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Psicologia em Pesquisa | UFJF | 2(02) | julho-dezembro de 2008

Psicologia em Pesquisa
ISSN 1982-1247
Publicação do Departamento de Psicologia da UFJF
Volume 2 Número 2
Julho – Dezembro de 2008
Missão
A revista Psicologia em Pesquisa tem como objetivo principal promover a produção e a divulgação do conhecimento
científico no campo da Psicologia e de áreas afins. Para tanto, prioriza a publicação de artigos originais que relatam
pesquisas empíricas. Também são publicadas outras comunicações científicas originais como, por exemplo, revisão de
literatura, ensaio teórico, resenha, entrevista, relato de experiência, que tenham relevância para Psicologia e áreas
correlatas.
Psicologia em Pesquisa é uma publicação semestral do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Juiz de
Fora (UFJF) e está disponível apenas no formato eletrônico, podendo ser acessada tanto no site da UFJF
(www.ufjf.br/psicologiaempesquisa) quanto na base de dados PEPSIC – Periódicos Eletrônicos em Psicologia
(http://pepsic.bvs-psi.org.br).
Com a meta de assegurar uma avaliação imparcial e promover um intercâmbio entre os autores e seus pares, a seleção dos
textos publicados no periódico é feita a partir de uma revisão às cegas por pares. Desta forma, o conteúdo não reflete,
necessariamente, a posição, a filosofia ou a opinião do Departamento de Psicologia e/ou da UFJF.

Corpo Editorial
Editor
Altemir José Gonçalves Barbosa – Universidade Federal de Juiz de Fora
Conselho Editorial
Prof. Dr. Lélio Moura Lourenço – Universidade Federal de Juiz de Fora
Prof. Dr. Márcia Maria Peruzzi Elia da Mota – Universidade Federal de Juiz de Fora
Prof. Dr. Marisa Cosenza Rodrigues – Universidade Federal de Juiz de Fora
Prof. Dr. Neide Cordeiro de Magalhães – Universidade Federal de Juiz de Fora
Prof. Dr. Telmo Mota Ronzani – Universidade Federal de Juiz de Fora
Conselho Consultivo
Profa. Dra. Acácia Aparecida Angeli dos Santos – Universidade São Francisco
Profa. Dra. Adelina Guisande - Universidade de Santiago de Compostela
Profa. Dra. Ann Dowker – Universidade de Oxford, Inglaterra
Prof. Dr. Antonio A Diniz - Instituto Superior de Psicologia Aplicada, Lisboa
Prof. Dr. Antônio Maurício Castanheira Neves – Universidade Católica de Petrópolis
Profa. Dra. Bianca Maria Sanches Faveret – Universidade Federal de Juiz de Fora
Profa. Dra. Carla Witter – Universidade São Judas Tadeu
Prof. Dr. Cláudio Garcia Capitão -
Prof. Dr. Eduardo José Manzini – Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho
Prof. Dr. Erikson Felipe Furtado – Universidade de São Paulo
Profa. Dra. Geraldina Porto Witter – Universidade Camilo Castelo Branco
Prof. Dr. Gerardo Prieto - Universidad de Salamanca
Prof. Dr. Gilberto Barbosa Salgado – Universidade Federal de Juiz de Fora
Prof. Dr. Leandro Almeida - Universidade do Minho
Prof. Dr. Makilim Nunes Baptista – Universidade São Francisco
Profa. Dra. Mônica Sanches Yassuda – Universidade de São Paulo
Profa. Dra. Sandra Regina Kirchner Guimarães – Universidade Federal do Paraná
Profa. Dra. Sonia Maria Guedes Gondim – Universidade Federal da Bahia
Profa. Dra. Zilda Aparecida Pereira Del Prette – Universidade Federal de São Carlos

Assistentes do Conselho Editorial


Carolina Ferreira Guarnieri Cândido
Juliana Oliveira Gomes
Fernanda do Carmo Gonçalves
Revisão
Nadime Bara
Psicologia em Pesquisa | UFJF | 2(02) | julho-dezembro de 2008

Psicologia em Pesquisa
ISSN 1982-1247
Publicação do Departamento de Psicologia da UFJF
Volume 2 Número 2
Julho - Dezembro de 2008
Sumário
Editorial
02 Mais um ano de Psicologia em Pesquisa
Altemir José Gonçalves Barbosa

Revisão de Literatura & Ensaios Teóricos


03 El concepto de salud comunitaria¿denomina solo un escenario de trabajo o también una nueva estrategia
de acción en salud pública?
The concept of communitarian health denotes a single working setting or also a new strategy for actions in
public health
Enrique Sarfocada

14 Uma matriz de influências como instrumento de análise da obra de E. C. Tolman


A matrix of influence as tool to analysis of E. C. Tolman’s work
Carlos Eduardo Lopes

Relatos de Pesquisa
23 Propriedades psicométricas de tarefas para avaliar funções executivas em pré-escolares
Adaptation and the psychometric investigation of a set of executive tasks for evaluation of executive functions
in preschool children
Lorenzo Lanzetta Natale, Maycoln Leôni Martins Teodoro, Gustavo de Val Barreto e Vitor Geraldi Haase.

36 Estresse e enfrentamento em pais de pessoas com necessidades especiais


Stress and coping in special needs people’s parents
Altemir José Gonçalves Barbosa e Larissa Dias de Oliveira

51 Relação entre consciência morfológica e a escrita em crianças do ensino fundamental


The relationship between morphological awareness and spelling in Primary Education children
Márcia Maria Peruzzi Elia da Mota , Acácia Aparecida Angeli dos Santos, Jaqueline Dias, Nádia Paiva, Stella
Mansur-Lisboa, Danielle Andrade Silva

61 As estatísticas de vizinhança ortográfica das palavras do português e do inglês são diferentes?


Are orthographic neighborhood statistics of Portuguese and English words different?
Francis Ricardo dos Reis Justi e Cláudia Nascimento Guaraldo Justi

74 A análise da fala materna dirigida a bebês em duas etapas do desenvolvimento


Analyses of maternal speech to babies in two steps of the development
Luciana Fontes Pessôa, Maria Lucia Seidl-de-Moura e Angela Donato Oliva

87 A compreensão de textos em condições de compartilhamento da atenção


Vânia Francisca Cícero de Sá Henriques e Adriana Benevides Soares

Resenha
96 Teoria Social Cognitiva? Muito prazer!
Karen Lamas e Marina de Oliveira Patrício

Tema em Debate - RELATO DE EXPERIÊNCIA :


99 Treino de pesquisa: trabalho com estresse dos professores no ensino público fudamental e médio
Research Training: Working with Teacher’s stress in State School System’s Primary Education
Ricardo Kamizaki

Instruções aos Autores

101 Instruções e Normas para Publicação


Psicologia em Pesquisa | Juiz de Fora | 2 (02) | julho-dezembro de 2008

Editorial
Mais um ano de Psicologia em Pesquisa

Em seu segundo aniversário e de texto em situação de compartilhamento


coerente com a política editorial que de atenção.
propôs, a Psicologia em Pesquisa Os demais artigos têm como tema a
priorizou no número dois do segundo avaliação de funções executivas, o stress
volume a publicação de relatos de parental e a relação mãe-bebê. Natale, da
pesquisa. Porém, inicialmente, são Universidade Federal de Minas Gerais, e
apresentados dois artigos de revisão de colaboradores adaptaram e investigaram
literatura. Um deles, de Enrique algumas propriedades psicométricas de
Sarfocada, da Faculdade de Psicologia tarefas desenvolvidas para avaliar funções
da Universidade de Buenos Aires, executivas de pré-escolares. Barbosa e
reflete sobre o conceito de saúde Oliveira, da Universidade Federal de Juiz
comunitária. O segundo e último texto de Fora, fizeram associações entre stress e
dessa natureza, escrito por Carlos enfrentamento em pais de pessoas com
Eduardo Lopes da Universidade Federal necessidades educacionais especiais.
de Mato Grosso, analisa as influências Pessôa, Seidl-de-Moura e Oliva,
psicológicas e filosóficas que marcam a pesquisadoras vinculadas à Universidade
obra de Edward Chace Tolman. Estadual do Rio de Janeiro, analisaram as
Dentre os relatos de pesquisa, falas maternas em díades em diferentes
três deles têm como foco o processo de momentos do desenvolvimento do bebê.
leitura e escrita. Márcia Maria Peruzzi Completam o segundo número do
Elia da Mota, da Universidade Federal volume dois um relato de experiência e
de Juiz de Fora, e colaboradores uma resenha. Kamizaki, professor da
verificaram a contribuição da Universidade Federal de Juiz de Fora,
consciência morfológica para a apresenta sua experiência no ensino de
aquisição da escrita em estudantes do pesquisa para alunos de graduação. Lamas
ensino fundamental. Justi, professor e e Patrício, acadêmicas dessa mesma
pesquisador da Universidade Federal de instituição, resenharam a excelente obra
Alagoas, e Justi, doutoranda e “Teoria Social Cognitiva: conceitos
pesquisadora da Universidade Federal básicos”, que tem como um dos
de Pernambuco, correlacionaram organizadores Albert Bandura.
medidas tradicionais de vizinhança A Psicologia em Pesquisa agradece
ortográfica e o número de vizinhos aos autores dos quatro números até aqui
ortográficos formados pela transposição publicados, aos integrantes do Conselho
de duas letras. Analisaram, também, se Editorial, especialmente à professora
diferenças na distribuição estatística das doutora Márcia Maria Peruzzi Elia da
variáveis de vizinhança ortográfica Mota, aos revisores e demais colaboradores
poderiam explicar diferenças que foram fundamentais para manter a
encontradas nos efeitos dessas variáveis qualidade do periódico ao longo desses dois
na língua portuguesa e inglesa. O anos. Por fim, deseja uma boa leitura a
terceiro artigo, com autoria de todos e convida pesquisadores brasileiros e
Henriques, professora da Faculdade de outros países para que submetam seus
Geremário Dantas, e Benevides, textos.
professora da Universidade Salgado de
Oliveira e da Universidade Estadual do Altemir José Gonçalves Barbosa
Rio de Janeiro, verificou a compreensão Editor
Psicologia em Pesquisa | UFJF | 2(02) | 03-13 | julho-dezembro de 2008

El CONCEPTO DE SALUD COMUNITARIA¿DENOMINA SOLO UN


ESCENARIO DE TRABAJO O TAMBIÉN UNA NUEVA ESTRATEGIA DE ACCIÓN EN
SALUD PÚBLICA?

The concept of communitarian health denotes a single working setting or also a new
strategy for actions in public health

Enrique Sarfocada*

Resumen
La psicología comunitaria tuvo su logro más significativo quando sacó la atención del sufrimiento mental del
sistema institucional y amurallado de atención de la enfermedad devolviéndolo a su contexto natural, la
comunidad. Luego se analiza el surgimiento de la Salud Pública y los dos paradigmas que orientan su puesta
en práctica: el tradicional, el modelo infeccioso como soporte lógico, y el de salud colectiva, que implica un
enorme avance en el campo de la salud pero tiene un obstáculo: es primordialmente de naturaleza médica,
atributo que tiene la particularidad de que al acercarse a la realidad la metaboliza médicamente. A partir del
comienzo del siglo actual se comienza a observar el emerger de un nuevo paradigma: el de salud comunitaria.
Se analizan las diferencias de estos tres paradigmas y se plantean algunas cuestiones con respecto a la
formación de los profesionales de salud.

Palabras claves: psicología comunitaria, salud, salud comunitaria

Resumo
A psicologia comunitária teve seu ganho mais significativo quando deixou de focar atenção no sofrimento
mental do sistema institucional e concentrou atenção na enfermidade devolvendo-a ao seu contexto natural, a
comunidade. Assim se analisa o surgimento da Saúde Pública e dos paradigmas que orientam sua prática: o
tradicional, que tem o modelo infeccioso como suporte lógico, e o de saúde coletiva, que implica em enorme
avanço no campo da saúde, porém existe um obstáculo: é primordialmente de natureza médica, atributo que
tem a particularidade de ao acessar a realidade a compreender sob o ponto de vista médico. A partir do
começo do século atual se observa o surgimento de um novo paradigma: o da saúde comunitária. Analisam-se
as diferenças entre estes 3 paradigmas e se apresentam algumas questões sobre a formação do profissional de
saúde.

Palavras-chaves: Psicologia Comunitária, Saúde, Saúde Comunitária.

Abstract
The communitarian psychology had the more significant gain when it removed its attention from the mental
suffering of the institutional system and reinforced the attention in the disease giving it back to its natural
context, the community. Then, the creation of the Public Health and the paradigms that orient its practice: the
traditional, which had and still has the infectious model like logical support, and the one of collective health,
that implies an enormous advance in the field of health but has a serious obstacle: it is fundamentally of
medical nature, attribute that has the particularity of when approaching reality metabolizing it medically. From
the beginning of the present century one starts to observe the emergence of new paradigm: the one of
communitarian health. The differences of these three paradigms are analyzed and some questions with respect
to the formation of the health professionals considered.

Key-words: communitarian psychology, health, communitarian health

________________________________
* Facultad de Psicología de la Universidad de Buenos Aires, Doctor en Psicologia.

Sarfocada, E.   3
Psicologia em Pesquisa | UFJF | 2(02) | 03-13 | julho-dezembro de 2008

Contato: Rep. de Indonesia 77 Piso 4º Dep. I (C1424BRA) Capital Federal Argentina.


En 1965, con el patrocinio de la Los Centros de Salud Mental de la
Universidad de Boston y el Instituto Comunidad en el Community Mental
Nacional de Salud Mental, intermediado Helath Center Act de 1963, fueron un
por el Centro de Salud Mental South dispositivo especial instalado de modo tal
Shore de Quince, Massachussets, se llevó que fueran lo más accesibles posible a
a cabo un encuentro de psicólogos todas las personas sin distinción alguna,
clínicos en la localidad de Swampscott, en implicaban una red de servicios múltiples
Estados Unidos de Norteamérica, que se de atención continua (prevención
denominó “Conferencia sobre la primaria, tratamiento y rehabilitación) e
Educación de Psicólogos para la Salud integral de los trastornos emocionales o
Mental Comunitaria”. Esta reunión padecimientos psíquicos de las personas,
convocó a cuarenta destacados las familias y la comunidad toda. También
profesionales de la psicología clínica, implicaban un informal planteamiento en
entre los cuales estaba Bob Newbrough y cuanto a lograr una integración
Jim Kelly. Este último, ya había planteado intersectorial o regionalización integrada.
en 1960 que la psicología debía situar su Las raíces de su génesis se hallan en los
trabajo en la comunidad y dirigir sus desarrollos de psiquiatría social de
esfuerzos hacia la salud y no hacia la Maxwell Jones en Inglaterra, la psiquiatría
enfermedad, destacando que es en el de sector en Francia y la psiquiatría
campo de lo sano, trabajando en comunitaria de Gerald Caplan en Estados
orientaciones preventivas, donde la Unidos de Norte América, pero no se
psicología puede hacer sus más genuinos puede excluir la temprana influencia
y mejores aportes (Saforcada 1999). (comienzos de la década de 1940) de John
En esta reunión de Swampscott se Ryle, el primer profesor de medicina
dio origen a la psicología comunitaria social en el mundo y director del Instituto
como una nueva propuesta de trabajo, la de Medicina Social de la Universidad de
cual surgió a partir de la evaluación Oxford, destacándose a su vez por ser un
negativa en términos de la relación gran propulsor de la formación médica en
esfuerzo / resultado de las tareas que se higiología o teoría de la salud, y la de
venían desplegando en Salud Mental con Francis Albert Crew también profesor de
las orientaciones promovidas por lo que se medicina social en la Universidad de
ha dado en llamar la Ley Kennedy de Edimburgo (Rosen 1985; Terris 1982,
Salud Mental de 1963 y la creación de los 1994)
Centros de Salud Mental como dispositivo La creación del Centro de Salud
de avanzada en la atención de los Mental de la Comunidad parecía ser solo
problemas psicológicos. Desde esta algo de avanzada, pero en realidad
perspectiva plantearon la necesidad de que encubría también un sutil retroceso hacia
la psicología asistencial desenvolviera sus la vieja idea de la institución especial y
prácticas con la orientación más diferenciada, dentro de los sistemas de
preventiva posible, dentro de las servicios de salud, destinada a atender
comunidades (sin encerrarse en edificios específicamente el padecimiento mental;
específicamente destinados a la atención dicho más duramente, se volvía a la raíz
de pacientes) y promoviendo la de la vieja idea que la locura, si bien era
participación de los miembros de las una enfermedad de la que se debía ocupar
poblaciones. la medicina, no era una enfermedad

El concepto de salud comunitaria 4


Psicologia em Pesquisa | UFJF | 2(02) | 03-13 | julho-dezembro de 2008

cualquiera, era una dolencia espontáneamente quienes comenzaron a


estigmatizante y marcadora de los trabajar en función de esta propuesta
profesionales que la atendían, por lo tanto, fueron progresiva pero rápidamente
tenía que ser puesta aparte. Al respecto, dándole mucha más jerarquía a la
no hay más que pensar en la necesidad promoción de la salud con lo cual se fue
que tienen todas las personas de contar desdibujando los límites artificiales entre
con una accesibilidad facilitada lo más los biológico y lo psicológico: la salud
posible para atenderse de cualquier dejó de ser mental o somática para pasar a
dolencia, ¿por qué solo de las mentales? ser sólo salud y, por supuesto, también
Cuando en la ciudad de Buenos Aires se dejó de ser un problema individual para
decidió en la década de 1980 transformar pasar a ser social.
los cinco Centros de Salud Mental, Esta propuesta era superadora de
creados por el Dr. Mauricio Goldenberg las instancias anteriores en el camino
en 1967 desde la Dirección de Salud histórico recorrido en Occidente por parte
Mental de la Municipalidad de Buenos de la atención de las dolencias de
Aires, en Centros Polivalentes para manifestación preponderantemente mental
atender todos los problemas de salud, que, según la caracterización
hubo una resistencia cerrada por parte de estructuralista de Juan Marconi (1976)
los psicólogos y psicólogas que en ellos pasaron por tres etapas: el modelo inicial
trabajaban y, aún hoy, quedan dos de estos de asilo/hospital psiquiátrico del siglo
Centros como centros solo de salud XVIII, luego el de unidad de salud mental
mental. En este caso, la resistencia no se surgido en el primer tercio del siglo XX,
debió a que la enfermedad fuera que implicó llevar el sufrimiento mental al
estigmatizante sino a que era propiedad hospital general aportando a su
privada de los psicólogos, psicólogas, desestigmatización y a la posibilidad,
médicas y médicos psicoterapeutas finalmente no concretada, de alcanzar una
mostrando así tanto la fuerte identidad comprensión integral de las enfermedades
médica de la psicología clínica como la de manifestación preponderantemente
prescindencia de las verdaderas mental y, finalmente, en la década de
necesidades de las personas sufrientes. La 1960, sólo en el Continente Americano, el
creación de Centros de Salud Mental de la modelo intracomunitario.
Comunidad reforzó la orientación Dentro de este último modelo se
paradigmática cartesiana de separación del ubican los programas de salud llevados a
cuerpo y el alma brindando la posibilidad cabo en Chile que en sus comienzos
de que los médicos psicoterapeutas y los implicó un primer programa de obstetricia
psicólogos se adueñen del alma y le dejen llegándose a generar posteriormente
el cuerpo a los otros médicos, también programas de salud vegetal y
ofreciéndoles el puente de la salud animal con la participación de los
interconsulta, puente por ambas partes productores agropecuarios de la
defensivamente levadizo como los de los precordillera a la altura de Santiago de
castillos medievales. Chile. Pero quien logró desarrollar en
Lo más importante de la propuesta forma sostenida y sistemática esta
de Swampscott implicó sacar el estrategia de acción fue el propio Marconi
sufrimiento mental del sistema con el Programa Integral de Salud Mental
institucional y amurallado de la atención del Área Sur de Santiago (Marconi 1969,
de la enfermedad devolviéndolo a su 1971, 1973a, 1973b, 1974a, 1974b,
contexto natural: la comunidad. Además, 1974c, 1974d) elaborado desde la

Sarfocada, E.   5
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Facultad de Medicina de la Regional Sur que Europa en creatividad, desarrollos,


de la Universidad de Santiago de Chile propuestas y acciones que implican una
que fue el único currículo completo de mirada holística y sistémica del proceso
Medicina Social que ha existido en de salud. Ahondando en esta idea
nuestra región y, por lo que yo conozco, encuentro que en la actualidad y desde
en el mundo. Esta fue la experiencia de hace muchas décadas la región
mayor envergadura que se ha llevado a correspondiente solo a
cabo dentro de este modelo, experiencia Indoafroiberoamérica muestra en materia
que cortó la dictadura militar de Pinochet; de salud una marcada superioridad en
Marconi falleció, ya retirado de la cuanto a fertilidad de pensamiento,
profesión, en 2005. desarrollo de destrezas técnicas y sociales
En este Programa los miembros de específicas, elaboración de estrategias de
la comunidad, adecuadamente acción y desenvolvimientos de prácticas
capacitados, entraron a formar parte de los exitosas muy superiores a la de los
equipos de salud, estructurando una pueblos anglosajones y europeos. Esto se
pirámide multiplicadora para la puede observar tanto en el ámbito de los
delegación de la función diagnóstica y profesionales como de las poblaciones.
resolutiva de los problemas enfocados Al respecto no hay más que citar
(alcoholismo, neurosis, retardo por hechos como los siguientes:
privación cultural). En cuanto a la eficacia a) Las ideas europeas en cuento a
de esta estrategia de acción se pude tomar que la salud de las sociedades
como ejemplo el módulo de alcoholismo son responsabilidad de sus
en el que la tasa de recuperación gobiernos, elaboradas por
alcanzada llegó al 75% de alcohólicos Wolfgang Thomas Rau y Johan
abstinentes sin recaídas a cinco años de Peter Frank a partir de mediados
haber sido tratados. del siglo XVIII, se concretan en
Es importante observar que ambos las dos últimas décadas del siglo
planteamientos, el de Swampscott surgido XIX en el Continente Americano
de la psicología y el de Chile surgido de la con la creación de unidades de
medicina, que emergieron entre 1965 y gobierno específicas dedicadas a
1968, no tuvieron el menor contacto entre la salud de la población: las
sí, ni directo ni indirecto, y se generaron Asistencias Públicas y sus
en dos puntos muy distantes del puestos de socorro, dentro de las
Continente Americano en que dos administraciones locales
pequeños grupos de profesionales de la (Municipalidades, Prefecturías o
salud, muy comprometidos con los Intendencias).
mandatos de sus profesiones y con la b) Las epidemias del siglo XIX
sociedad, estaban pensando igual frente a llevaron a que los países
los problemas de salud. europeos buscaran generar un
No es este el lugar adecuado para sistema de cooperación para
desarrollar la idea que manifiesto a controlar las enfermedades
continuación pero, por lo menos, quiero transmisibles, pero todos los
exponérselas sintéticamente: nuestro intentos realizados a través de
territorio psicosociocultural, el Continente convocar a las Conferencias
Americano es, a partir del último cuarto Sanitarias Internacionales
del siglo XIX inclusive, mucho más fértil fracasaron (París 1851 y 1859,

El concepto de salud comunitaria 6


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Constantinopla 1866, Viena poniendo al Dr. Carlos Finlay en


1874). Cuando la epidemia de su conducción, y luego, en enero
fiebre amarilla de la década de de 1909, registrando la
1870, que ocasionó decenas de Secretaría de Sanidad y
miles de muertos, se extendió de Beneficencia dentro de la Ley
Brasil a Paraguay, Argentina y Orgánica del Poder Ejecutivo.
finalmente llegó a Estados d) La Salud Pública surge en el
Unidos de Norteamérica en mundo, formalmente como
1877, motivó la convocatoria en disciplina, en Estados Unidos de
1881 de la Quinta Conferencia Norteamérica hacia el final de la
Sanitaria Internacional, que se segunda década del siglo pasado.
realizó en Washington, en la que Se puede tomar como indicador
fundamentalmente a instancias la creación en 1916 de la Escuela
de los responsables de la salud de Higiene y Salud Pública en la
pública de los países de América Universidad Jhon Hopkins,
Latina se comenzó a manifestar comenzando así la formación
una clara comprensión de que la sistemática de especialistas o
salud de cada nación dependía diplomados en Salud Pública.
de la salud de las demás y en la e) Diez años antes de la famosa
Segunda Conferencia reunión en que se expuso la
Internacional de los Estados estrategia de Atención Primaria
Americanos convocada por la de la Salud en Alma-Ata el Dr.
Oficina Internacional de las Carlos Alvarado, en la Provincia
Repúblicas Americanas, fundada de Jujuy (Argentina) puso en
en 1890, se recomienda marcha, sin darle un nombre
establecer algún modo de diferenciador, esta misma
interrelación sistemática en estrategia que la OMS denominó
temas de salud, lo que lleva a Atención Primaria de Salud
que en 1902 se funde la Oficina (APS). La OMS bien podría
Sanitaria Internacional, hoy haber expuesto los desarrollos
Organización Panamericana de conceptuales y en terreno de
la Salud, casi cincuenta años Alvarado como demostración
antes que la Organización concreta de que la APS era
Mundial de la Salud. factible, eficaz y eficiente. De
c) También es en nuestra región paso, hubiera sido un justo
que se logra comprender que la reconocimiento a Alvarado y a
responsabilidad en el cuidado de quien fue su mentor, esa
la salud de la población es un excepcional figura del
problema cuya solución exige la salubrismo latinoamericano que
máxima jerarquía fue el Dr. Ramón Carrillo quien,
gubernamental, dando lugar a la siendo Ministro de Salud Pública
creación del primer Ministerio de la Nación Argentina de 1946
de Salud Pública del mundo en a 1954, fue el primero en todo el
el ámbito de la Presidencia de la mundo en concretar una
Nación de la República de Cuba campaña exitosa de erradicación
en 1902 al instaurar, primero, la de una endemia, el paludismo,
Jefatura Nacional de Sanidad, cuya dirección puso en manos de

Sarfocada, E.   7
Psicologia em Pesquisa | UFJF | 2(02) | 03-13 | julho-dezembro de 2008

