e fracassado, não enquanto
religião, mas enquanto sociedades “normais”. Por várias razões – entre elas a autocracia
política e a falta de modernização econômica e social, pelo próprio fracasso dessas
sociedades e desses Estados autoritários em prover meios de vida descentes a uma
massa considerável de jovens desesperançados (e alimentados no ódio ao Ocidente,
como se ele fosse responsável pelos fracassos) –, o movimento do terrorismo
fundamentalista-islâmico dispõe hoje de um estoque infinito de candidatos a pessoas-
bomba.
O que o Hezbollah, o Jihad, o Hamas e outros movimento assemelhados fazem
hoje, da Palestina à Índia, passando pelo Iraque e pelo Afeganistão, é exatamente isso:
133
uma nova modalidade de terrorismo inaceitável na perspectiva de qualquer nação
civilizada na face da terra.
Sim, existe uma diferença entre esses bárbaros e os antigos terroristas, da fase
anarquista, quase romântica. Os antigos anarquistas, geralmente de extração operária,
faziam atentados isolados, visando diretamente os soberanos (presidentes, reis,
autoridades em geral), pois queriam combater o Estado, que viam como mal absoluto.
Se expunham pessoalmente e conseguiam em alguns casos o seu intento. Era uma tática
terrorista numa estratégia mais ampla de luta política, mas algo desorganizada,
geralmente condenada pelos demais grupos de esquerda.
Os bárbaros da atualidade explodem tudo e a todos, matando inocentes sem
contar, sem qualquer objetivo militar aparente, numa estratégia de terror pelo terror.
Eles também se expõem pessoalmente – e como: na promessa mirífica do paraíso dado
automaticamente aos mártires – mas seus objetivos são indiscriminados, atingindo
inocentes e alguns “correligionários”.
Acho que a realidade terrível está exposta, claramente. A nova barbárie bateu à
nossa porta e ela promete perdurar por longos anos à frente. As pessoas que se julgam
conscientes e responsáveis deveriam tomar partido. A linha divisória está posta.
Eu fico assustando de ver como a esquerda brasileira, e talvez a esquerda
mundial, ainda se permite aplaudir esse tipo de gesto, apenas porque ele se dirige,
supostamente, contra o inimigo imperialista ou sionista. Não gostaria de constatar que a
esquerda se colocou do lado dos bárbaros, absolutos, inaceitáveis a qualquer pretexto.
Por outro lado, não creio que a resposta a esse novo fenômeno tenha de ser
basicamente militar, isto é, baseada no enfrentamento de grupos terroristas com o
objetivos de aniquilá-los, fisicamente. Esse tipo de tática os converte, imediatamente,
em guerreiros de um novo exército, os eleva à categoria de soldados de uma causa e
lhes traz, ao mesmo tempo, responsabilidade e respeitabilidade (aos olhos dos que
comungam das mesmas ideias). A estratégia correta, mas muito mais difícil – reconheço
– seria vencê-los no terreno das ideias, demonstrar a profunda desumanidade que
encarnam, o total niilismo dos procedimentos e resultados. Obviamente, a
responsabilidade maior por este tipo de mensagem “desmanteladora” da legitimidade
das ideias terroristas está antes com os líderes religiosos e os clérigos do Islã (em suas
diversas correntes) do que com os responsáveis dos países ocidentais.
O fato é que, atualmente, existe algo de profundamente errado e vicioso nas
atitudes dos líderes religiosos do Islã; sua responsabilidade pelo terrorismo
134
fundamentalista islâmico não pode, de nenhuma maneira ser afastada. O simples fato de
não condenar, de forma veemente, autores e planejadores, cada vez que um ato bárbaro
é perpetrado, os converte em coniventes, para dizer o mínimo, com seus autores. Existe
uma guerra, mas ela se passa no interior do Islã...
Blog Diplomatizzando
(18.01.2007: http://diplomatizzando.blogspot.com/2007/01/689-o-terrorismo-
islmico.html#links).
135
21. Duzentos anos da vinda da família real: o que Portugal nos legou?
1. Um introdução em retrospectiva
Aproximando-se as comemorações pelos 200 anos da vinda da família real
portuguesa para o Brasil, em janeiro de 2008, caberia talvez fazer uma espécie de
balanço em torno do que isto representou para o Brasil e sobre o quê, em decorrência
desse fato, mudou na vida da jovem nação, então em fase de constituição,
independentemente de continuar, durante alguns anos mais, a estar formalmente
subordinada a Portugal (tendo passado a Reino Unido, isto é, a um estatuto quase pleno
de autonomia, em 1816).
Uma maneira de fazê-lo seria a de proceder uma espécie de confronto entre o
“então” e o “agora”, ou seja, examinar a situação econômica do Brasil, tal como ela se
apresentava em 1808, acompanhar as mudanças ocorridas a partir daí, até a
independência ser consolidada, grosso modo em 1825, e verificar, então, o que se
fizemos desde aquela época, ou seja, nos últimos 200 anos. É o que tentarei fazer no
presente texto, mas confesso que uma grande pergunta me assalta a mente. Ela poderia
ser formulada da seguinte forma:
Por que o Brasil, desde o início do século XIX até este início de século XXI,
falhou em realizar as promessas de desenvolvimento contidas na primeira e na segunda
revoluções industriais, ocorridas ao longo do século XIX e no decorrer do século XX,
como fizeram muitos outros países, e por que ele falha, ainda e sempre, em acompanhar
as tendências mais dinâmicas do século XXI?
Em outros termos, e vista a mesma pergunta por outro ângulo: o quê,
exatamente, nos separa de 1808-1822 em termos de realizações e conquistas? Ou ainda:
será que somos, 200 anos depois, tão diferentes assim, do que éramos na conjuntura do
estabelecimento da família real portuguesa entre nós?
Estabelecida a hipótese de trabalho, os objetivos do presente ensaio de revisão
histórica poderiam ser assim estabelecidos: quais eram as condições de partida do
Brasil, no contexto colonial português e europeu?; qual era o peso do Estado, que
sempre constituiu, então e agora, nossa característica fundamental em termos de
organização política e social?; como era e como está, agora, o ambiente de negócios,
136
provavelmente pavoroso e piorando?; como andamos de empreguismo estatal e de
irresponsabilidade fiscal?; será que essa mania de construir palácios para o setor
público, como já então se via, é nova?; como defendemos nossos recursos naturais,
econômicos, humanos e institucionais?; quais eram e quais são as nossas deficiências
essenciais nesse campo?; por que as políticas adotadas por nossas elites conseguem ser
tão equivocadas nos planos macro e no micro?; qual foi o nosso desempenho econômico
em perspectiva comparada com outros países?; como caminharam os outros?
Enfim, esta tentativa de balanço visa, simplesmente, analisar de onde viemos e
onde estamos atualmente. Acredito, pessoalmente, que fizemos grandes progressos
nestes 200 anos, mas esses avanços podem, ainda assim, ser considerados insuficientes,
em vista de tudo o que poderíamos ou deveríamos ter feito, e em face dos enormes
desafios que ainda temos que enfrentar para podermos apresentar-nos ao mundo, 200
anos depois, como uma nação desenvolvida, o que ainda não somos. Mas, desejo desde
já deixar constância de um fato, que pode ser considerado como uma mera opinião, mas
ela vem sustentada em uma infinidade de “provas materiais”:
Não, não creio que os portugueses – o povo ou a família real – sejam culpados
pelo que somos ainda hoje, ou seja, um país industrialmente desenvolvido, mas
socialmente iníquo, economicamente avançado, mas socialmente atrasado,
cientificamente realizado, mas tecnologicamente mal dotado. Não se devem aos
portugueses nossos comportamentos atávicos e nossos fracassos de modernização. Eles
não podem responder pelo que fizemos desde 1822. Nós mesmos somos responsáveis
pelo muito que conseguimos fazer neste período, em termos de construção da nação,
assim como devemos ser considerados culpados pelo quadro lamentável no plano social
ou educacional que ainda contemplamos hoje.
Parte do que vou aqui dizer – pelo menos a conjuntura histórica do “movimento
da independência”, como diria o historiador Manoel de Oliveira Lima – encontra-se
descrito com maior grau de detalhe na minha contribuição, “A formação econômica
brasileira a caminho da autonomia política: uma análise estrutural e conjuntural do
período pré-independência”, que constitui um dos capítulos da coletânea coordenada
por Rubens Ricupero e Luiz Valente de Oliveira, sobre Os 200 anos da Abertura dos
Portos (São Paulo: Editora Senac-SP, 2008, p. 256-283; ISBN: 978-85-7359-651-9),
que foi apresentado em seminário sobre “1808: A Abertura dos Portos”, realizado em
28 e 29 de novembro de 2007, sob o patrocínio da Federação do Comércio do Estado de
São Paulo.
137
2. O que Portugal nos legou, exatamente?
Uma breve relação do que Portugal implantou na terra “braziliense” – como
diria José Hipólito da Costa, o grande cronista independente da conjuntura que estamos
analisando –, desde o período colonial até a independência, poderia ser resumida na
seguinte lista:
1. A língua portuguesa, obviamente;
2. Um povo aberto à miscigenação racial;
3. Instituições estatais exacerbadas e muito centralizadas;
4. Uma diplomacia bastante competente e alerta aos “negócios” do mundo;
5. Comportamentos rentistas, patrimonialistas e extrativistas em economia;
6. Um judiciário antiquado, desde a origem, e provavelmente corrupto, também;
7. Uma religiosidade pervasiva, mas bastante maleável e integradora, finalmente;
8. Uma introversão nos comportamentos e a desconfiança do que é estrangeiro.
138
valorizada pelo que representa de legado a ser projetado no futuro, na certeza de que
certamente conseguirá superar os proponentes atuais do racismo e da separação racial.
Não necessito, por outro lado, deter-me em demasia na competência
diplomática, que constitui, sim, um excelente legado português, uma vez que as boas
heranças devem ser mantidas e desenvolvidas. Uma atitude autocongratulatória
constitui, porém, a mais segura receita de estagnação e retrocesso, pois que o excesso de
confiança nas próprias virtudes induz a erros de julgamento e a uma predisposição para
a não-mudança.
Pretendo-me deter em alguns aspectos desse legado português e verificar em que
medida fomos capazes de vencer as dificuldades do momento inicial – feito de
construção da nação praticamente a partir do zero – e desenvolver nossa capacidade de
vencer novos desafios ao longo do tempo, construindo, ou não, uma nação inclusiva e
próspera.
141
8º) meia sisa (imposto de 5% sobre a renda de cada escravo que fosse negro
ladino, isto é, que já soubesse um ofício);
9º) novos direitos (taxa de 10% sobre os vencimentos dos funcionários da
Fazenda e da Justiça)... et encore...
143
6. Como evoluímos em termos de respeito aos direitos de propriedade e ao
patrimônio?
Como ensinam os economistas da escola institucionalista (Douglass North e
outros), o respeito aos direitos de propriedade e aos contratos – duas das mais
importantes instituições da vida econômica – estão entre os elementos mais relevantes
do progresso econômico. Nesse terreno, o legado da instalação da família real no Brasil
não é dos mais edificantes.
Quando a comitiva que acompanhava o príncipe regente chegou ao Rio de
Janeiro, um grave problema habitacional colocou-se: onde acomodar tantos nobres?
Criou-se, então, um sistema das “aposentadorias”: as casas mais apresentáveis e
espaçosas eram requisitadas em nome do Príncipe, e os locais escolhidos eram logo
pintados com as iniciais “PR”, de Príncipe Regente. Mas, o povo carioca logo as
interpretou à sua maneira, dizendo que representavam, na verdade, um “Ponha-se na
Rua”. Hipólito da Costa escreveu em seu Correio Braziliense que o sistema das
aposentadorias era um “regulamento medieval”, um “ataque direto ao sagrado direito de
propriedade”, que “poderia tornar o novo governo no Brasil odioso para o seu povo”.
