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O conto de Jorge Luis Borges é sobre Funes, um rapaz que conseguia memorizar e
lembrar de cada detalhe da vida cotidiana, algo que tinha seus prós e contras. No texto “Da
utilidade e desvantagem da história para a vida”, Nietzsche se aprofunda na questão,
discutindo a possibilidade da plenitude humana a partir da memória: esquecer e lembrar
permitem que o ser humano, enfim, viva até que ponto? Na seguinte passagem, Nietzsche
ilustra esse pensamento:
Um homem que quisesse sentir apenas historicamente seria semelhante àquele que
se forçasse a abster-se de dormir, ou ao animal que tivesse de sobreviver apenas
da ruminação e ruminação sempre repetida. Portanto: é possível viver quase sem
lembrança, e mesmo viver feliz, como mostra o animal; mas é inteiramente
impossível, sem esquecimento, simplesmente viver.
O ponto é que Furnes, nessa condição, não conseguia viver, pois ele conseguia
perceber a vida de outra maneira, mais lenta, perceptível aos seus olhos, se transformando
num espectador atento de algo que ele não conseguia vivenciar. Ainda que essa habilidade lhe
permitisse aprender idiomas e degustar o mundo, ele não conseguia pensar, assim como não
conseguia dormir, pois isso o desprendia desse lugar de observador, o distraia do mundo ao
redor, e pensar significava esquecer diferenças, generalizar a vida, abstrair.