Carlos Alberto Alvarado y tratado de exterminarlos, excluirlos o por


Héctor Argentino Coll. Carrillo lo menos ignorarlos son actualmente
afirmaba: nuestra extraordinaria y excepcional
La medicina no sólo riqueza. Sus conocimientos sobre salud
debe curar enfermos son enormes y tal vez gracias a ellos, sin
sino enseñar al que nos demos cuenta, hemos podido
pueblo a vivir, a vivir construir paradigmas distintos a los
en salud y tratar que imperantes en el mundo desarrollado, nos
la vida se prolongue y han posibilitado escapar del problema
sea digna de ser señalado en primera persona por Lyall
vivida. Watson (2000):
Son unos pocos ejemplos, se Yo fui adoctrinado en una
podrían señalar muchos otros logros y visión del mundo, una
manifestaciones que muestran la primacía descripción de la realidad que
de Indoafroiberoamérica, en Occidente, en me parecía muy útil, pero que
cuanto a una comprensión se ha convertido en
significativamente más integral y alarmantemente estrecha, ya
ecosistémica de la naturaleza y dinámica que cierra la posibilidad de
del proceso de salud, del mismo modo que que ciertas cosas ocurran,
desde el siglo XVIII hasta un poco más de simplemente porque no se
mediados del siglo XIX la preeminencia ajustan a la definición
le correspondió a Europa, sobre todo a generalizada de cómo
Alemania, Italia, Inglaterra y Francia. funciona el mundo.
Señalar esta precedencia y Y esta es la cuestión primordial:
preeminencia de nuestra región, en el entender cómo funciona el mundo o,
campo de la salud pública por sobre los mejor dicho, cómo funciona el proceso de
países que se denominan desarrollados, no la vida, que no de otra cosa nos debemos
tiene como propósito satisfacer el ocupar quienes trabajamos en el campo de
síndrome de Colón, esa extraña y estéril la salud.
necesidad de ser primeros creyendo que Indoafroiberoamerica es un
con esto se logra un mérito respetable. No, conjunto de sociedades en las cuales, cada
lo señalado anteriormente no tiene otro día más, se va profundizando la brecha
propósito que mostrar que nuestra que separa, por un lado, la incomprensión
realidad psicosociocultural, con la gran de los procesos de la vida en términos
mezcla de razas y culturas aunadas unas neoliberales deshumanizados y, por el
veces y enfrentadas otras a través de otro, una comprensión integradora,
nuestra abigarrada historia ha dado por holística y sistémica que día a día va
resultado una particular visión del proceso incrementando sus logros conceptuales y
de la vida implicado en el campo de la prácticos a la vez que avanza en su
salud. esclarecimiento ideológico y político.
Seguramente ha influenciado Para los primeros la salud es sólo
fuertemente en esto la gran sabiduría de enfermedad en tanto generadora de
nuestros pueblos originarios (guaraníes, dinámicas lucrativas de mercado, para los
krenakes, kamaiurás, xavantes, mapuches, segundos la salud es primordialmente solo
kollas, aymaras, mayas, huaoranuis, u’was salud, a partir de la cual no se dinamiza
y tantos otros) que aún cuando hemos ningún mercado lucrativamente

El concepto de salud comunitaria 8


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importante; además, si genera alguno, no empuja a grandes reduccionismos, en


es un mercado con consumidores general biopatológicos o psicopatológicos,
desesperados dispuestos a cualquier por separado, que llevan a la ineficacia e
esfuerzo para obtener lo que en él se ineficiencia a gran parte de los esfuerzos
ofrece. Para los primeros los derechos a la que se hacen en busca de mejorar las
salud implican sólo el derecho a ser condiciones de salud de la población, la
atendidos cuando se enferman, para los cual evalúa fundamentalmente en
segundos el derecho principal es a no términos de enfermedad y muerte.
enfermar y recién en segundo lugar a ser Además, este paradigma tiene un soporte
atendidos si no obstante llegan a enfermar. importante en el poder que el Estado
Son dos modos de pensar y hacer otorga a los funcionarios públicos, poder
antitéticos, dos concepciones y prácticas que en general corrompe a casi todas las
incompatibles y autoexcluyentes: si una personas que lo detentan. Es así que los
está presente la otra es anulada e inviable. portadores de este paradigma suelen ser
En sus comienzos, la aplicación de vulnerables a las presiones corruptoras del
la Salud Pública por parte de los complejo industrial-profesional
gobiernos de nuestra región fue (constituido tanto por corporaciones
desarrollada en función de concepciones y multinacionales como por empresas
prácticas cuya matriz lógica, si bien tenía nacionales) que usufructúa el mercado de
presente los postulados de la medicina la enfermedad y que soborna con gran
social y la epidemiología, mantenía la frecuencia y marcada facilidad a
preeminencia del modelo causal lineal de funcionarios de los poderes Ejecutivo,
la enfermedad infecciosa: agente – Legislativo y Judicial de cada país. Esta
huésped. A esta matriz se le sumaron los actividad corruptora tiene por finalidad
principios básicos de higiene general lograr condiciones legales y
(tratamiento de las excretas, agua potable, justificaciones seudocientíficas para poner
higiene corporal y del hábitat, etc.). A a las sociedades al servicio de sus
partir del final de la segunda guerra ambiciones ilimitadas de lucro, lucro que
mundial, particularmente desde la década siempre trae como consecuencia un
de 1970 en adelante, la irrupción profundo deterioro de la salud de los
incontrolada de los intereses del complejo pueblos de cada una de nuestras naciones.
industrial-profesional de la enfermedad y En países como Argentina, esta
fomentada por poderes locales en los situación ha llegado a distorsionar tanto
países de nuestra región cristalizó este las cosas en el campo de la salud que se
paradigma de la Salud Pública al punto hace necesario comenzar a trabajar en un
que puede afirmarse que hasta hoy, salvo nuevo concepto: el de enfermedad
alguna excepción, en nuestros países ésta pública. No es esta la ocasión adecuada
es la orientación principal del quehacer de para adentrarnos en su análisis, pero se lo
todos los ministerios y secretarías de puede caracterizar señalando que
Salud Pública en las tres jurisdicciones denomina todo el quantum de enfermedad
gubernamentales (Nación, Estado y totalmente evitable y que no es evitada,
Municipio). A este modo de hacer salud más toda la enfermedad (nuevos
pública le llamaremos paradigma enfermos, enfermos agravados y
tradicional. generación de co-morbilidad) que produce
Este paradigma se caracteriza por el propio sistema de servicios de atención
su base fuertemente positivista, con apoyo de la salud y la autoprescripción de
en un cartesianismo mecanicista que lo medicamentos de venta autorizada bajo

Sarfocada, E.   9
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receta médica que el sistema farmacéutico estructura de sus currículos de pregrado y


argentino vende a la población sin de posgrado. Pienso que se puede
necesidad que los adquirentes presenten construir un aforismo válido: mientras la
dicha prescripción facultativa. En salud sea sólo patrimonio de los médicos,
Argentina es razonable pensar que no será pura enfermedad. De esto no son
menos del 70% de la enfermedad que culpables los médicos, en todo caso son
demanda atención es enfermedad pública. las víctimas de esta situación, los
Ante la presencia de este responsables hay que buscarlos en la
paradigma tradicional en forma historia de Occidente y su sempiterna
generalizada y sostenida en la región agresividad exagerada, hay que tener en
surgió, como un verdadero movimiento de cuenta que esta región se occidentaliza
reforma de la salud pública, un nuevo definitivamente en la última etapa de la
paradigma: el de salud colectiva, que Edad Media, en ese final del siglo XV en
plantea nuevas concepciones y prácticas que nace la clínica, la cura con remedios
de la Salud Pública que algunos autores, no naturales y el progresivo pero veloz
como Granda (2004), denominan Salud opacamiento de la higiene junto al
Pública Alternativa. Brasil ha sido un incremento de la violencia o la capacidad
partícipe esencial en el emerger de este de injuria de la medicina. También hay
movimiento. No quiere decir que sólo han que indagar por los responsables de esta
aportado a su desarrollo brasileros y desgraciada situación entre los directivos
brasileras, pero sí ha sido Brasil el país de las universidades, específicamente
que de forma más sistemática lo ha hecho, aquellos que desde la mitad del siglo
inclusive desde ámbitos universitarios. pasado en adelante han conducido las
El paradigma de salud colectiva casas de estudio donde se forman los
implica un enorme avance en el campo de profesionales de la enfermedad. La
la salud, pero tiene un serio obstáculo: es psicología clínica occidental también se
primordialmente de naturaleza médica, caracteriza por un elevado componente de
atributo que tiene la particularidad de que agresividad, la diferencia radica en que,
al acercarse o contactar a la realidad o a por un lado, es más sutil que el de la
otras construcciones de la realidad medicina y, por otro, que en nuestra
indefectiblemente las metaboliza cultura occidental la violencia que afecta
médicamente; el médico no puede el cuerpo tiene mucha más visibilidad y
abandonar la medicina y su posición de reprobación que la violencia que daña el
poder cultural. La medicina, desde finales psiquismo y mucho más aún que la que
del siglo XV está centrada daña el espíritu.
excluyentemente en la enfermedad y ya es El paradigma de salud colectiva es
tarde para que pueda cambiar cuando la ampliamente superador del paradigma
institución Universidad está tocando a su tradicional, pero esto no alcanaza dado
fin en Occidente o al menos está que en ambos paradigmas el componente
sumergida en una profunda crisis de la principal de sus programas de acción es el
que no sabe como salir. equipo de salud. En el tradicional, este
Las facultades de medicina están equipo es poco más que monodisciplinar
directa o indirectamente manipuladas por (medicina, enfermería y alguna
el complejo industrial-profesional que tecnicatura; también aparece la psicología,
determina hasta quienes integran los pero no bien integrada y
cuerpos directivos de las mismas y la fundamentalmente en tanto

El concepto de salud comunitaria 10


Psicologia em Pesquisa | UFJF | 2(02) | 03-13 | julho-dezembro de 2008

psicopatología); en el de salud colectiva el Aceptan la separación que les imponen los


equipo es multidisciplinar. En el primero profesionales y sus servicios de asistencia,
el componente comunidad es sólo pero sus saberes populares son
colaborador, en el segundo es colaborador integrativos, holísticos.
o partícipe, entendiendo la participación Por esta razón, entre otras muchas,
como tomar parte en los procesos de es necesario que formemos a nuestros
decisión. universitarios de pregrado y de posgrado
Desde hace unos años, no más de en la comunidad, acompañados por los
diez, comenzó a aparecer silenciosamente pobladores, como ocurre en la única
una nueva mirada en el ámbito de la salud Residencia de Psicología Comunitaria de
que considero corresponde denominar Argentina, dependiente del Ministerio de
paradigma de salud comunitaria. Implica Salud Pública del Gobierno de la
un conjunto de concepciones y prácticas Provincia de Salta, donde los residentes se
que no surgieron de iniciativas forman guiados por los pobladores que
provenientes de los ámbitos académicos son Agentes Sanitarios provenientes de
sino de las comunidades y se nos hacen los desarrollos estratégicos de Carlos
evidentes, a nosotros los profesionales, Alvarado. O como ocurre en el Programa
cuando logramos trabajar con las Multidisciplinario APEX-Cerro de la
poblaciones adoptando una actitud de Universidad de la República del Uruguay
amplia apertura hacia la co-construcción (UdelaR) donde los alumnos del Programa
de conocimientos. También las de Salud Familiar trabajan con la
visualizamos cuando concurrimos a comunidad guiados por las y los
congresos multidisciplinarios de salud con Promotores de Salud.
fuerte participación de pobladores que se Este paradigma de salud
han formado como Agentes Comunitarios comunitaria está emergiendo en los
o Promotoras y Promotores de Salud o ámbitos académicos a través de los
Agentes Primarios de Salud, tal como ha aprendizajes que ciertos profesionales,
ocurrido recientemente en el Congreso mayoritariamente psicólogas y psicólogos,
Nacional de Equipos de Salud realizado el han logrado a través de su trabajo con
mes pasado en la Provincia de Salta, comunidades de pobreza, sobre todo, de
Argentina, en el que el noventa por ciento pobreza estructural. No es mérito de las
de las y los participantes fueron este tipo profesiones, es mérito de las poblaciones.
de pobladores capacitados en Salud Ahora, ¿porqué está siendo beneficiada
provenientes de casi todo el país, o el año con este proceso sobre todo la
pasado en el 2º Congreso psicología?, sencillamente porque esta
Multidisciplinario de Salud Comunitaria profesión, en manos de quienes no se han
del Mercosur que se realizó con la dedicado dogmáticamente a la clínica y
participación activa en simposios y mesa por lo tanto no están subyugados por el
redondas de muchas Promotoras y modelo médico-clínico, ha salido a
Promotores de Salud. trabajar con las comunidades tienendo sus
El paradigma de salud estructuras cognitivas todavía vírgenes
comunitaria no está surgiendo de como para poder ver el proceso de la vida
superestructuras sino del pueblo y, dentro en forma más o menos natural y también
de este, de los sectores más desposeídos, sus oídos abiertos para escuchar los
más marginados. Estas poblaciones tienen saberes populares. Esto es muy difícil que
una concepción de salud unitaria, su pueda ocurrir con los profesionales de la
paradigma no separa la mente del cuerpo. medicina y tampoco con los de la

Sarfocada, E.   11
Psicologia em Pesquisa | UFJF | 2(02) | 03-13 | julho-dezembro de 2008

psicología desgraciadamente deformados mayores conocimientos en salud. También


por el modelo médico-clínico que domina es nuestra obligación empeñar esfuerzos
la vertiente psicopatológica de esta ayudando a nuestros colegas médicos a
profesión desde su nacimiento hacia que puedan lograr procesos exitosos de
finales del siglo XIX. inmersión en las comunidades cambiando
Se podrían señalar un conjunto su paradigma de modo tal que también
numeroso de otras características del ellos puedan participar en los procesos de
paradigma de salud comunitaria, pero co-construcción de la salud comunitaria.
basta con una que hace a su esencia: En síntesis, todo esto implica
dentro de él, el componente principal es la procesos de devolución del poder de
comunidad y el equipo multidisciplinario decisión sobre su salud a la sociedad que
de salud es colaborador o participante, hoy no está comenzando a avisar que si no
entendiendo la participación en este caso se lo devolvemos nos lo arrebatarán. Hace
como el tomar parte en las decisiones a la razón que nos capacitemos para hacer
sobre la salud de la cual la comunidad se una devolución que no nos deshabilite en
apropia porque es su salud. nuestra condición de profesionales.
Esta cuestión de cuál es el Sepamos aprovechar el momento político
componente principal en los programas y que vive nuestra región y aunámonos al
políticas de salud es un tema directamente proceso de liberación de nuestros países.
relacionado con el poder y la ética, pero Devolverle el poder de decisión a
también con la racionalidad científica: la las poblaciones en materia de salud es
comunidad dueña de su salud y por lo aportar a la democratización real de
tanto poseedora del poder de decisión nuestras sociedades y es también aportar
sobre la misma será mucho más sana y significativamente al desarrollo nacional y
longeva que aquella que lo haya a la finalización del neocolonialismo.
enajenado. La explicación de esto se
encuentra en la psicología social, en la BIBLIOGRAFÍA
neuropsicología y en la
psicoinmunoneuroendocrinología. Granda, E. (2004) – “¿A qué llamamos
Este paradigma de salud salud colectiva, hoy?” – Rev. Cubana
comunitaria se ha hecho presente o se está Salud Pública, 2004; 30 (2).
haciendo presente en nuestros ámbitos Marconi, J. (1969) – Barreras culturales
académicos y profesionales casi sin que en la comunicación que afectan el
nos demos cuenta, apenas lo estamos desarrollo de programas de control y
atisbando, lo cual es natural porque no ha prevención en alcohollismo - ACTA
nacido de nuestras manos sino de las Psiquiátrica y Psicológica de América
manos de las comunidades. A las Latina, Vol. XV, Nº 4.
psicólogas y psicólogos nos cabe la Marconi, J. (1971) – Asistencia
responsabilidad de aportar psiquiátrica intracomunitaria en el área
cooperativamente con las poblaciones a sur de Santiago. Bases teóricas y
fin de incrementar su fortalecimiento operativas para su implementación
(empowerment) y mancomunadamente (1968/1970) - ACTA Psiquiátrica y
con los profesionales de las otras ciencias Psicológica de América Latina, Vol.
sociales, particularmente con quienes XVII, Nº 4.
provienen de la pedagogía, colaborar con
los pobladores en la co-construcción de

El concepto de salud comunitaria 12


Psicologia em Pesquisa | UFJF | 2(02) | 03-13 | julho-dezembro de 2008

Marconi, J. (1973a) – La revolcuión Intracomunitaria, para los afiliados al


cultural chilena en programas de salud Instituto Provincial de Atención
mental - ACTA Psiquiátrica y Médica" - Instituto Provincial de
Psicológica de América Latina, Vol. Atención Médica (Publicación interna),
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Marconi, J. y Ifland, S. (1973b) – Marconi, J. (1976) – “Alcoholismo” – En:
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Psiquiátrica y Psicológica de América comunitaria. El enfoque contextualista
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XX, Nº 6. Watson, L. (2000) – “La biología del ser:
Marconi, J. y Saforcada, E. (1974d) - una historia natural de la conciencia” –
Diseño y estudio de factibilidad En: D. Lorimer – El espíritu de la
psicosocial de un Programa Integral de ciencia. De la experimentación a la
Salud Mental (alcoholismo y neurosis), experiencia – Kairós, Barcelona 2000.
variantes Institucional e

Sarfocada, E.   13
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Uma matriz de influências como instrumento para análise da obra de E. C. Tolman

A matrix of influence as tool to analysis of E. C. Tolman’s work

Carlos Eduardo Lopes*

Resumo
O objetivo deste ensaio é examinar algumas influências psicológicas e filosóficas na obra de Edward Chace
Tolman. Em primeiro lugar, descrevemos uma matriz de influências: em uma perspectiva psicológica,
encontramos o Behaviorismo de J. B. Watson e a Gestaltpsychologie de W. Köhler e K. Koffka. Já em uma
perspectiva filosófica, encontramos a influência do Contextualismo de S. C. Pepper e do Neorrealismo de R.
B. Perry e E. B. Holt. Partindo dessa matriz de influências, buscou-se, então, elucidar a primeira fase da obra
de Tolman, que compreende o período de 1922 até meados da década de 1930. Embora a presente análise se
restrinja a esse período inicial, essa matriz de influências pode ser útil para a compreensão dos posteriores
desdobramentos da obra de Tolman.

Palavras-chave: Tolman; Matriz de influências; Behaviorismo.

Abstract
The aim of this paper is to analyze some psychological and philosophical influences on the work of Edward
Chace Tolman. We begin by describing a matrix of such influences: in a psychological perspective, the
Behaviorism of J. B. Watson, and the Gestaltpsychologie of W. Köhler and K. Koffka; in a philosophical
perspective, the Contextualism of S. C. Pepper, and the New Realism of R. B. Perry and E. B. Holt. From this
perspective, we tried to elucidate the first part of Tolman’s work (between 1922 and the middle of the 1930’s).
Although we have analyzed only this inicial period, we think this matrix of influences could be useful to
understand the ulterior development of Tolman’s work.

Key-Words: Tolman; matrix of influence; Behaviorism

______________________________________
* Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – Campus de Paranaíba, Paranaíba-MS
Contato: Caixa Postal 126, Paranaíba – MS,CEP 79500-000. Fone: (67) 3668-2629
Fax: (67) 36693783. e-mail: caelopes@terra.com.br

No âmbito da Psicologia, o termo (1935) e Köhler (1929/1970), que


‘Behaviorismo’ é, geralmente, empregado defendem o estudo científico do
para designar um conjunto de obras que comportamento, sem que possam ser
têm em comum a proposta de um estudo classificados como behavioristas. Por
científico do comportamento. Como a outro lado, há autores que se consideram
maioria das classificações que se tenta behavioristas, mas que fogem dos
impor à História da Psicologia, o parâmetros geralmente empregados nessa
Behaviorismo sofre de algumas definição. Este parece ser o caso de
imprecisões. Em primeiro lugar, há Edward Chace Tolman (1886/1956).
autores, como, por exemplo, Koffka

Lopes, C.E. 14
Psicologia em Pesquisa | UFJF | 2(02) | 14-22 | julho-dezembro de 2008

Uma breve consulta a manuais de como essa matriz de influências pode


História da Psicologia (Marx & Hillix, elucidar a primeira fase da obra de
1963/1978; Schultz & Schultz, Tolman, que compreende o período de
1996/1969) revela uma unanimidade em 1922 até meados da década de 1930.
relação à obra de Tolman: não há como Embora a presente análise se restringirá a
classificá-la de maneira inequívoca. Isso esse período inicial, acredita-se que essa
se torna evidente pelos diferentes nomes matriz de influências pode ser ampliada,
atribuídos à psicologia tolmaniana: Teoria tornando-se uma ferramenta útil para
Cognitiva de Campo (Marx & Hillix, futuras análises da obra de Tolman.
1963/1978); Behaviorismo Intencional
(Schultz & Schultz, 1969/1996); Uma matriz de influências de E. C.
Behaviorismo Cognitivo (Wertheimer, Tolman
1970/1978); Behaviorismo Mediacional Edward Chace Tolman nasceu em
(Chiesa, 1994); Teoria de Sinal-Gestalt 4 de abril de 1886, em Newton,
(Carrara, 1998/2005); Modelo Cognitivo Massachusetts. Pelo fato de interessar-se
(Abib, 1997). por matemática e ciências, e por pressão
Essa diversidade de denominações familiar, graduou-se no Instituto de
e classificações da obra de Tolman deve- Tecnologia de Massachusetts em 1911.
se, em parte, ao fato de muitos dos Ao final do curso, descobriu que tinha
conceitos propostos por esse autor terem mais afinidades com a vida acadêmica
sofrido mudanças no decorrer da obra. que com a carreira aplicada da engenharia
Isso fica evidente quando olhamos, por e, depois de entrar em contato com a obra
exemplo, para a definição de de William James, hesitou entre a
comportamento. Considerando apenas os Filosofia e a Psicologia. Optou pela
textos teóricos iniciais de Tolman1, é Psicologia, indo estudar em Harvard,
possível encontrar diferentes conceitos onde obteve seu doutorado em 1915
que participam da definição de (Tolman, 1952/1968).
comportamento: agência estimuladora, No entanto, a escolha pela
pista-comportamento, objetivo- Psicologia não afastou Tolman da
comportamento e ato-comportamento Filosofia. Isso porque na época em que
(1922/1966a); situação ou estímulo esteve em Harvard, ainda não havia
ambiental, fatores de manipulação e separação entre os departamentos de
fatores de discriminação (1926/1966c); Psicologia e Filosofia (Tolman,
Gestalt-Sinal, Objeto-Sinal, Objeto- 1952/1968). Consequentemente, Tolman
Significado, Relação-Meio-Fim (Tolman, encontrou durante seu doutoramento uma
1932). série de filósofos que influenciaram no
O objetivo deste artigo é tentar desenvolvimento posterior de sua obra.
esclarecer algumas características gerais Um exemplo emblemático dessa
da obra de Tolman a partir de uma análise influência filosófica de Harvard são os
das influências psicológicas e filosóficas neorrealistas Ralph B. Perry e Edwin B.
desse autor. Para tanto, examinaremos Holt.
Ainda no contexto filosófico, um
1
Quando falamos de textos teóricos colega de Harvard teve importante papel
iniciais temos como referência o artigo de 1922, A na constituição da obra de Tolman:
New Formula for Behaviorism, como o primeiro Stephen C. Pepper. Pepper terminou seu
texto inteiramente teórico de Tolman.

Lopes, C.E. 15
Psicologia em Pesquisa | UFJF | 2(02) | 14-22 | julho-dezembro de 2008

doutorado em Harvard um ano depois de Desse modo, as influências de


Tolman, tornando-se professor em Tolman podem ser organizadas em duas
Berkeley em 1919 (universidade em que categorias: filosóficas e psicológicas. No
Tolman lecionava há um ano). Tal como primeiro caso, encontramos o
Tolman, Pepper foi aluno de Perry, e seu pragmatismo filosófico na figura de
posicionamento filosófico (o William James e seus desdobramentos,
contextualismo) é um tipo de sobretudo, o neorrealismo de Ralph B.
pragmatismo que, muitas vezes, Perry e Edwin B. Holt e no
aproxima-se das concepções filosóficas contextualismo de Stephen C. Pepper. Já
de Tolman (Smith, 1986). do lado da Psicologia, encontramos,
Além disso, no período que basicamente, o behaviorismo de John. B.
corresponde ao seu doutoramento (1911- Watson e a Gestaltpsychologie,
1915), Tolman viu surgir um dos representada por Kurt Koffka e Wolfgang
principais debates da Psicologia norte- Köhler.
americana, que envolveu o
Introspeccionismo de Edward Bradford A primeira fase da obra de E. C. Tolman
Titchener e o Behaviorismo de John Desde seu primeiro artigo teórico,
Brodus Watson. Como resultado desse A New Formula for Behaviorism, Tolman
debate, a partir da publicação do (1922/1966a) já afirmava que o
manifesto behaviorista, Psychology as the Behaviorismo era, na sua opinião, o
behaviorist views it (Watson 1913), a modelo de Psicologia mais adequado
Psicologia norte-americana voltou-se cada (Smith, 1986). Entretanto, como o próprio
vez mais para o ideal objetivista do título do artigo sugere, Tolman não se
estudo científico do comportamento. No filiou ao Behaviorismo de Watson, mas a
caso de Tolman, embora boa parte de sua um novo Behaviorismo. De certa forma, a
formação contemplasse os cânones do obra de Tolman pode ser considerada
Introspeccionismo, em 1918, trabalhando como uma série de tentativas de construir
em Berkeley, ele já se considerava um esse novo Behaviorismo.
behaviorista (Tolman, 1952/1968). O ponto de partida de Tolman
Mas o viés behaviorista de (1922/1966a) foi a insuficiência e
Tolman não o impediu de interessar-se incoerência da proposta de Watson. A
por uma outra concepção de Psicologia, insuficiência da proposta watsoniana
que anos depois despontaria nos Estados aparece com a adoção de uma ontologia
Unidos: a Gestaltpsychologie. O primeiro materialista, que culmina na exclusão de
contato de Tolman com a todo e qualquer fenômeno mental. Dessa
Gestaltpsychologie se deu em 1912, forma, diante de conceitos mentais, como
quando ele foi enviado por Langfeld, seu emoções, pensamento, propósito e
orientador à época, para Giessen, consciência, Watson (1919, 1925/1930)
Alemanha, onde participou como sujeito propôs uma tradução em termos físico-
de alguns experimentos conduzidos por fisiológicos (geralmente como respostas
Kurt Koffka (Tolman, 1952/1968). Anos de glândulas e da musculatura lisa) e, com
depois, em 1923, Tolman encontrou a justificativa de que se tratavam de
Koffka e Köhler no International ilusões, eliminou ontologicamente tudo
Congress of Psychology realizado em
Oxford (Sokal, 1994).

