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A ARTE MUSICAL
RtvlSTA P~BLICAílA U~INHNAlMLNTE
REDACÇÃO E ADMINISTRAÇÃO - Praça dos Restauradores, 43 a 49
LISBOA
DIRECTOR Instituto, R- Jardim '"Rggedor, I.3 e 1 S EDITOR
éJ,fichel'angelo Lambertini Ernesto ~ieira
THEODORE DUEOIS
pela luz - algumas yezes ficticia- do thea- mestres da escola franceza, digno successor
tro, se tenha librado nas azas da populari- de Gounod, Ambroise T homas e Cesar
dade - a qual tambem por vezes se engana Franck. Conservador da pureza classica,
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• musicos de camara» que eram a flor Bomtempo e as demais academias que lhe
oito ~e portugueza n'aquelle tempo e entre teem succedido.
da ar aes se contavam os celebres composi- (Con tinzía).
os qu Badajoz e Baena . Veem os nomes de ERNESTO V IEIRA.
to~es elles nas «Provas da Historia Genealo-
~c:da Casa Real» por D. Antonio Caetano
ae Sousa. . . .
Os primeir?s artistas 1tahanos- ca.nt<?r~s
· strument1stas - que desde o prmc1p10
e ~einado de D. João V começaram a ser
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d~ mados para o serviço da Côrte, conde- ~?????7fi'i'?V?'i"?77YY'?i*?~~
c a ,,... m-se com o titulo honorifico de vir- OMO dissemos no nosso ultimo nume-
camera dt.. S : M . F . O s portugue-
cora de/la
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.mitaram ·nos mt1tulando-se tambem
c
.virtuosos da Real nmaral) . .
C ro, r ealisou-se a 27 do mez passado,
um concerto com que a sr.ª Condessa
de P enha Longa fechou a se rie de fes tas
Póde ainda ver-se no l?alac10 de Queluz dadas este inverno no seu sumptuoso pala-
a das serenatas», CUJO tecto represen- cio.
a «Sal
ta um concerto de musica . de camara <l'in:
.
Apresentaram-se como p i anista~, M. m~s
ido pelo infante D. Pedro, filho de. el-rei Plantier, Schr~ter Pires .e M.ellcs Pmto J~ei
~. José, e em .que tomam P.art:, a prmceza te (D. Luiza e D. Angelma), Alto Meanm,
D: Maria e as mfantas suas 1rmas, ac?mpa- Maria Luiza Graça e srs. Rey Colaço e
nhadas ao cravo pelo mestre co~pos1to r Edu ardo Burnay.
David Peres. No canto brilharam M.me Pinto Leite e
Foi nas sessões de musica de camara rea- sua interessante filha, M.clle Saldanha da
lisadas nos fins do seculo XVI ~elos acade- Gama, a sr.• condessa . de Alto. i\1earim
- . e
micos de Florença, que tev: origem ~ ope- M.elle Bettencour t, cu1a voz mav1os1ss1ma e
ra apresentada em embrvao por Vicente explendido methodo de canto não podemos
G~ileu cantando1 ao som da lvra, a~ la~en deixar de espe.:.ialisar e foram Uf!lª verda-
tações de Jeremias em «estylo recitatlVO>i. deira revelacão para quantos tiveram a
O soberbo theatro lvrico não deve desde- fortuna de a ouvir.
nhar a simples musica' de camara, pois d'el- O Chant Hindou de Bemberg, com que
la nasceu. . esta distincta amadora figurava na 2.• par-
E se esta tem essencialmente um caract~ r te do programma, foi bisado com enthusias-
modesto improprio para attrahir o vulgo, mo e muito comprimentado o seu profes-
nem po; isso o seu valor é pequeno, antes sor, o maestro Sarti, que todo~ co_nsideram
muitos espíritos cultos lhe concedem todas hoj e como u m dos nossos primeiros mes-
as suas preferencias. tres de canto.
Modestíssimo foi o começo do seu desen- Tambem cantaram va rias romanças, os
volvimento em Londres: pelos fin s do secu- srs. Paulo do Quental e Luiz Coruche, ou-
lo XVII um simples carvoeiro, T homas Brit- tro discípulo laureado de Sarti.
ton, biblio,Philo antiquario. e. ~mador de mu- Completavam o prngrammn varios trechos
sica reuma no seu dom1cil10, que era ao de violino a solo e de ensemble.
mes'mo tempo deposito de carvão e biblio- M.elle Salusse, Cecil Mackee e o in~igne
theca, alguns dos mais nobres lords que professor Victor Hussla foram os solistas.
