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Sumário
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A oralidade e a História
A história da memória coletiva foi cada vez mais sendo detida pelos
historiadores, em detrimento do grupo social. E a tradição oral viu questionada
parte de sua veracidade histórica. No entanto, muitas comunidades (africanas e
indígenas) ainda continuaram com a tradição oral, pois em suas sociedades
não havia a escrita.
Paul Thompson (1992) afirma que a história oral é tão antiga quanto a
história, pois “Ela foi a primeira espécie de história.”
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Origens da História Oral
Foi a partir dos anos 50 do século XX que a oralidade voltou a ser valorizada
como fonte de informação para os historiadores. A criação de uma metodologia
de registro de depoimentos orais, mais conhecida como história oral, e o seu
uso como fonte pelos historiadores é ainda muito recente. Ela começou a ser
utilizada como fonte de informação para o estudo da história a partir da 2ª
Guerra Mundial, precisamente em 1948, por Alan Nevin da Columbia University
(JOUTARD, 1983).
Nos anos 60, influenciado pela Escola dos Annales e encabeçado por Philipe
Joutard, surgiu também na França um movimento para uso da história oral
como fonte de pesquisa. E a história oral expandiu-se primeiro pelo resto da
Europa, depois pela América.
O uso da história oral como metodologia de pesquisa tomou força nos estudos
de história contemporânea, na década de 80, com enfoque nos estudos
econômicos e sociais. Foi a partir desta época que a metodologia da história
oral ganhou novos contornos.
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Museu da Pessoa
Formas de ação:
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Conceitos
O que é memória?
Há várias maneiras de entender o que é memória, dependendo da área do
conhecimento, da época e da cultura que considerarmos. Neste guia,
compreendemos que memória pressupõe registro – ainda que tal registro seja
realizado em nosso próprio corpo. Ela é, por excelência, seletiva. Reúne as
experiências, os saberes, as sensações, as emoções, os sentimentos que, por
um motivo ou outro, escolhemos para guardar.
O que é História?
O objeto da História pode variar: história das ideias, de uma nação, de um
determinado grupo, história de uma vida. Toda história é sempre uma narrativa
organizada por alguém em determinado tempo e implica uma seleção. E essa
construção ocorre, invariavelmente, no presente, por um ou mais autores.
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Princípios
A valorização das histórias de vida das pessoas – contadas por elas mesmas,
registradas e socializadas pelos próprios grupos, comunidades e instituições –
traduz uma forma de entender o que é, como se faz e para que serve a história.
Alguns princípios norteiam o trabalho com narrativas orais. São eles :
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Mobilizar o grupo
Além disso, é importante listar todos os recursos que o grupo tem disponível
para o projeto, tais como recursos financeiros, equipe e parcerias para a
realização do projeto. Com base no levantamento do que a equipe possui,
deverá ser feito uma lista do que será preciso adquirir e como conseguir os
recursos necessários para o projeto.
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Diretrizes de um projeto
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Construir histórias
A ordem cronológica costuma ser um bom fio condutor de uma conversa, mas
não é o único. Se for adotado o critério cronológico, o roteiro pode ser
organizado em três grandes blocos de perguntas: introdução (origem da
pessoa, pais, avós, infância), desenvolvimento (fases da sua trajetória,
incluindo, se for o caso, o tema específico do projeto) e finalização (conclusão
da história, relação com o presente e o futuro).
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O levantamento de entrevistados pode ser realizado de forma empírica, isto é,
simplesmente frequentando encontros, participando de associações ou pedindo
indicações. Em geral, levantam-se muito mais nomes do que o número de
pessoas que serão efetivamente entrevistadas. A equipe terá que refletir para
chegar a um consenso.
Mapear nomes – Definidos os critérios, uma primeira lista de nomes pode ser
produzida a partir da leitura de material já existente sobre o tema, bem como
da sugestão das pessoas do grupo. Também vale lançar a pergunta para a
instituição ou a comunidade em geral: quem você conhece que pode nos
ajudar a contar esta história?
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Exemplo de quadro de entrevistados
Projeto: História das Profissões em Extinção, 1996
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Metodologia do Museu da Pessoa
Tipos de entrevistas
A entrevista é uma ação realizada por um ou mais entrevistadores. Pode ser
feita em áudio, vídeo, em papel ou através de um formato eletrônico: formulário
de internet ou por email. Pode ser feita em estúdio, ao ar livre ou na casa do
entrevistado.
