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Uma ferramenta
para editar o
DNA ✁
✁
Maria Guimarães
U
m sistema que permite a bac- Conjunto de Repetições Palindrômicas manipulações genéticas em centenas de
térias reconhecer e combater Regularmente Espaçadas, que funcio- clones de células-tronco embrionárias.
invasões virais promete uma na com uma proteína associada, a Cas. Para aprender a fazer esse trabalho de
novidade significativa na ge- A CRISPR-Cas9 pode ser inserida em escala quase industrial ela foi, ainda du-
nética. Trata-se de uma proteína guia- células usando vírus ou por meio de in- rante o doutorado, ao Centro de Câncer
da por uma molécula de RNA que corta jeções de DNA nas fases iniciais de um MD Anderson da Universidade do Texas,
as fitas de DNA em pontos específicos embrião. Uma molécula de RNA sinte- onde acabou aprendendo a nova técnica
e ativa vias de reparo. No Brasil, vários tizada especialmente serve de guia para com o geneticista norte-americano Ri-
pesquisadores já se preparam para incor- atingir o gene que se pretende alterar chard Behringer. Voltou ao laboratório
porar às suas linhas de pesquisa a técnica (ver infográfico ao lado). São procedi- paulista trazendo na bagagem os vetores
criada em 2012. É uma história que está mentos ao alcance da maior parte dos que injetaria nos embriões de camun-
no início e por enquanto rendeu poucos laboratórios de genética, o que confere dongos para produzir os nocautes que
resultados palpáveis. Vale a pena ficar autonomia aos pesquisadores. necessitava. Deu certo: Ângela ensinou
de olho, tanto pelo que o sistema tem No laboratório de Xavier tudo come- os colegas e, em pouco mais de um ano,
de promissor quanto pelo potencial de çou com Ângela Saito, que à época fazia o laboratório já produziu nocautes para
alterar genes humanos e produzir bebês doutorado sob orientação do biólogo quatro genes diferentes.
sob medida, o que suscita cautela a ponto Jörg Kobarg, na Universidade Estadual
de se discutir uma moratória ao seu uso. de Campinas (Unicamp), e precisava Combate a doenças
“É um grande equalizador, até nós produzir um roedor com deficiência na O potencial da CRISPR-Cas9 na pesquisa
conseguimos fazer”, brinca o médico produção de uma determinada proteí- de agentes causadores de doenças tam-
José Xavier Neto, do Laboratório Nacio- na (nocaute) para estudar seu papel na bém atraiu os parasitologistas venezue-
nal de Biociências (LNBio), em Campi- leucemia. Nas bancadas de Xavier, ela lanos Noelia Lander e Miguel Chiurillo,
nas, sobre o sistema que ficou conhecido começou o tedioso processo tradicio- interessados em estudar o parasita Try-
como CRISPR-Cas9. A sigla significa nal, em que é preciso gerar e rastrear as panosoma cruzi, causador da doença de
Sequência-alvo
Sequência
PAM
DNA
que sofrerá
edição
Chagas, e quem sabe contribuir para o
desenvolvimento de terapias alternati-
vas. Atualmente em estágio de pós-dou-
torado na Faculdade de Ciências Médi-
cas da Unicamp em colaboração com os proteína
CAS9
bioquímicos Aníbal Vercesi e Roberto
Docampo, argentino que é professor na
Universidade da Geórgia, nos Estados
Unidos, e atua como professor visitan-
te na universidade do interior paulista,
Mutação de ponto
Noelia já mostrou que consegue alterar 3
genes em artigo de 2015 na revista mBio. O acréscimo de
fragmentos de
Ela avariou genes ligados ao flagelo dos tamanhos variados
infográfico ana paula campos ilustração caeto
por cálcio, vem a parte que pode ajudar 230). Souza-Neto passou três meses no para inativar genes com CRISPR-Cas9
no combate a essa doença que carece de laboratório de Julien Pelletier, que este- já está razoavelmente dominada, o su-
tratamento eficaz na fase crônica. “Os ve em Botucatu por quatro meses. “Em cesso na inserção de trechos específicos
níveis de cálcio mudam muito quando o abril ele deve voltar para começarmos ainda é baixo.