tambem cultivavam a arte, e passavam os Grande enthusiasmo acolheu as peças de
serões regalando-se com as tocatas de C~ ensemble, Intermezzo da Cavalleria Rusti-
relli, Geminiani, Purcell e outros composi- cana ·e Ave .Maria de Gounod, que produ-
tores d'aquell a época. D'este pequeno club ziram effeito surprehendente, executadas por
musical, avô das modernas sociedades de nove violinos em unisono, piano e harmo-
quartetto e academias de amadores, nasceu nium e admiravelmente ensaiadas por Vi-
nada menos que a celebre Philarmon~c ctor Hussla.
existente ainda hoj e, mãe de todas as ph1- Tiveram ambas as honras de bis.
larmonicas espalhadas no mundo e torna-
das populares entre nós. *
No dia 5, realisou-se no salão do Conser-
Sempre dos pequenos regatos derivam as
grandes correntes. vatorio uma bella audicão de alumnos, que
Tambem das intimas reuniões de musica deixou a todos a melhor impressão.
de camara que Francisco Driesel e outros Já de ha muito que taes audições se de·
a~adores realisavam frequentemente em viam effectuar periodi.camen~e n 'aque!le es-
Lisboa no primeiro quartel d'este seculo, tabelecimento de ensrno, pois que alem de
derivou a «Sociedade Philarmonica» de r epresentarem um vantajoso estimulo, são
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o unico meio que os alumnos podem ter bres Condes de Proença a Velha, uma inte-
para habituar os nervos a vencer a natural ressante matinée de musica moderna, cujo
repugnancia que todos mais ou menos teem, programma foi o seguinte :
quando se trata de publicas exhibições.
1. 3 PA'l{I'E
O que nos parece é que em vez de se fa-
zer um unico concerto com um programma Grieg - Chanson de Solvejg, para canto
de 18 peças, se poderiam ter feito dois ou pela ex.ma sr.ª condessa de Proença a
mesmo tres, com programmas mais resu- Velha.
midos e onde podia inclusivamente figurar Schumann - Novelette, pé:tra piano, pela
a repeticão de algu ns trechos que mais ti- ex."'ª sr.ª D. Joanna Tavora Folque.
vessem âgradado ou que mais conviesse fa · L a.ssen - Hirondelle, para canto, pela ex.ma
zer ouvir de novo. sr.ª D. Maria Theresa Diniz.
E' nos impossivel reproduzir tão longo Grieg -Jlarclze hero'ique, para piano, pela
prograrnrna na integra, mas devemos dizer ex.ma sr.ª D. Judith Deslandes.
que figuram n'elle os nomes mais veneran- Grieg-Le Printemps, La Rose, para canto,
dos da musica, desde Bach até Brahms. por Madame Sarti.
Quanto á execucão, tendo em vista que
se trata de despretenciosos alumnos, não 2.ª PA'R...7E
lhe podemos regatear louvores, antes temos
o maior prazer em registar o brilhante re- Chopin-Viardot -Aime· lllOÍ, mazurka para
sultado d'esta matinée, e fazer votos para canto, pela ex.ma sr.ª condessa de Proença-
que taes audicões se repitam com a maior a-Velha.
frequencia possi vel. Cbaminade - 'R._onde d'01.mour, para can-
Aos illustres professores, os srs . Guilher- t~, pela ex.01 ª sr.ª D. Maria Theresa Di-
me Ribeiro, Freitas Gazul, Rey Colaço, Vi- mz.
ctor Hussla e vVagner o nosso incondicio- Baohmann - Chanson e
nal applauso, pela maneira conscienciosa Chopin - Nocturne, para piano, pela ex.ma
como foram trabalhadas as peças de ensem- sr.ª D. Alice Schroeter Pires.
ble. Os córos Sansão e 'Dalila de Saint Lacome- La Glu, Un bal d'oiseaux, para
Saens e Psyché de Ambroise Thomas (este canto, por Madame Satti.
ultimo bisado), tiveram uma execução dis- Massenet - 'Dans les sentiers, 'Parmi les
tinctissima e algumas das peças de musica roses e Gavotte de 1\llanon, para canto,
de camara, como as Noi1elleten de Gade e pela ex.ma sr.ª condessa de Proença a
outras, tornaram-se dignas de elogio pela Yelha.
maneira correcta como foram executadas,
e pela bella fusão de sonoridade que os es- Ao piano, o maestro Sarti, que se houve
tudiosos alumnos conseguiram obter. com a costumada proficiencia, nos acompa-
Aos solistas e seus respectivos mestres, nhamentos.