Nem tão medieval assim, uma vez que ele continua existindo em nossos dias.
O que temos hoje, em matéria de desapropriações forçadas, é um fenômeno
diferente, mas não menos preocupante em termos de legalidade e respeito aos direitos
de propriedade: são contingentes organizados (em número relativamente desconhecido)
de “sem-terra” e de “sem-teto” profissionais que, alimentados por cestas básicas
fornecidas pelo próprio Estado e arregimentados de forma quase militar por
organizações igualmente sustentadas pelo dinheiro estatal, se dedicam a invadir
propriedades rurais e urbanas em nome da “justiça social”. Eles o fazem invocando
“direitos”, que sempre são os seus direitos particulares, não os direitos da coletividade.
De fato, a Constituição brasileira de 1988 contém 76 vezes a palavra “direito”, muito
poucas vezes a palavra “obrigação”, raríssimas vezes a palavra produtividade e quase
nenhuma o conceito de eficiência.
Mas, talvez esses ataques ao direito da propriedade, e aos cofres públicos – pois
é deles que sairão os recursos para garantir tantos direitos a terras e moradias – não
sejam os mais lesivos ao erário público. Passados duzentos anos de desapropriações
estatais para acomodar os poderosos do momento, o que temos hoje em matéria de
“acomodação” dos nobres servidores do Estado? A transcrição de uma matéria da Folha
de São Paulo, de 22.10.2007, nos informa que: “Judiciário vai gastar R$ 1,2 bi para
144
construir três tribunais”. Subtítulos esclarecedores: “Procuradoria investiga suspeita de
desperdício de dinheiro e superfaturamento”; “Presidente do Tribunal Regional Federal
de Brasília terá um gabinete 4 vezes maior que o de Lula”.
Vale a pena transcrever alguns pontos da matéria: “O Judiciário vai gastar R$
1,2 bilhão na construção de três suntuosas sedes de tribunais com suspeitas de
desperdício de dinheiro público, direcionamento de licitações e superfaturamento. Os
custos estimados pelos tribunais poderão aumentar até o final das obras. O Tribunal
Regional Federal da 1ª Região, em Brasília, decide nesta semana quem tocará uma obra
de R$ 489,8 milhões com área total de construção maior do que a do Superior Tribunal
de Justiça. Nas novas instalações, o presidente do tribunal e seus assessores ocuparão
um gabinete quatro vezes maior do que o do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O
Ministério Público Federal pediu a suspensão das obras e a anulação da licitação para a
construção da nova sede do Tribunal Superior Eleitoral, estimada em R$ 336,7
milhões.”
146
PIB per capita e comparações entre os países, 1820
Países PIB per capita Brasil = 100
Brasil 670 100
México 759 113
Japão 669 99
França 1.230 183
Estados Unidos 1.257 232
Grã-Bretanha 1.707 254
Como foi a nossa evolução desde então? A mesma tabela pode ser construída
com valores mais atuais:
Muito desse baixo dinamismo econômico pode ser explicado por nossa pequena
abertura internacional. Uma comparação de nosso coeficiente de abertura externa revela
a reduzida participação do comércio exterior na formação do PIB, quando é pelas
transações externas que se realizam as incorporações de capitais e tecnologias
modernizadoras. No período recente, em particular, nosso crescimento tem sido pífio
em relação à média mundial e, sobretudo, em relação aos emergentes dinâmicos da Ásia
147
oriental. Considere-se, por exemplo, o PIB per capita da Coréia do Sul que, em 1960,
representava 50% do valor do PIB per capita do Brasil. Atualmente, o país asiático nos
superou por uma razão de três. Na média, o crescimento dos países emergentes nos
últimos dez anos tem sido três vezes superior ao do Brasil, que cresce mais ou menos a
metade do PIB mundial. Nesse ritmo, nossa renda per capita vai dobrar apenas em três
gerações (75 anos), ao passo que a da China dobra a cada 17 anos.
150
22. Um outro Fórum Social Mundial é possível…
155
haver condições de existir, sequer um rascunho da arquitetura desse outro mundo
possível que eles anunciam cada vez.
Bem, o mundo certamente mudou nestes dez anos, não sei se eles perceberam,
pelo menos para chineses, indianos e um bocado de gente espalhada por aí. Talvez não
seja exatamente o mundo que eles, altermundialistas, estivessem esperando, isto é, um
mundo sem capitalistas, sem lucros, sem mercados e sem várias outras coisas que eles
acreditam estar na raiz das iniquidades atuais. Eles deveriam perguntar aos chineses o
que eles, chineses, estão achando da globalização. Provavelmente, a resposta não será
conforme ao que eles esperam, mas talvez este seja o mundo possível, atingível por
milhões de chineses e indianos.
Como os altermundialistas – que são, na verdade, antiglobalizadores, ou pelo
menos pretendem uma outra globalização –, não conseguem entregar o seu peixe, isto é,
revelar o segredo desse outro mundo possível, eu só posso concluir que um outro Fórum
Social Mundial é, não apenas possível, como necessário, pois o que existe até o
momento não consegue deliver o que promete.
Para ajudá-los nessa tarefa ingente de transformar sonhos em realidades,
promessas em realizações tangíveis, talvez eles devessem começar lendo bons livros de
história, de desenvolvimento econômico, de relações internacionais, pois, pelo visto, as
cartilhas que andam percorrendo – uma mistura de Noam Chomsky, com Eduardo
Galeano e outros perfeitos idiotas da globalização – não estão servindo para nada. Eles
devem, antes de mais nada, se desvencilhar de ideias caducas, inadequadas ao mundo
atual ou simplesmente equivocadas. Para ajudá-los na tarefa, começo por listar alguns
dos artigos que escrevi nos últimos anos, tendo como objeto, justamente, a globalização
e seus românticos (e ineficazes) detratores. Talvez eles possam fazer um novo encontro
com outras ideias possíveis, pois as atuais são impossíveis...
158
23. O império americano em sete teses rápidas: uma hegemonia
involuntária, envergonhada e não reconhecida
159
De uma parte, os EUA são um poder aroniano por excelência, ou seja, um
Estado que soube, melhor do que qualquer outro, no concerto de nações, conjugar e
combinar os dois vetores essenciais de qualquer capacidade de projeção internacional.
Esses vetores são constituídos, de um lado, por uma presença dilatada e ativa nos mais
diversos foros e cenários abertos à sua diplomacia e, de outro, por uma poderosa
ferramenta de afirmação do seu poder primário, isto é, sua força militar, que permanece
incontrastável desde um século aproximadamente. O diplomata e o soldado, ainda que o
primeiro apareça como bem menos eficiente do que o segundo, são os instrumentos
sempre presentes da afirmação internacional ímpar desse hegemon relutante, desse
decisor incontornável, de última instância, nos assuntos de segurança internacional e
desse árbitro unilateral, por vezes arrogante, das questões de segurança de outros países,
incapazes, por sua própria vontade e poder, de dirimir certas contendas ou de afastar
certas ameaças.
De outra parte, os EUA constituem também um Estado radicalmente
westfaliano, no sentido em que eles serão, provavelmente, a última nação do planeta
disposta a ceder soberania a qualquer entidade intergovernamental, internacional ou
supranacional que possa ser chamada a exercer, pela evolução natural ou dirigida do
direito internacional, competências reguladoras ou decisoras infringindo o mandato
original conferido ao seu congresso, vale dizer, ao povo dos EUA. Contrastando com
outras nações, da Ásia do Sul à América Latina, passando sobretudo pela Europa, mas
também pelo Oriente Médio e pela África, que consentem em renunciar, por vezes
alegremente, à sua soberania – em políticas macro e setoriais, em questões monetárias e
até em matéria de defesa –, os EUA não são sequer relutantes quanto a isso: eles
simplesmente não cogitam em colocar qualquer aspecto de sua soberania exclusiva,
política, econômica e a fortiori militar, nas mãos de qualquer outro poder político que
não seja o seu próprio Congresso e, em última instância, o seu povo. A China talvez
possa ser um Estado tão “westfaliano” quanto os EUA, mas ela é muito pouco aroniana
em sua natureza profunda e em seu modo de ser.
162
Aceitas, ou pelo menos propostas, estas simples teses sobre a posição dos EUA
no plano mundial, caberia abordar a questão do seu papel na segurança internacional e
na ordem econômica mundial. Estes serão a matéria e os motivos para um próximo
artigo na sequência deste. A seguir, portanto...
163
24. O império e sua segurança: quatorze novas teses sobre equilíbrio
estratégico e autossuficiência militar
Aceitas algumas teses sobre a posição dos EUA no plano mundial (ver trabalho
precedente), venho agora à questão do seu papel na segurança internacional. Disponho,
igualmente, de algumas outras breves teses sobre essa questão, que não pretendo
elaborar substantivamente ou discorrer longamente sobre elas, basicamente por razões
de espaço, mas acredito que elas sejam suficientemente explícitas para se justificarem a
si mesmas. Vejamos, portanto, minhas “teses” sobre o papel dos EUA na segurança
internacional.
164
2) Os EUA não estão interessados em impulsionar nenhum esquema multilateral de
segurança estratégica, de tipo onusiano ou outro, que consistiria em armar forças de
intervenção que possam, de alguma forma, interferir com os seus próprios esquemas
domésticos de segurança e de defesa nacional. Nisso, eles são westfalianos radicais.
Não há nenhuma chance, no futuro previsível, que os EUA venham a concordar
com a implementação prática do que está estipulado no artigo 47 da Carta da ONU,
relativo ao estabelecimento de um Comitê de Estado Maior para assessorar e assistir o
Conselho de Segurança em todas as questões relativas às necessidades militares do
CSNU, inclusive quanto ao emprego e comando de forças colocadas à disposição desse
Comitê. Os EUA nunca permitirão que tropas americanas, ou quaisquer forças suas,
sirvam sob comando alheio, ainda que este seja formalmente da ONU, em situações que
digam diretamente respeito à segurança e à defesa dos interesses dos EUA.
6) Os EUA não parecem dispostos a colocar todo o seu potencial à disposição do resto
do mundo e provavelmente nunca o farão.
166
Eles se contentam em fazer com que o resto do mundo seja um lugar não
suficientemente ameaçador do ponto de vista dos interesses nacionais americanos. Ao
garantir essa situação, os EUA estão contribuindo, de forma indireta, para a segurança
do planeta, ao impedir a emergência de forças contestadoras da supremacia militar e
estratégica americana.
Se os EUA são the world’s cop, isto é, os policiais do mundo, eles têm de agir e
se comportar, efetivamente, como o “porrete de última instância”, ou seja, como aquele
poder acima do qual nenhum outro prevalece ou se mantém. Não se trata de uma atitude
arrogante, imperial ou unilateral, como pensam muitos; apenas de um comportamento
que é a própria essência do ser americano: não há poderes acima do xerife da aldeia.
7) Os EUA não precisam de aliados ou parceiros militares, eles apenas desejam países
que paguem a conta das operações militares ou de manutenção da paz que não
sejam aquelas estritamente vinculadas à defesa do território americano ou da
segurança de suas empresas e cidadãos.
O conceito de burden sharing, no plano da ONU e das operações onusianas de
imposição e de manutenção da paz, aplica-se exclusivamente no plano político e a
esferas externas à segurança nacional americana. Ou seja, o compartilhamento de
tarefas no plano da defesa e da segurança internacionais se referem a cenários
estratégicos que se situam todos fora do território americano, apenas interagindo com
esquemas nacionais de defesa na medida em que cenários estratégicos situados em
outras latitudes e longitudes tenham ou exerçam algum tipo de impacto na segurança
nacional americana.