Matriz de Influências de Tolman 16


Psicologia em Pesquisa | UFJF | 2(02) | 14-22 | julho-dezembro de 2008

aquilo que não era passível de tradução2 funcionamento de vísceras é claramente


(Heidbreder, 1933/1975). de natureza fisiológica e por isso seu
Já a incoerência do Behaviorismo estudo está voltado para as partes do
watsoniano surge com a introdução de organismo.
explicações fisiológicas. Em um primeiro Assim, o projeto de Tolman
momento, Watson (1919) declara que o (1922/1966a) nasce com a difícil tarefa de
Behaviorismo está interessado na introduzir na Psicologia behaviorista os
atividade do organismo como um todo e fenômenos mentais, excluídos pelo
que, mesmo o estudo das emoções, materialismo ontológico de Watson. Essa
prescinde da fisiologia: dificuldade era ainda maior porque, desde
“é perfeitamente possível para o o início, Tolman estava consciente de que
estudioso do comportamento ignorar a explicação do mental não poderia ser
inteiramente o sistema nervoso nem fisiológica, nem mentalista. Vale
simpático, as glândulas e os músculos ressaltar, portanto, que o projeto de
lisos, ou mesmo o sistema nervoso Tolman faz uma importante distinção
central como um todo, e passar a entre ‘mental’ de ‘mentalista’. Em outras
escrever um estudo compreensível e palavras, é possível empregar conceitos
acurado das emoções” (p. 195). mentais com um significado behaviorista
Talvez na tentativa de corrigir (Tolman, 1925/1966b, 1926/1966c). Se
seus exageros, mencionados ignorarmos esse fato, seremos levados a
anteriormente, Watson (1925/1930)3 concluir, de maneira equivocada, que por
acaba propondo uma tradução de alguns falar de propósito e cognição, Tolman
conceitos mentais em termos fisiológicos. deve ser considerado um mentalista.
E o caso mais evidente foi justamente o Além da introdução de conceitos
das emoções. Dessa forma, para Watson, mentais na explicação do comportamento,
as emoções podiam ser entendidas como a proposta de Tolman (1922/1966a)
respostas de vísceras, que, a despeito de voltou-se, desde o início, para uma
sua localização, estão sujeitas às mesmas concepção molar. Segundo Tolman
leis dos reflexos motores. Ora, o (1952/1968), a diferença entre visão
2
molar e molecular do comportamento já
Embora a proposta inicial de Watson havia sido proposta por McDougall,
(1913) seja hesitante em relação a esse assunto, é
possível encontrar afirmações que já antecipam
embora esse ainda estivesse, em certa
sua filiação a uma ontologia materialista, como medida, preso ao mentalismo. Em poucas
por exemplo, “Há a necessidade de duvidar cada palavras, em uma visão molar o
vez mais do que a psicologia chama de imagens” comportamento é entendido como um
(p. 176) ou “Essa eliminação sugerida dos estados todo que tem uma direcionalidade ou
de consciência como objetos de investigação em si
mesmos, removerá as barreiras, que atualmente intencionalidade que desaparece quando
existem, entre a psicologia e as outras ciências. As esse todo é quebrado em partes
descobertas da psicologia tornam-se os correlatos elementares. É justamente esse tipo de
funcionais da estrutura e levando a explicações em análise que destrói as propriedades
termos físico-químicos” (p. 173).
3 imanentes do comportamento, que se
Tolman (1922/1966a) aponta essa
incoerência já no interior do próprio Standpoint encontra na base de uma visão molecular,
(Watson, 1919), quando Watson define estímulo e pois esta considera o comportamento
resposta de maneira físico-fisiológica e depois como uma soma mecânica de elementos
afirma que é possível ignorar a fisiologia no
estudo do comportamento.

Lopes, C.E. 17
Psicologia em Pesquisa | UFJF | 2(02) | 14-22 | julho-dezembro de 2008

(como, por exemplo, no modelo reflexo inclusiva é que mental e físico passam a
watsoniano). estar no mesmo nível epistemológico.
Essa concepção molar de Isso leva à inusitada conclusão de que a
comportamento aproxima a proposta de mente de alguém pode ser diretamente
Tolman (1932, 1933/1966d) da conhecida por outras pessoas. Transpondo
Gestaltpsychologie, o que se torna essa conclusão ao Behaviorismo, Tolman
evidente no conceito de comportamento (1926/1966c) dirá que a mente (ou os
como Gestalt-Sinal, entendido como uma fenômenos mentais) são diretamente
estrutura, cujos elementos (Objeto-Sinal, observáveis no comportamento.
Objeto-Significado e Relação-Meio-Fim) É nesse sentido que Tolman
estão fundidos em um todo (1926/1966c) defenderá, pelo menos no
interdependente (Tolman, 1932). início de sua obra, que propósito e
Há diferenças, porém. Para cognição são propriedades imanentes do
Tolman (1933/1966d), a comportamento. Em outras palavras,
Gestaltpsychologie é um perceptualismo quando olhamos para o comportamento
que, embora tenha avançado em relação de um organismo, seja ele um rato ou um
ao sensacionalismo, deve ser substituído homem, vemos uma ação dirigida a uma
por um proposicionalismo. Em poucas meta – propósito –, e uma prontidão a
palavras, o mérito da Gestaltpsychologie responder de uma determinada maneira –
estaria na defesa de que o organismo cognição. Dessa forma, propósito e
responde a todos (Gestalten) e não a cognição são diretamente observados no
elementos sensoriais (sensações). Mas, comportamento, e isso não deve ser
para Tolman esses todos não são confundido com a inferência de propósito
Gestalten, mas sim Gestalt-Sinais, pois e cognição a partir do comportamento, o
eles já contêm um propósito, uma que, segundo Tolman (1925/1966b), seria
direcionalidade4. mentalismo: “a diferença fundamental
entre ele [Mc Dougall] e nós surge do fato
A influência do Neorrealismo de que, sendo um ‘mentalista’, ele
A primeira tentativa de explicação meramente infere propósito desses
dos fenômenos mentais por Tolman (e. g. aspectos do comportamento; enquanto
1926/1966c) será empreendida via nós, sendo behavioristas, identificamos
Neorrealismo (Smith, 1986). Em poucas propósito com esses aspectos” (p. 33).
palavras, o neorrealismo é um tipo de
ontologia inclusiva em que o mental e o O abandono do neorrealismo e a
físico (pensamentos e coisas) são adoção de um dualismo epistemológico
ontologicamente equivalentes, ou seja, Não demorou muito para que
pertencem a uma mesma categoria de Tolman percebesse que essa proposta
existência. Seguindo a terminologia do inicial tinha graves falhas (Smith, 1986).
empirismo inglês, podemos dizer que para Depois de acompanhar uma série de
o neorrealismo só há qualidades primárias experimentos de um de seus alunos, nos
(Passamore, 1957/1986). Uma das quais ratos em labirintos em “T” eram
consequências da adoção dessa ontologia submetidos a diferentes situações de
reforçamento, Tolman foi levado a
4
Essa crítica de Tolman (1933/1966d) foi concluir que a experiência pode refutar a
respondida, posteriormente, por Koffka (1935), expectativa ou hipóteses dos ratos (bem
empregando alguns conceitos tolmanianos para como dos experimentadores) (Smith). Em
elucidar aspectos da Gestaltpsychologie.

Matriz de Influências de Tolman 18


Psicologia em Pesquisa | UFJF | 2(02) | 14-22 | julho-dezembro de 2008

outras palavras, os organismos não são Com a adoção desse dualismo


meros expectadores passivos do epistemológico, o conceito de
ambiente, mas intérpretes ativos, o que comportamento ganha então um novo
explicaria a persistência de certos padrões elemento: a Expectativa-Gestalt-Sinal
de comportamento a despeito de que, por anteceder a Gestalt-Sinal, passa a
mudanças no ambiente. Isso quer dizer ser considerada como determinante do
que um organismo não age de maneira comportamento (e.g. Tolman,
errática no ambiente, mas de uma maneira 1935/1966e). Assim, propósito e cognição
ordenada. Até aqui nenhuma novidade, deixam de ser propriedades imanentes do
uma vez que a prontidão a responder comportamento, para tornarem-se
(cognição) partia justamente desse fato. determinantes do comportamento.
Essa ordem, contudo, nem sempre é É justamente nesse ponto que
adequada na obtenção dos objetivos desse podemos nos perguntar se a adoção de um
organismo, ou seja, eventualmente os dualismo epistemológico afasta,
organismos erram e, consequentemente, necessariamente, Tolman do
não alcançam seus objetivos. Behaviorismo? Em outras palavras, essa
Ao admitir que o organismo pode transição do neorrealismo para o dualismo
falhar na obtenção de suas metas, Tolman epistemológico coincide com a transição
(1935/1966e) ver-se-á obrigado a aceitar do Behaviorismo para o Mentalismo?
que a relação entre organismo e ambiente Essa filiação ao mentalismo
não é direta, mas mediada por hipóteses ocorreria se o dualismo epistemológico
ou expectativas condicionadas, fosse acompanhado por um dualismo
principalmente, pela história do ontológico. Ou seja, ao admitir a
organismo. Com isso, cognição e necessidade de aspectos inferidos no
propósito deixam de ser consideradas estudo do comportamento, Tolman estaria
propriedades do comportamento para defendendo que esta inferência diz
tornarem-se propriedades das expectativas respeito a uma realidade inacessível do
e hipóteses que subjazem ao ponto de vista da observação (a
comportamento. Como expectativas e fenômenos de natureza mental). Portanto,
hipóteses não são diretamente a questão que se coloca é qual a natureza
observáveis, Tolman terá que abandonar a dessas inferências? E mais, como lidar
epistemologia neorrealista e admitir que com o fato de Tolman considerar
tanto ratos quanto observadores não têm propósito e cognição como determinantes
um conhecimento direto do mundo. Isso do comportamento?
equivale a dizer que no estudo do Para responder a essas questões é
comportamento há aspectos que são necessário avançar mais um passo na
observados e aspectos que são inferidos análise das influências de Tolman. Para
(ou construídos) pelo observador. Com tanto é preciso examinar um último
isso, Tolman (1932) abandona o conceito do sistema tolmaniano: os
neorrealismo e passa a defender uma mapas. O emprego do conceito de mapas
espécie de dualismo epistemológico. por parte de Tolman é alvo de muitas
críticas behavioristas (e. g. Skinner,
Dualismo epistemológico: 1974). O conceito de mapa pode ser
Behaviorismo ou Mentalismo? entendido a partir da metafísica adotada
por Tolman: o contextualismo

Lopes, C.E. 19
Psicologia em Pesquisa | UFJF | 2(02) | 14-22 | julho-dezembro de 2008

pepperiano. De acordo com essa suma, trata-se de uma concepção


concepção, um ato só pode ser explicado pragmatista de representação.
em um contexto, composto por texturas Seguindo essa definição
criadas por aquele que está interpretando pragmatista de representação, todo mapa
esse ato. Em suma, todo ato é um ato-em- passa a ser necessariamente incompleto,
contexto (Pepper, 1942). pois, caso contrário, deixaria de ser um
Dessa forma, um ato proposital só mapa para tornar-se a própria realidade
pode ser entendido a partir de uma inter- (Tolman, 1932). O mapa é, portanto, uma
relação funcional entre “Pistas-Atos- ferramenta que permite uma ação eficaz
Metas”. Isso quer dizer que o propósito de em relação a uma meta. Isso equivale a
uma ação não é diretamente revelado pela dizer que um mapa nada mais é que uma
observação, mas pela interpretação teoria acerca da realidade, que
construída pelo observador da ação. Os empregamos para atingir determinados
mapas são justamente essa interpretação. objetivos.
Os mapas são, portanto, representações do Com isso, abre-se a possibilidade
ambiente construídas pelo organismo e de uma interpretação instrumentalista do
que permitem uma ação eficaz nesse conceito de mapas. Em outras palavras, a
ambiente. legitimidade desse conceito passa a ser
Assim, a relação entre organismo aferida por sua utilidade para alcançar os
e ambiente é uma relação mediada por objetivos da ciência do comportamento
mapas. Isso vale tanto para o organismo (previsão e controle do comportamento) e
que está sendo observado, quanto para o não por sua correspondência com uma
observador. Em outras palavras, quando o realidade transcendente ao
cientista observa o comportamento de um comportamento (Tolman, 1932).
rato no labirinto, ele infere um mapa Consequentemente, não há
condicionado pela experiência prévia do incompatibilidade entre o emprego do
rato nesse ou em outros labirintos. Essa conceito de mapas e o Behaviorismo: o
inferência (do cientista), no entanto, conceito de mapas não é
também está contextualizada por um irremediavelmente mentalista.
mapa do próprio cientista, que é a teoria Dessa forma, o dualismo
científica a partir da qual ele interpreta o epistemológico de Tolman (1932) não é
comportamento do rato, atingindo assim acompanhado por um dualismo
determinados objetivos (no caso previsão ontológico. Nas palavras do autor: “Em
e controle do comportamento do rato). suma, nossa doutrina não é um
É importante ressaltar que, transcendentalismo ou um dualismo
embora os mapas representem a realidade, metafísico, ainda que seja um dualismo
eles não são cópias ou espelhos da epistemológico” (p. 428).
realidade. Isso quer dizer que para
entendermos o conceito de mapas, Conclusão
segundo uma interpretação contextualista, Boa parte da dificuldade de
temos que adotar uma concepção classificação da obra de E. C. Tolman
alternativa de representação. talvez se deva a uma análise superficial
Representação, nessa perspectiva, passa a dos textos desse autor e a um
ser definida do ponto de vista funcional, desconhecimento de sua matriz de
ou seja, de sua função no contexto da influências. Quando Tolman reconhece a
relação ação-meta (Tolman, 1932). Em limitação da epistemologia neorrealista e

Matriz de Influências de Tolman 20


Psicologia em Pesquisa | UFJF | 2(02) | 14-22 | julho-dezembro de 2008

adota um dualismo epistemológico, essa


mudança não é acompanhada por um
dualismo ontológico (Smith, 1986). Em Referências
outras palavras, ao admitir que a relação
com o ambiente não é direta, mas Abib, J. A. D. (1997). Teorias do
mediada, Tolman (1932) o está fazendo comportamento e subjetividade a
de uma perspectiva pragmatista. psicologia. São Carlos: Editora da
Consequentemente, ele não está UFSCar.
defendendo a existência de um mundo Carrara, K. (1998-2005). Behaviorismo
real impossível de ser diretamente Radical: Crítica e metacrítica. São
acessado, mas simplesmente mostrando Paulo: Editora da UNESP.
que nossa relação com o mundo não é Chiesa, M. (1994). Radical behaviorism:
desinteressada ou neutra. Nossa relação The science and the philosophy.
com o mundo é contextualizada em uma Boston: Authors Cooperative Inc.,
relação ação-meta: agimos de modo a Publishers.
obter determinados objetivos e, por isso, a Heidbreder, E. (1933/1975). Psicologias
maneira com que agimos depende do do século XX. (L. S. Blandy, Trad.)
objetivo. Dessa forma, se adotamos como São Paulo: Editora Mestre Jou.
objetivo a previsão e controle do Koffka, K. (1935). Principles of Gestalt
comportamento, nosso mundo molda-se a psychology. New York: Harcourt,
esse objetivo, de modo que aspectos Brace and Company.
irrelevantes a esse objetivo deixam de ser Köhler, W. (1929-1970). Gestalt
representados por nosso mapa. Já, se psychology. New York: Liveright
nosso objetivo é contemplativo, estético Publishing Corporation.
ou mesmo religioso, o mundo que Marx, M. H. & Hillix, W. A.
veremos será completamente diferente. (1978/1963). Sistemas e teorias em
Parece, então, que a classificação psicologia. (A. Cabral, Trad.) São
de Tolman como um mentalista (e, Paulo: Cultrix.
consequentemente, como não- Passmore, J. (1957-1986). A hundred
behaviorista) repousa, em grande parte, na years of philosophy. New York:
ausência de uma análise mais cuidadosa Penguin Books.
da epistemologia e da ontologia adotada Pepper, S. C. (1942). World hypothesis: A
por esse autor, o que pode ser feito pelo study in evidence. Berkeley:
estabelecimento de uma matriz de University of California Press.
influências. Quando essa análise é feita, a Schultz, D. P. & Schultz, S. E. (1969-
proposta de Tolman torna-se mais clara: 1996). História da psicologia
trata-se de um Behaviorismo do ponto de moderna. (A. U. Sobral & M. S.
vista ontológico (pois não admite a Gonçalves, Trads.) São Paulo:
existência de eventos mentais Cultrix.
pertencentes a uma categoria primordial), Skinner, B. F. (1974). About behaviorism.
mas também de um Cognitivismo do New York: Appleton-Century-Crofts.
ponto de vista epistemológico, pois Smith, L. D. (1986). Behaviorism and
defende a necessidade do emprego dos Logical Positivism: A reassessment
conceitos de mapas para explicar o of the alliance. Stanford: Stanford
comportamento. University Press.

Lopes, C.E. 21
Psicologia em Pesquisa | UFJF | 2(02) | 14-22 | julho-dezembro de 2008

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Matriz de Influências de Tolman 22


Psicologia em Pesquisa | UFJF | 2(02) | 14-22 | julho-dezembro de 2008

Lopes, C.E. 23
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Propriedades psicométricas de tarefas para avaliar funções executivas em pré-


escolares

Adaptation and the psychometric investigation of a set of executive tasks for evaluation of
executive functions in preschool children

Lorenzo Lanzetta Natale*


Maycoln Leôni Martins Teodoro**
Gustavo de Val Barreto e Vitor Geraldi Haase***

Resumo
Este trabalho teve como principal objetivo adaptar e investigar algumas propriedades psicométricas de um
conjunto de tarefas de funções executivas. Participaram do estudo 91 crianças selecionadas de uma amostra
aleatorizada e demograficamente representativa de uma cidade do interior de Minas Gerais. Os principais
resultados encontrados foram: a obtenção de normas que são regionais para um conjunto de oito tarefas
executivas; as tarefas executivas selecionadas são sensíveis ao desempenho da amostra com relação aos
fatores de idade, de sexo e tipo de escola; o desempenho das crianças em tarefas de funções executivas
melhora com a idade.

Palavras-chave: Funções Executivas; Psicometria; Neuropsicologia; Desenvolvimento.

Abstract
This work had as the principal objective the adaptation and the psychometric investigation of a set of
executive functions tasks. Ninety-one children were included in this study selected from a random and
demographicaly representative sample of a town of Minas Gerais state. The main results obtained were: the
attainment of regional norms for a set of eight executive tasks, that the executive tasks selected are sensible at
the sample’s performance to age, sex and school type and the performance of the children in tasks of executive
functions gets better as they grow up.

Key-Words: Executive Functions; Psychometri; Neuropsychology; Development.

________________________________
* Universidade de Lavras – Lavras
** Universidade do Vale do Rio dos Sinos – São Leopoldo
*** Universidade Federal de Minas Gerais – Belo Horizonte
Contato: Departamento de Psicologia, Universidade Federal de Minas Gerais,
Av. Antonio Carlos 6627, 31270-901 Belo Horizonte, Brasil, email:
haase@fafich.ufmg.br

Introdução infantil têm-se destacado como duas


A neuropsicologia do desenvolvimento é disciplinas importantes, pois vêm
uma disciplina científica que estuda o auxiliando no diagnóstico e no tratamento
desenvolvimento normal e patológico do precoce de alterações, inatas ou
funcionamento neurobiológico, adquiridas, do desenvolvimento cerebral
neurocognitivo e neurocomportamental ao cognitivo e comportamental (Lefèvre,
longo do ciclo da vida (Smidts, 2003). Na 2004).
área de saúde infantil, a neuropsicologia
do desenvolvimento e a neuropsicologia

Natale, L.L. et al. 23


Psicologia em Pesquisa | UFJF | 2(02) | 23-35 | julho-dezembro de 2008

Na prática clínica, a avaliação manutenção de set (predisposições),


neuropsicológica é indicada para casos atenção seletiva, inibição, iniciação de
em que existam a suspeita da presença de comportamentos cognitivos e sociais)
déficits e/ou de comprometimentos merecem uma atenção especial. O motivo
cognitivos ou comportamentais, de é que a linguagem e as FE apresentam
possível origem neurológica. Esta uma maior vulnerabilidade aos distúrbios
estratégia é utilizada para realizar o do desenvolvimento, o que se deve ao
diagnóstico diferencial entre os distúrbios fato de os lobos pré-frontais serem as
globais do desenvolvimento, as estruturas cerebrais de evolução mais
disfunções cerebrais específicas e os recente na espécie humana, sendo,
distúrbios de aprendizagem, dentre portanto, mais suscetíveis a variações
outros. Entretanto, sua importância não se genéticas e ambientais. Resumidamente,
limita apenas aos aspectos do diagnóstico, as FE são as habilidades cognitivas que
pois, ao traçar o perfil evolutivo do permitem que o indivíduo realize com
distúrbio, a avaliação contribui para uma sucesso ações independentes,
melhor delimitação do prognóstico e propositadas e autorreferentes e podem
auxilia na escolha das estratégias mais ser conceitualizadas em quatro grandes
eficazes no processo de reabilitação. fatores: a volição, o planejamento, a ação
Segundo Lefèvre (2004), a avaliação propositada e o desempenho eficaz e
neuropsicológica possui uma importância adaptativo e são apenas superficialmente
clínica ainda maior na faixa etária superponíveis às funções dos lobos
pediátrica, pois a mudança do prognóstico frontais (para uma revisão vide Garon,
pela reabilitação neuropsicológica age Bryson, & Smith, 2008; Smidts, 2003).
como um fator protetor, prevenindo Adicionalmente, as FE desempenham
disfunções cognitivas e comportamentais papel chave na caracterização de
secundárias advindas de restrições diferentes doenças neurológicas e
educacionais, ocupacionais e familiares neuropsiquiátricas. Cabe ressaltar que o
injustificadas. Uma aplicação adicional da desenvolvimento saudável das FE está
avaliação neuropsicológica é comparar o relacionado ao desenvolvimento das
resultado de diferentes terapêuticas, habilidades sociais e acadêmicas (Blair,
indicando qual delas é a mais apropriada e Zelazo, & Greenberg, 2005).
em que contexto clínico deve ser Apesar da importância e do grande
indicada. Segundo Lefèvre (2004) e interesse sobre a avaliação e sobre o
Lezak, Howieson e Loring (2004), vários desenvolvimento das FE, ainda é bastante
são os recursos utilizados na avaliação limitado o número de medidas validadas,
neuropsicológica infantil: anamnese, confiáveis e normatizadas para avaliar os
testes, escalas, exames de neuroimagem e diversos aspectos das FE ao longo do arco
informações obtidas com os cuidadores e da vida (Blair, Zelazo, & Greenberg,
com a escola. 2005). Nesse contexto, vários autores
De acordo com Pennington (1997), dentre (Ardila, Pineda, & Rosselli, 2000;
as múltiplas funções cognitivas a serem Gonzáles, Sanchez, & Bordas, 2000;
avaliadas, as funções linguísticas do Zelazo, Muller, Frye, & Marcovith, 2003)
hemisfério esquerdo - principalmente as ressaltam a importância da utilização e do
funções envolvidas no processamento desenvolvimento de tarefas e de baterias
fonológico - e as funções executivas (FE) para a pesquisa e para a avaliação
do córtex pré-frontal (planejamento, neuropsicológica infantil, principalmente

Investigação das funções executivas em pré-escolares 24


Psicologia em Pesquisa | UFJF | 2(02) | 23-35 | julho-dezembro de 2008

para a avaliação das chamadas FE. Torna-


se necessário, então, o desenvolvimento
de tarefas adequadas para amostras do
Brasil juntamente com a obtenção de
normas colhidas entre a população não
clínica. Isso é o principal objetivo do
presente trabalho. Desse modo, os
objetivos deste estudo foram,
primeiramente, a construção de um
protocolo para a aplicação e correção de
tarefas de avaliação das funções
executivas para crianças de quatro a seis
anos. Em segundo lugar, buscou-se a
normatização dos escores através de
normas intragrupo para uma cidade do
interior de Minas Gerais.

Método
Participantes
O presente estudo foi realizado na cidade
de Timóteo (MG), a 215 Km de Belo
Horizonte. Trata-se de uma cidade com
71.478 habitantes, sendo 14.273
estudantes matriculados no ensino
fundamental em 26 estabelecimentos e
2.787 estudantes matriculados na pré-
escola em 23 estabelecimentos públicos e
particulares (IBGE, 2000). Como pode ser
observado na Tabela 1, a amostra consta
de 91 crianças, dentre elas 30 de quatro
anos (50% sexo feminino), 30 crianças de
cinco anos (46,7% do sexo feminino) e 31
crianças de seis anos (53,33% do sexo
feminino). A amostragem das escolas foi
aleatória e estratificada, e a proporção
entre escolas públicas e particulares é de
2:1, respectivamente. Com esta estratégia,
foram coletados dados de uma amostra
representativa da população, com cerca de
3% de pré-escolares do município
avaliados.