Entrevistas temáticas
São entrevistas sobre um determinado tema específico. É muito utilizada
em projetos de pesquisa acadêmicos. Ela é voltada para um determino
escopo de projeto e tem como objetivo auxiliar o trabalho de campo da
pesquisa.
Roda de história
As memórias de cada integrante do grupo podem ajudar os outros a
lembrar das próprias histórias. Assim, juntos, escolhem o tema ou um
marco importante para todos e cada um conta uma lembrança sobre o
assunto.
Círculo de história
Organizados em círculo, os participantes selecionam momentos ou
passagens de sua vida que queiram compartilhar com o grupo no momento
do círculo. Apesar do indivíduo ser o principal autor da história, os
companheiros e facilitadores do circulo ajudam o participante a construir sua
narrativa. A participação no círculo prevê o desenvolvimento de um produto
durante a atividade.
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O Roteiro
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A entrevista
1) Criação de fichas
Exemplos:
Ficha de cadastro – organiza dados objetivos sobre a pessoa, que não
necessariamente foram ditos durante a entrevista.
Ficha da história – organiza os dados sobre o depoimento.
Ficha de imagem (foto, documento e objeto) – organiza dados objetivos sobre o
acervo do entrevistado, como as fotografias, documentos e objetos.
Sobre conteúdo – O que é, quem, quando, onde. Numa ficha cadastral, por
exemplo, nome, sexo, data e local de nascimento da pessoa são dados
essenciais. Se for um projeto sobre imigrantes, passa a ser importante também
o nome dos pais, seu local de nascimento e a data de chegada ao país.
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2. Identificação do material
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Ficha de cadastro
NOME DO PROJETO
código
CADASTRO DE PERSONAGEM
Dados Pessoais
Projeto/Coleção:
Autor:
Nome:
CPF:
RG:
Telefone:
Email:
Sexo: ( )F ( )M
Quem é:
Data de Nascimento:
Cidade de Nascimento:
Estado de Nascimento:
País de Nascimento:
Endereço Atual:
Número Atual:
Complemento Atual:
País Atual:
Cidade Atual:
Estado Atual:
Bairro Atual: CEP Atual:
Religião:
Formação:
Profissão:
Etnia:
Informações Gerais:
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Ficha da história
NOME DO PROJETO
código
CADASTRO DA HISTÓRIA
Sobre a entrevista
Projeto/Coleção:
Autor:
Personagem:
Título:
Idioma: ( ) português ( ) inglês
Sinopse:
Tags (palavras-chave):
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Ficha de imagem
NOME DO PROJETO
código
CADASTRO DE IMAGEM
Projeto/Coleção:
Autor:
Personagem:
Título:
Local da imagem: Ano:
Sobre a Imagem:
Tags (palavras-chave):
Observações:
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Modelo de autorização de reprodução e uso
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Orientações para fazer uma gravação em vídeo
Também para o caso de gravações sem refletores, procure gravar num local
em que não haja alteração significativa da luz durante a entrevista. Por
exemplo: uma sala arejada ou à sombra de uma árvore. Evite locais ao ar livre
com incidência direta do sol, pois neste caso, além do desconforto do
entrevistado, haverá muita alteração de luz.
Para captar o áudio, se possível use dois microfones de lapela, que devem ser
fixados à roupa do entrevistado e do entrevistador a uma altura de
aproximadamente 20 cm de sua boca. Vale também se assegurar de não
colocar o microfone ao lado de gravatas, colares ou qualquer adereço que
possa raspar no microfone e provocar ruídos.
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Se a câmera não possuir entrada para microfones, a alternativa é usar o
microfone embutido. Nesse caso, é importante deixar a câmera o mais próximo
possível do entrevistado (sem prejudicar o enquadramento) e evitar totalmente
ambientes com ruídos externos.
A questão técnica deve estar a serviço da entrevista, contribuindo para que ela
seja realizada e registrada da melhor maneira possível, sem que haja
interferência na metodologia ou desconforto ao entrevistado
Escolha um gravador (de preferência digital), dois microfones de lapela com fio
(recomendado) ou um microfone de mão. Não confie apenas no microfone do
gravador.