Foi exclusivamente em função do “burden sharing” que os EUA patrocinaram,
numa primeira fase, as candidaturas da Alemanha e do Japão a uma cadeira permanente
no Conselho de Segurança da ONU, isso ainda nos anos 1980. Com o passar dos anos,
com o emasculamento da Rússia e a diluição da grande Alemanha no conjunto
puramente hedonista da União Europeia, os EUA deixaram de patrocinar o ingresso da
Alemanha nesse foro restrito dos “mais iguais”, preferindo, por razões puramente
estratégicas – e não mais de ordem orçamentária, como era o caso na fase de
keynesianismo militar da era Reagan –, promover a ascensão do Japão e da Índia em tal
foro.
167
8) O conceito, a construção e a operacionalização prática da OTAN de forma nenhuma
implicam em qualquer tipo de multilateralismo securitário ou estratégico da parte
dos EUA.
A OTAN é simplesmente um braço armado dos EUA para determinadas tarefas
e funções específicas, uma das muitas ferramentas utilizadas, ao longo do seu processo
de afirmação imperial, para ampliar sua capacidade de projeção externa, no plano
militar e diplomático, e para contribuir à manutenção de uma mesma concepção
civilizatória geral, no plano dos valores e dos princípios de organização econômica e
social.
A OTAN não deve ser vista apenas como uma aliança militar dotada de um
conceito puramente defensivo – a proteção do Ocidente contra a ameaça militar
soviética, de acordo com a doutrina do containment, inspirada por George Kennan –
mas também como uma esfera de liberdade política e econômica, não necessariamente
no sentido mais puro da palavra, como os exemplos de Portugal salazarista e da Turquia
semicapitalista podem comprovar. Com esses flancos garantidos, a Espanha franquista
era dispensável, mas se ela, por acaso, fosse estrategicamente relevante, também teria
sido integrada ao baluarte da democracia.
9) A OTAN não foi vitoriosamente militarmente: ela apenas cumpriu uma função
defensiva, dissuasiva, de treinamento e de enquadramento dos países subordinados,
sem mencionar o lado da demanda por equipamentos militares, que também faz
parte do supply-side economics da indústria americana.
A URSS manteve, na maior parte do tempo, uma capacidade ofensiva superior
em forças de terreno, e talvez mesmo no terreno dos dispositivos nucleares. Ela
tampouco foi “esgotada” pela competição armamentista, mas estiolou-se a si mesma. A
URSS perdeu a competição em meias de nylon, não em equipamentos militares, ela
implodiu, por sua própria incapacidade produtiva, por manter um sistema que não podia
simplesmente funcionar. Mas isso já estava previsto desde 1919 pelo economista
austríaco Ludwig Von Mises, que demonstrou logicamente a impossibilidade de cálculo
econômico e, portanto, de funcionamento do processo produtivo, numa economia
socialista.
10) A OTAN assumiu, desde a derrocada (não derrota) do socialismo, funções bem
mais abrangentes do que eram as suas no período da Guerra Fria. Isso não tem
168
muita importância do ponto de vista americano, uma vez que ela é acessória à sua
própria segurança nacional.
A OTAN cumpre funções subsidiárias nos esquemas americanos de defesa,
ainda que ela seja, hoje, algo bem mais amplo do que a coordenação de esquemas
militares, uma espécie de ferramenta polivalente, numa palavra, um canivete suíço com
administrador europeu e manipulador americano. Seu novo mandato lhe dá poderes para
intervir praticamente em todos os assuntos, da luta contra as agressões ao meio
ambiente e as violações aos direitos humanos à defesa da democracia e da paz, num
cenário que há muito extravasou o Atlântico Norte, alcançando praticamente todo o
mundo (com a exceção do universo, isto é, do espaço exterior, que permanece
“americano”).
11) A OTAN e, de certa forma, também os EUA não parecem estar preparados para as
novas ameaças, mais difusas do que claramente identificadas, ainda que o inimigo
tenha contornos muito nítidos: trata-se do fundamentalismo islâmico.
A OTAN estava teoricamente preparada para combater um inimigo claramente
identificado, com divisões e instâncias de comando apoiadas em coisas tangíveis:
tanques e canhões, navios e aviões, quartéis e linhas de comunicação, enfim, ferro, aço,
cimento, um pouco de cobre. Hoje, isso não se aplica, pois o “inimigo” vive no próprio
território e confunde-se com a população em geral ou com imigrantes honestos. A
globalização, neste caso, traz um processo de declínio civilizacional – que é o do Islã
em crise social e econômica e capturado por minorias ativistas – para dentro do
Ocidente desenvolvido.
Trata-se de uma ameaça que não assume contornos militares muito claros, e que
não tem, provavelmente, nenhum perfil tático-militar preciso, mas poderosas
implicações estratégicas, situadas mais no terreno da sociedade, como um todo, do que
no campo dos quartéis-generais. Aliás, a arte da guerra, hoje, apresenta, bem mais,
elementos de Sun Tzu do que aspectos de Clausewitz, mas pede, sobretudo, mais ações
de inteligência do que operações de força bruta. Não se trata apenas do terrorismo
islâmico, que é uma mera manifestação material de algo bem mais insidioso, o
fundamentalismo islâmico. Este deriva do islamismo “normal”, constitui uma recusa
direta da modernidade “ocidental” e se apresenta, materialmente, como uma
mobilização de forças para destruir, material e humanamente, a diversidade ocidental e
seus valores associados.
169
A OTAN pode até estender um pouco mais seus cenários de atuação, mas não se
trata de um terreno no qual seus pensadores e estrategistas tenham algo de relevante a
trazer para o equacionamento do problema. A batalha é mais de ideias e de conceitos, de
corações e mentes, do que propriamente um combate de trincheiras, aliás impossíveis a
definir, ainda que essa nova guerra tenha alguns cenários privilegiados de atuação.
Todos eles se situam no arco civilizacional do islamismo, que engloba mesmo os países
que tinham feito opção por sua versão light, ou laica, em todo caso, separada do Estado.
Nessa luta, a ignorância popular sustenta o obscurantismo político, num cenário no qual
a democracia tem de enfrentar com transparência e bons modos um inimigo que se
utiliza da mentira e da deception.
170
13) O “fator China” não é propriamente um desafio militar aos EUA ou ao Ocidente, e
sim uma recomposição dos dados do jogo econômico, uma “nova geografia”.
A despeito de muitas especulações sobre o desafio militar ou estratégico chinês
ao poderio incomensurável dos EUA, o que há é uma reestruturação dos fluxos de bens
tangíveis e intangíveis no hemisfério norte (para esses efeitos, tanto China quanto Índia
pertencem ao Norte, não ao Sul). A “nova geografia do mundo”, que alguns pretendem
fundar a partir de intercâmbios concentrados no sul, na verdade já existe, e ela não é
apenas comercial, mas sobretudo econômica e tecnológica, mas também financeira e de
cérebros (eventualmente materializados em P&D e propriedade intelectual).
Essa “nova geografia” se manifesta na incorporação de novos grandes
emergentes ao conjunto de países desenvolvidos, basicamente um clube constituído pela
OCDE mais emergentes dinâmicos, que seriam os RICs, com grande ênfase na China e
na Índia. A nova geografia econômica, que é também uma divisão mundial do trabalho,
faz o mundo convergir pela primeira vez em dois séculos, a despeito mesmo da grande
divergência nas rendas individuais. Os EUA já se adaptaram a ela, inclusive no terreno
estratégico, de que é prova a parceria nuclear com a Índia. No terreno comercial,
financeiro e tecnológico o que existe é uma simbiose cada vez maior entre os EUA e os
emergentes asiáticos: tanto os chineses são dependentes da avidez de consumo dos
americanos quanto estes são hoje dependentes da boa disposição dos asiáticos em
continuarem financiando seus déficits.
A América Latina não está a priori excluída da nova geografia, mas ela se exclui
a si mesma quando recusa concluir acordos comerciais, estender garantias ao
investimento direto estrangeiro, oferecer maior abertura em serviços ou outras rubricas.
Ela se exclui, igualmente, quando se contenta em explorar suas vantagens ricardianas
em recursos naturais, mas não avança na qualificação educacional da sua população,
não investe o suficiente em ciência e tecnologia, mantém a desigualdade social em
níveis inaceitáveis e apresenta um péssimo ambiente micro e macro para o mundo dos
negócios.
14) As ameaças aos EUA provindas da América Latina não são derivadas de qualquer
desafio estratégico, mas emergem de fatores negativos internos (tanto aos EUA
como à América Latina), ligados à economia da droga, basicamente. A oferta
contínua de imigrantes, por outro lado, é um fator positivo, para ambos os lados,
mas pode estar associado a outras fontes de criminalidade.
171
Com uma demanda irrefreável dos EUA por drogas duras, não há dúvida de que
qualquer plano de contenção atuando no supply-side econômico, apenas – como é o
caso do Plano Colômbia – tende a não produzir resultados significativos, ainda que
possa trazer benefícios residuais do ponto de vista do combate à narco-guerrilha. O
problema da droga não será resolvido enquanto não for equacionado o lado da demanda.
Mas, trata-se de um problema para os dois lados, pois ele tende a gerar, no território dos
produtores e dos países de trânsito – o que é obviamente o caso do Brasil –, uma
corrupção ativa dos agentes públicos, que atinge basicamente o sistema político e o
aparato policial.
No que se refere à oferta do fator humano, ela atende, igualmente, aos dois lados
da equação, mas com desequilíbrios sociais e econômicos, pois os países exportadores
retiram vantagens que eles não estão dispostos a renunciar, diminuindo, por outro lado,
a pressão política para que os dirigentes políticos reformem suas instituições
esclerosadas, ofereçam novas oportunidades de emprego local, qualifiquem
educacionalmente suas populações e atuem decisivamente no plano das desigualdades
distributivas. Os EUA retiram vantagens desse fluxo importador, mas eles se preparam
para gastar inutilmente US$ 6 bilhões com um muro de fronteira rigorosamente inútil e
ineficiente.
172
25. O Brasil e o cenário estratégico mundial: breves considerações
173
agenda que nunca ganhou crédito entre as elites econômicas – também cambiantes e,
sobretudo, desprovidas de visão internacional – para que elas sustentassem essa
pretensão.
O fato é que, com o Brasil dentro ou fora do Conselho, o cenário estratégico não
mudará rigorosamente nada, nem para o Conselho, nem para o Brasil, e tampouco para
o mundo, ocorrendo apenas e tão somente maiores despesas orçamentárias para o país,
num engajamento que jamais foi discutido a fundo com a sociedade brasileira ou com
seus representantes proclamados. A participação apresentaria, obviamente, maior
impacto para as Forças Armadas, que teriam de revisar suas concepções estratégicas –
mas essa é uma função talvez mais política do que militar – e sobretudo revisar toda a
panóplia na qual se apoiam atualmente, com adaptação consequente de suas ferramentas
de atuação.
Grande parte da corporação militar parece preparada e estaria disposta a
enfrentar esse esforço de revisão, mas esse cenário não depende da vontade dos
militares, sequer dos políticos e das elites econômicas, e sim da capacitação da
economia nacional como um todo. Trata-se de um processo lento e duvidoso, pois
significa colocar o país num outro patamar de desenvolvimento que o atualmente
seguido, que se apresenta bem mais como um lento arrastar de pés em direção da
modernidade.
175
4) Se o Brasil não é um ator relevante para os cenários estratégicos
internacionais, ele o é, contudo, no âmbito regional, naval, do Atlântico Sul, e no do
imenso hinterland sul-americano. Tanto quanto para sua integração a esquemas
militares onusianos ou plurilaterais mais amplos – isto é, numa base de like-minded
countries –, um papel mais ativo na própria região se beneficiaria de maior
cooperação com os EUA, algo extremamente complicado para nossos padrões políticos
e diplomáticos.