Natale, L.L. et al. 25


Psicologia em Pesquisa | UFJF | 2(02) | 23-35 | julho-dezembro de 2008

Idade (anos) n % Feminino Escola Pública Escola Particular


n % n % n %
4 30 32.97 15 50 20 66.67 10 33.33
5 31 34.07 15 48.38 21 67.74 10 32.26
6 30 32.97 16 53.33 20 66.67 10 33.33
Total 91 100 46 50.55 61 67.03 30 32.97
Tabela 1: Distribuição dos Participantes por Idade, Sexo e Escola de Origem

Seleção das Tarefas e Investigação das 2) Tarefa de Alcance de Dígitos Ordem


Funções Executivas Direta e Inversa: Uma adaptação da tarefa
do alcance de apreensão de dígitos (digit
Após a revisão da literatura, foram span), que compõe a escala WISC
selecionadas e adaptadas oito tarefas que (Wechsler, 1974), foi utilizada para
se mostraram medidas adequadas das avaliar a capacidade de armazenamento
Funções Executivas (FE) para crianças da na memória de curto-prazo verbal.
faixa etária de quatro a seis anos. Originalmente, o procedimento consiste
Completou a coleta um procedimento de em dois ensaios de números aleatórios e o
avaliação da idade mental das crianças critério de acerto e a pontuação obtida
através da Escala de Maturidade Mental pela criança correspondem ao tamanho da
Columbia (Alves & Duarte, 2001). maior série de dígitos que ela consegue
repetir corretamente pelo menos uma vez
Bateria de Investigação das Funções em dois ensaios. Existem duas versões
Executivas dessa tarefa. Na primeira versão, ordem
1) Tarefa Visomotora de Santucci: A direta, pede-se que a criança repita a
tarefa visuomotora descrita por Santucci sequência de números na mesma ordem
(1981) consiste na apresentação que foi dita. Na segunda versão, ordem
individual de nove cartões (de 7,5 cm x inversa, pede-se para que a criança repita
11 cm) com figuras geométricas que vão a sequência na mesma ordem que foi dita.
aumentando progressivamente o nível de No presente estudo, trabalhou-se com três
dificuldade. Cada cópia recebe um escore ensaios de números aleatórios, e a criança
de acordo com os critérios de sucesso, e o deve acertar dois. Tradicionalmente, a
escore máximo é de 34 pontos. O memória de curto prazo está associada ao
aplicador deve utilizar uma folha para funcionamento do córtex pré-frontal
cada modelo que deve ser reproduzido dorsolateral (PFDL) e do córtex pré-
pela criança. A reprodução de tais figuras, frontal ventrolateral (PFVL) (Lezak,
no que diz respeito às relações espaciais e Howieson, & Loring, 2004).
perceptivas, está ligada ao
desenvolvimento cognitivo, às praxias 3) Tarefa de Fluência Verbal
construtivas, à organização visuoespacial A capacidade de associação semântica e
e às FE (Lezak, Howieson, & Loring, fluidez de execução de operações
2004). cognitivas foi avaliada através de um
procedimento de fluência verbal

Investigação das funções executivas em pré-escolares 26


Psicologia em Pesquisa | UFJF | 2(02) | 23-35 | julho-dezembro de 2008

utilizando categorias semânticas. O 5) Tarefa de Busca Visual de Quadrados


objetivo da tarefa de fluência verbal, A tarefa de busca visual de quadrados
adaptado a partir de Welsh, Pennington, (versão lápis-e-papel) foi elaborada a
Ozonoff, Rouse, e McCabe (1990) é fazer partir da versão computadorizada (vide
com que a criança produza, de modo Zimmermann, 1995). Ao participante é
rápido, o maior número possível de solicitado assinalar o mais rápido possível
exemplares de uma categoria. Os um estímulo alvo dentre vinte e cinco
examinadores anotam os itens gerados estímulos distratores. São realizadas dez
pelas crianças no intervalo de 60 tentativas em cada sessão e, em cada
segundos (número de palavras corretas, tentativa, o estímulo encontra-se em uma
número de palavras erradas e as posição diferente. Segundo Lezak,
perseverações). O procedimento foi Howieson, e Loring (2004), as tarefas de
repetido com as categorias “bichos”, busca de objetos envolveriam habilidades
“partes do corpo”, “coisas de comer” perceptivo-visuais básicas, atencionais, de
tristeza e alegria. Fama et al. (2000), em armazenamento e de monitoramento da
um estudo de neuroimagem funcional informação.
com PET e fMRI, indicam que a fluência
verbal está relacionada ao funcionamento 6) Tarefa de Discriminação de Lista de
do lobo frontal, primeiramente, ao córtex Figuras
pré-frontal do hemisfério dominante da Para avaliar a memória episódica e a
linguagem. memória para ordem temporal, foi
utilizada a versão pictorial da tarefa de
4) Tarefa de Busca Visual de Figuras discriminação de listas (TDL-UFMG,
A tarefa de busca visual foi adaptada a Haase, Lacerda, Wood, Daker, & Lana-
partir de procedimentos descritos por Peixoto, 2001). Essa tarefa é composta de
Welsh e cols. (1990) e tem por objetivo 20 estímulos representando desenhos de
avaliar a capacidade de atenção, objetos comuns, os quais são
concentração e a busca ordenada de apresentados individualmente em cartões,
objetos (monitoramento e planejamento). a intervalos de 4 segundos, em duas listas.
O material de estímulos consiste de oito Entre as duas listas, os participantes
folhas cada uma, com oito diferentes executam uma tarefa distratora – contar
figuras (sorvete, urso, chapéu, carro, de 1 até 10. Após a apresentação dos 20
cama, cavalo, passarinho e maçã) que se estímulos, vem a fase de testes na qual
repetem cinco vezes, totalizando quarenta são, apresentados cartões contendo duas
estímulos. A tarefa da criança é nomear o figuras. Uma figura já havia aparecido
estímulo alvo para, em seguida, procurá- anteriormente e a outra é nova. A tarefa
lo dentre os distratores o mais rápido das crianças era identificar qual estímulo
possível. Em cada uma das folhas, uma e, depois, em qual lista ele já havia
das figuras funciona como estímulo-alvo. aparecido. Tradicionalmente, os lobos
Os escores registrados são o tempo de temporais mediais estão envolvidos,
execução, o número de acertos e o principalmente, com os processos de
número e tipo de erros (omissão, ou codificação e de recuperação da memória
perseveração). Os escores parciais são declarativa. O lobo temporal esquerdo é
somados, originando um escore máximo comumente associado à memorização de
de acertos igual a 40. estímulos verbais, e o lobo temporal
direito à memorização de estímulos não-

Natale, L.L. et al. 27


Psicologia em Pesquisa | UFJF | 2(02) | 23-35 | julho-dezembro de 2008

verbais ou visuais. Segundo Branco e particularmente ao funcionamento do


Costa (2006), deve-se interpretar tais córtex pré-frontal-dorsolateral
dados simplesmente como indicativos de (Unterrainer & Owen, 2006).
uma tendência à lateralização e à
especialização hemisférica conforme o 8)Tarefa de Stroop Dia e Noite
tipo de material (verbal ou não), pois, na A versão da Tarefa de Stroop dia e noite,
prática, ambos os hemisférios estão que se utilizou, foi aplicada conforme os
envolvidos nos processos de codificação e procedimentos descritos por Gerstadt,
recuperação da memória declarativa. Hong, e Diamond (1994), tendo como
objetivo avaliar a capacidade de inibição
7) Tarefa da Torre de Hanói de respostas prepotentes. Essa tarefa está
A tarefa da torre de Hanói (TH) é descrita dividida em duas partes. A primeira ‘Dia
na literatura (Klahr & Robinson, 1981) e Noite’ consiste na apresentação
como sendo uma tarefa clássica de aleatória de nove cartões com a figura do
planejamento e resolução de problemas. dia e de nove cartões com a figura da
A TH constitui-se de uma base de noite. Após a criança identificar e nomear
madeira com três hastes de mesmo corretamente o estímulo, é-lhe pedido que
tamanho, onde são colocados três anéis de diga a palavra noite toda vez que aparecer
tamanhos e cores diferentes. O objetivo a figura do dia, e a palavra dia toda vez
do teste é colocar os anéis na haste que aparecer a figura da noite. Essa
oposta, movendo um anel de cada vez e versão avalia a capacidade de inibição de
não colocar o anel maior em cima do uma resposta e memória de trabalho, já
menor. Uma resolução com sucesso que a criança precisa manter uma regra na
implica uma ausência de quebra de regras memória. A segunda versão ‘Abstrata’
e uso mínimo de movimentos, ou seja, consiste em 18 apresentações aleatórias
três movimentos (2n-1, onde n é o número de dois estímulos abstratos nomeados
de anéis). Após o pré-teste, é arbitrariamente como ‘dia’ e ‘noite’. Essa
acrescentado o anel intermediário, versão é uma tarefa de memória de
totalizando sete movimentos. Caso a trabalho. Estudos de neuroimagem
criança não consiga resolver a tarefa, dá- funcional têm relacionado tais funções ao
se uma dica sobre o primeiro movimento, funcionamento dos lobos pré-frontais,
reduzindo para seis e, assim, principalmente, ao funcionamento do
sucessivamente. Quanto antes a criança córtex pré-frontal ventromedial, do córtex
resolver o problema, maior será a pré-frontal orbitofrontal, do giro
pontuação. Juntamente com o número de cingulado anterior, das regiões
pontos é avaliado o número de quebras de occiptotemporais e ao córtex parietal
regras. Para que um problema seja (Yücel et al, 2002; González, Sánchez, &
solucionado adequadamente, são Bordas, 2000).
necessários, pelo menos, três processos
cognitivos mais básicos: a representação Escala de Maturidade Mental Columbia
do problema, o armazenamento online da (EMMC)
informação relevante e a coordenação e A EMMC é uma escala não-verbal,
sequenciação das funções e dos conteúdos composta por 92 itens de classificação de
mentais. Tais funções estão figuras (Alves & Duarte, 1993). As
tradicionalmente associadas ao principais medidas avaliadas pela EMMC
funcionamento dos lobos pré-frontais, são: a formação e a utilização de

Investigação das funções executivas em pré-escolares 28


Psicologia em Pesquisa | UFJF | 2(02) | 23-35 | julho-dezembro de 2008

conceitos; o grau de maturação do nível validade convergente e discriminante


de abstração para a solução de problemas entre as tarefas de FE, e entre estas e a
e a avaliação cognitiva dos processos de Escala de Maturidade Mental Columbia
inteligência gerais e/ou específicos. (Pasquali, 2001, pp125-127), e os escores
de fidedignidade foram analisados
Resultados utilizando-se de dois procedimentos: 1) o
teste das duas metades e 2) o alfa de
A análise de dados foi realizada no Cronbach. O principal critério de norma
Statistical Package for Social Sciences – (intragrupo) adotado foi o fator idade
SPSS versão 15. A normatização dos (Pasquali, 2001).
escores foi feita utilizando-se de análises A descrição dos resultados foi dividida
estatísticas descritivas (mediana, quartil em duas partes. A primeira descreve as
inferior e quartil superior) e de análises análises estatísticas descritivas e
estatísticas inferenciais, que foram inferenciais utilizadas para a
realizadas por meio dos testes estatísticos normatização dos escores. A segunda
de Kruskal-Wallis e Mann-Whitney para descreve os resultados do coeficiente de
dados não paramétricos. O nível de correlação de Pearson e dos escores de
significância estatística no teste de Mann- fidedignidade.
Whitney foi de p<0.017, devido à Os resultados da Tarefa Visomotora de
correção de Bonferroni (Pagano & Santucci estão descritos na Tabela 2.
Gauvreau, 2004) para comparações Como pode ser observada, a diferença de
múltiplas. A validade de construto foi mediana para as idades de quatro e seis
investigada por meio do coeficiente de anos chega a 17 pontos.
correlação de Pearson, a fim de analisar a

Desempenho
Tarefas Variáveis Idade (anos)
Qi Med Qs
Tarefa 4 3 3 4
Visomotora Pontuação total 5 3 3 4
de Santucci
6 3 4 4
4 3 3 4
Pontuação total na
5 3 3 4
Tarefa de na ordem direta
Alcance de 6 3 4 4
Dígitos 4 0 0 2
Pontuação total na
ordem inversa 5 0 0 2
6 2 2 3
4 0.00 2.00 5.00
Pontuação total 5 3.00 5.00 6.00
Torre de 6 3.00 5.00 6.00
Hanói 4 5.00 11.00 19.00
Número total de 5 1.00 4.50 12.50
quebra de regras 6 0.78 2.00 4.25

Natale, L.L. et al. 29


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Tabela 2: Estatística descritiva dos Escores nas Tarefas: Visuomotas de Santucci, Alcance
de Dígitos e Torre de Hanói conforme a Faixa Etária

As diferenças etárias da variável de desempenho entre as idades de quatro


pontuação total para a Tarefa de Santucci e seis anos (Z = -4.660, p = 0.001) e entre
foram analisadas com o teste estatístico as idades de cinco e seis anos (Z =-4.011,
de Kruskal-Wallis (Chi2 [2] 31.636, p = 0.001).
p=0.001). Os resultados no teste Também na Tabela 2 estão descritos os
estatístico de Mann-Whitney para essa escores da Tarefa da Torre de Hanói.
variável indicam existir diferenças Análises com o teste Kruskal-Wallis
estatisticamente significativas entre todos indicaram diferenças significativas para a
os grupos etários analisados. pontuação total, o número total de
Os resultados para a tarefa de Alcance de tentativas, o número total de quebra de
Dígitos estão separados para a variável regras. Análises posteriores com o teste
ordem direta e ordem inversa (vide de Mann-Whitney indicaram não haver
Tabela 2). Análises com o teste de diferença significativa de desempenho,
Kruskal-Wallis indicaram diferenças para todas as variáveis estudadas, entre as
significativas tanto para a ordem direta crianças de cinco e seis anos. Com
(Chi2 [4] = 7.211, p= 0.027) quanto para a relação às idades de quatro e seis anos, foi
inversa (Chi2 [4]= 26.486, p= 0.001). Os encontrada uma diferença estatisticamente
resultados no teste estatístico de Mann- significativa de desempenho para todas as
Whitney apontam não existir diferença variáveis analisadas; e para as idades de
estatisticamente significativa de quatro e cinco anos foi encontrada uma
desempenho para a variável pontuação diferença estatisticamente significativa de
total na ordem direta, entre as crianças de desempenho, somente, para a variável
quatro e cinco e entre as crianças de cinco pontuação total (vide Tabela 2).
e seis anos. Com relação ao grupo de Os resultados da Tarefa de Fluência
quatro e seis anos, houve uma diferença Verbal podem ser visualizados na Tabela
estatisticamente significativa de 3. De modo geral, pode-se observar um
desempenho (Z =-2.632, p= 0.008). Para a aumento gradativo dos escores de fluência
variável pontuação total na ordem inversa verbal com o aumento da idade.
foram encontradas diferenças importantes

Idade Desempenho
Tarefas Variáveis
(anos) Qi Med Qs
4 0.66 0.78 0.88
Tarefa de Fluência verbal Eficiência verbal total 5 0.77 0.88 0.95
6 0.86 0.92 0.98

Investigação das funções executivas em pré-escolares 30


Psicologia em Pesquisa | UFJF | 2(02) | 23-35 | julho-dezembro de 2008

4 211,25 299,50 404,00


Tempo total
5 186,00 229,00 292,00
(em segundos)
6 128,50 170,00 216,00
4 36.00 38.00 39.00
Tarefa de Busca Visual de Pontuação total 5 38.00 38.00 39.00
Figuras 6 38.00 39.00 40.00
4 0.00 0.00 1.00
Total de perseveração 5 0.00 0.00 0.00
6 0.00 0.00 0.00
Tabela 3: Quartil Inferior (Qi), Mediana (Med) e Quartil Superior (Qs) dos Escores nas
Tarefas de Fluência Verbal e Busca Visual de Figuras conforme a Faixa Etária

Diferenças etárias da eficiência verbal encontradas diferenças de desempenho


total foram analisadas com o teste em função da idade para o grupo de
estatístico Kruskal-Wallis (Chi2 [2] crianças de cinco e seis anos (p > 0.017).
16.821, p < 0.001). Análises posteriores A variável total de perseveração foi a
com o teste de Mann-Whitney indicaram única a apresentar diferença significativa
diferenças estatisticamente significativas de desempenho em função da idade para a
de desempenho entre as idades de quatro o grupo de crianças de quatro e cinco
e cinco anos (Z =-2.467, p = 0.014) e anos (Z = -2.673, p =0.008.)
entre as idades de quatro e seis anos (Z=- Para a Tarefa de Busca Visual de
4.088, p=0.001). Quadrados foram avaliadas duas variáveis
A Tarefa de Busca Visual de Figuras foi em função da idade com o teste estatístico
analisada segundo o tempo total gasto Kruskal-Wallis. Foram encontradas
pelo participante na sua execução diferenças significativas tanto para o
(medido em segundos), a pontuação total número total de acertos (Chi2 [2] 7.225,
e o número de perseverarão. Os resultados p=0.027) quanto para o tempo total em
comparativos estão descritos na Tabela 3. segundos (Chi2 [2] 7.322, p=0.026).
Análises com o teste estatístico de Análises com o teste de Mann-Whitney
Kruskal-Wallis indicaram diferenças indicaram diferença significativa do
significativas para todas as medidas da número total de acertos para as idades de
Tarefa de Busca Visual de Figuras entre quatro e seis anos (Z = -2.516, p = 0.012)
todas as faixas etárias. Os principais e tempo total entre as idades de quatro e
resultados no teste estatístico de Mann- seis anos (Z = -3.874, p = 0.017). Os
Whitney demonstram haver diferenças resultados indicam não haver diferença
estatisticamente significativas de estatisticamente significativa de
desempenho, para todas as variáveis, desempenho entre as crianças de cinco e
entre as crianças de quatro e seis anos. seis anos e entre as idades de quatro e
Somente para as variáveis pontuação total cinco anos (vide Tabela 4).
e total de perseveração, não foram

Natale, L.L. et al. 31


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Idade Desempenho
Tarefas Variáveis
(anos) Qi Med Qs
4 10,00 10,00 10,00
Nº total de acertos 5 10,00 10,00 10,00
Tarefa de Busca 6 10,00 10,00 10,00
Visual de Quadrados 4 130,50 161,00 210,50
Tempo total
5 112,25 147,50 210,75
(em segundos)
6 92,00 126,00 163,00
4 93,75 100,00 100,00
Reconhecimento 5 100,00 100,00 100,00
6 100,00 100,00 100,00
TDL
4 45,00 60,00 70,00
Recenticidade 5 55,00 65,00 75,00
6 63,75 75,00 80,00
Tabela 4: Quartil Inferior (Qi), Mediana (Med) e Quartil Superior (Qs) dos Escores nas
Tarefas de Busca Visual de Quadrados e TDL conforme a Faixa Etária

Foram analisadas duas variáveis para a Mental Columbia indicaram, de maneira


Tarefa de Discriminação de Listas de geral, que a capacidade de raciocínio
Figuras (TDL – UFMG) (vide Tabela 4). geral (medida na escala) se encontra entre
Resultados com o teste estatístico média e média superior. Apenas um
Kruskal-Wallis indicaram diferenças participante do sexo masculino não
significativas para a percentagem de realizou a tarefa por motivo ignorado É
acertos em reconhecimento (Chi2 [2]= importante ressaltar que nenhum dos
6.786, p<0.05) e para a percentagem de participantes foi excluído da amostra, e o
acertos em recenticidade (Chi2 [4]= menor percentil obtido foi de 27, o que
13.516, p<0.05). O teste de Mann- significa um resultado de nível de
Whitney apontou existir uma única raciocínio geral médio.
diferença estatisticamente significativa de Análises de consistência interna com o
desempenho em função da idade, entre as Alpha de Cronbach entre os escores
crianças de quatro e seis anos para a obtidos para cada tarefa indicaram valores
variável recenticidade (Z = -3.638, p = bastante satisfatórios para as sete tarefas
0.001). analisadas (alfas entre 0.72 e 0.95). A
Foram analisadas as versões Dia e Noite e análise de consistência interna da Torre
Abstrata para a Tarefa de Stroop. Não foi de Hanói não pode ser analisada devido
encontrada nenhuma diferença ao fato de que esta medida só fornece a
significativa com o teste estatístico do pontuação total. Os coeficientes de
Kruskal-Wallis indicando que as crianças correlação do teste das duas metades r
de quatro, cinco e seis apresentam ficaram entre de 0.51 e 0.90. De um modo
distribuição amostral próximas, quando geral, os coeficientes de correlação
comparado o desempenho em função da situaram-se em uma faixa no máximo
idade. moderada de intensidade (em torno de
Os resultados da Escala de Maturidade 0.4). No entanto, os coeficientes de

Investigação das funções executivas em pré-escolares 32


Psicologia em Pesquisa | UFJF | 2(02) | 23-35 | julho-dezembro de 2008

correção, entre as tarefas executivas disfunções neurológicas. Estes resultados


(0.605 ≤ r ≥ 0.024), são, em sua grande apontam para algumas limitações quanto
maioria, maiores que os coeficientes de ao uso clínico potencial das versões
correlação entre as tarefas executivas e a adaptadas do paradigma de Stroop.
escala de maturidade mental Columbia Resultados diferentes foram encontrados
(0.074≤ r ≥ 0.06). quando foram comparados o desempenho
Discussão de pacientes com atraso do
O presente trabalho teve como principal desenvolvimento em relação a controles,
objetivo adaptar, padronizar e obter em que a tarefa mostrou-se capaz de
normas regionais intragrupo para uma discriminar entre os grupos (vide Natale,
amostra de uma cidade do interior do Haase, Heleno, Freitas, & Pinheiro,
estado de Minas Gerais em oito tarefas de 2002). Todavia, estudos adicionais com
Funções Executivas. Os resultados da populações clínicas e não clínicas se
análise estatística descritiva (mediana, fazem necessários para elucidar esta
quartis inferior e superior) e dos testes questão.
não-paramétricos permitiram a elaboração Os resultados normativos evidenciam que
dos critérios de referência normativos o desempenho das crianças em tarefas
para a amostra. As normas intragrupo executivas melhora com a idade de modo
indicam que das oito tarefas estudadas, significativo, estando em conformidade
sete delas conseguem discriminar o com as teorias em neuropsicologia do
desempenho da amostra em função da desenvolvimento (vide Garon, Bryson, &
idade, mostrando-se medidas adequadas Smith, 2008). Estas teorias afirmam, em
para avaliar o desempenho executivo. A linhas gerais, que o desenvolvimento das
exceção ocorre no teste de Stroop Dia e FE em crianças pré-escolares é
Noite, em que o desempenho das crianças caracterizado por ser um processo
não pode ser diferenciado segundo os multicomponencial e não homogêneo,
critérios estatísticos utilizados no presente além de estar, em grande parte,
trabalho. Para a Tarefa de Stroop Dia e relacionado ao desenvolvimento e ao
Noite, os resultados no teste de Kruskal- amadurecimento dos lobos frontais,
Wallis demonstraram que as medidas especialmente do córtex pré-frontal.
utilizadas, pontuação total na ordem Como descrito, os lobos frontais são
direta e pontuação total na ordem inversa, considerados como sendo o sítio neural de
somente são capazes de discriminar uma série de habilidades cognitivas mais
diferenças nas distribuições amostrais básicas necessárias para a implementação
para o tipo de escola. Entretanto, quando gradual das FE, durante o
realizadas as comparações múltiplas, não desenvolvimento infantil (Smidts, 2003).
são encontradas diferenças Adicionalmente, os dados normativos
estatisticamente significativas. Os permitem traçar um esboço do
resultados da análise descritiva indicam desenvolvimento das FE em crianças pré-
existir um efeito de teto, em que os escolares. Acredita-se que este é um passo
indivíduos têm desempenho próximo dos inicial importante por diversas razões. Por
100%. Frente a diferenças tão pequenas exemplo, para que novos instrumentos
entre os escores absolutos, pode vir a ser sejam construídos segundo o perfil do
difícil distinguir entre variações causadas desenvolvimento evolutivo em diferentes
pelo acaso ou fatores relacionados ao faixas etárias (Pasquali, 2001), os dados
desempenho daquelas relacionadas a evolutivos de uma população normal

Natale, L.L. et al. 33


Psicologia em Pesquisa | UFJF | 2(02) | 23-35 | julho-dezembro de 2008

podem auxiliar a traçar o perfil evolutivo avaliação das FE em grupos clínicos e não
de diversos distúrbios do clínicos, a realização de pesquisas das FE
desenvolvimento e neuropsiquiátricos em uma faixa etária mais abrangente e a
infantis (Lefèvre, 2004), contribuindo realização de pesquisas longitudinais.
para uma melhor delimitação do
prognóstico e auxiliando na escolha de
estratégias terapêuticas mais eficazes. Referências
Além disso, a caracterização do
desenvolvimento das FE na infância pode Alves, I. C. B. ; & Duarte, J. L. M.
auxiliar na identificação de fatores (1993). Padronização Brasileira da
preditivos do desempenho futuro em Escala de Maturidade Mental
diversas áreas, como a leitura e a escrita, Colúmbia. Em: I. C. B. Alves.
as habilidades aritméticas (Capovilla, (Org.). Escala de Maturidade
Gütschow, & Capovilla, 2004; Crone, Mental Columbia. Manual para
Wendelken, Donohue, Leijenhorst, & Aplicação e Interpretação. 1 ed.
Bunge, 2006), e no desenvolvimento das São Paulo: Casa do Psicólogo,.
habilidades interpessoais (Blair, Zelazo, Ardila, A., Pineda, D., & Rosselli, M.
& Greenberg, 2005). (2000). Correlation between
As características psicométricas das intelligence test scores and
tarefas indicam índices satisfatórios para executive function measures
os escores de consistência interna e para a Archives of Clinical
correlação no teste das duas metades. A Neuropsychology, 15, 31–36.
validade convergente e divergente para as Blair, C., Zelazo, P.D., & Greenberg,
tarefas indicou coeficientes relativamente M.T. (2005). The measurement of
baixos para a correlação de Pearson, executive function in young
sugerindo que as tarefas executivas children. Developmental
medem componentes distintos do Neuropsychology, 28, 561-571.
construto funções executivas. No entanto, Branco, D., & Costa, J. C. (2006).
os coeficientes de correlação, entre as Ressonância magnética funcional
tarefas executivas, tendem a ser maiores de memória: Onde estamos e onde
que os coeficientes de correlação entre as podemos chegar. Journal of
tarefas executivas e a escala de Epilepsy and Clinical
maturidade mental Columbia, Neurophysiology, 12, 25-30.
evidenciando uma possível dissociação Capovilla, A. G. S., Gütschow, C. R. D.,
entre as medidas executivas e as medidas & Capovilla, F.C. (2004).
de QI – não-verbal. Habilidades cognitivas que
Apesar das limitações, o presente trabalho predizem competência de leitura e
é de certa forma, pioneiro no Brasil, isto escrita. Psicologia: Teoria e
se deve ao pequeno número de estudos, Prática, 6, 13-26.
principalmente estudos com amostras Collette F., Hogge M., Salmon E., & Van
aleatórias, estratificadas e Der Linden M. (2006).
geograficamente representativas, Exploration of the neural
dedicados à investigação e avaliação das substrates of executive functioning
FE em crianças. O trabalho também by functional neuroimaging.
possibilitou identificar novos temas de Neuroscience, 139, 209-221.
pesquisa e estudo como a investigação e a

Investigação das funções executivas em pré-escolares 34


Psicologia em Pesquisa | UFJF | 2(02) | 23-35 | julho-dezembro de 2008

Crone, E.A., Wendelken, C., Donohue, Klahr, D., & Robinson, M. (1981).
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Investigação das funções executivas em pré-escolares 36


Psicologia em Pesquisa | UFJF | 2(02) | 36-50 | julho-dezembro de 2008

Estresse e enfrentamento em pais de pessoas com necessidades especiais


Stress and coping in special needs people’s parents

Altemir José Gonçalves Barbosa*


Larissa Dias de Oliveira**

Resumo
O estresse pode ser considerado um dos mais graves problemas de saúde da sociedade moderna. Pais de
pessoas com necessidades especiais são mais vulneráveis a esse problema. O presente estudo buscou avaliar as
características de estresse desses pais, bem como descrever as estratégias de enfrentamento utilizadas. Foram
aplicados o ISS-LIPP e o Inventário de Estratégias Coping em 11 pais de pessoas com necessidades especiais
atendidas em uma instituição A maioria dos participantes possuía sintomas significativos de estresse, sendo
que dois deles se encontravam na fase de quase exaustão e sete na fase de resistência. Cinco possuíam tanto
sintomas físicos quanto psicológicos e quatro possuíam prevalência de sintomas psicológicos. A estratégia de
coping mais utilizada foi a resolução de problemas, enquanto a menos usada foi o afastamento. Não foram
constatadas diferenças significantes entre as estratégias de enfrentamento utilizadas por pais com e sem
sintomas significativos de estresse.