Os gravadores digitais são pequenos, o áudio fica com mais qualidade e não
há o risco de deterioração, como nas fitas cassetes. A entrevista ficará
registrada na memória do equipamento. Depois, é só passar o áudio para o
computador e salvá-lo em um CD.
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Fotos, documento e objetos
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Processamento das histórias
Organizar histórias é tratar o conteúdo do projeto de maneira que ele faça parte
do cotidiano e seja usado amplamente pelas gerações presentes e futuras. É
formar um acervo reconhecendo as narrativas, fotografias, documentos e
objetos como fontes históricas.
O que é acervo?
Acervo é um conjunto de documentos de diferentes suportes e formatos,
destinados à pesquisa, consulta ou simplesmente armazenamento. Reunidos e
organizados, esses documentos constituem um acervo que pode se manter em
constante construção. O acervo do projeto é todo material gravado nas
entrevistas (seja em formato de vídeo ou de áudio), bem como a transcrição da
entrevista e o material complementar tais como: ficha de cadastro, ficha de
fotos e documentos e a autorização de uso assinada pelo entrevistado.
Processamento do conteúdo
Processamento pode ser traduzido como a preparação do material coletado
para consultas e usos variados. Um conjunto de 200 horas de depoimento na
íntegra, por exemplo, dificilmente será escutado ou consultado por alguém se
as possibilidades de busca e pesquisa não forem facilitadas. A dimensão do
processamento varia muito, de acordo com o tempo e os recursos de cada
grupo. Tecnicamente, processar significa ampliar a quantidade e a qualidade de
informações sobre o acervo. Transcrever entrevistas ou produzir outros textos a
partir da gravação, bem como digitalizar imagens estão entre as tarefas de
processamento.
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Transcrição de depoimentos
Grafia das palavras – A grafia das palavras deve ser corrigida. É fundamental
conferir a grafia dos nomes próprios. Consulte dicionários, guias de cidades,
enciclopédias, internet, bem como o próprio entrevistado.
O que é digitalização?
É o processo pelo qual um arquivo em papel (como um documento, foto ou
desenho) é transformado em um arquivo digital. Dessa forma, ele pode ser
armazenado no disco rígido de um computador, CD, DVD ou enviado por e-
mail.
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Socializar histórias
Produtos
Ao mesmo tempo, pensar num produto é uma boa estratégia para motivar o
trabalho. É um marco concreto de valorização da história do grupo, bem como
de sua experiência no projeto. Cumpre o papel importante de mostrar
“resultados”, ajuda a fechar ciclos e dar novo impulso ao projeto.
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Edição
No grupo, a tarefa de edição pode ser assumida por quem tiver maior
familiaridade com o trabalho. Há sempre a alternativa de buscar profissionais
da área ao pensar nos voluntários e parceiros do projeto.
Vale ressaltar que se pode optar por uma edição com mais ou com menos
interferências, mas sempre haverá a marca e a responsabilidade do editor, que
tem como missão trazer as histórias para que os leitores percebam e se
emocionem com as falas dos entrevistados.
Livros
Existem muitas maneiras de fazer uma publicação: desde a confecção de livros
artesanais, com o envolvimento dos participantes do grupo em oficinas, até
livros profissionais, preparados por editores, revisores e designers. De qualquer
forma, a concepção do produto (incluindo definição de público-alvo, formato,
projeto gráfico, linguagem) e a coordenação do processo deve ser realizada
pelo grupo.
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Exemplo de trecho editado
R - A escola era... Até o vereador, que já é falecido desse bairro, né? Foi ele
que montou a primeira escola lá no São João. Lá não tinha carteira, nós
sentávamos no chão. Era no chão, cruzava as pernas, o caderninho em cima e
nem bolsa não tinha. E ali, a gente ia fazendo. A professora não tinha lousa, ela
passava no próprio caderno mesmo, ensinando fazer aquelas cobrinhas,
aquelas coisas. A gente foi indo, foi indo, foi indo. Era até Amélia o nome dessa
professora, uma professora bonita. Nossa, era linda! Eu olhava para ela, falei:
“Um dia vou aprender a ensinar igual a ela.” Aquele maior orgulho, pegava o
caderno e ia para a escola. Aí, quando eu comecei a conhecer as letrinhas e
juntar as palavrinhas. Aí, aquilo lá já fui... Aí foi indo, e aí comecei minha sede
de aprender. Eu falei: “Se Deus me der oportunidade, enquanto eu tiver vida e
saúde, eu vou estar aprendendo, ou vou estar ensinando.” Aí, foi. Aí, eu
terminei. Fiz o primeiro ano, aí teve um concurso de quem tirasse a melhor
nota nas matérias, aí eu consegui tirar. Aí, esse vereador dava um vestido. Aí,
eu ganhei um vestido roxinho. Aquele ali era meu vestido da festa. Todo lugar
que ia, era aquele vestidinho.