O Brasil é um país introvertido, quase avestruz economicamente, embora
tentando graus crescentes de abertura numa fase em que a globalização é, não apenas
inevitável, como uma quase fatalidade. O establishment diplomático-militar guarda
relutâncias em relação a uma maior cooperação com os EUA em virtude dos choques no
passado – no caso da agenda nuclear, por exemplo – e das assimetrias do presente, para
nada dizer da arrogância imperial que não vai diminuir tão cedo. Em termos claros,
cooperação com os EUA, mormente no terreno militar, significa subalternidade e
integração a esquemas já fixados, em posições acessórias e desprovidas de real
capacidade decisória.
O próprio establishment militar, com algumas exceções, não parece arredio a
uma maior cooperação técnica com a superpotência, embora sejam manifestas as
reações contrárias e as resistências a tal intento. Alguns acreditam que o caminho da
afirmação do Brasil no cenário mundial passa não apenas ao largo como se situa
contrariamente às iniciativas e interesses das grandes potências, cabendo sempre a
singularização negativa da hiperpotência. Nessa visão, as articulações geopolíticas do
Brasil devem passar, prioritariamente, pela periferia do sistema, o que explica, aliás,
muitas das escolhas do presente. Não parece haver justificativas econômicas ou
tecnológicas a esse tipo de visão excludente, mas deve-se reconhecer que a cooperação
com gigantes sempre é complexa e duvidosa, em qualquer hipótese.
Os obstáculos, assim, parecem ser mais de natureza política, ou ideológica, do
que propriamente estratégica ou econômica, mas se é verdade que são as ideias que
dominam o mundo, então os primeiros fatores são muito mais poderosos do que os
segundos. O Brasil é um país que caminha muito lentamente no cenário doméstico e
internacional: é bastante provável, assim, que ele acabe confirmando sua natureza
essencial.
176
26. O legado de Henry Kissinger
Não, o velho adepto da realpolitik ainda não morreu. Mas tendo completado 85
anos em maio de 2008, o ex-secretário de Estado e ex-conselheiro de Segurança
Nacional dos EUA Henry Kissinger aproxima-se das etapas finais de sua vida. Seus
obituários – não pretendendo aqui ser uma ave de mau agouro – devem estar prontos
nas principais redações de jornais e revistas do mundo inteiro, e os comentaristas de
suas obras preparam, certamente, revisões de análises anteriores para reedições mais ou
menos imediatas, tão pronto este “Metternich” americano passe deste mundo terreno
para qualquer outro que se possa imaginar (na minha concepção, deverá ser o mundo
das ideias aplicadas às relações de poder).
Talvez seja esta a oportunidade para um pequeno balanço de seu legado, que
alguns – por exemplo Cristopher Hitchens, em The Trial of Henry Kissinger – querem
ver por um lado unicamente negativo, ou até criminoso, como se ele tivesse sido apenas
o inimigo dos regimes “progressistas” e um transgressor consciente dos direitos
humanos e da autodeterminação dos povos. Ele certamente tem suas mãos manchadas
de sangue, mas também foi o arquiteto dos acordos de redução de armas estratégicas e
da própria tensão nuclear com a extinta União Soviética, além de um mediador
relativamente realista nos diversos conflitos entre Israel e os países árabes, no Oriente
Médio. Sua obra “vietnamita” é discutível, assim como foi altamente discutível – ou
francamente condenável – o prêmio Nobel da Paz concedido por um simplesmente
desengajamento americano, que visava bem mais a resolver questões domésticas do que
realmente pacificar a região da ex-Indochina francesa.
Pode-se, no entanto, fazer uma espécie de avaliação crítica de sua obra prática
e intelectual, como reflexão puramente pessoal sobre o que, finalmente, reter de uma
vida rica em peripécias intelectuais e aventuras políticas. Sua principal obra de
“vulgarização” diplomática, intitulada de maneira pouco imaginativa Diplomacia
simplesmente, deve constituir leitura obrigatória em muitas academias diplomáticas de
par le monde. Seu trabalho mais importante, uma análise do Congresso de Viena
(1815), é mais conhecido pelos especialistas do que pelo grande público, mas ainda
assim merece ser percorrido pelos que desejam conhecer o “sentido da História”.
177
O legado de Henry Kissinger é multifacético e não pode ser julgado apenas
pelos seus atos como Conselheiro de Segurança Nacional de Richard Nixon, ou como
Secretário de Estado desse presidente e do seguinte, Gerald Ford, quando ele esteve
profundamente envolvido em todas as ações do governo americano no quadro da luta
anticomunista que constituía um dos princípios fundamentais da política externa e da
política de segurança nacional dos EUA. Esse legado alcança, necessariamente, suas
atividades como professor de política internacional, como pensador do equilíbrio
nuclear na era do terror – doutrina MAD, ou Mutually Assured Destruction –, como
consultor do Pentágono em matéria de segurança estratégica, e também, posteriormente
a seu trabalho no governo, como articulista, memorialista e teórico das relações
internacionais.
A rigor, ele começou sua vida pública justamente como teórico das relações
internacionais, ou, mais exatamente, como historiador do equilíbrio europeu numa
época revolucionária, isto é, de reconfiguração do sistema de poder no seguimento da
derrocada de Napoleão e de restauração do panorama diplomático na Europa central e
ocidental a partir do Congresso de Viena (1815). Sua tese sobre Castlereagh e
Metternich naquele congresso (A World Restored, 1954) é um marco acadêmico na
história diplomática e de análise das realidades do poder num contexto de mudanças nos
velhos equilíbrios militares anteriormente prevalecentes. Depois ele foi um fino analista
dessas mesmas realidades no contexto bipolar e do equilíbrio de terror trazido pelas
novas realidades da arma atômica. Ele se deu rapidamente conta de que não era possível
aos EUA manter sua supremacia militar exclusiva, baseada na hegemonia econômica e
militar e no seu poderio atômico, sem chegar a algum tipo de entendimento com o outro
poder nuclear então existente, a União Soviética, uma vez que, a partir de certo ponto, a
destruição assegurada pela multiplicação de ogivas nucleares torna ilusória qualquer
tentativa de first strike ou mesmo de sobrevivência física, após os primeiros
lançamentos.
Daí sua preocupação em reconfigurar a equação dos poderes – aproximando-se
da China, por exemplo – e em chegar a um entendimento mínimo com a URSS, através
dos vários acordos de limitações de armas estratégicas. O controle da proliferação
nuclear também era essencial, assim como evitar que mais países se passassem para o
lado do inimigo principal, a URSS (o que justifica seu apoio a movimentos e golpes que
afastassem do poder os mais comprometidos com o lado soviético do equilíbrio de
poder). Numa época de relativa ascensão da URSS, com governos declarando-se
178
socialistas na África, Ásia e América Latina, a resposta americana só poderia ser brutal,
em sua opinião, o que justificava seu apoio a políticos corruptos e a generais
comprometidos com a causa anticomunista. Não havia muita restrição moral, aqui, e
todos os golpes eram permitidos, pois a segurança dos EUA poderia estar em jogo, aos
seus olhos.
Ou seja, todas as acusações de Christopher Hitchens estão corretas – embora
este exagere um pouco no maquiavelismo kissingeriano – mas a única justificativa de
Henry Kissinger é a de que ele fez tudo aquilo baseado em decisões do Conselho de
Segurança Nacional e sob instruções dos presidentes aos quais serviu. Não sei se ele
deveria estar preso, uma vez que sua responsabilidade é compartilhada com quem
estava acima dele, mas certamente algum julgamento da história ele terá, se não o dos
homens, em tribunais sobre crimes contra a humanidade. Acredito, pessoalmente, que
ele considerava as “vítimas” de seus muitos golpes contra a democracia e os direitos
humanos como simples “desgastes colaterais” na luta mais importante contra o poder
comunista da URSS, que para ele seria o mal absoluto.
O julgamento de alguém situado num plano puramente teórico, ou “humanista”
– como, por exemplo, intelectuais de academia ou mesmo jornalistas, para nada dizer de
juizes empenhados na causa dos direitos humanos ou de “filósofos morais” devotados à
“causa democrática” no mundo –, tem de ser necessariamente diferente do julgamento
daqueles que se sentaram na cadeira onde são tomadas as decisões e tem, portanto, de
julgar com base no complexo jogo de xadrez que é o equilíbrio nuclear numa era de
terror, ou mesmo no contexto mais pueril dos pequenos golpes baixos que grandes
potências sempre estão aplicando nas outras concorrentes, por motivos puramente
táticos, antes que respondendo a alguma “grande estratégia” de “dominação mundial”.
Desse ponto de vista, Kissinger jogou o jogo de forma tão competente quanto todos os
demais atores da grande política internacional, Stalin, Mao, Kruschev, Brejnev, Chu En-
lai, Ho Chi-min e todos os outros, ou seja, não há verdadeiramente apenas heróis de um
lado e patifes do outro. Todos estão inevitavelmente comprometidos como pequenos e
grandes atentados aos direitos humanos e aos valores democráticos.
Não creio, assim, que ele tenha sido mais patife, ou criminoso, do que Pinochet
– que ele ajudou a colocar no poder – ou de que os dirigentes norte-vietnamitas – que
ele tentou evitar que se apossassem do Vietnã do Sul (e, depois, jogou a toalha, ao ver
que isso seria impossível cumprir pela via militar, ainda que, na verdade, os EUA
tenham sido “derrotados” mais na frente interna, mais na batalha da opinião pública
179
doméstica, do que propriamente no terreno vietnamita). Ou seja, Kissinger não
“acabou” com a guerra do Vietnã: ele simplesmente declarou que os EUA tinham
cumprido o seu papel – qualquer que fosse ele – e se retiraram da frente militar.
Seu legado também pode ser julgado como “comentarista” da cena diplomática
mundial, como memorialista – aqui com imensas lacunas e mentiras, o que revela
graves falhas de caráter – e como consultor agora informal de diversos presidentes, em
geral republicanos (mas não só). Ele é um excelente conhecedor da História – no
sentido dele, com H maiúsculo, certamente – e um grande conhecedor da psicologia dos
homens, sobretudo em situações de poder. Trata-se, portanto, de um experiente homem
de Estado, que certamente serviu ardorosamente seus próprios princípios de atuação –
qualquer que seja o julgamento moral que se faça deles – e que trabalhou de modo
incansável para promover os interesses dos EUA num mundo em transformação, tanto
quanto ele tinha analisado no Congresso de Viena.
Desse ponto de vista, pode-se considerar que ele foi um grande representante
da escola realista de poder e um excelente intérprete do interesse nacional americano,
tanto no plano prático, quanto no plano conceitual, teórico, ou histórico. Grandes
estadistas, em qualquer país, também são considerados maquiavélicos, inescrupulosos e
mentirosos, pelos seus adversários e até por aliados invejosos. Esta é a sina daqueles
que se distinguem por certas grandes qualidades, boas e más. Kissinger certamente teve
sua cota de ambas, até o exagero. Não se pode eludir o fato de que ele deixará uma
marca importante na política externa e nas relações internacionais – dos EUA e do
mundo – independentemente do julgamento moral que se possa fazer sobre o sentido de
suas ações e pensamento.
Por uma dessas ironias de que a História é capaz, coube a um dos presidentes
mais ignorantes em história mundial (Ronald Reagan) enterrar, praticamente, o poder
soviético com o qual Kissinger negociou quase de igual para igual durante tantos anos.
Ele, que considerava o resultado de Viena um modelo de negociação – por ter sido uma
paz negociada, justamente, não imposta, como em Versalhes – deve ter sentido uma
ponta de inveja do cowboy de Hollywood, capaz de desmantelar o formidável império
que tinha estado no centro de suas preocupações estratégicas – e que ele tinha poupado
de maiores “desequilíbrios” ao longo dos anos. Seu cuidado em assegurar o “equilíbrio
das grandes potências” saltou pelos ares com o keynesianismo militar praticado por
Reagan, um desses atos de voluntarismo político que apenas um indivíduo totalmente
alheio às grandes tragédias da História seria capaz. Talvez Kissinger tivesse querido ser
180
o arquiteto do grande triunfo da potência americana, mas ele teve de se contentar em ser
apenas o seu intérprete tardio. Nada mau, afinal de contas, para alguém que foi, acima
de tudo, um intelectual...