Palavras-chave: estresse, coping, pais, necessidades especiais

Abstract
Stress can be considered one of the most critical health problems of modern society. Special needs people’s
parents are more vulnerable to this problem. The current studies investigated parents stress characteristics and
describe coping strategies used for them. The ISS-LIPP and the Coping Strategies Inventory were applied to
11 parents of people with special needs that were attended in an institucion. Most participants had significant
stress symptoms. Two of them were in the quasi exhaustion stage and seven participants were in the resistance
stage. Five participants had phisycal and psychological symtoms and four had only psychological symptoms.
The coping strategy more used was problem solving and the less used was distancing. There wasn't
significantily diferences between coping strategies used for parents with and without stress.
Key-Words: stress, coping, parents, special needs

__________________________________
* Professor do Departamento de Psicologia/UFJF
**– “Coordenadora do Programa de Inclusão na Escola e do Programa de Inclusão na Comunidade" e
Discente do Curso de Especialização em Psicologia e Desenvolvimento Humano/UFJF

Introdução deficiência a influência das relações


A importância da família na familiares é ainda mais clara, pois se
determinação do comportamento trata de uma experiência inesperada, de
humano não pode ser negada. Ela é mudança de planos e expectativas.
uma das responsáveis pelo (Fiamenghi Jr. & Messa, 2004)
desenvolvimento cognitivo, emocional A anormalidade constatada no
e social de uma criança, bem como nascimento leva a uma ruptura das
pela criação e manutenção de um expectativas e adaptação forçada à
ambiente propício ao desenvolvimento realidade, que acentua a distância entre o
Em famílias com filhos com filho idealizado e o filho real, forçando a

Barbosa, A.J.G & Oliveira, L.D. 36


Psicologia em Pesquisa | UFJF | 2(02) | 36-50 | julho-dezembro de 2008

mobilização de mecanismos de defesa autocomiseração, sentimentos


adaptativos intensos. A aceitação da ambivalentes, culpa seguida de
deficiência, então, começa quando o superproteção, projeção e sentimentos de
sonho da perfeição é desfeito. (Neder & vergonha que associados aos sentimentos
Quayle, 1996 apud Gonçalves & Hippert, de culpa podem levar à depressão. Além
1999) dessas reações, são estabelecidos também
Entretanto, Buscaglia (1997, apud padrões de dependência mútua (Telford &
Fiamenghi Jr. & Messa, 2004) afirma que, Sawrey, 1984).
mesmo após o impacto inicial, a presença O nascimento de uma criança com
de uma criança com deficiência exige que esse tipo de necessidade especial pode
o sistema se organize para atendê-la. Para levar a problemas conjugais, até mesmo
a autora, esse processo de mudança pode por dificuldades financeiras. Segundo
durar de dias a anos e a flexibilidade com Miller (1995), o desgaste da relação não
que a família irá lidar com a situação se deve apenas à deficiência em si, mas da
depende das experiências prévias, reação dos pais à deficiência e do
aprendizado e personalidade de seus relacionamento que eles mantinham
membros. Para Schmidt (2003), com o anteriormente. Pais e mães podem reagir
tempo, a mãe terá que descobrir novos de formas diferentes, mas, em geral, é a
desejos em relação ao seu bebê enquanto mãe que assume a maior parte dos
renuncia aos poucos aos desejos em torno cuidados, afetando sua vida pessoal,
do filho imaginado. Isso, porém, só será profissional e social (Miller, 1995).
possível após a elaboração do luto pela Para Finnie (1980), as mães são
perda do bebê perfeito que não nasceu propensas a aceitar toda a carga de cuidar
(Schmidt, 2003). do filho deficiente, sentindo-se culpadas
Para alguns autores (Bataglia, quando algo sai errado, já que carregaram
2003; Schmidt, 2003), o luto é um esse bebê durante nove meses em seu
processo adaptativo saudável e ‘natural’ corpo. A autora afirma também que os
quando se tem um bebê com deficiência. maridos muitas vezes permitem tal
Bataglia (2003) afirma que os situação. Segundo Lefèvre (1985), isso
mecanismos de defesa mais intensos pode desequilibrar o relacionamento entre
nessa situação são a negação e a o casal. Para a autora, contudo, os pais
repressão. Segundo a autora, a negação é podem ficar ainda mais unidos quando a
um mecanismo de defesa que bloqueia as criança consegue se desenvolver,
informações com as quais os envolvidos frequentar a escola e tornar-se mais
não podem lidar. O problema é quando a independente nas atividades da rotina
negação não cede lugar à elaboração e, diária.
consequentemente, a família não trata a Lipp e Rocha (1996) afirmam que
criança da maneira devida, estabelecendo tudo o que quebra o equilíbrio interno de
metas que ela não é capaz de atingir um ser humano pode ser entendido como
(Bataglia, 2003). um evento estressor. Assim, a presença de
Telford e Sawrey (1984) um indivíduo com necessidades especiais
apresentam algumas reações que são em uma família pode ser considerada um
características tanto dos pais de crianças fator de estresse.
com deficiência quanto de quaisquer Segundo Loures, Sant’Anna,
pessoas diante do conflito e da frustração: Baldotto, Souza e Nóbrega (2002, apud
negação da incapacidade da criança, Martins, 2006), o estresse mental ou

Barbosa, A.J.G & Oliveira, L.D. 37


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emocional é um dos maiores problemas enfrentamento. Ela define coping como


das sociedades modernas e, para Martins uma resposta com o objetivo de aumentar,
(2006), é a causa de uma série de criar ou manter a percepção de controle
modificações psicológicas e biológicas, pessoal.
tendendo a exacerbar a vulnerabilidade às O coping envolve a interação entre
doenças e a comprometer a capacidade da o organismo e o ambiente, na qual se
pessoa de resolver problemas de maneira lança mão de um conjunto de estratégias
satisfatória. Segundo a autora, essas destinadas a promover a adaptação às
modificações são uma tentativa de circunstâncias estressantes. A tendência
resposta do organismo frente às de escolher determinada estratégia de
exigências do corpo, dos pensamentos, enfrentamento dependerá do repertório
dos sentimentos e do meio ambiente. Ela individual e de experiências reforçadas.
afirma, ainda, que responder ao que nos é (Zakir, 2003)
solicitado exige mobilização interna, o Para Cerqueira (2000), o conceito
que acaba causando um desgaste. Em de coping aplica-se aos acontecimentos
situações extremas, entretanto, onde a que se sucedem ao longo da vida das
exigência emocional é intensa, o desgaste pessoas referentes a perdas, dificuldades,
se transforma em esgotamento, fatos inesperados e tragédias. Lazarus e
dominando o indivíduo de ansiedade, Folkmam (1984, apud Savoia,1999)
angústia, medo e mal-estar físico e, afirmam que o enfrentamento tem duas
consequentemente, levando ao estresse funções: modificar a relação entre pessoa
(Martins, 2006). e o ambiente, controlando ou alternando o
Kobasa (1979, apud Pereira & problema (coping centrado no problema),
Tricoli, 2003) verificou que as pessoas ou adequar a resposta emocional ao
mais resistentes ao estresse parecem ter problema (coping centrado na emoção). O
três características básicas em comum: enfrentamento centrado no problema se
abertura a mudanças, sensação de estar dirige às situações mutáveis, enquanto o
em controle de suas vidas e envolvimento segundo – centrado na emoção a situações
em áreas que as motive. Lipp, Souza, – às imutáveis. Assim, as estratégias de
Romano e Covolan (1991) acrescentam, coping centradas na emoção têm maior
também, outras características que probabilidade de ocorrer quando já
auxiliam na resistência ao estresse: houver uma avaliação de que o problema
atitude positiva perante a vida, otimismo, não pode ser modificado. Já as estratégias
aceitação de si próprio como capaz, de enfrentamento centradas no problema
porém falível, capacidade para lidar com são mais prováveis quando as situações
as frustrações e capacidade de ser são consideradas fáceis de modificar.
objetivo e racional. A pessoa que, no (Lazarus & Folkmam, 1984 apud Savoia,
entanto, não possui tais características 1999)
pode diminuir os efeitos negativos do Os copings centrados no problema
estresse pela aprendizagem de estratégias e na emoção se influenciam mutuamente
ou técnicas para lidar com o estresse em todas as situações estressantes. As
(Lipp, Souza, Romano & Covolan, 1991). pessoas podem utilizar as duas formas de
Savoia (1999) afirma que, para enfrentamento, o que dependerá de seus
dominar situações estressoras ou se recursos como saúde, energia, crenças
adaptar a elas, o indivíduo desenvolve existências, habilidades de resolução de
habilidades denominadas coping ou

Estresse e coping 38
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problemas, habilidades sociais, suporte especiais (retardo mental, autismo,


social e recursos materiais (Savoia,1999). dificuldades de aprendizagem,
Os mecanismos de coping se deficiências múltiplas e deficiência
instalam ao longo do desenvolvimento sensorial/física) experimentam níveis
humano e dependem das respostas do similares de estresse, embora o estresse
indivíduo às variáveis da situação. Assim, paterno esteja mais associado à
a probabilidade de emissão da resposta do dificuldade em manter uma relação
enfrentamento depende de todo um próxima com o filho, enquanto o estresse
contexto que inclui o resultado do materno é consequência da demanda de
enfrentamento no passado, o efeito cuidados da criança. Ainda na mesma
produzido em situações geradoras de pesquisa, concluiu-se também que as
estresse anteriores.(Zakir, 2003) características da criança influenciam o
Ergüner-Tekinalp e Akkök (2004) nível de estresse dos pais, sendo
pesquisaram os efeitos de um programa necessário, portanto, o desenvolvimento
de treinamento de habilidades de coping de estratégias de enfrentamento efetivas.
nos níveis de estresse, de desesperança e Glidden, Billings e Jobe (2006)
nas estratégias de enfrentamento de mães investigaram as estratégias de coping
de crianças autistas. Os resultados adotadas por pais e mães legítimos e
revelaram diferenças no nível de adotivos de crianças com risco ou com
desesperança associado ao uso de suporte atraso no desenvolvimento, obtendo
social como estratégia de enfrentamento. resultados similares com todos os
No programa, as mães foram treinadas a participantes. A estratégia de
verem situações difíceis de forma enfrentamento mais utilizada foi a
diferente, podendo ficar mais relaxadas e resolução de problemas, enquanto a
menos tristes perante dificuldades, além menos utilizada foi fuga/esquiva. Busca
de desenvolverem uma visão mais por suporte social também pode ser
otimista do futuro. Elas também tiveram a considerada uma estratégia bastante
chance de se expressar, tentar resolver utilizada.
seus problemas e dar suporte umas às White e Hastings (2004)
outras. No entanto, os resultados da realizaram um estudo com 33 pais de
pesquisa não demonstraram haver adolescentes com retardo mental de
diferença significativa no uso de evitação moderado a profundo com o objetivo de
e resolução de problemas como avaliar o bem-estar (estresse, ansiedade e
estratégias de coping associado ao nível depressão, e satisfação com os
de estresse das mães. De acordo com os cuidadores) associado a suporte social e
instrumentos aplicados, o treino não teve características dos filhos. Os pais de
nenhum efeito na redução dos níveis de adolescentes com autismo relataram mais
estresse das mães que participaram. As estresse do que pais de adolescentes sem
entrevistas, porém, indicaram que elas tal diagnóstico. Foi concluído também
estavam mais relaxadas, com idéias mais que os problemas comportamentais dos
positivas sobre si mesmas e sobre as filhos influenciam negativamente o nível
crianças, além de se sentirem menos de bem-estar dos pais, enquanto o suporte
estressadas. social (prático, e não emocional) tem
Em uma pesquisa realizada por influência positiva em tais níveis.
Keller e Honig (2004), constatou-se que
pais e mães de crianças com necessidades Objetivos

Barbosa, A.J.G & Oliveira, L.D. 39


Psicologia em Pesquisa | UFJF | 2(02) | 36-50 | julho-dezembro de 2008

Uma vez constatada a relevância •Comparar os objetivos específicos


do estresse e do coping para pais de anteriores.
pessoas com deficiência, o presente Método
estudo teve como objetivo geral avaliar o Participantes
nível de estresse de pais de pessoas com A amostra foi constituída por 11
essa necessidade especial, bem como as pais (10 mães e um pai) de pessoas com
estratégias de enfrentamento utilizadas. necessidades especiais descritas no
Como objetivos específicos, Tabela 1 vinculadas a uma instituição
propuseram-se: especializada no atendimento
•Identificar a presença de sintomas de psicoeducacional para essas pessoas. Os
estresse, os tipos de sintomas participantes foram inseridos na amostra
(somáticos ou psicológicos) e a fase de acordo com o interesse de participação
em que se apresentam; na pesquisa. Dessa forma, não existiram
•Identificar as estratégias utilizadas critérios de exclusão, exceto daqueles
para lidar com eventos estressores; que, após esclarecimento, não
consentiram em participar do estudo.

Pais Prole
Mãe, 44 anos, ensino médio Gênero feminino, 9 anos, diagnóstico de
1
completo, dona de casa. Síndrome de Down.
Mãe, 31 anos, ensino fundamental Gênero feminino, 10 anos, diagnóstico de
2
completo, manicure/cabeleireira. microcefalia.
Mãe, 45 anos, ensino superior Gênero masculino, 4 anos, diagnóstico de
3
completo, médica. autismo
Mãe, 54 anos, ensino superior Gênero feminino, 18 anos, diagnóstico de
4
completo, aposentada. deficiência mental severa.
Mãe, 48 anos, ensino médio Gênero masculino, 15 anos, diagnóstico de
5
completo, dona de casa. microcefalia.
Mãe, 42 anos, ensino fundamental Gênero feminino, 3 anos, diagnóstico de
6
completo, dona de casa. Síndrome de Down.
Mãe, 48 anos, ensino superior Gênero feminino, 9 anos, diagnóstico de
7
completo, professora. epilepsia.
Gênero masculino, 6 anos, em avaliação
Mãe, 39 anos, ensino superior
8 com hipótese diagnóstica de deficiência
completo, assistente social.
mental.
Mãe, 41 anos, ensino médio Gênero feminino, 20 anos, diagnóstico de
9
completo, dona de casa. deficiência mental moderada.
Pai, 42 anos, ensino superior Gênero masculino, 6 anos, diagnóstico de
10
completo, advogado. transtorno invasivo do desenvolvimento.
Mãe, 45 anos, ensino fundamental Gênero masculino, 12 anos, diagnóstico de
11
incompleto, dona de casa. TDAH.

Tabela 1: Caracterização dos participantes e da prole.

Estresse e coping 40
Psicologia em Pesquisa | UFJF | 2(02) | 36-50 | julho-dezembro de 2008

Materiais original de Folkman e Lazarus (1985).


Além de um Termo de Cabe ressaltar também que o
Consentimento Livre e Esclarecido – questionário foi todo adaptado para o
TCLE (Anexo 1) elaborado de acordo tempo presente. Solicitou-se aos
com a Resolução 196/96 (Brasil, 1996), participantes que considerassem, ao
foram usados os seguintes materiais: responder o inventário, o que fazem
1.ISS- Lipp. Trata-se de um inventário no dia-a-dia em situações relacionadas
que visa identificar a presença de aos filhos com necessidades especiais.
sintomas de estresse, os tipos de Mantendo a estrutura do instrumento,
sintomas (somáticos ou psicológicos) empregaram-se quatro pontos para as
e a fase em que se apresentam. O teste respostas: 0 – não uso essa estratégia;
é composto de quadros que se referem 1 – uso um pouco; 2 – uso bastante; 3
às quatro fases do estresse. No – uso em grande quantidade.
primeiro quadro, composto de 12
sintomas físicos e três psicológicos, o Procedimento
respondente assinala os sintomas O primeiro passo para concretizar
físicos e psicológicos que tenha o presente estudo foi aprová-lo em um
experimentado nas últimas 24 horas. Comitê de Ética em Pesquisa (CAAE -
No segundo quadro, composto de dez 0130.0.180.000-07). Na fase de coleta de
sintomas físicos e cinco psicológicos, dados, após o preenchimento do TCLE,
marcam-se os sintomas os instrumentos foram autopreenchidos
experimentados na última semana. No nas dependências da instituição onde foi
quadro 3, composto de 12 sintomas obtida a amostra. A abordagem e a coleta
físicos e 11 psicológicos, assinalam-se de dados se deram de forma individual,
os sintomas experimentados no último sendo que um dos pesquisadores auxiliou
mês. No total, o ISSL inclui 37 itens em casos de dificuldade de leitura.
de natureza somática 19 de natureza Após tabulação, os dados foram
psicológica, sendo que os sintomas tratados quantitativamente. Empregaram-
muitas vezes se repetem, diferindo se provas descritivas e inferenciais. Por
somente em sua intensidade e omissão, utilizou-se um nível de
seriedade. (Lipp, 2000) significância de 5% e provas não
2.Inventário de Estratégias de Coping paramétricas.
de Folkman e Lazarus. O questionário
é composto por 66 itens que traduzem Resultados
pensamentos e ações que as pessoas O teste de Qui-quadrado revelou
podem utilizar para lidar com que a maioria dos participantes possui
demandas, internas ou externas, de sintomas significativos de estresse (n = 9;
2
um determinado evento estressante. A 81,82%; o = 4,45; gl = 1; p = 0,03).
partir do padrão de respostas dado Dois participantes (22,22%) estavam na
pelo sujeito, é possível compreender fase de quase exaustão, e sete (77,78%) se
quais os tipos de estratégias de encontravam na fase de resistência.
enfrentamento empregadas por ele. Quanto à sintomatologia, cinco (55,56%)
Foi utilizada a versão adaptada por possuíam tanto sintomas físicos quanto
Savoia, Santana e Mejias (1996) do psicológicos, e quatro (44,44%) possuíam

Barbosa, A.J.G & Oliveira, L.D. 41


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prevalência de sintomas do tipo


psicológico.

Estresse
Pais Sintomas
Fase Sintomatologia
Significativos
1 Sim Quase-exaustão Física e Psicológica
2 Sim Resistência Psicológica
3 Sim Resistência Física e Psicológica
4 Sim Quase-exaustão Física e Psicológica
5 Sim Resistência Física e Psicológica
6 Sim Resistência Psicológica
7 Não - -
8 Não - -
9 Sim Resistência Física e Psicológica
10 Sim Resistência Psicológica
11 Sim Resistência Psicológica

Tabela 2: Características do estresse em pais de pessoas com necessidades especiais.

A Figura 1 resume os resultados frequente da forma específica de coping.


relativos aos fatores Inventário de Os participantes 3 e 11 relataram usar a
Estratégias de Coping de Folkman e estratégia Resolução de Problemas mais
Lazarus adaptato para pais de pessoas que os outros participantes. Já o
com necessidades especiais. Há que se participante 10 utiliza a estratégia
reiterar que resultados próximos de zero Confronto em menor quantidade enquanto
denotam que a estratégia não é utilizada o participante 1 utiliza a mesma estratégia
ou é pouco utilizada enquanto escores numa quantidade maior.
próximos de três revelam um uso

Estresse e coping 42
Psicologia em Pesquisa | UFJF | 2(02) | 36-50 | julho-dezembro de 2008

1
3
2
0 0
1 d

c
d

o
e

o
A

e
f

n
C

o
o

Figura 1: Boxplot das estratégias de enfrentamento utilizadas pelos pais de pessoas com
necessidades especiais.

Ao comparar a frequência com aparecem suporte social ( X = 1,56±0,59)


que os pais de pessoas com necessidades e aceitação de responsabilidade ( X
especiais adotam as oito formas de = 1,45±0,55).
enfrentamento mensuradas pelo Ao comparar as estratégias de
Inventário de Estratégias de Coping com enfrentamento utilizadas por pais com e
o teste de Qui-quadrado, verificou-se que sem sintomas significativos de estresse
há diferença significante entre elas (Figura 2) com o teste U de Mann-
( 2o = 31,26; gl = 7; p = 0,00). Assim, a Whitney, não foram constatadas
estratégia mais utilizada foi resolução de diferenças significantes entre eles em
problemas ( X = 1,75±0,49), enquanto a nenhum dos fatores mensurados pelo
menos usada foi afastamento ( X Inventário de Estratégias de Coping:
= 0,87±0,39). Auto-controle (X confronto (Uo = 5,00; p = 0,34);
= 1,67±0,52) e reavaliação positiva ( X afastamento (Uo = 3,50; p = 0,19);
= 1,67±0,44) também podem ser autocontrole (Uo = 7,50; p = 0,72; suporte
consideradas estratégias bastante social (Uo = ; p = 0,24; aceitação de
utilizadas. Nesse mesmo sentido, responsabilidade (Uo = 7,00; p = 0,63;
fuga/esquiva (Uo = 5,00; p = 0,34;
confronto ( X = 0,88±0,32) pode ser
resolução de problemas (Uo = 6,00;
considerada uma estratégia pouco p = 0,47; reavaliação positiva (Uo = 6,00;
frequente. Em um nível intermediário, p = 0,48).

Barbosa, A.J.G & Oliveira, L.D. 43


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3,0

2,0
Confronto
Média

Afastamento

Autocontrole

Suporte social

1,0 Aceitação de respons

abilidade

Fuga e esquiva

Resolução de problem

as

0,0 Reavaliação positiva

Sim Não

Sintomas significativos de stress


Figura 2: Estratégias de enfrentamento utilizadas por pais com e sem sintomas
significativos de estresse.

Ao serem comparadas as (Uo = 3,00; p = 0,23), suporte social


estratégias de coping empregadas por pais (Uo = 1,50; p = 0,10), fuga e esquiva
com sintomas significativos de estresse, (Uo = 4,50; p = 0,46), resolução de
considerando a fase em que se encontram problema (Uo = 6,00; p = 0,77) e
– no caso do presente estudo somente reavaliação positiva (Uo = 5,50; p = 0,66),
resistência e quase-exaustão, uma vez que não foram encontradas diferenças
não havia pais nas demais fases (alerta e estatisticamente significativas.
exaustão) –, verificou-se que eles diferem Ao relacionar a presença de
significativamente no caso do sintomas significativos de estresse e
afastamento (Uo = 0,50; p = 0,05) e da atividade trabalhista externa, verificou-se
aceitação de responsabilidade (Uo = 0,50; que, aproximadamente, 83% dos
p = 0,05). Os progenitores que estão com participantes com tais sintomas não
estresse na fase de quase exaustão tendem possuem trabalho externo. Constatou-se,
a usar com mais frequência essas duas ainda, que 60% dos que trabalham em
formas de enfrentamento. Nos demais atividades extradomiciliares possuem
fatores do inventário, isto é, confronto sintomas significativos de estresse.
(Uo = 4,50; p = 0,45), autocontrole

Estresse e coping 44
Psicologia em Pesquisa | UFJF | 2(02) | 36-50 | julho-dezembro de 2008

100,00

90,00

80,00 83,33

70,00

60,00
60,00
%

50,00

40,00
40,00
30,00

20,00 Trabalho
16,67 Não tem trabalho ext
10,00
erno

0,00 Tem trabalho externo

Sim Não

Sintomas significativos de stress


Figura 3: Sintomas significativos de estresse segundo o tipo de trabalho realizado pelos
participantes.