parasita infecta o hospedeiro”, explica. as injeções nos embriões de mosquitos”, A geneticista Maria Rita Passos Bue-
“Se conseguirmos mexer nessas proteí- planeja o pesquisador. no, do Instituto de Biociências da USP
nas, que são diferentes entre o parasita A bióloga Natália Gonçalves está li- (IB-USP), também aposta na edição do
e o hospedeiro vertebrado, pode ser o dando com sujeitos maiores: cães da ra- DNA para estudar doenças humanas
caminho para uma terapia alternativa.” ça golden retriever usados como modelo com a ajuda da pesquisadora Erika Ka-
O combate à transmissão da dengue é para estudos da distrofia muscular de gue, que aprendeu a técnica no final do
o objetivo do biólogo Jayme de Souza- Duchenne, uma doença degenerativa estágio de pós-doutorado na Universi-
-Neto, do campus de Botucatu da Uni- que acaba impedindo os pacientes de dade da Pensilvânia, nos Estados Uni-
versidade Estadual Paulista (Unesp). No andar e comer (ver Pesquisa FAPESP dos. O doutorando Luciano Abreu Bri-
mosquito Aedes aegypti, ele comparou os nº 237). Durante o doutorado ela esta- to estabeleceu uma linhagem de peixe-
RNAs transcritos de mosquitos infecta- beleceu linhagens de células reprogra- -paulistinha, o zebrafish (ver Pesquisa
dos e resistentes ao vírus em populações madas (células-tronco de pluripotência FAPESP nº 209), para estudar fissura
naturais em Botucatu, interior paulista, e induzida, ou iPSCs) a partir de células de lábio palatino. “Encontramos a mu-
Neópolis, em Sergipe, e identificou genes da pele dos cães. Agora, no estágio de tação por sequenciamento em pacientes,
que podem estar ligados à resistência. pós-doutorado sob supervisão de Car- agora posso inserir no peixe para testar
“Estamos começando a fazer as muta- los Eduardo Ambrósio, da Faculdade de se é mesmo relevante para a doença”,
ções nos genes dos mosquitos”, relata. Zootecnia e Engenharia de Alimentos da conta. Em células humanas isoladas, a
Até julho, ele pretende ter no laboratório Universidade de São Paulo (FZEA-USP), doutoranda Danielle Moreira inseriu
populações nas quais poderá verificar pretende estabelecer a linhagem com cé- mutações ligadas ao autismo. No futu-
se a suscetibilidade ao vírus foi altera- lulas de cães distróficos e corrigir o gene ro, ela pretende usar iPSCs que possam
da. Ainda longe no horizonte, a ideia é defeituoso para produção da proteína dar origem a neurônios, para verificar
produzir mosquitos resistentes, que por distrofina em parceria com o geneticista se as alterações genéticas identificadas
não serem infectados também não trans- francês Jean-Paul Concordet, do Museu em pacientes alteram o funcionamento
mitem a doença aos seres humanos. O Nacional de História Natural, em Paris. de células nervosas.
projeto tem avançado no âmbito da co- “Já sabemos qual região do gene está fal- Lygia da Veiga Pereira, geneticista do
laboração estabelecida entre a FAPESP, tando, então a ideia é produzir esse peda- IB-USP, também está começando a al-
a Unesp e a Universidade de Keele, no cinho e inseri-lo”, planeja. Ela tem muito terar diretamente células humanas. Sua
Reino Unido (ver Pesquisa FAPESP nº trabalho pela frente: enquanto a técnica aluna de mestrado Juliana Sant’Ana es-
Projetos
1. Geração de camundongo nocaute para o receptor
nuclear órfão Coup-TFII: Investigação dos mecanismos
moleculares que determinam a expressão atrial-especí-
fica do promotor do gene SMyHC3 (nº 2015/10166-9);
tá em contato com o geneticista Chad proteínas antes mesmo da descoberta Modalidade Bolsa no País – Pós-doutorado; Pesquisador
foto carolina clemente / lnbio ilustraçãO caeto
Paulo (Unifesp), já se dedicava a desven- José Xavier Neto não acredita em um graphic analysis and phasing of the CRISPR-associated
protein Csm2 from Thermotoga maritima. Structural
dar a estrutura tridimensional dessas risco real. “Os malefícios de se sobrepor Biology Communications. F71, p. 1223-27. out. 2015.