181
27. Pequena lição de Realpolitik
186
28. Bric: anatomia de um conceito
Sumário:
Introdução: a caminho da briclândia
1. Radiografia dos Bric
2. Ficha corrida dos personagens
3. De onde vieram, para onde vão?
4. New kids in the block
5. Políticas domésticas
6. Políticas econômicas externas
7. Impacto dos Bric na economia mundial
8. Impacto da economia mundial sobre os Bric
9. Consequências geoestratégicas
10. O Brasil e os Bric
Alguma conclusão preventiva?
189
economia mundial. A tabela 2 apresenta, em valores correntes e em paridade de poder
de compra, a evolução absoluta do produto bruto dos Bric, desde 2000.
5. Políticas domésticas
Essas políticas não seguem e não seguirão um padrão uniforme por uma razão
muito simples. O mundo ainda é, e continuará sendo no futuro previsível, um “teatro de
variedades” de experiências econômicas divergentes e até contraditórias entre si, em
197
que pese a gradual convergência de políticas macroeconômicas básicas (fiscal,
monetária e cambial), mas com imensas variações de detalhe entre elas. Registre-se que
estamos falando aqui de políticas macroeconômicas e setoriais, não de grandes
tendências estruturais, que se movem mais lentamente, mas que são, igualmente,
determinantes da posição ocupada pelas economias nacionais no sistema mundial.
Políticas domésticas podem ser aferidas por uma variedade de instrumentos de
análise econômica. Mas em última instância são julgadas pela sua capacidade de
“entregar” (ou não) aquilo que se espera de políticas responsáveis: crescimento (o que
significa maior renda nacional), num ambiente de relativa estabilidade (ou seja, com
inflação baixa e manutenção do poder de compra da moeda) e equilíbrios interno e
externo (contas fiscais em ordem, com pequeno ou nenhum déficit orçamentário, dívida
pública administrável e tranqüilidade no balanço de pagamentos). Todos esses
indicadores são aferíveis objetivamente, através de séries estatísticas (preferivelmente
uniformes, segundo padrões internacionais). Mas eles não querem necessariamente
dizer que uma economia em crescimento traga desenvolvimento social, o que implica
transformações estruturais (ganhos de produtividade), que se traduzem em bem estar
crescente para a população (distribuição relativamente equânime daqueles ganhos) e
preservação de um ambiente sustentável para as futuras gerações.
Atendo-se, contudo, ao essencial das políticas domésticas dos Bric, podemos
constatar que, a despeito da lógica implícita ao seu agrupamento – grandes economias
de crescimento dinâmico, com grande poder de impacto na futura economia mundial –,
eles se diferenciam quanto ao desempenho econômico, ainda que suas taxas de
crescimento econômico possam ter apresentado, com a exceção conhecida do Brasil,
comportamento vigoroso nos últimos anos, como se pode constatar na tabela seguinte.
A China tem crescido duas vezes mais do que a média mundial e um terço a
mais do que os emergentes, ao passo que o Brasil não conseguiu acompanhar aquela
198
média e se situa sistematicamente aquém dos emergentes. Com base em suas taxas de
crescimento, a renda per capita nos Bric tem crescido de forma consistente nos últimos
anos; com menor vigor no Brasil, cuja progressão nominal pode ser explicada pela
valorização de sua moeda nacional, em contraste com a modéstia de resultados quando
os valores são considerados em paridade de poder de compra, como se pode constatar
na tabela 4. A Rússia operou uma reversão significativa, comparativamente ao terrível
declínio que tinha experimentado na última década do século anterior.
O Brasil saiu de uma situação bastante frágil, na segunda metade dos anos 1990
e início dos 2000, o que o levou a buscar financiamento preventivo por meio de três
acordos concluídos com o FMI (1998, 2001 e 2002), para uma posição de relativo
conforto no plano externo, com reservas internacionais superiores à dívida externa. O
superávit em transações correntes deve, no entanto, reverter ainda em 2008, com déficit
moderado plenamente coberto por ingressos a título de investimentos diretos. Com seus
enormes saldos comerciais, a China caminha para novos recordes de reservas em divisas
– superiores a US$ 2 trilhões – e deve se manter como grande exportadora pelo futuro
previsível. Os saldos da Rússia são também crescentes ou confortáveis, mas sua posição
estrutural apresenta fragilidades, dada a dependência do petróleo e do gás. Os déficits da
Índia, por sua vez, a despeito de crescentes, têm apresentado proporção administrável
para sua economia também em expansão.
202
Déficits de transações correntes são financiáveis até certo ponto, dependendo
das demais relações da economia com o sistema internacional. Países abertos a fluxos
comerciais e financeiros, com contas fiscais ordenadas e perspectivas de crescimento,
conseguem obter financiamento a taxas razoáveis, o que parece ser parcialmente o caso
de Brasil e Índia. A Rússia, provavelmente, não terá um problema desse tipo pela frente
no médio prazo. Mas o único país verdadeiramente confortável quanto à sua inserção
dinâmica na economia mundial parece ser a China, como se depreende da tabela 8, mais
abaixo.
A despeito de todo o seu sucesso nos fluxos mundiais de mercadorias, a China
se mantém como uma grande usuária de medidas de defesa comercial e permanece em
posição defensiva quanto a demandas adicionais para abertura de seus mercados (em
especial o agrícola), no que ela é largamente acompanhada pela Índia. As diferenças de
política comercial entre os Bric são provavelmente maiores do que nos demais vetores
da política econômica externa, o que pode surpreender ao se considerar que, à exceção
da Rússia, eles integram o mesmo bloco negociador na Rodada Doha (G20).
204
eles resultam de relações contratuais de propriedade intelectual e de criação e
apropriação tecnológica – subjacentes a outros fluxos de renda não computados de
modo adequado naquelas estatísticas – que traduzem a verdadeira complexidade da
economia contemporânea (e futura). Desse ponto de vista, os Bric não possuem
existência econômica de fato, sendo puramente uma criação do “espírito econômico”.
9. Consequências geoestratégicas
Qualquer que seja a conformação futura da economia mundial, os Bric, assim
como todas as outras economias, maduras, emergentes ou ainda em “hibernação”, são
parte integrante de qualquer paisagem geoeconômica ou geopolítica que se possa
conceber. Essa é uma realidade que independe de estudos por especialistas e que não
tem a ver com o “ajuntamento” artificial de quatro, ou mais, países num novo bloco,
supostamente homogêneo, por agregação arbitrária de um desses especialistas em
processos econômicos. Todas as economias, em maior ou menor grau, têm um papel a
cumprir no sistema econômico mundial. Mas, obviamente, como ocorre no mundo da
política de poder, algumas economias são “mais iguais” do que outras, e entre estas se
situam os Bric, países capazes de impactar, seletivamente, um ou outro aspecto das
relações econômicas internacionais, sem que sua ação seja coordenada ou intencional.
Economistas acadêmicos, como outros cientistas sociais, tendem a simplificar a
realidade a pretexto de racionalizar processos que necessitam de uma explicação mais
complexa ou elaborada. O conceito “Bric”, em sua aparente novidade, é uma dessas
trouvailles interessantes que passam a ocupar espaços informativos e a mente dos
jornalistas, impedindo, talvez, que análises mais elaboradas sejam conduzidas de modo
responsável e, talvez até, excitando a imaginação de líderes políticos em busca de
alguma ideia nova, mesmo desinteressante. O conceito Bric pode ter essa função.
Mas o que esse conceito representa, verdadeiramente, em acréscimo à, ou além
da virtude heurística de organizar – eventualmente simplificando – uma análise mais
complexa sobre as novas configurações do sistema mundial? Independentemente de
suas consequências práticas, em termos de reorganização parcial da economia mundial
e, a partir daí, seus inevitáveis reflexos nos planos estratégico, político e até militar, o
207
conceito também tem a capacidade de induzir espíritos preocupados com a realidade de
uma “velha” hegemonia a alimentar a ideia de uma “ruptura de sistema”, ou seja, a
eliminação, ou talvez a substituição, dessa antiga hegemonia.
Esta é, talvez, a consequência mais visível da proposta de transposição de um
conceito virtual da análise econômica – conduzida pelos economistas do Goldman
Sachs – para a realidade tangível da vida político-diplomática, sob a forma de uma
proposta tendente a converter o Bric num grupo efetivo de coordenação de políticas (e
eventuais ações) no plano mundial. Estimulados pela honrosa distinção que lhes foi
gratuitamente oferecida por um “aprendiz de feiticeiro” econômico, que viu neles os
substitutos designados dos velhos hegemons, líderes políticos dos Bric começam a se
encantar com a ideia de encarnar uma nova realidade política que, bafejada pela
propaganda também gratuita dos meios de comunicação, esperava tão somente por sua
formalização adequada.
Essa institucionalização, concebida informalmente, num primeiro momento,
entre alguns protagonistas dos Bric, assumiu, em maio de 2008, um formato mais
estruturado, quase parecido a um “grupo”, termo que, entretanto, não é utilizado no
comunicado liberado em nome dos quatro “Bric countries” em 16 de maio, em
Ecaterimburgo, Rússia. Na declaração, os ministros de relações exteriores dos Bric
sublinham, em primeiro lugar, seus “interesses comuns” e a “coincidência ou
similaridade de abordagens em relação aos problemas urgentes do desenvolvimento
global”, para depois concordar com a tarefa de construir “um sistema internacional
fundado no predomínio do direito (rule of law) e na diplomacia multilateral”. O resto do
texto é ocupado pelo diplomatês habitual da agenda internacional; mas no ponto que
mais interessavam o Brasil e a Índia, qual seja, seu eventual acesso ao Conselho de
Segurança da ONU, a linguagem é mais cuidadosamente formulada: “Os Ministros da
Rússia e da China reiteraram que seus países dão importância ao status da Índia e do
Brasil nos assuntos internacionais, e compreendem e apoiam as aspirações da Índia e do
Brasil em desempenhar um maior papel nas Nações Unidas.” Ou seja, nada além de
compreensão e apoio, sem que no entanto esse apoio se traduza em votos efetivos no
processo de reforma da Carta da ONU.
Independentemente, porém, do grau efetivo de “coincidência ou similaridade”
dos Bric quanto a seus “interesses comuns”, o fato é que esse exercício intelectual
deslanchou um processo de efetiva coordenação entre quatro grandes emergentes, que
prometem exercer o seu quantum de poder econômico a serviço de causas políticas
208
ainda não de todo claras, mas que poderiam significar a conformação de uma “nova
geografia econômica internacional”; talvez, até, uma “mudança no eixo do poder
mundial”, segundo formulações já ouvidas de alguns dentre eles. Com efeito, o que
pode estar subjacente à formalização do Bric seria o não tão secreto desejo de alterar a
balança de poder, em termos de influência econômica e política mundial por certo, mas
talvez também no plano do equilíbrio militar, o “definidor de última instância” do poder
mundial.