Discussão Keller & Honig, 2004; White & Hastings,


Na padronização e validação de 2004) que afirma que pais de pessoas com
constructo do ISS-LIPP no ano 2000, em necessidades especiais tendem a
uma amostra de 1843 respondentes, 44% manifestar mais estresse.
não possuíam sinais significativos de Dentre os participantes com
estresse, 1% estava na fase de exaustão e estresse, sete encontravam-se na fase de
53% na fase de resistência. Cabe ressaltar resistência. Lipp (2003) afirma que nessa
que, naquele momento, o teste ainda não fase o organismo tenta se reequilibrar
contemplava a divisão da fase de após a quebra da homeostase causada
resistência em duas: resistência e quase- pelo estresse, podendo gerar sensação de
exaustão. (Lipp, 2000) No presente desgaste generalizado sem causa aparente
estudo, aproximadamente 82% dos e dificuldades com a memória. Segundo a
participantes possuíam sintomas autora, quanto maior é o esforço para se
significativos de estresse, corroborando a adaptar, maior é o desgaste do organismo.
literatura (por exemplo, Glidden, Billings Quando o estressor é contínuo e a pessoa
& Jobe, 2006; Hastings & Beck, 2004; não possui estratégias adequadas para

Barbosa, A.J.G & Oliveira, L.D. 45


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lidar com ele, manifesta-se a fase de 2006). Assim, seu uso infrequente por
quase-exaustão, como ocorreu com dois parte dos pais de pessoas com
dos participantes. Para Lipp (2003), na necessidades especiais pode ser
fase de quase-exaustão as defesas do considerado positivo para os participantes
organismo começam a ceder já que é importante que pais de pessoas
impossibilitando-o de resistir às tensões e com necessidades especiais entrem em
de restabelecer a homeostase interna. contato com pais em situações
Oscilações entre momentos de bem-estar semelhantes para se apoiarem
e de desconforto, cansaço e ansiedade mutuamente. Além disso, White e
tornam-se comuns e podem motivar o Hastings (2004) ponderam que atividades
surgimento de doenças. que envolvam suporte social tendem a
A presença de sintomas de melhorar o bem-estar e reduzir estresse e
estresse nos pais, bem como a fase em problemas de saúde.
que se encontram, podem estar associados As estratégias de autocontrole e de
às características dos filhos (Keller & reavaliação positiva também foram
Honig, 2004) ou ainda ao uso de utilizadas frequentemente. A primeira
estratégias inadequadas de coping. Assim, pode estar servindo para refrear a
com relação ao resultado do participante expressão de sentimentos agressivos ou
1, pode-se formular a hipótese de que o de qualquer outra emoção (Silva, Müller
fato de estar na fase de quase- exaustão de & Bonamingo, 2006). Já a segunda pode
estresse pode estar relacionado ao uso ser considerada uma estratégia adequada
além do esperado de confrontação, já que, por levar a pessoa a buscar formas mais
segundo Silva, Muller e Bonamigo funcionais de ver e lidar com situações
(2006), a estratégia confronto descreve estressoras (“mudo ou cresço como
esforços agressivos para alterar situações, pessoa de uma maneira positiva”,
não sendo, portanto, uma estratégia “modifico aspectos da situação para que
saudável de coping. tudo dê certo no final”, “rezo”).
O uso da estratégia resolução de Estratégias que apareceram em nível
problemas em maior quantidade pelos intermediário, como suporte social e
pais coincide com os resultados da aceitação da responsabilidade pode
pesquisa de Glidden, Billings e Jobe demonstrar que os participantes, às vezes,
(2006) sobre as estratégias de coping estão mais dispostos a pedir ajuda e a
adotadas por pais de crianças com atraso compartilhar seus sentimentos e que, em
no desenvolvimento. O fator resolução de outras situações, preferem resolver seus
problemas do Inventário de Estratégias de problemas sozinhos.
Coping (Savoia, 1999) abrange os itens Diante dos resultados que
“concentro-me no que deve ser feito em relacionam estresse e ocupação dos
seguida, no próximo passo”, “faço um participantes, pode-se propor a hipótese
plano de ação e o sigo”, “recuso recuar e de que o tipo de trabalho executado pelos
batalho pelo que eu quero” e “eu sei o que pais tenha uma associação com sintomas
deve ser feito, portanto dobro meus significativos de estresse. Ainda que o
esforços para fazer o que for necessário”. presente estudo não permita inferir
A estratégia menos utilizada, a de relações de causa e efeito, parece sensato
afastamento, não é uma estratégia afirmar que ter uma vida ocupacional, que
adequada, pois reforça atitudes de vá além das atividades domésticas, pode
isolamento (Silva, Müller & Bonamingo, atuar como um fator de proteção para

Estresse e coping 46
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estresse no caso de pais de pessoas com habilidades e aos recursos que as


necessidades especiais. tornam capazes de adquirir controle
Sarda Jr., Legal e Jablonski Jr. positivo sobre suas vidas, como
(2004) afirmam que a forma como o também o de melhorar a qualidade de
individuo responde à situação é seu estilo de vida. (Singh et al., 1995
determinante para a resolução e para o apud Williams & Aiello, 2004).
nível de estresse, pois algumas estratégias Assim, a família “empoderada" passa
têm se mostrado mais eficazes do que de uma posição passiva para uma
outras para lidar com situações posição de agente transformadora da
estressoras. Assim, a presença de estresse própria vida
nos pais de pessoas com necessidades Grupos terapêuticos
especiais, acima do estimado para toda a psicoeducacionais (Yin & Oliveira,
população, pode estar relacionada tanto às 2004), de apoio e orientação (Souza;
características de desenvolvimento dos Fraga & Oliveira, 2004), constituem uma
filhos quanto à maneira com que lidam estratégia que tem sido bastante utilizada
com situações relacionadas à prole. para desenvolver estratégias de coping em
Cumpre reiterar que a presente pais de pessoas com necessidades
investigação não permite inferir relações especiais. Segundo Ardore e Regen
de causa e efeitos, sendo necessários, para (2003), o trabalho com grupo de pais
tanto, estudos adicionais. possibilita atingir mais pessoas em menos
Se for considerado que nem sempre é tempo. Além disso, a interação no grupo
possível interferir de forma possibilita a identificação por problemas
significativa no desenvolvimento de semelhantes, apoio mútuo, troca de
pessoas com necessidade especiais, experiências de vida familiar e
pelo menos em um curto espaço de extrafamiliar e quebra do isolamento
tempo torna-se fundamental que os social, o qual pode ocorrer como
pais sejam instruídos para lidar com conseqüência da presença da criança
eventos estressores. Ergüner-Tekinalp deficiente.
e Akkök (2004) afirmam que Além de constatar que os pais de
programas de treinamento de pessoas com necessidades especiais
habilidades de coping oferecem aos investigados possuem sintomas
pais habilidades úteis que podem ser significativos de estresse acima do
usadas a longo prazo. Para os autores, esperado para a população em geral, a
famílias de crianças com necessidades presente investigação verificou que:
especiais precisam de informação para 1. Havia
reorganizar suas vidas na direção de participantes
uma adaptação positiva. Eles afirmam, que estavam
contudo, que as intervenções tendem a com estresse na
focar as crianças negligenciando seus fase de
familiares. resistência e,
Ao considerar como foco de preocupanteme
intervenção a família e não apenas a nte, alguns na
criança, maximizando suas estratégias quase-exaustão;
de enfretamento a eventos estressores, 2. Os participantes
esta passa a “empoderar-se”, ou seja, possuíam
passa a ter acesso ao conhecimento, às sintomas tanto

Barbosa, A.J.G & Oliveira, L.D. 47


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físicos quanto estressados ou, pelo contrário, os que


psicológicos; estão menos estressados que os outros
3. Os pais que não concordaram em participar.
utilizavam mais Dessa forma, novos estudos
a resolução de epidemiológicos sobre estresse em pais
problemas de pessoas com necessidades especiais
como estratégia são necessários. Outro tipo de pesquisa
de extremamente necessária diz respeito a
enfrentamento; pesquisas com intervenção, isto é,
4. O afastamento grupos educacionais e/ou terapêuticos
foi a forma de para esses progenitores. Vale ressaltar
coping menos que era esse o objetivo inicial dos
utilizada pelos autores, mas não houve adesão.
participantes; Pais de pessoas com necessidades
5. Pais com e sem especiais representam, portanto, uma
sintomas população que tende a manifestar mais
significativos sintomas significativos de estresse do
de estresse que a maioria das pessoas e, por isso,
utilizavam necessitam de uma atenção especial
praticamente as por parte dos profissionais de saúde,
mesmas especialmente dos psicólogos, para que
estratégias de os pais possam desenvolver estratégias
coping; de enfrentamento adequadas. Só assim
6. É possível poderão cumprir a difícil tarefa de
propor a desenvolvimento que é ser pai ou mãe
hipótese de que de uma pessoa com necessidade
exercer algum especial.
tipo de trabalho
externo pode Referências
atuar como um Ardore, M. & Regen, M. (2003). O
fator de momento da notícia: reações
proteção contra iniciais e o processo rumo à
o estresse para aceitação. Em: Souza, A.M.C.
pais que têm (org). A criança especial: temas
filhos com médicos, educativos e sociais (pp.
necessidades 283-297). São Paulo: Roca.
especiais. Bataglia,P. U. R. (2003) Construindo um
O presente estudo tem limitações no vínculo especial. Em: Souza,
que se refere à validade externa, pois A.M.C. (org). A criança especial:
se trata de uma amostra pequena de temas médicos, educativos e
pais de pessoas que frequentam uma sociais. (pp. 187-205). São Paulo:
mesma instituição. Além disso, como a Roca.
participação não era obrigatória, Brasil – COMISSÃO NACIONAL DE
aqueles que concordaram em fazer ÉTICA EM PESQUISA
parte da pesquisa podem ser (CONEP). Resolução 196/96.
justamente os que se sentem mais Brasília: Autor.

Estresse e coping 48
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Cerqueira, R. S. A. R. (2000) O conceito Journal of Orthopsychiatry. 24


e metodologia de coping: existe (3), 337-348.
consenso e necessidade? Em: R. Lefèvre, B. H. (1985) Mongolismo:
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Barbosa, A.J.G & Oliveira, L.D. 51


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Relação entre consciência morfológica e a escrita em crianças do ensino fundamental ¹

The relationship between morphological awareness and spelling in Primary Education


children

Márcia Maria Peruzzi Elia da Mota*


Acácia Aparecida Angeli dos Santos**
Jaqueline Dias, Nádia Paiva,
Stella Mansur-Lisboa, Danielle Andrade Silva***

Resumo
O presente estudo teve como objetivo verificar a contribuição da consciência morfológica para a aquisição da
escrita em 52 crianças de uma escola de ensino fundamental federal situada na Zona da Mata mineira. Dentre
elas, 25 cursavam a primeira série (média de idade 95,9 meses, dp=3,8) e 27 estavam na segunda-série (média
de idade 106,5 meses e dp=3,9). No sistema atual, essas séries corresponderiam ao segundo e terceiro ano do
Ensino Fundamental. Os instrumentos utilizados para a coleta de dados incluíram o ditado de um texto e duas
tarefas para a avaliação da consciência morfológica. Os resultados indicaram que as crianças da 2ª série não
apresentaram escores significativamente superiores às da 1ª série na escrita medida pelo ADAPE. Ao lado
disso, identificou-se a existência de índices de correlação altamente significativos entre o desempenho na
escrita e em uma das tarefas de consciência morfológica. Os resultados obtidos são similares aos de alguns
estudos recuperados, mas dada à existência de outros, com achados controversos, sugere-se que pesquisas
similares que controlem outras habilidades linguísticas sejam futuramente realizadas.

Palavras-chave: habilidade linguística, consciência metalingüística, alfabetização, avaliação psicológica

Abstract
The present study has the objective of verifying the relationship between morphological awareness and
spelling acquisition of 52 children enrolled in Primary education of a federal education school in the Zona da
Mata. Amongst them 25 attended a the first grade (mean age 95,9 months, s.d=3,8) and 27 second grade
(mean age 106,5 months and s.d=3,9). In the current system these series would correspond to second and third
year of Primary Education. The instruments used for data collection included a dictated text and two tasks for
the evaluation of the morphologic awareness. The results indicated that the children of 2nd grade has not
presented escores significantly better than the ones of 1st grade children in spelling measured by the
ADAPE.Besides that, there were highly significant correlation between spelling and one of the morphological
awareness tasks. The results were similar to those obtained by some studies, but given the existence of other
controversial results it suggests that similar research that controls other linguistic abilities should be carried
out in the future.

Key-Words: linguistic ability, metalinguistic awareness, literacy, psychological evaluation

________________________________
¹Agradecimentos ao financiamento da FAPEMIG Processo Nº: APQ-00679-08 bolsista de Iniciação Científica
do CNPq Stella Mansur-Lisboa; bolsista de iniciação científica da FAPEMIG Jaqueline Dias
Comitê de ética: (protocolo CEP/UFJF 956 002 2007)
* Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Juiz de Fora; doutora em Psicologia
Universidade de Oxford
** Docente da graduação e da pós-graduação em Psicologia da Universidade São Francisco – Itatiba-SP;
doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela USP;
*** Alunas de Iniciação Científica da Universidade Federal de Juiz de Fora

Do ponto de vista da psicologia combina dois tipos de princípios: o


cognitiva, podemos dizer que a escrita princípio fonográfico e o semiográfico. O

Mota, M.M.P.L. et al.        51


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primeiro envolve estabelecer como as fonológica ajuda a alfabetização, e que o


unidades gráficas - os grafemas ou letras - treinamento dessa habilidade
correspondem aos sons que compõem a frequentemente tem sido utilizado
fala. Esse princípio também é muitas visando à remediação dos problemas de
vezes chamado de princípio alfabético. O leitura (Bradely & Bryant, 1985;
segundo princípio envolve estabelecer Cuninghan, 1990; Goswami & Bryant,
como os grafemas representam 1990). No Brasil, os trabalhos de Barrera
significados das palavras (Marec-Breton e Maluf (2003), Capovilla e Capovilla
& Gombert, 2004). (2000), Cardoso-Martins (1995),
Fonemas são as menores unidades de Guimarães (2003), Pestsun (2005) e
som que compõem as palavras, já os Santos (1996), só para citar alguns,
morfemas são as menores unidades de confirmam a importância do tema para
significado das palavras. O aquisição da língua escrita.
processamento morfológico está mais O princípio que norteia esses trabalhos
fortemente associado ao princípio é o de que a criança, capaz de refletir
semiográfico, enquanto o processamento sobre os sons da fala, teria mais facilidade
fonológico está mais próximo do de associar esses sons às letras,
princípio fonográfico. adquirindo o princípio alfabético. Essa
Nos últimos 30 anos, houve um hipótese foi testada através de estudos
aumento expressivo do número de longitudinais que mostram que a
estudos que investigaram a relação entre a habilidade de refletir sobre os sons da fala
consciência metalinguística e a em crianças não leitoras prediz o sucesso
alfabetização (Bowey, 2005; Bradley & na leitura depois da alfabetização formal
Bryant, 1983; Gombert, 1992; Plaza & ter sido iniciada (lBradley & Bryant,
Cohen, 2003; 2004). Consciência 1983; Rego & Bryant, 1993).
metalinguística é a habilidade de refletir A consciência fonológica não é a única
sobre a linguagem como objeto do habilidade metalinguística que está
pensamento (Garton & Pratt, 1989). A associada ao desempenho na escrita.
linguagem escrita envolve vários níveis Estudos recentes têm demonstrado que a
do processamento linguístico (Mann, consciência morfológica (morfossintática)
2000). Entre eles, o processamento é outra habilidade metalinguística que
fonológico e o processamento semântico contribui para o desenvolvimento da
das palavras. Refletir sobre esses aspectos alfabetização. A habilidade de refletir
da linguagem de forma explícita pode sobre unidades de significado pode ajudar
ajudar a criança a escolher a grafia correta o aprendiz a entender o princípio
das palavras. É nesse aspecto que a semiográfico (Carlisle, 1995). Isso pode
habilidade metalinguística pode ajudar. ocorrer, porque a ortografia de muitas
Dentre as habilidades metalingüísticas, as palavras depende da morfologia. Palavras
duas que estão mais fortemente como “laranjeira”, que têm ortografia
associadas ao sucesso na alfabetização ambígua, podem ser escritas de forma
são a consciência fonológica e a correta se soubermos sua origem:
morfossintática. “laranja”. Os significados delas podem
A mais estudada das habilidades ser igualmente inferidos na leitura, se
metalinguísticas é a consciência soubermos o significado da palavra que as
fonológica, que pode ser definida como a originou. De fato, muitos estudos têm
habilidade de refletir sobre os sons que demonstrado uma relação entre a
compõem a fala (Cardoso-Martins, 1995). consciência morfológica e a escrita
Estudos demonstram que a consciência (Mota, 2007; Mota & Silva, 2007; Mota,

Consciência Morfológica e Escrita 52


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Annibal & Lima, 2008; Nagy, Berninger ortográficas (Marsh, Friedman, Welsh &
& Abbot, 2006; Nunes, Bindman & Desberg, 1980).
Bryant, 1997). Os resultados obtidos por Rego e
Mann (2000) ressalta que, embora o Buarque (1997) sugerem que a
princípio alfabético seja o de que as letras consciência morfossintática contribui
correspondem aos sons da fala, há muita especificamente para aquisição de regras
variação quanto ao grau de regularidade ortográficas que envolvem análises
das línguas alfabéticas. Enquanto línguas, morfossintáticas, enquanto que a
como o finlandês, obedecem totalmente consciência fonológica contribuiu
às regras de correspondência entre letra e principalmente para a aquisição de regras
som, outras línguas, como o inglês, têm de contexto grafofônico. Assim, estão de
muitas irregularidades. Para o autor, a acordo com a hipótese de que as
natureza do sistema ortográfico determina habilidades metalinguísticas requeridas
o processamento requerido da escrita. para se aprender a escrever dependem da
Assim sendo, em línguas com ortografias complexidade ortográfica da palavra.
regulares, o processamento fonológico Muitos dos estudos que demonstraram
teria um peso muito maior na para a relação entre a consciência morfológica
alfabetização. e a escrita, investigaram-na, utilizando
Seguindo esse raciocínio, podemos palavras morfologicamente complexas
levantar a hipótese de que o tipo de (Mota, 1996; Mota & Silva, 2007; Nunes,
habilidade metalinguística necessária para Bindman & Bryant, 2007). Em estudo
se aprender a escrever dependeria da recente de Mota, Annibal e Lima (2008),
dificuldade ortográfica da palavra. Rego e porém, foram encontradas correlações
Buarque (1997) investigaram essa positivas e significativas entre o
possibilidade, dando a crianças de desempenho na escrita e o processamento
primeira e segunda série palavras e da consciência da morfologia derivacional
pseudopalavras ortograficamente com amostra da mesma idade das crianças
complexas para escrever. Algumas pesquisadas por Rego e Buarque em
palavras poderiam ser escritas por regras 1997. Os resultados levantados por Mota
morfossintáticas e outras por regras et al (2008) sugerem que a contribuição
grafofônicas. Exemplos do contexto da consciência morfológica para escrita
grafo-fônico seriam a utilização dos pode ser mais ampla do que a sugerida
dígrafos (ex., "qu", "gu", "rr" e "ss"), e do por Rego e Buarque (1997). Importante
contexto morfossintático seriam o ressaltar que o presente estudo explora
passado dos verbos, como por exemplo, também essa possibilidade.
os representados por "iu" e "am" como em Um dos questionamentos postos para a
"fugiu" e "paqueraram". explicação de resultados díspares obtidos
As crianças foram avaliadas quanto ao por autores diferentes, relaciona-se a
desenvolvimento da consciência dificuldades das próprias medidas
metalinguística no início da primeira série utilizadas, visto que no Brasil só mais
e quanto à aquisição da ortografia no final recentemente surgiram instrumentos com
da primeira e da segunda série. Cabe parâmetros psicométricos adequadamente
ressaltar que os modelos cognitivos sobre estabelecidos. Em razão disso, a medida
a aquisição da escrita consideram que o adotada no presente estudo foi a
estágio inicial é o de aquisição do Avaliação das Dificuldades de
princípio alfabético, e apenas nos estágios Aprendizagem da Escrita (ADAPE) que
posteriores que se aplicam estratégias consiste em um ditado de uma história,
desenvolvida por Sisto em 2001, e as

Mota, M.M.P.L. et al.        53


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palavras utilizadas envolvem vários níveis 1) Escala de Avaliação de


de complexidade grafofônica. Alguns Dificuldades na Aprendizagem da Escrita
estudos têm sido desenvolvidos com o (ADAPE) - (Sisto, 2001) – visa avaliar a
instrumento que tem qualidades dificuldade de representação de fonemas
psicométricas já divulgadas na literatura na grafia de letras e palavras a partir de
sobre o tema (Carneiro, Martinelli & um sistema linguístico estruturado e
Sisto, 2003; Guidetti & Martinelli, 2007; arbitrário. Consiste no ditado de um texto
Sisto, Bartholomeu & Rueda, 2006; Sisto composto por 114 palavras, sendo que em
& Fernandes, 2004). 60 delas há algum tipo de dificuldade
Com base nos argumentos e resultados classificada como encontro consonantal
coligidos, considerou-se, por um lado (lt, mb, mp, nc, nç, nd, ng, ns, nt, rc, rd,
que, se a hipótese de Rego e Buarque for rs, rt, sp, st), dígrafo (ch, lh, nh, qu, rr, ss),
correta, não seriam encontradas sílaba composta (br, cr, dr, gr, tr) e sílaba
correlações significativas e positivas entre complexa (ão, ça, ce, ci, ge, sa, sá, se, sé,
os escores na escala ADAPE e as medidas si, so).
de consciência morfológica. Por outro Os estudos realizados por Sisto
lado, se há uma contribuição da (2001) demonstram que o instrumento
consciência morfológica para aquisição apresenta evidências de validade de
da escrita, correlações positivas e critério resultantes de pesquisa com 302
significativas seriam esperadas entre os crianças de primeira série do ensino
escores de consciência morfológica e os fundamental, uma vez que diferenciou
escores na escala ADAPE. O presente crianças com bom desempenho daquelas
estudo foi, portanto, proposto para com mau desempenho. O autor realizou
investigar essas duas hipóteses também estudos de precisão com outras
contrastantes. 770 crianças de primeiras e segundas
séries do ensino com idades de 7 e 13
MÉTODO anos. Por meio das provas de Guttman e
Participantes Alpha foram estabelecidos índices altos
Participaram deste estudo 52 de fidedignidadente (0,87 e 0,97).
crianças de uma escola de ensino
fundamental federal situada na Zona da 2) Consciência Morfológica
Mata mineira. Vinte e cinco crianças A) Tarefas de Decisão
cursavam a primeira série (média de idade Morfológica – raiz (uma variação de
95,9 meses, dp=3,8) e 27 cursavam a Besse, Vidigal de Paula & Gombert,
segunda-série (média de idade 106,5 2005 em comunicação pessoal).
meses e dp=3,9). No sistema atual, essas A tarefa de Besse et al. (comunicação
séries corresponderiam ao segundo e pessoal) foi inicialmente delineada para
terceiro ano do Ensino Fundamental. crianças mais velhas do que as que
Instrumentos participaram desse estudo. Com o
Os dados aqui apresentados fazem objetivo de simplificar a tarefa original,
parte de um estudo mais abrangente uma variação dela foi criada investigando
visando investigar se a complexidade o conhecimento da raiz das palavras.
fonológica das palavras afeta o Utilizamos o termo variação e não
processamento morfológico. Somente adaptação, pois se tratou de uma
serão descritos os instrumentos, cujas modificação da tarefa e não uma
análises foram objeto do presente adaptação para o contexto deste estudo.
trabalho. Nesta tarefa a criança tinha que decidir

Consciência Morfológica e Escrita 54


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qual palavra era da mesma família palavra 2005, em comunicação pessoal) era dada
alvo. a seguinte instrução: “algumas
Os pares de palavra foram escolhidos em palavrinhas são da mesma família do que
razão do número de letras e da frequência outras. Por exemplo, a palavra “conta” e a
de ocorrência na escrita, todas elas palavra “reconta” são da mesma família.
extraídas da tabela para primeira série Já a palavra “bola” e “rebola” não são da
proposta por Pinheiro (1996). Como não mesma família. Eu vou falar para você
há índices de familiaridade para o uma palavra e depois vou falar mais
português, as palavras foram pareadas por outras duas e você vai me dizer qual das
frequência para garantir minimamente um duas é da mesma família da primeira”.
equilíbrio na familiaridade das palavras. Por fim, realizava-se um exemplo com a
A lista de palavras consistia de 10 grupos criança: “a palavra ‘gela’ é da mesma
de 3 palavras envolvendo prefixos (Ex: família que ‘congela’ ou ‘conversa’?”
Tornar – Retorna – Resolve) e 10 grupos Caso a criança errasse, explicava-se a
de palavra envolvendo sufixos (Ex. Pinta forma correta, e se acertasse iniciava-se a
– Tambor – Pintor). As crianças poderiam tarefa. Depois do exemplo, iniciava-se a
ter um total de 10 pontos nessa análise. testagem, mesmo que a criança não
conseguisse acertá-lo.
B) Tarefa de Analogia Gramatical Por último, aplicava-se a Tarefa de
(adaptada de Nunes, Bindman & Bradley, Analogia Gramatical (adaptada de Nunes,
1997) Bindman & Bradley, 1997) com a
A tarefa inicial de Nunes, instrução de que muitas palavras
Bindman e Bradley (1997) foi adaptada poderiam ser relacionadas. A aplicadora
para o português, considerando a apresentava um par de palavras
especificidade da morfologia derivacional relacionadas e pedia à criança que, depois
da nossa língua. Sob essa perspectiva, de ouvir uma palavra que ela criasse uma
foram criados 10 itens, a partir dos quais outra palavra relacionada como no
a criança devia produzir uma palavra exemplo. A tarefa era iniciada sempre
morfologicamente complexa a partir de pelo exemplo: “pedra-pedreiro; leite- ?” e
uma palavra alvo, aplicando a mesma assim, sucessivamente, eram
relação de derivação de um par pronunciadas as demais palavras-alvo.
previamente dado. O total de pontos No ditado ADAPE, em primeiro
possíveis era 10. lugar a aplicadora lia o texto para a
criança. Em seguida dizia: “agora eu vou
Procedimento ditar esta historinha e você vai escrevê-
As crianças foram entrevistadas la.” Então, o ditado era realizado, frase
em duas sessões, por uma bolsista por frase, com pausas de acordo com o
treinada. Na primeira sessão foram ritmo da criança.
aplicados o teste de Analogia Gramatical,
o ditado ADAPE e uma versão Resultados
simplificada do WISC com dois subtestes. Os dados foram analisados com
Na segunda sessão eram aplicados o provas da estatística não-paramétrica,
ditado morfológico, o teste de considerando a característica da amostra e
Consciência Morfológica de Besse et al., o desconhecimento sobre a distribuição da
e o teste TDE. medida. Assim sendo, foram escolhidas
Nas Tarefas de Decisão as provas de Mann-Whitney e a de
Morfológica – raiz (uma variação de correlação de Spearman.
Besse, Vidigal de Paula & Gombert,

Mota, M.M.P.L. et al.        55


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Os acertos nas tarefas tarefa. A Tabela 1 mostra a média e o


metalinguísticas e na Escala ADAPE desvio padrão de cada uma das provas
foram computados, atribuindo-se um para as duas séries investigadas.
ponto para as respostas corretas em cada

Séri ADAP Analogi Decisão Decisão


e E a Prefixo Sufixo

1ª Médi 81,52 5,72 9,12 9,44


a
Dp 15,85 2,30 0,92 1,08
2ª Médi 86,29 6,48 9,52 9,59
a
Dp 10,13 1,99 0,70 0,75
Tota Médi 84,00 6,12 9,33 9,52
l a
Dp 13,28 2,16 0,83 0,92

Tabela 1. Média e desvio padrão para as medidas de consciência morfológica, e escrita


medida pelo ADAPE (N=114).