os srs. Colaço, Bahia, Hussla, Augusto Ma- Com tão 1llustres executantes e com um
chado e Pereira desejariamos dar aqui es- programma tão finamente escolhido não é
peciaes louvores, mas já vae longa esta no- para extranhar que este concerto tivesse um
ticia e os limites de espaco, n'uma folha acolhimento enthusiastico por parte dos nu-
como a nossa, são inexoraveis. merosos amadores que enchiam as salas dos
Não fecharemos porém esta noticia sem sympathicos fidalgos.
alludir a um clarinetista de largo futuro ar- De resto, vemos com intimo prazer que
tistico, o sr. Domingos Castanho de ~Iattos, os bons concertos particulares, cuja impor-
que tocou um solo de Bendel com raros pri- tancia artística não é para desdenhar, se vão
mores de execução, e a uma pianista espe- multiplicando de dia para dia, o que denota
cialmente dotada, a menina Laura \Vake um progressivo e lisongeiro apuramento no
Marques, que na Aria variada, de Haendel, gosto publico.
e Piece caracteristique, de Mendelssohn, de- São dignos dos mais sinceros emboras to-
notou urna adrniravel technica e principal- do s os que se empenham em tão bella cru-
mente detalhou certas phrases com um zada e, entre elle~, cabem especiaes louvo-
charme e finura que só estamos habituados res á Senhora CondessR, a quem se devem
a ouvir aos melhores mestres. felicíssimas iniciativas d'este genero e que
Um bravo tambem á distincta alumna tem por si a auctoridade que lhe dá o ta-
Adéle Heinz, que no seu tão modesto quão lento, e a sympathia que lhe dão os dotes
difficil papel de acompanhadora ao piano, gentihssimos do seu elevado espirito.
se desempenhou como artista.
*
No mesmo dia teve*lugar, em casa dos no- Não foi menos interessante o five o clock
A ARTE Musrc.u. 41
sua voz. Para T etrazzini não ha segredos amigos e collegas. O sr. Giraud desempe-
de bel canto. nhou regularmente a parte de D. José, em-
A noite d'hontem deve ter deixado á apre- bora não disponha da envergadura precisa
ciavel artista as mais gratas impressões, para cabalmente satisfa zer a todas as exi-
porque foi muito applaudida tanto ao en- gencias. E' no emtanto digno de applauso e
trar em scena como nos finaes dos actos e o publico assim o comprehendeu, fazendo-
até no decorrer do espectaculo . No final do lhe algumas chamadas especiaes no final
3.0 acto da Sapho vieram á scena uns dez dos actos.
ou doze creados conduzindo u ma parte dos Os restantes artistas, Martelli, Polese, De-
numerosos brindes e ramos de ftôres que grain, Rossi e Ragni não prejudicaram o
foram offerecidos a T etrazzini e que não po- desempenho da opera.
demos enumerar aqui porque o pouco espa- A Carmen repetiu-se no dia g com infeliz
ço de que dispomos ·o não permitte. resultado.
DE L UC/A
Março, 1. -9
Debutou hontcm a nossa já conhecida so- Com a B ohême fez hontem o tenor De
prano dramatico sr.ª Carmen Bonaplata, nos Lucia a sua festa artística. Muitos applau-
Hug uenottes. T~lv e z devido á rapidez da sos, alguns brindes e uma esplendida corôa
viagem e á má disposição em que ~e acha- de flôres artificiaes.
va, desconhecemos bastante a artista que No intervallo do 2.0 para o 3.0 acto, acom-
t ão gratas impressões nos deixou na época panhado ao piano pelo ma estro Campanini,
lyrica de 1896 a 97, em que Bonaplata can- cantou a serenata de 101·, da lris de Masca-
tou em S. Carlos a Irene do nosso laureado gni , a valsa Suon di baci, de Baldelli, que
maestro Keil. Por isso nos reservamos para repetiu, e a canção do Rigoletto.
fallar mais detidamente depois d'uma se-
gunda audição. S e rrana
-14.
Carmen A falta de espaço e de tempo não nos
-8 permitte hoje alongarmo-nos com conside-
A Carmen é uma das operas com que os racões a respeito d'esta nova opera do
fre quentadores do nosso theatro lyrico são màestro portuguez Alfredo Keil. Diremos
mais exigentes. E' de mau aviso fazer de- apenas que é um trabalho de muito valor e
butar entre nós uma cantora n'esta opera. que merece que <l'elle se fa ça um estudo
Além d'isso, se os nossos dilettanti não per- consciencioso e detido, como é de praxe
doam qualquer insufficiencia da parte da fazer-se e como realmente se tem feito com
artista, o elemento fe minino que enche os operas de proveniencia estrangeira de bem
camarotes tem tambem as suas exigencias menor valia e que teem sido apresentadas ·
de toilette. Em S. Carlos a artista que des- em S. Carlos.