Historicamente, são raras as tentativas de alteração pacífica do equilíbrio do
poder mundial, na medida em que os beneficiários do status quo tendem a resistir às
demandas dos contestadores por novos espaços no quadro dessa mesma ordem. Caso as
expectativas não sejam atendidas, os contestadores podem se decidir pela mudança
dessa ordem, se possível por meios pacíficos, se necessário por métodos violentos. A
Alemanha imperial empreendeu, por duas vezes, entre 1870 e 1918, uma tentativa de
alterar o equilíbrio do poder na Europa, com sucesso pleno na primeira vez e um quase
sucesso na segunda vez, não fosse pela intervenção dos EUA nos campos do norte da
França, em 1917. A partir de 1938, com a anexação da Áustria e de parte da
Tchecoslováquia, a Alemanha nazista deu início, em cooperação com a Itália fascista e
o Japão militarista, à mais ousada tentativa de alterar pela força a ordem mundial; os
três poderes contestadores estiveram próximos de realizar suas metas expansionistas,
não fosse pela resistência do Reino Unido e pelo poderio econômico americano (em
1939, a URSS apoiou, indireta mas voluntariamente, essa tentativa de eliminação dos
velhos hegemons, mas acabou vítima, ela também, do expansionismo nazista).
Contidos, derrotados e radicalmente transformados os contestadores fascistas do
entre-guerras, a geopolítica do poder mundial passou a ser dominada, a partir de 1947,
pelo expansionismo soviético, sem, contudo, chegar-se ao enfrentamento direto com a
superpotência americana, em vista da mudança brutal nas ferramentas militares em
função do vetor nuclear, ele mesmo uma arma de última instância. Os conflitos se
deram, então, por procuração, cada lado contabilizando avanços e recuos nos teatros
periféricos que passaram a concentrar o essencial do “grande jogo”. Essa “terceira
guerra mundial” terminou sem que o hegemon conservador tivesse logrado vitória; a
derrota do lado economicamente mais débil se deu, na verdade, por auto-implosão de
um socialismo esclerosado e incapaz de competir no plano da eficiência produtiva.
Depois da derrocada espetacular da URSS e do momento “unipolar”, do qual os EUA
emergiram como única superpotência efetiva, o mundo parece caminhar para uma nova
209
fase de transição, na qual se assiste a um declínio relativo dos EUA e à ascensão
(China), reafirmação (Rússia) ou emergência de novos atores (Índia, Brasil, União
Europeia), que poderão redistribuir as cartas nos novos cenários estratégicos.
Existem fundadas dúvidas, entre os analistas, sobre se o mundo entra em uma
era de competição entre novos candidatos a hegemon – dos quais o mais falado seria a
China pós-socialista – ou se estão sendo lançadas as bases de uma paz não-kantiana.
Esta seria a estabilidade fundada, não sobre a convivência pacífica entre repúblicas
democráticas, mas sobre a mútua tolerância entre grandes potências, dado o impasse
estratégico produzido pela arma nuclear. O fato é que dentre os poderes emergentes que
poderiam entrar na nova equação estratégica figuram pelo menos dois Bric, por acaso
ex-socialistas e ainda dominados por sistemas políticos autoritários e agitados por
problemas étnicos e territoriais em suas fronteiras próximas e territórios próprios.
Uma questão relevante, por fim, tem a ver com a geopolítica mundial. A
diplomacia brasileira sempre foi exercida de modo bastante profissional, preservando
uma tradição de excelência que remonta à própria formação do Estado nacional, tendo
herdado a grande experiência prática da diplomacia lusitana (que ela soube preservar e
212
reforçar). Seus processos de recrutamento e formação de quadros sempre foram
reputados pela qualidade e preservação do profissionalismo inerente a uma carreira de
Estado. O que ocorreu, na fase recente, é que a diplomacia brasileira foi tomada por um
ativismo inédito para os padrões usualmente mais discretos do Itamaraty, retomando
teses desenvolvimentistas e de coordenação Sul-Sul que se pensava superadas nesta fase
de globalização ascendente (a cooperação Sul-Sul, aliás, é expressamente citada na
declaração dos ministros dos Bric de 16 de maio de 2008).
A busca de um papel mais ativo nos cenários regional e internacional levou a
diplomacia brasileira a desenvolver uma série de articulações no eixo Sul-Sul e com
“parceiros estratégicos”, cujos exemplos mais evidentes são o IBAS (Índia, Brasil e
África do Sul), o G20 (no contexto da Rodada Doha), as cúpulas inter-regionais (com
países africanos e do Oriente Médio), diversas iniciativas no âmbito da América do Sul
(reforço e ampliação do Mercosul, criação da Comunidade Sul-Americana de Nações,
Conselho de Defesa no âmbito da Unasul, etc.), além de vários outros foros de diálogo e
de cooperação com atores relevantes da agenda internacional (UE e seus mais
importantes países, os próprios EUA), para culminar agora na proposta do Bric, que
coloca o patamar de articulação mundial da diplomacia brasileira num nível mais
elevado de interação com a agenda internacional.
As iniciativas adotadas pela diplomacia brasileira no período recente não se
encontram em descompasso ou em ruptura com linhas tradicionais de atuação dessa
diplomacia no passado, uma vez que ela sempre buscou aquilo que foi identificado com
a “desconcentração do poder mundial” – supondo-se que os atores dominantes estavam
interessados no “congelamento” desse poder –, ou seja, uma democratização do sistema
internacional. Essa ideia encontra-se potencialmente em contradição com o projeto de
ascender ao inner circle do poder mundial – na Liga das Nações ou, agora, a
candidatura a uma cadeira permanente no CSNU. Mas não convém enfatizar este ponto
neste momento. O fato é que o projeto do Bric, como grupo institucionalizado, pode
chocar-se com o outro grande princípio de atuação da diplomacia brasileira, que é o do
“pragmatismo democrático”, respaldado em orientações gerais de política externa que
figuram na própria Constituição do País.
A atuação do Brasil nos Bric pode ser pautada pela “prevalência dos direitos
humanos” e pelo apoio ao “Estado democrático de direito”, que constituem princípios
constitucionais brasileiros, embora não se possa garantir que a ação coordenada dos
membros do Bric o seja. Como a agenda externa, individual, de cada um dos Bric, deve
213
diferir de uma agenda conjunta, esta teria de ater-se a um mínimo denominador comum,
que não necessariamente incorporará aqueles princípios. Por exemplo, uma das
possíveis iniciativas dos Bric poderá ser em apoio à proposta brasileira explicitada no
comunicado: “Os ministros da Rússia, da Índia e da China saudaram a iniciativa do
Brasil de organizar um encontro dos ministros de economia e/ou finanças dos países
Bric para discutir questões econômicas e financeiras globais”.
Em face desse tipo de proposição, pode-se perguntar: essa ação conjunta seria no
sentido de reforçar as instituições que, para todos os efeitos práticos, criaram algumas
décadas de prosperidade para os povos dos países que a elas aderiram desde a sua
criação?; tratar-se-ia, presumivelmente, de redistribuir a estrutura do processo decisório
e de aumentar sua participação nos órgãos de direção, como é legitimamente seu
direito?; ou se trata, alternativamente, de transformar seu modo de funcionamento para
que ele passe a refletir uma outra orientação de política econômica que não a que vem
sendo seguida tradicionalmente?
Muitas outras questões podem e devem ser colocadas no tocante às propostas
dos Bric em pontos sensíveis da agenda mundial: não-proliferação (e o que fazer com
proliferadores rebeldes); meio ambiente (e a questão das responsabilidades atuais, não
apenas passadas); terrorismo (e a assunção de tarefas concretas para combatê-lo, além
da letra das convenções da ONU); desarmamento (e a necessária negociação de um
código de conduta para os principais mercadores); a questão do desenvolvimento dos
países pobres e Estados falidos (com um comprometimento preferencial pelo lado dos
mercados e do comércio, mais do que pela assistência tradicional). Estarão os Bric em
condições de se colocar de acordo sobre todas essas frentes de trabalho e manter uma
postura não confrontacionista – com o G7, em primeiro lugar – no encaminhamento de
soluções consensuais a problemas que afligem a grande maioria da humanidade?
Não existem, por certo, respostas prontas a essas e a muitas outras questões que
figuram na agenda mundial e às quais devem se confrontar os Bric, como grupo ou
individualmente. Muitas outras questões, talvez a maioria, ostentam uma dimensão
basicamente regional e representam, portanto, um desafio considerável a um grupo que
nasceu destinado a ser o “sucessor econômico” do atual G7. Outras questões, as mais
relevantes provavelmente, têm a ver com o exercício do poder em sua dimensão mais
elementar, e nesse particular a postura comum dos Bric enfrentará certamente outros
percalços, sendo eles constituídos por três potências nucleares e dois membros
permanentes do Conselho de Segurança. O Brasil apresenta, nesse contexto, um perfil
214
único e diferente dos demais Bric, sendo mais propriamente visto como uma potência
regional do que mundial.
216
29. Fórum Surreal Mundial: globalizados contra a globalização
Sumário:
1. Globalizados contra a globalização: reação freudiana?
2. Objetivos reciclados nos últimos três anos: falta de ideias?
3. Pelo menos um objetivo novo: alguma grande contribuição intelectual?
4. Os “sábios” da antiglobalização: mais bem dotados que os jovens?
5. Mais uma dúzia de propostas para um outro mundo possível: será possível?
10. Pela defesa da natureza (amazônica e outros ecossistemas) como fonte de vida para
o Planeta Terra e aos povos originários do mundo (indígenas, afrodescendentes,
220
tribais, ribeirinhos) que exigem seus territórios, línguas, culturas, identidades,
justiça ambiental, espiritualidade e bom viver.
A primeira coisa que se pode afirmar, em relação a este objetivo, é que ele está
mal redigido, continua vago e indefinido sobre o que se deve fazer para alcançar todos
os elementos nele inscritos e revela, mais uma vez, preguiça mental, pois que contém,
inequivocamente, uma grande dose de conservadorismo social e econômico, o que é
surpreendente para pessoas e grupos que se pretendem progressistas e avançados. O que
pode significar “defesa” sem que se defina, exatamente, onde estão os perigos? O
conceito de defesa sempre implica uma ação contra algo ou alguém que ameaça a sua
segurança ou a própria vida. Mas isto não está claro no objetivo acima. Que a natureza
seja fonte de vida é algo totalmente tautológico, como sabem os adeptos da lógica
formal ou aqueles que lidam com a biologia elementar. Não existe, aliás, outra fonte de
vida (salvo para os criacionistas).
A segunda coisa que se pode dizer é que o Português dos antiglobalizadores
anda tão estropiado quanto a floresta amazônica, pois não é possível admitir que esse
“aos” seja o equivalente funcional de “para os”, referindo-se aqui aos “povos originários
do mundo”. Fonte de vida “aos” povos originários? Recomendo uma revisão estilística
antes de publicar oficialmente esse décimo e último objetivo.
Mas indo à substância da matéria, parece-me que os antiglobalizadores têm se
mostrado tremendamente preconceituosos contra todos os habitantes da Amazônia que
não se encaixem em nenhuma das categorias inscritas nesse objetivo, aliás, contra eles
mesmos, que virão das grandes metrópoles do Brasil e do mundo e que não são, em sua
grande maioria, povos originários. A Amazônia comporta hoje um bocado de gente que
não é nem originária, nem indígena, nem afrodescendente, nem tribal, nem ribeirinha,
sendo cidadãos emigrados de outras regiões do Brasil e de outros países e que ali vivem
e trabalham honestamente. Reivindicar todas aquelas coisas apenas para esses
“originários” me parece um tremendo reducionismo étnico ou racial, um pouco como
ocorre com esses movimentos racialistas pelos direitos de certas minorias e que
pretendem introduzir oficialmente o apartheid no Brasil. Coisa feia, antiglobalizadores!