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R- Era um vestido tipo evasê, tinha um bolsinho na frente e de alcinha, com
decote quadrado. Nossa, aquilo ali era minha paixão, aquele vestido! Ainda que
foi um prêmio que eu ganhei e era o primeiro vestido novo que eu tinha, que
ninguém tinha usado.
Trecho editado
Foi o vereador, que já é falecido, que montou a primeira escola lá no São João.
Não tinha carteira, nós sentávamos no chão. Cruzava as pernas, o caderninho
em cima. A professora não tinha lousa; ela passava no próprio caderno mesmo,
ensinando a fazer aquelas cobrinhas. A gente foi indo, foi indo, foi indo. Era
Amélia o nome dessa professora, uma professora bonita. Nossa, era linda! Eu
olhava para ela e falava: “Um dia vou aprender a ensinar igual a ela.” Aquele
orgulho: pegava o caderno e ia para a escola.
Vídeos
Áudios
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Como produzir programas de rádio com nossas histórias?
Para a produção de programas de rádio, é necessário criar um roteiro,
prevendo conteúdos, organização e duração. Em uma primeira etapa é preciso
manipular os arquivos de áudio de forma a facilitar o seu uso.
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Procedimentos básicos para produção em áudio
Se a gravação for feita diretamente em CD, basta copiar o arquivo original para
o computador. É possível, ainda, transformar esse material em MP3, caso a
intenção seja lançar o arquivo na internet, por exemplo. Esse processo é feito
por softwares específicos.
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Nossa história, nosso cotidiano
Na escola, um projeto de memória local pode ser o ponto de partida para que a
história das pessoas comuns seja reconhecida e valorizada de maneira
permanente no aprendizado da história. A história transmitida na sala de aula
não será mais apenas a “história oficial”. Ao perceber o outro como autor e
agente da história, cada um começa a se ver no mesmo papel.
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Referências
JOUTARD, Philipe. Ces voix qui nous viennent du Passé. Paris: Hachette,
1983 .
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Para saber mais
ALBERTI, Verena. Ouvir contar: textos de história oral. Rio de Janeiro: Editora
da FGV, 2004.
BOM MEIHY, José Carlos Sebe. Manual de História Oral. São Paulo: Loyola,
2000.
BOM MEIHY, José Carlos Sebe; IOLANDA, Fabíola. História Oral: como
fazer, como pensar. São Paulo: Contexto, 2007.
CALDAS, Alberto Lins. Para ler a história oral. São Paulo: Loyola, 1999.
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FERREIRA, Marieta de Moraes ; FERNANDES, Tânia Maria Dias; ALBERTI,
Verena. História oral: desafios para o século XXI. Rio de Janeiro : Casa
Oswaldo Cruz/Editora Fiocruz ; FGV, 2000.
JOUTARD, Philipe. Ces voix qui nous viennent du Passé. Paris: Hachette,
1983
ROY, Teresa M. Malatian. História Oral. Estudos Históricos. Marília (15) 123-
130, 1976.
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WORCMAN, Karen; PEREIRA, Jesus Vasquez. História falada: memória, rede
e mudança social. São Paulo: SESC-SP: Museu da Pessoa: Imprensa Oficial
do Estado de São Paulo, 2006.
SACKS, Oliver. Um antropólogo em marte. São Paulo: Cia das Letras, 1995.
Filmes
A pessoa é para o que nasce. Diração Roberto Berliner. Brasil TV Zero, 1998.
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Edifício Master. Direção Eduardo Coutinho. Brasil, Videofilmes, 2002.
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Ficha Técnica
Atualização Editorial
Ana Paula Severiano
Revisão
Sílvia Balderama
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