empenhar a Carmen tem de conhecer mui- A noite d'hontem foi uma continuada
to bem a opera; ter volume de voz, princi- ovação ao maestro Keil. Do primeiro acto
palmente no registo grave, cantar com mui- foram bisados quatro numeros, um no se-
ta correccão, vestir bem e ser andaluza, ou gundo e dois no t erceiro. Isto basta para
parecer que o é. Nem se lhe dispensa o dan- m ostrar o enthusiasmo que a musica cau-
çar bem no 2.0 acto. sou no auditorio.
Com taes exigencias, reunidas ás boas im- O desempenho foi bom. Como é natural,
pressões deixadas pela primeira artista (No- salientaram-se a sr.• Eva Tetrazzini - Ser-
velli) qne em S. Carlos desempenhou a Car- rana; Mario Ancona -Marcello; e De Gra-
men, não surprehende que a sr.• Zaira Mon- zia - Nabor. Os seus papeis eram os mais
talcino não agradasse. Durante o primeiro importantes da opera. Cartica- Pedro, tem
acto, apesar de receosa, cantou d'um modo apenas de cantar na ultima parte do pri-
acceitavel a Habanera e a S eguidilla, sendo meiro acto e o duetto do segundo. Des-
applaudida. No resto da opera não satisfez, empenhou-se cabalmente do encargo.
porque o pouco volume da sua voz, que Os córos, d'uma grande difficuldade de
conduz com facilidade e correcção, lhe não entoação. foram bem ensaiados por Almi-
p ermitte mais. Começaram a apparecer si· nana, assim como a orch estra foi conscien-
gnaes de desagrado, que promettem au- ciosamente dirigida por Campanini, que é
gmentar de intensidade em recitas de as- digno de louvor pelo interesse que tomou
signatura ordinaria. pelo cabal dese mpenho da opera de Keil.
Com a Carmen fez o t enor Giraud a sua No fim do 2. 0 acto, e em scena, o maestro
festa artística. Foi muito applaudido e bas- offereceu aos principaes artistas os adufes
tante brindado pela empreza, pelos seus ricamente ornamentados que estiveram em
A ARTE MUSICAL 43
~~~~~rv~~~~dl
offerecid0s valiosos brindes, uma corôa de
folhas aruficiaes de louro e carvalho, bou-
quets e corbeilles de flores naturaes e arti-
nciaes. A Eva Tetrazzini e a Campanini Do Paiz
taoibem Keil offereceu uma salva de prata
lavrada e um broche de perolas e brilhan- Alfredo Keil teve uma gentilíssima ideia,
tes. . . . no intuito de obsequiar os interpretes da
El-rei, que ass1stm a todo o espectaculo sua Serrana.
com as rambas D. Maria Pia e D. Amelia, Nas nossas provincias ha um iRstrumento
mandou no fim do 2.0 acco chamar Keil ao popular, adufe, pandeiro quadrado com duas
camarote para o comprimentar. pelles e sem soalhas, hoje quasi de todo
Nos finaes dos actos todos os artistas fo- desconhecido fóra do nosso paiz ; pois o
ram chamados repetidas vezes ao prosce- nosso laureado maestro que é tambem co-
nio, vindo sempre acompanhados de Keil e mo todos sabem, um talentoso pintor, illus-
de Lopes de M~ndonça, no tim do 3.0 acto. trou seis d'esses instrumentos com retratos
Eis uma rap1da resenha do que honc'em dos principaes artistas que tomam parte na
se passou em S. Carlos. No prox1mo nume- Serrana, trajados como na opera.
ro fallaremos da partitura e suas bellezas. A ornamentação dos adufes, feita artisti-
camente de fitas e flores arcificiaes foi con.
ESTEVES L1saoA ( Aristes).
fiada á casa Lad1el-ise; florista da rua do
Principe, em cuja vitrine estiveram expos·
tos até á primeira representação da Ser-
rana. #
NecFoloóia
• •"='
.\LLE CEU? l.itterato francez Charles Nuit-
F ter, archl\ 1sta do theatro da Opera, la-
gar que desempenhou com estremado
zelo prestando innumeraYeis servicos aos
inve stigadores, pela ordem com que organi-
sou o archivo d 'aqueUe theatro e a desco-
berta que foz de documentos preciosos para
a historia do theatro lyrico em Franca. Pu-
blicou um livro intitular1o Le Nowel Opera,
em que descreve minuciosamente a cons- CECIL .MACKEE