Mas o quê, mesmo, eles pretendem reivindicar? Está lá, dito claramente assim:
“territórios, línguas, culturas, identidades, justiça ambiental, espiritualidade e bom
viver”. Território implica a noção de direitos sobre um patrimônio fundiário e isso
parece que já está regulado na Constituição e na legislação pertinente, bastando fazer
221
apelo a um advogado ou aos cartórios de registro para assegurar esses direitos. Língua é
algo tão vivo que me parece supérfluo ou inócuo reivindicar direitos sobre qualquer
uma delas: enquanto existirem povos usando uma língua como instrumento de
comunicação ela será preservada; mas é também algo que se transforma com o tempo,
acompanhando os destinos de seus detentores. É certo que as línguas indígenas – ou dos
“povos originários do mundo” como preferem os antiglobalizadores – vêm sendo
submetidas a um duro processo de enxugamento, que corresponde, também, à própria
transformação cultural das sociedades originárias, como resultado da pressão terrível
sobre elas exercida pela cultura materialmente dominante, que é a do homem urbano
(ou talvez capitalista, como prefeririam os antiglobalizadores).
Este é um desafio partilhado por quase todos os “povos originários do mundo”
em qualquer canto do planeta, e ele corresponde a forças históricas quase irresistíveis, já
que é difícil colocar esses “povos originários” numa redoma e impedi-los de manter
contato com outras culturas e civilizações, sobretudo quando estas chegam a eles pela
via da invasão territorial ou dos meios de comunicação. Por outro lado, o próprio ato de
pretender preservar esses povos originários em seu estado “originário” pode não
representar algo progressista ou desejável; ao contrário, pode ser algo regressista ou
mesmo reacionário, já que implicando o congelamento desses povos numa das fases
evolutivas do seu desenvolvimento cultural – geralmente correspondendo, em
linguagem pré-histórica, à era do paleolítico superior –, o que, por outro lado,
provocaria muita “injustiça ambiental” e muito “mau viver”, para usar, no sentido
inverso, outros dois conceitos dos antiglobalizadores.
Constatemos, em primeiro lugar, que quem está, exatamente, determinando essa
defesa contra toda e qualquer mudança nos meios de vida, nas identidades e na cultura
não são, para ser mais preciso, os “povos originários do mundo”, mas sim uma tribo de
brancos intelectualizados que se reúnem todo ano para proclamar objetivos para o
mundo todo, inclusive para os “povos originários do mundo” (que, obviamente, não são
eles). Questionemos, em segundo lugar, o direito desses brancos exóticos de traçar uma
lista de objetivos para os “povos originários do mundo”, sem que estes tenham se
reunido e decidido democraticamente o que pretendem fazer: ficar com suas culturas,
línguas e identidades originais, ou integrar-se progressivamente ao chamado
mainstream civilizacional, que significa, simplesmente, o Brasil do século XXI, com
todas as suas misérias e grandezas, realizações e frustrações, justiças e injustiças. Assim
222
é o mundo, e a nós cabe tomá-lo como ele é, para melhorá-lo progressivamente, em
favor de todos, e não apenas dos “povos originários do mundo”.
Deixo de lado, por fim, o objetivo da “justiça ambiental”, posto que ela não está
definida positivamente e não deve ser clara em que consiste, mesmo para o mais
tarimbado antiglobalizador. Talvez algum jurista altermundialista possa elaborar a
respeito, e eu me reservo o direito de comentar sua inovação jurídica posteriormente.
Quanto aos termos “espiritualidade e bom viver”, deixo à imaginação dos leitores tentar
descobrir o que é isso, exatamente, pois não me parece que mereçam maiores
comentários, pela indefinição conceitual ou substantiva. Pergunto, aliás, como “exigir”
espiritualidade de alguém?
5. Mais uma dúzia de propostas para um outro mundo possível: será possível?
Vejamos o que seria possível dizer, sinteticamente, sobre cada uma das
propostas:
1) Anular a dívida pública dos países do Hemisfério Sul, que já foi paga várias vezes e
que constitui, para os Estados credores, os estabelecimentos financeiros e as
instituições financeiras internacionais, a melhor maneira de submeter a maior parte
da humanidade à sua tutela;
Ocorre, em primeiro lugar, uma imprecisão conceitual: trata-se, obviamente, da
dívida externa, posto que nenhum país estrangeiro tem algo a ver com a dívida pública
de qualquer país soberano; esta geralmente se refere à dívida mobiliária interna, criada
exclusivamente em âmbito nacional. Em todo caso, a proposta é redundante, chega tarde
e traz a marca de uma visão equivocada do que constitui a dívida externa. Desde
meados dos anos 1980, pelo menos, os países do G7, os membros do Clube de Paris e
os sócios mais influentes das instituições de Bretton Woods vêm aprovando –
aprofundando a cada ano – mecanismos de redução negociada e menus de redução
unilateral da dívida dos países mais pobres. Dizer que ela já foi paga várias vezes
constitui, obviamente, uma visão totalmente política do problema, que não corresponde
às condições contratuais. A relação, obviamente, é recíproca e não se tem notícia de
países tomadores de crédito que tenham contraído dívidas para se submeter
voluntariamente à tutela dos credores. Os juros da dívida pública, inclusive, ostentam os
menores níveis do mercado e podem ter aspectos concessionais, como é o caso da
relação entre muitos credores e os países mais pobres. A anulação da dívida pública
comprometeria um sistema que ocupa um nicho não atendido pelo sistema de mercado
de créditos a taxas comerciais.
225
Os propositores, provavelmente, não têm ideia de como funcionam os diversos
mercados de créditos, e o atendimento de sua proposta simplesmente prejudicaria o
conjunto dos tomadores públicos, que são todos os países em desenvolvimento que não
possuem sistemas de financiamento sofisticados ou abastecidos. Para o Brasil, por
exemplo, que é um país ao mesmo tempo tomador e credor, a implementação dessa
medida representaria um enorme prejuízo nos negócios empreendidos por empresas
brasileiras no exterior, que contam com financiamento público (BNDES ou outro).
226
De fato, os paraísos fiscais constituem um problema para governos e empresas e
cidadãos honestos, na medida em que eles não apenas subtraem recursos que, de outra
forma, poderiam estar integrados aos circuitos normais da vida econômica, como
também podem ser utilizados pelo crime organizado e pelos habituais defraudadores das
administrações tributárias nacionais. O problema está em que, num sistema de
soberanias ilimitadas, cada país está livre para determinar seu sistema tributário e as
alíquotas a serem aplicadas às operações financeiras conduzidas em suas jurisdições.
Nenhum outro Estado ou organização pode obrigar os paraísos fiscais a incorporar
mecanismos ou alíquotas contra sua vontade e interesse nacional (que é, obviamente, o
de ganhar alguns trocados – ou milhões – à margem dessas operações fictícias). Eles
podem, teoricamente, ser submetidos a sanções por iniciativa dos Estados que se
sentirem prejudicados por sua atitude oportunista e desleal no plano fiscal. Mas o fato é
que esse tipo de prática vai continuar enquanto Estados predadores pretenderem manter
níveis impositivos e mecanismos extratores intrusivos e extorsivos do ponto de vista das
empresas e cidadãos; daí a “utilidade” dos paraísos fiscais como válvulas de escape,
mesmo para contribuintes honestos na maior parte do tempo.
O desmantelamento sugerido pelos sábios do FSM pode significar alguma
iniciativa truculenta da parte dos Estados “normais” da comunidade internacional, o que
obviamente apresenta problemas no plano da legalidade internacional e do direito
soberano de cada Estado adotar a estrutura tributária que melhor lhe convenha. Aliás,
eles querem atuar bem mais sobre os efeitos do que sobre as causas: existem paraísos
fiscais para responder a certas “necessidades” econômicas, assim como existem
traficantes de drogas para responder à proibição oficial e para atender os “clientes”.
Talvez a solução mais conveniente, ou pelo menos mais racional, esteja numa
coordenação fiscal internacional apontando na direção de alíquotas moderadas e
mecanismos menos intrusivos do ponto de vista dos agentes econômicos primários. A
experiência ensina que medidas truculentas como as sugeridas pelos sábios acabam
resultando em mais fraudes fiscais, fuga de capitais e outras práticas nefastas no plano
fiscal nacional. Os sábios confirmam, indiretamente, sua visão autoritária, dirigista e
estatizante do sistema econômico, o que em todos os lugares levou a distorções e à
exportação de riquezas. Eles provavelmente acham que os sistemas ultra-intrusivos e
centralizados ao extremo conformam o modelo ideal de governança: a História ensina
que o contrário costuma ser o verdadeiro.
227
4) Cada habitante do planeta deve ter direito a um emprego, à proteção social e à
aposentadoria, respeitando a igualdade entre homens e mulheres;
Talvez os sábios pudessem acrescentar também: uma casa, um carro, conta em
banco, milhas ilimitadas, vale-refeição, uma visita por ano a Paris e outra a Nova York.
Incrível como esse pessoal tem uma capacidade imitativa extraordinária: eles são
capazes de imitar o discurso de qualquer político em campanha eleitoral. Como não
dizem absolutamente nada sobre como pretendem conceder todas essas bondades e
benesses aos felizes habitantes do seu outro mundo possível, podemos ignorar
totalmente esta quarta proposta, por inoperante e puramente demagógica.
7) Proibir todo tipo de patenteamento do conhecimento e dos seres vivos, assim como
toda a privatização de bens comuns da humanidade, em particular a água;
Os sábios não devem conhecer legislação de propriedade intelectual, pois em
nenhum país do mundo o conhecimento é patenteável. Seres vivos podem, sim, ser
objeto de proteção, por instrumentos adequados, se cumprirem os requisitos fixados na
legislação. Tecnologias proprietárias têm sido responsáveis pela maior parte dos novos
medicamentos, que salvam a vida das pessoas e melhoram suas vidas. Talvez os sábios
pretendam ou possam pessoalmente ficar à margem dessas possibilidades de bem-estar
e se abster de usar novos medicamentos.
Quanto aos bens comuns, eles certamente se submetem a alguma regulação,
nacional ou multilateral, o que não impede sua exploração em regime de concessão,
cujos termos são a rigor estabelecidos com vistas ao bem comum, justamente. Apenas
um preconceito contra empresas privadas leva os sábios a excluírem preventivamente
essa possibilidade de exploração eficiente, cost-effective, de certos bens comuns. Não se
sabe de uma empresa privada que não esteja interessada em ampliar sua clientela,
mesmo para “bens comuns”. O que os sábios refletem, implicitamente, é um tremendo
preconceito contra o lucro, obviamente, o que totalmente ridículo em pessoas que são
supostamente razoavelmente instruídas em matéria econômica (ou não?).
229
8) Lutar por políticas públicas contra todas as formas de discriminação (sexismo,
xenofobia, antissemitismo e racismo). Reconhecer plenamente os direitos políticos,
culturais e ambientais (incluindo o domínio de recursos naturais) dos povos
indígenas;
Nada a objetar quanto ao primeiro objetivo. Sérias preocupações quanto ao
segundo, posto que esses povos não permanecerão eternamente indígenas, a menos que
os sábios pretendam fazer deles objetos de museu, preservados em uma redoma que os
impeça de se integrarem às sociedades nacionais. Esses sábios se consideram tutores
dos povos indígenas.
9) Tomar medidas urgentes para pôr fim à destruição do meio ambiente e à ameaça de
mudanças climáticas graves. Implementar outro modelo de desenvolvimento fundado
na sobriedade energética e no controle democrático dos recursos naturais;
Nada a objetar. Os sábios só ficam nos devendo uma descrição mais acurada do
que eles entendem por “outro modelo de desenvolvimento”, sem o que fica difícil
criticar, mais uma vez, suas “ideias” surreais. Sobriedade energética pode querer dizer
muitas coisas, inclusive com novas tecnologias desenvolvidas por empresas privadas,
que eles tão zelosamente querem expulsar de todo e qualquer domínio “público”. O
controle democrático dos recursos naturais é uma frase generosa, que pode tanto querer
dizer parlamentos nacionais, quanto ONGs, mas estas geralmente escapam de qualquer
controle democrático, pois são de caráter privado e não costumam prestar contas à
sociedade.
230
da concorrência. Atitude louvável essa, embora a mesma postura não se aplique no caso
de entidades puramente estatais, sempre julgadas benéficas por princípio.