As crianças tiveram índices de teste não paramétrico Mann-Whitney (Z=-


acerto acima de 70% no teste. Embora 0,74; p=0,46).
possa ser observada vantagem na Considerando-se a inexistência de
pontuação das crianças de segunda-série diferença significativa entre a primeira e
em relação às obtidas pelas crianças de segunda série, optou-se por analisar as
primeira série, a diferença entre o número respostas dos alunos da primeira e da
de acertos no ADAPE para primeira e segunda série em conjunto para a análise
segunda série não foi significativa no da prova de correlação. Os resultados
obtidos constam na Tabela 2.

Medidas Analogia Decisão Pref i x D


o ecisão Suf i x o
ADAPE **0,46 ‐0,073 0,09
Analogia ‐0,054 0,02
Decisão Pref i x **0,47
** p < 0,01

Tabela 2. Coeficiente de correlação de Spearman entre as várias medidas


Os valores obtidos na prova de prefixos quanto para os sufixos, mostram
correlação de Spearman mostram que os escores atingiram efeitos de teto. A
coeficientes positivos e significativos falta de variância nos escores pode ser o
entre os escores na tarefa de Analogia elemento responsável pelos resultados
Gramatical e os escores no ADAPE não significativos nas correlações.
(r=0,46, p<0,001). Não houve correlações
significativas entre as outras duas tarefas DISCUSSÃO e CONCLUSÃO
de consciência morfológica e a escrita. A Os estudos sobre a relação entre
observação das médias de acerto para as habilidades linguísticas específicas e a
tarefas de decisão morfológica, tanto para aquisição da escrita, formalmente

Consciência Morfológica e Escrita 56


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adquirida na escola, são bastante segunda série podem ainda escrever em


frequentes na literatura internacional níveis similares, o que explicaria a
(Bowey, 2005; Bradley & Bryant, 1983; indiferenciação entre os escores de ambas,
Gombert, 1992; Plaza & Cohen, 2003; tal como foi aqui observado. Mas, o
2004) que há muitos anos dedicam-se a presente artigo dispõe-se mais
investigações sobre o tema. No Brasil, especificamente a investigar uma questão
pesquisas sobre o tema são menos central, a saber, a análise da relação entre
comuns, mas nos anos mais recentes vêm a consciência morfológica e a escrita de
aparecendo mais amiúde na literatura palavras fonologicamente complexas. A
científica: Barrera e Maluf (2003), hipótese levantada por Rego e Buarque
Capovilla e Capovilla (2000), Cardoso- (1997) era a de que diferentes habilidades
Martins (1995), Guimarães (2003), metalinguísticas contribuem para escrita
Pestsun (2005) e Santos (1996). de forma diversa, dependendo do tipo de
O problema escolhido como complexidade ortográfica da palavra.
objeto da nossa investigação é ainda Palavras fonologicamente complexas
pouco abordado, visto que há poucos devem necessitar uma maior reflexão
trabalhos específicos sobre consciência sobre os sons da fala do que da
morfológica e sua relação com a consciência morfológica. Da mesma
aquisição da escrita. Dentre os poucos forma, palavras morfologicamente
textos publicados sobre a questão, complexas devem requerer uma maior
observaram-se, como mencionado, reflexão da estrutura morfológica da
resultados contraditórios que incitam a língua. Este estudo investigou uma dessas
realização de novas investigações que hipóteses. A consciência morfológica
propiciem que outras evidências sejam contribui para escrita de palavras
encontradas. fonologicamente complexas?
No que diz respeito específico aos Os resultados encontrados
achados obtidos com o ADAPE, os sugerem que a contribuição da
resultados da presente pesquisa não consciência morfológica é maior do que
reproduziram os identificados por Sisto aquela sugerida por Rego e Buarque
(2001), pois que não houve diferença (1997). Correlações positivas e
entre a primeira e segunda série na tarefa significativas foram encontradas entre o
do ADAPE. No entanto, é importante desempenho no ADAPE e a tarefa de
observar que o trabalho de Sisto foi analogia gramatical. As crianças que
desenvolvido com crianças de escolas escreveram as palavras fonologicamente
públicas da região de São Paulo. A escola complexas melhor, também apresentavam
do nosso estudo, embora pública, é uma níveis mais elevados de consciência
escola de aplicação de uma universidade e morfológica. As diferenças detectadas não
apresenta características especiais que a foram significativas para a outra tarefa de
incluem dentre as escolas de alto nível consciência morfológica, sendo que uma
acadêmico da região. possível explicação para isso talvez possa
Vale enfatizar, contudo, que os ser atribuída ao efeito teto da medida, ou
resultados aqui encontrados poderiam ser seja, ter sido muito fácil para as crianças.
explicados, considerando-se o trabalho de Uma das limitações do presente
Marsh, Friedman, Welsh, Desberg, estudo foi o fato de não termos tarefas
(1980), que advertem que no primeiro específicas de consciência fonológica,
estágio de desenvolvimento da escrita, sendo os nossos dados apenas
que implica adquirir o princípio correlacionais e não tendo sido possível
alfabético, as crianças de primeira e controlar variáveis estranhas (ligadas a

Mota, M.M.P.L. et al.        57


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outras dimensões do processamento Bradley, L. & Bryant, P. (1983).


linguístico) ao se calcular os índices de Categorizing sounds and learning to
correlação. É possível, por exemplo, que read: A causal connection. Nature,
a relação entre o ADAPE e a tarefa de 301, 419 – 421.
consciência metalinguística seja Bradley, L. & Bryant, P. (1985). Children
decorrente do fato de que bons escritores ´s reading problem. Oxford: Basil
são bons em tarefas linguísticas em geral. Blackwells.
Dessa forma, não demonstramos a Capovilla, A. & Capovilla, F. (2000).
especificidade do conhecimento Efeitos do treino de consciência
morfológico para escrita de palavras fonológica em crianças com baixo
fonologicamente complexas. Além disso, nível sócio-econômico. Psicologia:
a variância partilhada entre a consciência Reflexão e Crítica, 13 (1), 07-24.
fonológica e morfológica não foi Carneiro, G. R. S., Martinelli, S. C., &
controlada. Sisto, F. F. (2003). Autoconceito e
Pesquisas têm apontado que o dificuldades de aprendizagem na
conhecimento dos morfemas pode ser escrita. Psicologia: Reflexão e
mediado pelo processamento fonológico Crítica, 16(3), 427-434.
(Fowler & Liberman, 1995; Mota, 2007). Cardoso-Martins, C. (Org.) (1995).
Seria importante que um novo estudo Consciência fonológica e
observasse a contribuição relativa da alfabetização. Petrópolis: Vozes.
consciência morfológica e fonológica para Carlisle, J. (1995). Morphological
o ADAPE e que se acrescentasse uma awareness and early reading
outra tarefa de ditado que incluísse achievement. Em L. Feldman (Org.)
palavras morfologicamente complexas. Morphological aspects of language
Igualmente, o peso de outras processing (pp.189-211). Hillsdale:
variáveis também precisa ser controlado, Lawrence Erlbaum Associates.
portanto há estudos recuperados que Cuningham, A. E. (1990). Explicit versus
mostram a importância de aspectos implicit instruction in phonemic
emocionais no desempenho de tarefas awareness. Journal of Experimental
cognitivas como as aqui utilizadas. Child Psychology, 50, 429-44.
Apesar das limitações apontadas, o Fowler, A. & Liberman, I. (1995). The
presente estudo demonstra que a relação role of phonology and orthography in
entre a consciência morfológica e a escrita morphological awareness. Em L.,
no Português é complexa e precisa ser Feldman (Org.). Morphological
mais bem investigada. aspects of language processing
(pp.157-188). Hillsdale: Lawrence
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Santos, A. A. A. (1996). A influência da
consciência fonológica na aquisição José ficou bastante alegre quando
da leitura e da escrita. Em F. F. Sisto, lhe contaram sobre a festinha na chácara
G. C. Oliveira, L. D. T. Fini, M. T. C. da Dona Vanda. Era o aniversário de
C. Souza, & R. P. Brenelli (Orgs.), Amparo.
Atuação psicopedagógica e Chegou o dia. Todos comeram,
aprendizagem escolar (pp. 213-247). beberam e fizeram muitas brincadeiras
Petrópolis: Vozes. engraçadas.
Sisto, F. F. (2001). Dificuldade de Seus companheiros Cássio,
aprendizagem em escrita: um Márcio e Adão iam brincar com o burrico.
instrumento de avaliação (Adape). As crianças gostam dos outros animais,
Em F. F. Sisto, E. Boruchovitch, L. mas não chegam perto do Jumbo, o
D. T. Fini, R. P. Brenelli, & S. C. cachorro do vizinho. Ele é mau e sai
Martinelli (Orgs.), Dificuldades de correndo atrás da gente.
aprendizagem no contexto Mário caiu jogando bola e
psicopedagógico (pp. 190-213). machucou o joelho. O médico achou
Petrópolis, RJ: Vozes. necessário passar mercúrio e colocou um
Sisto, F. F., Bartholomeu, D., & Rueda, F. esparadrapo.
M. (2006). Dificuldades de Valter estava certo. Foi difícil
aprendizagem na escrita e voltar para casa, pois estava divertido.
características emocionais de Pensando em um dia quente de
crianças. Psicologia em Estudo, 11 verão, tenho vontade de visitar meus
(1), 427-434. velhos amigos.

Consciência Morfológica e Escrita 60


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As estatísticas de vizinhança ortográfica das palavras do português e do inglês são


diferentes?¹

Are orthographic neighborhood statistics of Portuguese and English words different?

Francis Ricardo dos Reis Justi *


Cláudia Nascimento Guaraldo Justi **

Resumo
Este trabalho avaliou a correlação entre medidas tradicionais de vizinhança ortográfica (N e NF) e o número
de vizinhos ortográficos formados pela transposição de duas letras (TLN), bem como se diferenças na
distribuição estatística das variáveis de vizinhança ortográfica poderiam explicar as diferenças encontradas
nos efeitos dessas variáveis na língua portuguesa e inglesa. Para tanto, foram geradas estatísticas de
vizinhança ortográfica para 8465 palavras do português. Não foram observadas grandes diferenças entre as
palavras do português e as da língua inglesa no que tange às estatísticas de vizinhança ortográfica, tornando
difícil explicar as discordâncias encontradas nos efeitos de N e NF com base na ideia de estruturas de
vizinhança ortográfica diferentes entre as línguas. Além disso, a correlação entre as medidas tradicionais de
vizinhança ortográfica e TLN foram ínfimas, o que indica que os efeitos de N e NF, sejam quais forem,
dificilmente podem ser explicados por sua relação com TLN.

Palavras-chave: vizinhança ortográfica; acesso lexical; reconhecimento visual de palavras; linguística de


corpus; comparações entre línguas;

Abstract
This work aimed to evaluate two hypotheses: are traditional orthographic neighborhood measures (N and NF)
correlated with transposed letter neighbors (TLN)? Could differences in the neighborhood structure of
Portuguese and English words explain the differences observed in N and NF effects across these languages?
To shed light on these issues orthographic neighborhood statistics were generated for 8465 Portuguese words.
The difference between languages in the relevant variables were minor, making it difficult to explain the
differences observed in N and NF effects across these languages appealing to differences in the neighborhood
structure of Portuguese and English words. Another point of interest was the correlation between traditional
orthographic neighborhood measures and TLN which were very low. Therefore, N and NF effects can hardly
be explained by their relationships with TLN.

Key-Words: orthographic neighborhood; lexical access; visual word recognition; corpus linguistics; cross-
language comparisons;

________________________________
¹ Os autores gostariam de agradecer à Psychonomic Bulletin & Review por permitir a reprodução dos dados do
trabalho de Andrews (1997) nas tabelas 3 e 4 desse estudo.
* Universidade Federal de Alagoas – UFAL / Maceió
Contato: Universidade Federal de Alagoas – Campus A. C. Simões, ICHCA, Curso de Psicologia,
Av. Lourival Melo Mota, s/n, Bairro Tabuleiro do Martins, Maceió, AL, Brasil, CEP: 57072-970. E-mail:
francisjusti@gmail.com
** Universidade Federal de Pernambuco – UFPE / Recife

Durante a leitura, o acesso lexical representação mental das palavras que


é um dos processos cognitivos mais reconhecemos em um texto, o que nos
importantes, pois envolve o acesso à permite compreendê-las e pronunciá-las

Justi, F.R.R & Justi, C.N.G. 61


Psicologia em Pesquisa | UFJF | 2(02) | 61-73 | julho-dezembro de 2008

(Perfetti, 1985). Nesse sentido, uma das em inglês) que se refere à frequência de
principais tarefas que o nosso sistema ocorrência dos vizinhos da palavra-alvo,
cognitivo desempenha durante o acesso ou seja, se ela possui vizinhos de
lexical é a seleção da entrada lexical frequência maior do que a dela ou não
correta diante das diversas entradas que (Grainger & cols., 1989). No caso de NF,
podem ser ortograficamente similares ao pode-se dizer que a palavra ‘anão’ tem
estímulo-alvo. Dentro da tradição de um vizinho ortográfico de maior
pesquisas sobre o reconhecimento visual frequência que é a palavra ‘ação’. A
de palavras, o efeito que as palavras operacionalização dessas medidas (N e
similares em termos ortográficos NF) tem o intuito de permitir aos
desencadeiam no processo de pesquisadores estabelecer se o efeito de
reconhecimento de um estímulo-alvo é vizinhança ortográfica seria facilitador ou
conhecido por efeito de vizinhança inibitório. Assim sendo, se o efeito de
ortográfica e tem sido questão bastante vizinhança ortográfica for facilitador,
estudada na literatura sobre o tópico então o reconhecimento de palavras com
(Andrews, 1989, 1992, 1997; Carreiras, um grande número de vizinhos
Perea & Grainger, 1997; Coltheart, ortográficos, ou com pelo menos um
Davelaar, Jonasson & Besner, 1977; vizinho de maior frequência, será
Grainger, O'Regan, Jacobs & Segui, realizado com maior acurácia e rapidez;
1989; Huntsman & Lima, 1996, 2002; se o efeito for inibitório, o contrário se
Justi & Pinheiro, 2006, 2008; Perea, verificará, ou seja, as palavras nessa
Carreiras & Grainger, 2004; Perea & condição serão reconhecidas mais
Pollatsek, 1998; Perea & Rosa, 2000; lentamente e com menor acurácia.
Sears, Hino & Lupker, 1995; Snodgrass Devido à importância teórica dos
& Minzer, 1993; entre outros). efeitos de vizinhança ortográfica para
A principal tentativa de se definir modelos de acesso lexical, existem
as palavras que são similares em termos atualmente na literatura diferentes
ortográficos consiste em considerar, como hipóteses explicativas para os efeitos de N
vizinhos ortográficos de uma palavra, e de NF. Alguns autores têm proposto que
qualquer palavra que possa ser criada ao o efeito dessas variáveis pode ser
se mudar uma letra dessa palavra, modulado pelo uso de estratégias
enquanto se preservam as posições das (Grainger & Jacobs, 1996; Carreiras e
demais letras. Desse modo, a palavra cols., 1997; Perea e Rosa, 2000); outros
‘alma’ teria cinco vizinhos ortográficos apontam que diferenças no grau de
(‘arma’, ‘asma’, ‘alga’, ‘alça’ e ‘alta’). consistência do mapeamento grafema-
Essa pode ser considerada a definição fonema de uma determinada língua
mais tradicional de uma palavra vizinha podem influenciar no efeito dessas
(ou similar em sua forma ortográfica) e é variáveis (Andrews, 1997; Ziegler &
atribuída a Coltheart e cols. (1977). O Perry, 1998); alguns levantam a hipótese
número de palavras que pode ser criado, de que é a distribuição estatística das
utilizando esse processo proposto por variáveis N e NF nas palavras de uma
Coltheart e cols., é chamado de medida N determinada língua que pode modular os
(de neighborhood, em inglês) e se refere efeitos dessas variáveis (Siakaluk, Sears
ao número de vizinhos ortográficos da & Lupker, 2002); e por fim, alguns
palavra-alvo. Além dessa medida, nos questionam a própria definição de
estudos sobre o efeito de vizinhança vizinhança ortográfica (Grainger, 2008).
ortográfica, também se tem utilizado a Considerando-se essas diferentes
medida NF (de neighborhood frequency, hipóteses explicativas para as diferenças

Vizinhança ortográfica das palavras portuguesas 62


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encontradas nos resultados dos estudos Outra questão que se coloca é a da


sobre vizinhança ortográfica, o presente própria definição de vizinhança
trabalho teve como objetivo investigar as ortográfica, uma vez que para autores
duas últimas, e consequentemente, elas como Grainger (2008), as definições de N
serão mais bem detalhadas a seguir. e NF (propostas respectivamente por
De acordo com Siakaluk e cols. Coltheart e cols., 1977; e, Grainger e
(2002), uma possível fonte de diferenças cols., 1989) seriam apenas “boas
entre as línguas nos efeitos de N e NF aproximações” do conceito de
pode advir de diferenças na estrutura da similaridade ortográfica. Mais
vizinhança ortográfica dessas línguas, isso especificamente, para Grainger e Whitney
é, diferentes distribuições de N e NF nas (2004) e Whitney e Lavidor (2005) as
palavras das línguas. Mais definições tradicionais de vizinhança
especificamente, Siakaluk e cols. (2002) ortográfica (N e NF) pecam por não
argumentam que, como mais da metade considerar como vizinhos ortográficos as
das palavras da língua inglesa de três a palavras formadas pela transposição de
cinco letras têm vizinhos ortográficos de duas letras (p.ex.: ‘acesos’ e ‘acesso’),
maior frequência de ocorrência, seria conhecidas como transposed letter
bastante contraintuitivo imaginar um neighbors – TLN, em inglês. Como existe
mecanismo de processamento da certa evidência de que palavras com
informação que prejudicasse o vizinhos transpostos são reconhecidas
desempenho na leitura da maioria das mais lentamente do que palavras sem
palavras. Ora, o que Siakaluk e cols. vizinhos transpostos (Andrews, 1996), há
(op.cit.) parecem estar argumentando é a possibilidade de que os efeitos de N e
que, de alguma forma, a própria NF sejam meros subprodutos dos efeitos
distribuição estatística de N e NF nas de TLN. Uma forma de se averiguar essa
palavras da língua inglesa pode levar o questão é observar até que ponto N e NF
nosso sistema cognitivo a tirar proveito se correlacionam com TLN. Afinal, se a
dessas variáveis e, no caso do inglês, correlação entre essas variáveis e TLN for
levar a um efeito facilitador. Dessa forma, muito pequena, dificilmente poder-se-ia
uma hipótese diretamente relacionada explicar os efeitos encontrados de N e NF
seria a de que, em uma língua em que a com base em sua correlação com TLN.
estrutura da vizinhança ortográfica fosse Colocando de outra forma, se N e NF não
diferente e a maioria das palavras não se correlacionam com TLN, deve-se
tivesse vizinhos de maior freqüência de admitir que tais variáveis podem ter
ocorrência, o efeito de N e NF deveria ser efeitos genuínos e independentes de TLN
diferente do encontrado na língua inglesa e que, muito provavelmente, são esses
(sendo, provavelmente, inibitório). Essa efeitos que têm sido relatados nos estudos
hipótese torna importante que se compare de vizinhança ortográfica.
a estrutura da vizinhança ortográfica das Tendo-se essas duas hipóteses em
palavras de diferentes línguas, para se mente, o presente trabalho objetivou
averiguar se diferenças nessas investigá-las através de comparações
distribuições também poderiam explicar entre a distribuição das variáveis de
as variações encontradas nos resultados vizinhança ortográfica no português do
das pesquisas (Andrews, 1989, 1992; Brasil e na língua inglesa. A comparação
Carreiras & cols., 1997; Justi & Pinheiro, entre essas duas línguas é interessante,
2006, 2008; Sears & cols., 1995; Siakaluk tendo em vista que os resultados de
& cols., 2002). estudos sobre o efeito de vizinhança
ortográfica realizados com falantes do

Justi, F.R.R & Justi, C.N.G. 63


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português brasileiro têm apresentado da língua inglesa e investigar as possíveis


efeitos inibitórios de NF e N (Justi & correlações entre as diferentes medidas de
Pinheiro, 2006, 2008), o que conflita com vizinhança ortográfica no português do
estudos realizados com falantes do inglês Brasil.
(Andrews, 1989, 1992; Sears & cols.,
1995; Huntsman & Lima, 2002; Siakaluk Material
& cols., 2002). Dessa forma, os objetivos Foram utilizadas no presente
específicos do presente estudo foram: estudo 8465 palavras de quatro a seis
a) avaliar a hipótese de Siakaluk e letras do corpus NILC (2005).
cols. (2002) de que diferenças na
distribuição de N e NF poderiam explicar Procedimentos
diferenças nos efeitos dessas variáveis; Foram selecionadas para a análise,
b) considerando-se a hipótese de inicialmente, todas as palavras do corpus
Grainger (2008), avaliar, se no caso do NILC (2005) que tinham de quatro a seis
português do Brasil, N e NF se letras (de acordo com Andrews, 1997, a
correlacionam com TLN, a ponto de se maioria dos estudos sobre vizinhança
poder questionar se os primeiros teriam ortográfica foi realizada com essa classe
efeitos genuínos. de palavras). Então, a frequência de
ocorrência bruta relatada para essas
Método palavras pelo corpus NILC foi convertida
Existem, pelo menos, duas listas em um índice que expressa a frequência
de contagem de frequência de ocorrência de ocorrência por milhão de palavras e
no português do Brasil: a lista de Pinheiro foram selecionadas apenas as palavras
(1996) e a lista desenvolvida pelo NILC com frequência de, pelo menos, uma
(2005). No presente estudo, optou-se pela ocorrência por milhão. Posteriormente,
lista do NILC, porque, em um estudo todas as palavras estrangeiras e
piloto, os índices de frequência de hifenizadas foram descartas e a análise
ocorrência das palavras dessa lista final foi desenvolvida com base nas 8465
apresentaram uma maior correlação com palavras restantes. Essas palavras foram
o julgamento subjetivo de frequência organizadas em um banco de dados e o
(índice de familiaridade – Balota, Piloti & programa ‘N_Watch’ (Davis, 2005) foi
Cortese, 2001) relatado por um grupo de utilizado como auxílio para o cômputo
universitários (de todos os estudos citados das seguintes estatísticas: FLog –
sobre vizinhança ortográfica nas revisões contrapartida logarítmica (log10(x+1)) da
da literatura efetuadas por Andrews em frequência por milhão de ocorrências da
1997 e Perea & Rosa em 2000, apenas palavra; N – número de vizinhos
dois estudos não foram realizados com ortográficos da palavra; NPV ou spread –
universitários). Tendo sido selecionada a número de posições da palavra em que,
lista de palavras do corpus NILC (2005), alterando-se uma letra, vizinhos
outra questão que se tornou de ortográficos são gerados (p.ex. ‘missa’
fundamental importância no presente tem um NPV igual a dois, pois tem
estudo foi o cômputo de estatísticas vizinhos formados por mudança na
quanto à distribuição dos índices de segunda e terceira letras, ‘massa’ e
vizinhança ortográfica nas palavras do ‘mista’, respectivamente); NVmF –
português do Brasil. A finalidade dessas número de vizinhos de menor frequência
análises foi permitir a comparação da que a palavra; NF – número de vizinhos
estrutura da vizinhança ortográfica das de maior frequência de ocorrência que a
palavras do português com a das palavras palavra; P_NF – presença (1) ou ausência

Vizinhança ortográfica das palavras portuguesas 64


Psicologia em Pesquisa | UFJF | 2(02) | 61-73 | julho-dezembro de 2008

(0) de, pelo menos, um vizinho de maior a língua inglesa, optou-se por apresentar
frequência; e, P_TLN – presença (1) ou estatísticas descritivas para o total de
ausência (0) de, pelo menos, um vizinho palavras, e também estatísticas separadas
ortográfico formado pela transposição de para palavras de quatro, cinco e seis letras
duas letras da palavra. (como no trabalho de Andrews, 1997). O
mesmo ocorreu para as análises de
Resultados correlação. A tabela 1 apresenta as
Para facilitar a visualização e a estatísticas descritivas para o total de
comparação com os dados existentes para 8465 palavras analisadas.

Média Desvio-
Padrão
Frequência de ocorrência por milhão de palavras 31,02 173,82
(FpM)
Frequência Logarítmica (FLog) 0,85 0,60
Número de letras (L) 5,39 0,71
Número de vizinhos ortográficos (N) 2,76 2,95
Número de posições em que se geram vizinhos (NPV) 1,65 1,28
Número de vizinhos de menor frequência (NVmF) 1,52 2,01
Número de vizinhos de maior frequência (NF) 1,24 1,8
Porcentagem com vizinhos de maior frequência (%NF) 54,11 –
Porcentagem com vizinhos formados pela transposição
3,86 –
de duas letras (%TLN)

Tabela 1. Estatísticas Descritivas de 8465 Palavras de Quatro a Seis Letras Retiradas do


Corpus NILC (2005)

No que diz respeito às principais apresentado o número de palavras de


variáveis de vizinhança ortográfica, pode- quatro, de cinco e de seis letras, nas quais
se observar na tabela 1 que as palavras do os dados se basearam, tornou-se possível
português brasileiro de quatro a seis letras o cálculo da média ponderada para tais
têm, em média, aproximadamente três estatísticas de vizinhança ortográfica à
vizinhos ortográficos (N) e um vizinho exceção de %TLN, já que Andrews não
ortográfico de maior freqüência de apresentou dados quanto à porcentagem
ocorrência (NF), sendo que, geralmente, de palavras que têm vizinhos ortográficos
os vizinhos das palavras são gerados por formados pela transposição de duas letras
mudanças em uma ou duas posições das na língua inglesa. Sendo assim, a média
palavras (NPV). Além disso, pelo menos ponderada para N, NF, NPV e %NF na
54% das palavras têm vizinhos língua inglesa é respectivamente de: 2,81
ortográficos de maior frequência de vizinhos ortográficos; 1,33 vizinhos de
ocorrência (%NF), enquanto, maior frequência de ocorrência; 1,53
aproximadamente, apenas 4% do total das posições, em média, nas quais os vizinhos
palavras de quatro a seis letras têm podem ser gerados; e, 47,85% das
vizinhos formados pela transposição de palavras de quatro a seis letras têm
duas letras (%TLN). No caso da língua vizinhos ortográficos de maior frequência
inglesa, Andrews (1997) apresentou de ocorrência. As análises de correlação
apenas estatísticas específicas pelo para o total das palavras de quatro a seis
número de letras, mas como foi

Justi, F.R.R & Justi, C.N.G. 65


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letras do português do Brasil encontram-


se na tabela 2.