231
contrário senso das tendências econômicas e científicas contemporâneas, tal como
observadas no mundo real; não nesse outro mundo possível de que eles falam, mas do
qual não conseguem entregar a receita.
Eu espero, no que me concerne, que este pequeno manual das irrealidades dos
antiglobalizadores possa contribuir para que eles reflitam sobre a realidade do mundo
concreto, não daquele imaginado por eles e que pouco tem a ver com as relações
sociais, políticas e econômicas efetivamente existentes na maior parte dos países. O que
deveriam fazer os antiglobalizadores (mas o que eles provavelmente não farão) seria
aproveitar o Fórum Social Mundial de 2009, em Belém, para fazer um balanço honesto
dos seus dez anos de pregações surrealistas e tirar as lições de por que suas receitas e
recomendações – com exceção, obviamente, das mais óbvias, relativas a direitos
humanos e sustentabilidade ecológica – não vêm sendo implementadas por praticamente
nenhum governo do planeta, mesmo aqueles supostamente mais comprometidos com as
suas causas.
Pode-se, a rigor, estabelecer um benchmark com base em suas recomendações –
tal como examinadas neste trabalho e em textos anteriores – e verificar em que medida
os governos aparentemente mais comprometidos com os princípios e causas do FSM
implementam, de fato, as medidas preconizadas pelos antiglobalizadores. O primeiro
teste é, evidentemente, o da própria globalização. Ninguém há de recusar a realidade,
por exemplo, de que Cuba e Coréia do Norte são países pouco globalizados – junto com
outros, como Síria e Iran, que também controlam a internet e a imprensa –,
comparativamente com Costa Rica e Coréia do Sul, e isso poderia servir de benchmark
para um balanço do bem estar social, dos direitos à livre informação e de todas as
demais liberdades individuais ou coletivas em todos esses países. O contraste seria tão
flagrante que eu não tenho nenhuma dúvida quanto ao resultado desse teste.
Em face desse tipo de realidade, eu me pergunto o que é que os sábios e seus
seguidores da antiglobalização aprovarão em Belém. Talvez uma repetição maquiada
das teses aqui examinadas. Creio que teremos mais do mesmo (até o próximo Fórum
Surreal Mundial), posto que eles sairão convencidos de que suas propostas podem
funcionar na prática. Ainda não se viu nada disso, mas eles não perdem a esperança.
Imagino que os mais jovens o façam por ingenuidade ou ignorância das coisas
do mundo. Imagino também que os mais velhos – sindicalistas, professores e outros
últimos crentes na verdade revelada – o façam por autismo político e incapacidade de
enfrentar a realidade. Quanto aos sábios, que teoricamente podem dispor de todo o
232
conhecimento acumulado desde sempre nas academias e centros de pesquisa, acredito
que eles continuam a repetir as mesmas ideias surrealistas e os mesmos equívocos na
área econômica, não por acreditarem em seus argumentos, mas apenas para disporem de
uma tribuna fácil para suas perorações inúteis. Isto não constitui apenas uma forma de
autoengano; mas se trata, provavelmente, de desonestidade intelectual, o que é
imperdoável a cidadãos escolarizados além do terceiro ciclo. Enfim, ninguém gosta de
desmantelar seus sonhos e utopias. Acho que os sábios também não...
233
Apêndices
235
30. Relação dos artigos publicados em Via Política, 2006-2009
237
71) O afundamento da educação no Brasil: observações angustiadas do ponto de vista
dos estudantes (14.07.2008)
66) O império e sua segurança: quatorze novas teses sobre equilíbrio estratégico e
autossuficiência militar (27.04.2008)
63) Parodiando Maquiavel: Exortação para libertar a nação dos bárbaros (09.03.2008)
61) Um outro Fórum Social Mundial é possível… (aliás, é até mesmo necessário),
(27.01.2008)
60) Fórum Social Mundial 2008: Um pouco menos de transpiração e um pouco mais de
inspiração, por favor... (20.01.2008)
59) A duzentos anos da vinda da família real portuguesa: o que Portugal nos legou?
(23.12.2007)
58) Expansão Econômica Mundial: 100 anos de uma obra pioneira (4.12.2007) -
238
51) Duro de crescer: obstáculos políticos ao crescimento econômico no Brasil (2),
(16.09.2007)
48) Teses para uma revolução partidária: sugestões (não solicitadas) para o congresso
de um grande partido (3) (19.08.2007)
47) Teses para uma revolução partidária: sugestões (não solicitadas) para o congresso
de um grande partido (2) (12.08.2007)
46) Teses para uma revolução partidária: sugestões (não solicitadas) para o congresso
de um grande partido (1) (05.08.2007)
44) Duas passagens, de um romance histórico, sobre o carácter dos homens (2.07.2007)
42) Algumas coisas simples que deveríamos ter no Brasil (18 junho 2007)
39) Prometeu acorrentado: o Brasil amarrado por sua própria vontade (20.05.2007)
37) Estaria a imbecilidade humana aumentando? (uma pergunta que espero não
constrangedora...) (29.04.2007)
32) Fórum Social Mundial: propostas idealistas, grandes equívocos (11) (25.03.2007)
31) Fórum Social Mundial: propostas idealistas, grandes equívocos (10) (18.03.2007)
239
30) Fórum Social Mundial: propostas idealistas, grandes equívocos (9) (11.03.2007)
29) Fórum Social Mundial: propostas idealistas, grandes equívocos (8) (04.03.2007)
28) Fórum Social Mundial: propostas idealistas, grandes equívocos (7) (25.02.2007)
27) Fórum Social Mundial: propostas idealistas, grandes equívocos (6) (17.02.2007)
26) Fórum Social Mundial: propostas idealistas, grandes equívocos (5) (12.02.2007)
25) Fórum Social Mundial: propostas idealistas, grandes equívocos (4) (04.02.2007)
24) Fórum Social Mundial: propostas idealistas, grandes equívocos (3) (29.01.2007)
23) Fórum Social Mundial: propostas idealistas, grandes equívocos (2) (21.01.2007)
22) Fórum Social Mundial: propostas idealistas, grandes equívocos (1) (12.01.2007)
21) Previsões para 2007: sempre otimista quanto à sua impossibilidade (1.01.2007)
19) Revendo as propostas dos laureados Nobel vinte anos depois (18.12. 2006)
17) Uma reflexão pessoal sobre as relações entre Estado e governo (04.12. 2006)
15) Uma verdade inconveniente (será que o Brasil consegue crescer 5% ao ano?)
(12.11.2006)
240
6) Prioridades possíveis em uma administração racional (16.07.2006)
241
31. Livros de Paulo Roberto de Almeida
25) Oliveira Lima: um historiador das Américas, Paulo Roberto de Almeida, André
Heráclio do Rêgo (Recife: CEPE, 2017, 175 p.; ISBN: 978-85-7858-561-7).
21) Die brasilianische Diplomatie aus historischer Sicht: Essays über die
Auslandsbeziehungen und Außenpolitik Brasiliens (Saarbrücken: Akademiker
Verlag, 2015, 204 p.; Übersetzung aus dem Portugiesischen ins Deutsche: Ulrich
Dressel; ISBN: 978-3-639-86648-3).
19) Integração Regional: uma introdução (São Paulo: Saraiva, 2013, 174 p.; ISBN:
978-85-02-19963-7).
16) O Moderno Príncipe (Maquiavel revisitado) (Brasília: Senado Federal, 2010, 195
p.; ISBN: 978-85-7018-343-9).
15) O Moderno Príncipe: Maquiavel revisitado (Rio de Janeiro: Freitas Bastos, edição
eletrônica, 2009, 191 p.; ISBN: 978-85-99960-99-8).
242
12) Relações internacionais e política externa do Brasil: história e sociologia da
diplomacia brasileira (2ª ed.: revista, ampliada e atualizada; Porto Alegre: UFRGS,
2004, 440 p.; coleção Relações internacionais e integração nº 1; ISBN: 85-7025-
738-4).
10) Une histoire du Brésil: pour comprendre le Brésil contemporain (avec Katia de
Queiroz Mattoso; Paris: L’Harmattan, 2002, 142 p.; ISBN: 2-7475-1453-6).
3) Mercosul: Fundamentos e Perspectivas (São Paulo: LTr, 1998, 160 p.; ISBN: 85-
7322-548-3).
Organização, edição:
13) Oswaldo Aranha: um estadista brasileiro, Sérgio Eduardo Moreira Lima; Paulo
Roberto de Almeida; Rogério de Souza Farias (organizadores); Brasília: Funag,
2017; disponível na Biblioteca Digital da Funag: volume 1, 568 p.; ISBN: 978-85-
7631-696-1; link:
http://funag.gov.br/loja/index.php?route=product/product&product_id=913; volume
2, 356 p.; ISBN: 978-85-7631-697-8; link:
http://funag.gov.br/loja/index.php?route=product/product&product_id=914.
12) O Homem que Pensou o Brasil: trajetória intelectual de Roberto Campos (Curitiba:
Appris, 2017, 373 p.; ISBN: 978-85-473-0485-0).
243
11) Carlos Delgado de Carvalho: História Diplomática do Brasil (Brasília: Senado
Federal, 2016, 504 p.; ISBN: 978-85-7018-696-6).
10) The Drama of Brazilian Politics: From 1814 to 2015 (with Ted Goertzel; Amazon
Digital Services; 2015, 278 p.; ISBN: 978-1-4951-2981-0).
09) Relações Brasil-Estados Unidos: assimetrias e convergências (com Rubens
Antonio Barbosa; São Paulo: Saraiva, 2016, 326 p.; edição digital; ISBN: 978-85-
0212-208-6).
08) Guia dos Arquivos Americanos sobre o Brasil: coleções documentais sobre o Brasil
nos Estados Unidos (com Rubens Antônio Barbosa e Francisco Rogido Fins;
Brasília: Funag, 2010, 244 p.; ISBN: 978-85-7631-274-1; disponível na Biblioteca
Digital da Funag, link: http://funag.gov.br/loja/download/753-
guia_dos_arquivos_americanos.pdf).
07) Envisioning Brazil: a Guide to Brazilian Studies in the United States, 1945-2000
(with Marshall C. Eakin; Madison: Wisconsin University Press, 2005, 536 p.; ISBN:
0-299-20770-6).
06) Relações Brasil-Estados Unidos: assimetrias e convergências (com Rubens
Antonio Barbosa; São Paulo: Saraiva, 2005, 328 p.; ISBN: 978-85-02-05385-4).
05) O Brasil dos Brasilianistas: um guia dos estudos sobre o Brasil nos Estados
Unidos, 1945-2000 (com Marshall C. Eakin e Rubens Antônio Barbosa; São Paulo:
Paz e Terra, 2002; ISBN: 85-219-0441-X).
04) Mercosul, Nafta e Alca: a dimensão social (São Paulo: LTr, 1999, com Yves
Chaloult).
03) Carlos Delgado de Carvalho: História Diplomática do Brasil (edição fac-similar:
Brasília: Senado Federal, 1998; Coleção Memória brasileira n. 13; 420 p.).
02) José Manoel Cardoso de Oliveira: Actos Diplomaticos do Brasil: tratados do
periodo colonial e varios documentos desde 1492 (edição fac-similar, publicada na
coleção “Memória Brasileira” do Senado Federal; Brasília: Senado Federal, 1997; 2
volumes; Volume I: 1493 a 1870; Volume II: 1871 a 1912).
01) Mercosul: Textos Básicos (Brasília: IPRI-Fundação Alexandre de Gusmão, 1992,
Coleção Integração Regional nº 1)
244
32. Nota sobre o autor
245
Redigido em MS Word 2011,
Composto em MacBook Air
Por Paulo Roberto de Almeida
Em 26/12/2017
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Tel.: (61) 99176-9412
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