FpM FLog L N NPV NVmF NF


FLog 0,44
L -0,10 -0,14
N 0,08 0,15 -0,49
NPV 0,06 0,15 -0,33 0,82
NVmF 0,19 0,42 -0,37 0,80 0,68
NF -0,08 -0,23 -0,39 0,74 0,59 0,20
TLN 0,03 0,03 -0,12 0,10 0,11 0,07 0,08
Nota. FpM = frequência de ocorrência por milhão de palavras; FLog = frequência logarítmica; L = número de
letras; N = número de vizinhos ortográficos; NPV = número de posições em que podem ser gerados vizinhos;
NVmF = número de vizinhos de menor frequência; NF = número de vizinhos de maior frequência; TLN =
presença de um vizinho ortográfico formado pela transposição de duas letras. Todas as correlações foram
significantes para p ≤ 0,05.

Tabela 2. Correlações Entre Medidas de Vizinhança Ortográfica, Frequência e Número de


Letras para 8465 Palavras do Português Brasileiro

Como pode ser observado na positiva moderada com o número de


tabela 2, todas as correlações foram vizinhos de menor frequência (NVmF) e
significantes. Uma análise cuidadosa, no uma pequena correlação negativa com o
entanto, indica que isso se deveu mais ao número de vizinhos de maior frequência
tamanho da amostra do que, (NF).
propriamente, à força das correlações. As A visualização comparativa dos
correlações entre N e TLN e entre NF e dados estatísticos da estrutura da
TLN foram ínfimas: 0,1 para a correlação vizinhança ortográfica das palavras do
entre N e TLN e 0,08 para a correlação português do Brasil e das palavras da
entre NF e TLN. Dessa maneira, apenas língua inglesa está organizada na tabela 3.
1% da variação em N pode ser explicada Esta tabela provê as estatísticas
pela variação em TLN, e apenas 0,64 % descritivas da estrutura da vizinhança
da variação em NF pode ser explicada ortográfica das duas línguas por número
pela variação em TLN. O número de de letras, cujos dados da língua inglesa
vizinhos ortográficos (N) apresentou uma foram extraídos do trabalho de Andrews
forte correlação positiva com o número de (1997). Além disso, como no trabalho do
vizinhos ortográficos de maior frequência autor citado não foram relatadas
(NF). O número de posições em que se estatísticas quanto aos vizinhos que
podem gerar vizinhos (NPV) apresentou podem ser formados pela transposição de
uma forte correlação positiva com N e duas letras (TLN), nem quanto à
uma correlação positiva moderada com frequência logarítmica, e como as
NF. O número de letras apresentou uma estatísticas dessas variáveis já foram
correlação negativa moderada com N e descritas nas análises gerais (ver tabela 1
uma correlação negativa, um pouco e tabela 2), optou-se por não incluir
menor, com NF. Já a frequência estatísticas para essas variáveis na tabela
logarítmica apresentou uma correlação 3.

Vizinhança ortográfica das palavras portuguesas 66


Psicologia em Pesquisa | UFJF | 2(02) | 61-73 | julho-dezembro de 2008

Português Inglês
Palavras de quatro letras 1106 palavras 1895 palavras
Média (DP) Média (DP)
Frequência de ocorrência por milhão de palavras 73,0 (415,0) 100,3 (549,8)
(FpM)
Número de vizinhos ortográficos (N) 6,0 (4,4) 7,2 (4,9)
Número de posições em que se geram vizinhos 2,4 (1,2) 2,5 (1,1)
(NPV)
Número de vizinhos de menor frequência (NVmF) 3,2 (3,2) 3,4 (3,8)
Número de vizinhos de maior frequência (NF) 2,8 (2,9) 3,5 (3,4)
Porcentagem com vizinhos de maior frequência (%
74,5 80,3
NF)
Palavras de cinco letras 2968 palavras 2895 palavras
Média (DP) Média (DP)
Frequência de ocorrência por milhão de palavras 33,3 (107,5) 34,2 (153,3)
(FpM)
Número de vizinhos ortográficos (N) 3,3 (2,8) 2,4 (2,3)
Número de posições em que se geram vizinhos 2,0 (1,3) 1,5 (1,2)
(NPV)
Número de vizinhos de menor frequência (NVmF) 1,8 (2,0) 1,1 (1,6)
Número de vizinhos de maior frequência (NF) 1,5 (1,8) 1,1 (1,5)
Porcentagem com vizinhos de maior frequência (%
62,1 52,0
NF)
Palavras de seis letras 4391 palavras 4166 palavras
Média (DP) Média (DP)
Frequência de ocorrência por milhão de palavras 18,9 (80,6) 16,5 (62,6)
(FpM)
Número de vizinhos ortográficos (N) 1,6 (1,6) 1,1 (1,6)
Número de posições em que se geram vizinhos 1,2 (1,1) 0,8 (0,9)
(NPV)
Número de vizinhos de menor frequência (NVmF) 0,9 (1,2) 0,5 (1,1)
Número de vizinhos de maior frequência (NF) 0,7 (1,0) 0,5 (1,0)
Porcentagem com vizinhos de maior frequência (%
43,6 30,2
NF)

Nota. Os dados da língua inglesa foram retirados do trabalho de Andrews (1997).

Tabela 3. Estatísticas Descritivas de Medidas de Vizinhança Ortográfica e de Frequência


de Ocorrência para Palavras do Português do Brasil e do Inglês

Pode-se observar na tabela 3 que amostras independentes com base nos


as estatísticas descritivas de vizinhança dados fornecidos, praticamente todas as
ortográfica para as duas línguas são médias diferiram significativamente. As
razoavelmente similares. Contudo, devido únicas médias que não diferiram
ao tamanho excessivamente grande das significativamente foram as de frequência
amostras ao se calcular testes T para de ocorrência (devido aos grandes

Justi, F.R.R & Justi, C.N.G. 67


Psicologia em Pesquisa | UFJF | 2(02) | 61-73 | julho-dezembro de 2008

desvios-padrão) e as do número de (valores d de 0,22, 0,24 e 0,20 para


vizinhos de menor frequência (NVmF) palavras de quatro, cinco e seis letras,
para palavras de quatro letras. Em respectivamente). No que diz respeito às
situações como essas (em que mesmo palavras de quatro letras, o valor de d para
pequenas diferenças são estatisticamente a diferença entre as línguas no número de
significativas devido ao tamanho da vizinhos ortográficos (N) foi de 0,26 que
amostra), a magnitude das diferenças é um valor considerado pequeno,
acaba sendo mais informativa do que os enquanto as demais diferenças foram
valores de p (Cohen, 1994). Destarte, ínfimas (d < 0,1). Por fim, Andrews
optou-se por calcular o d de Cohen (1988) (1997) não relatou o desvio-padrão para a
como uma estimativa da magnitude da porcentagem de palavras com vizinhos de
diferença entre as médias. Com base nos maior frequência de ocorrência (%NF) em
valores de d, todas as diferenças entre as seu estudo, fato que levou à omissão de
médias ficaram abaixo do valor de 0,5, tal dado na tabela 3. Utilizando, porém, o
critério proposto por Cohen (1988) para desvio-padrão calculado com base nos
que uma diferença seja considerada dados do presente estudo, os valores de d
razoável (média). As maiores diferenças para as diferenças entre as línguas em %
entre as línguas ocorreram para as NF foi pequeno (0,13 para palavras de
palavras de cinco e de seis letras e foram quatro; 0,21 para palavras de cinco e 0,27
entre o número de posições em que se para palavras de seis letras).
geram vizinhos (NPV). Em ambos os A tabela 4 apresenta as correlações
casos o valor de d foi de 0,4. Outras entre as diferentes medidas de vizinhança
diferenças que merecem menção ortográfica e frequência de ocorrência no
ocorreram entre o número de vizinhos de português do Brasil e no inglês, de acordo
menor freqüência (NVmF) e o número de com o número de letras. Os dados da
vizinhos ortográficos (N), também no língua inglesa encontram-se entre
caso das palavras de cinco letras e de seis parênteses e foram retirados do trabalho
letras. Para palavras de cinco letras, o de Andrews (1997) que não relatou quais
valor de d para a diferença em NVmF correlações foram significantes ou não.
entre as línguas foi de 0,39 e para a De qualquer forma, devido ao tamanho
diferença em N foi de 0,35. No caso das das amostras, é esperado que todas as
palavras de seis letras, o valor de d para a correlações relevantes tenham sido
diferença em NVmF entre as línguas foi significantes, pois que, no caso das
de 0,35 e para a diferença em N foi de palavras do presente estudo, só não foram
0,31. A diferença entre o número de significantes as correlações menores que
vizinhos de maior frequência de 0,042, no caso das palavras de quatro
ocorrência (NF) entre as línguas manteve- letras, e, as menores que 0,03, no caso das
se razoavelmente constante, palavras de seis letras.
independentemente do número de letras

FpM FLog N NPV NVmF


4 letras 0,45 (0,45)
FLog 5 letras 0,65 (0,52)
6 letras 0,54 (0,62)
4 letras 0,04 (0,03) 0,07 (0,24)
N 5 letras 0,04 (0,05) 0,11 (0,20)
6 letras 0,00 (0,01) 0,09 (0,08)

Vizinhança ortográfica das palavras portuguesas 68


Psicologia em Pesquisa | UFJF | 2(02) | 61-73 | julho-dezembro de 2008

4 letras 0,04 (0,03) 0,10 (0,21) 0,80 (0,72)


NPV 5 letras 0,05 (0,03) 0,12 (0,16) 0,85 (0,82)
6 letras 0,01 (0,01) 0,09 (0,09) 0,92 (0,87)
4 letras 0,18 (0,19) 0,48 (0,70) 0,74 (0,67) 0,62 (0,49)
NVmF 5 letras 0,22 (0,18) 0,44 (0,55) 0,77 (0,69) 0,66 (0,54)
6 letras 0,10 (0,14) 0,32 (0,37) 0,79 (0,70) 0,74 (0,60)
4 letras -0,14 (-0,15) -0,42 (-0,36) 0,70 (0,65) 0,54 (0,45) 0,04 (-0,11)
5 letras -0,18 -0,32 0,69 (0,70) 0,58 (0,58) 0,07 (0,01)
NF (-0,11) (-0,21)
6 letras 0,67 (0,73) 0,60 (0,64) 0,08 (0,09)
-0,11 (-0,10) -0,24 (-0,18)
Nota. FpM = frequência de ocorrência por milhão de palavras; FLog = frequência logarítmica; N = número de
vizinhos ortográficos; NPV = número de posições em que podem ser gerados vizinhos; NVmF = número de
vizinhos de menor frequência; NF = número de vizinhos de maior frequência. Os dados referentes à língua
inglesa encontram-se entre parênteses e foram extraídos do trabalho de Andrews (1997).

Tabela 4. Correlações entre Medidas de Vizinhança Ortográfica e Frequência, para


Palavras de 4 letras, 5 letras (Itálico) e 6 Letras (Negrito) do Português Brasileiro e do
Inglês (Entre Parênteses)

De uma forma geral, as das palavras da língua inglesa, as


correlações entre as variáveis de correlações apresentaram o mesmo padrão
vizinhança ortográfica no português do (diminuíram com o aumento no número
Brasil e no inglês foram muito similares, de letras), mas apresentaram maior
apresentando quase sempre a mesma magnitude que as correlações da língua
magnitude e o mesmo padrão. Para ambas portuguesa nas correlações entre NVmF e
as línguas, as maiores correlações FLog e menor magnitude nas correlações
ocorreram entre o número de vizinhos de NF e FLog. Por fim, para ambas as
ortográficos (N) e o número de posições línguas as correlações entre o número de
onde se geram vizinhos (NPV), seguidas vizinhos ortográficos (N) e a frequência
da correlação entre N e o número de logarítmica (FLog) e as correlações entre
vizinhos de menor frequência (NVmF) e o número de posições em que vizinhos
da correlação entre N e o número de podem ser gerados (NPV) e FLog foram
vizinhos de maior frequência de pequenas.
ocorrência (NF). No que diz respeito à
correlação das medidas de vizinhança Discussão
ortográfica com a frequência de Considerando-se inicialmente a
ocorrência das palavras do português do questão da definição de vizinhança
Brasil, o número de vizinhos de menor ortográfica, torna-se necessário que se
frequência de ocorrência (NVmF) considere a relação entre N, NF e TLN.
apresentou uma correlação positiva com a Como pode ser observado nas análises
frequência logarítmica (FLog) que foi de desenvolvidas (especialmente, as
moderada (para palavras de quatro e cinco referentes às tabelas 1 e 2), as correlações
letras) à baixa (para palavras de seis entre N e TLN e entre NF e TLN são
letras), enquanto o número de vizinhos de ínfimas, o que torna muito difícil a
maior frequência de ocorrência (NF) proposta de que TLN possa explicar os
apresentou uma correlação negativa com efeitos de N e NF. Dessa feita, é provável
FLog que também foi de moderada (para que os efeitos de N e NF não sejam
palavras de quatro letras) à baixa (para relacionados aos efeitos de TLN. Outra
palavras de cinco e seis letras). No caso questão que coloca em dificuldades a

Justi, F.R.R & Justi, C.N.G. 69


Psicologia em Pesquisa | UFJF | 2(02) | 61-73 | julho-dezembro de 2008

proposta de se considerar TLN uma deveria ser facilitador e não inibitório.


“melhor” medida de vizinhança Em certo sentido, pode-se dizer que este
ortográfica é que apenas 3,86% das estudo trouxe evidências que entram em
palavras de quatro a seis letras no conflito com a proposta de Siakaluk e
português do Brasil têm vizinhos cols., visto que a diferença entre a língua
formados pela transposição de duas letras, portuguesa e a língua inglesa foi sempre
enquanto mais de 54% dessa mesma muito pequena no que diz respeito à
classe de palavras têm vizinhos distribuição estatística das variáveis de
ortográficos de acordo com a métrica vizinhança ortográfica, e as correlações
tradicional (Coltheart e cols., 1977), entre essas variáveis tenderam a
sejam eles de maior frequência de apresentar a mesma magnitude e padrão
ocorrência ou não. Desse modo, no caso em ambas as línguas (ver tabelas 3 e 4,
do português do Brasil, pode-se concluir por exemplo). É possível argumentar,
que os efeitos de N e NF são muito porém, que, embora pequenas, existem
provavelmente independentes dos efeitos diferenças entre a distribuição dos
de TLN e que, caso essas variáveis vizinhos ortográficos nas línguas em
tenham algum efeito real (o que parece questão. Por exemplo, ainda que nas
ser o caso de acordo com os trabalhos de palavras de quatro letras as distribuições
Justi & Pinheiro, 2006, 2008), elas afetam das variáveis de vizinhança ortográfica se
um grupo muito mais amplo de palavras sobreponham consideravelmente
do que TLN. Portanto, no caso do (diferenças em que o valor de d é de até
português do Brasil, pode-se considerar N 0,2, indicam uma sobreposição de 85%
e NF medidas mais relevantes de nas distribuições – Cohen, 1988), no caso
vizinhança ortográfica, pelo menos, de das palavras de cinco e seis letras, a
um ponto de vista empírico. distribuição das variáveis N, NPV e
Outra questão que merece análise NVmF apresentaram uma menor
é o quanto as diferenças na distribuição sobreposição.
estatística de N e NF na língua portuguesa Esse seria um argumento até
poderiam explicar diferenças nos efeitos aceitável se não fossem essas diferenças
dessas variáveis em relação à língua na direção oposta à predita por Siakaluk e
inglesa. O argumento levantado por cols. (2002). Afinal essas diferenças
Siakaluk e cols. (2002) é o de que, em indicam que as palavras do português do
uma língua em que a maioria das palavras Brasil têm mais vizinhos ortográficos do
tem vizinhos ortográficos de maior que as palavras da língua inglesa. A
frequência de ocorrência, seria predição de Siakaluk e cols.(op.cit.),
contraintuitivo o desenvolvimento de um contudo, diz respeito mais diretamente à
mecanismo de processamento da proporção de palavras que tem vizinhos
informação que prejudicasse a ortográficos de maior frequência de
identificação da maioria das palavras da ocorrência e, no caso dessa variável, (%
língua. A ideia de Siakaluk e cols. é que, NF na tabela 3) o valor de d médio foi de
como a maioria das palavras do inglês aproximadamente 0,2 indicando uma
tem vizinhos ortográficos de maior sobreposição muito alta das distribuições
frequência (note-se que ao se considerar e, novamente, na direção oposta à predita.
as palavras de quatro a seis letras a Destarte, o principal problema para o
porcentagem de palavras da língua inglesa argumento de Siakaluk e cols.(op.cit.) é
com vizinhos de maior freqüência cai que, no caso do português do Brasil, a
para 47,85%, mas, de qualquer forma, maioria das palavras (54,11%) também
continua bastante alta), o efeito de NF tem vizinhos ortográficos de maior

Vizinhança ortográfica das palavras portuguesas 70


Psicologia em Pesquisa | UFJF | 2(02) | 61-73 | julho-dezembro de 2008

frequência de ocorrência e, ainda assim, o que diz respeito às outras variáveis de


efeito de NF parece ser inibitório (Justi & vizinhança ortográfica, o que torna a
Pinheiro, 2006; 2008). Portanto, fica proposta de que diferenças na distribuição
difícil sustentar que diferenças na estatística dessas variáveis entre as
proporção de palavras com vizinhos de línguas poderiam modular o efeito de
maior frequência de ocorrência no vizinhança ortográfica bastante difícil de
português e no inglês poderiam explicar ser sustentada.
as diferenças nos efeitos de vizinhança Outra preocupação deste trabalho
ortográfica. Além disso, fica a lição de foi quanto à possibilidade dos efeitos de
que nem sempre o nosso sistema N e de NF serem modulados pela relação
cognitivo opera de maneira ótima e de dessas variáveis com o número de
acordo com nossas intuições, pois, no vizinhos transpostos. No caso do
caso do português do Brasil, esse sistema português do Brasil, as análises
parece prejudicar o processamento da desenvolvidas evidenciaram que a
maioria das palavras. correlação entre N e TLN e entre NF e
TLN foi ínfima, o que torna muito
Conclusão improvável que os efeitos de N e NF
O presente estudo avaliou uma sejam derivados do efeito do número de
possível explicação para diferenças vizinhos transpostos. Soma-se a isso que,
encontradas entre diferentes línguas nos de um ponto de vista empírico e prático,
efeitos de vizinhança ortográfica. Essa N e NF parecem ser variáveis mais
avaliação foi apenas parcial, uma vez que importantes, uma vez que mais de 54%
a comparação traçada foi entre o das palavras têm vizinhos ortográficos
português do Brasil e a língua inglesa. No enquanto apenas 4% das palavras têm
entanto, essa comparação é bastante vizinhos formados pela transposição de
relevante, pois estudos realizados nas duas letras. Dessa forma, mesmo que se
duas línguas em questão têm produzido considerem N e NF como apenas “uma
resultados opostos para os efeitos de N e boa primeira aproximação” (Grainger,
de NF. A despeito da proposta de 2008) do conceito de similaridade
Siakaluk e cols. (2002) de que seria ortográfica, no caso do português do
contraintuitivo que em línguas em que a Brasil, talvez essas variáveis sejam a
maioria das palavras tem vizinhos aproximação mais relevante.
ortográficos de maior frequência de Além das hipóteses investigadas, é
ocorrência NF apresentasse um efeito interessante ressaltar que o presente
inibitório, esse parece ser o caso no estudo traz dados importantes sobre
português do Brasil. Por fim, as análises características psicolinguísticas de uma
desenvolvidas evidenciaram que tanto no amostra bastante razoável de palavras da
português quanto no inglês a maioria das língua portuguesa. Assim sendo, ele
palavras tem vizinhos de maior contribui diretamente para estudos futuros
frequência de ocorrência e, por isso, que queiram investigar efeitos de
diferenças no efeito de NF entre as vizinhança ortográfica ou para o controle
línguas não podem ser explicadas experimental dessas variáveis quando
supondo-se diferentes proporções de estas não forem o foco da pesquisa (os
palavras com vizinhos de maior dados de vizinhança ortográfica que
frequência nas duas línguas. Além disso, foram gerados para as 8465 palavras
as análises desenvolvidas não permitem podem ser obtidos mediante contato por
afirmar que existem grandes diferenças correio eletrônico com os autores desse
entre o português do Brasil e o inglês, no estudo).

Justi, F.R.R & Justi, C.N.G. 71


Psicologia em Pesquisa | UFJF | 2(02) | 61-73 | julho-dezembro de 2008

Por fim, é importante considerar Journal of Memory and Language,


também que o presente estudo investigou 35, 775-800.
apenas possíveis diferenças entre a língua Andrews, S. (1997). The effect of
inglesa e o português do Brasil no que diz orthographic similarity on lexical
respeito à distribuição das variáveis de retrieval: resolving neighborhood
vizinhança ortográfica. Mas, outra fonte conflicts. Psychonomic Bulletin &
de diferenças relevantes para o efeito de Review, 4, 439-461.
vizinhança ortográfica diz respeito a Balota, D.; Pilotti, M.; & Cortese, M.
diferenças na consistência do (2001) Subjective frequency
mapeamento grafema-fonema entre as estimates for 2938 monosyllabic
línguas (Andrews, 1997; Ziegler & Perry, words. Memory & Cognition, 29,
1998). Esse tipo de análise vai muito além 639-647.
dos objetivos do presente estudo, mas Carreiras, M., Perea, M., & Grainger, J.
seria interessante que análises de corpus (1997). Effects of orthographic
linguístico como a realizada neste neighborhood in visual word
trabalho fossem desenvolvidas tendo recognition: cross-task comparisons.
como foco essa questão. Por exemplo, Journal of Experimental Psychology:
qual a proporção de palavras no português Learning, Memory, & Cognition, 23,
e no inglês que tem um mapeamento 857-871.
grafema-fonema irregular ou Cohen, J. (1998) Statistical Power for
inconsistente? Essa proporção varia de Behavioral Sciences 2nded. New
acordo com o número de letras e/ou com York: Academic Press.
a frequência das palavras? Existiria uma Cohen, J. (1994) The earth is round (p < .
relação entre vizinhança ortográfica e 05). American Psychologist, v.49,
consistência no mapeamento grafema- p.997-1003.
fonema? Embora possam ser traçadas Coltheart, M., Davelaar, E., Jonasson, J.,
diferenças entre as línguas (Seymour, & Besner, D. (1977). Access to the
2005), enquanto essas não forem mais internal lexicon. In: S. Dornic (Ed.)
bem qualificadas empiricamente, talvez Attention and performance VI (pp.
seja difícil testarem-se hipóteses mais 535-555). Hillsdale: Erlbaum.
específicas quanto à relevância dessas Davis, C. J. (2005). N-Watch: A program
diferenças. for deriving neighborhood size and
other psycholinguistic statistics.
Referências Behavior Research Methods, 37, 65-
Andrews, S. (1989). Frequency and 70.
neighborhood effects on lexical access: Grainger, J. (2008). Cracking the
activation or search? Journal of orthographic code: an introduction.
Experimental Psychology: Learning, Language and Cognitive Processes,
Memory & Cognition, 15, 802-814. 23, 1-35.
Andrews, S. (1992). Frequency and Grainger, J., & Jacobs, A. (1996).
neighborhood effects on lexical Orthographic processing in visual
access: lexical similarity or word recognition: a multiple read-out
orthographic redundancy? Journal of model. Psychological Review, 103,
Experimental Psychology: Learning, 518-565.
Memory, & Cognition, 18, 234-254. Grainger, J. & Whitney, C. (2004). Does
Andrews, S. (1996) Lexical retrieval and the huamn mnid raed wrods as a
selection processes: Effects of wlohe? Trends in Cognitive Sciences,
transposed-letter confusability. 8, 58-59.

Vizinhança ortográfica das palavras portuguesas 72


Psicologia em Pesquisa | UFJF | 2(02) | 61-73 | julho-dezembro de 2008

Grainger, J., O'Reagan, K., Jacobs, A., & Perfetti, C. A. (1985). Reading ability.
Segui, J. (1989). On the role of New York: Oxford University Press.
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Huntsman, L., & Lima, S. (1996). séries iniciais do 1o grau. São Paulo:
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(2004). Blocking by word frequency decision task. Cognition, 68, B53-
and neighborhood density in visual B62.
word recognition: a task-specific
response criteria account. Memory &
Cognition, 32, 1090-1102.

Justi, F.R.R & Justi, C.N.G. 73


Psicologia em Pesquisa | UFJF | 2(02) | 74-86 | julho-dezembro de 2008

A análise da fala materna dirigida a bebês em duas etapas do desenvolvimento

Analyses of maternal speech to babies in two steps of the development

Luciana Fontes Pessôa *


Maria Lucia Seidl-de-Moura **
Angela Donato Oliva ***

Resumo
A linguagem é considerada um instrumento de mediação simbólica que caracteriza a espécie humana e é
fundamental nas trocas interpessoais e na internalização dos processos constituídos nessas trocas. Neste artigo
foram descritas contribuições teóricas acerca do desenvolvimento da linguagem, e o papel da fala do adulto
nesse processo. O modelo de Roman Jackobson foi adotado para análise de características pragmáticas da fala
materna. Foram transcritas e analisadas as falas maternas em 40 díades, em dois momentos do
desenvolvimento do bebê (30 dias e 5 meses). Foram ainda analisados os aspectos afetivos e cognitivos dessa
linguagem. Os resultados mostraram uma predominância da função fática em ambas as faixas etárias. Houve
também predominância dos aspectos afetivos em relação aos cognitivos. Acredita-se que o conhecimento das
características da fala materna em etapas iniciais do desenvolvimento e a identificação dos aspectos
pragmáticos, que podem colaborar para o desenvolvimento da linguagem infantil, são de especial relevância.

Palavras-chave: aquisição de linguagem, díade mãe-bebê, desenvolvimento

Abstract
Language is considered an instrument of symbolic mediation that characterizes the human species, involved in
interpersonal exchanges and internalization of the processes that are constructed in these exchanges. In this
article the theoretical contributions and conceptions about language development were described, and the role
of adults’ speech in this process. Roman Jackobson’s model of was adopted for the analyses of pragmatic
characteristics of mothers’ speech. Mothers’ talk of 40 dyads were transcribed and analyzed in two moments
of the babies’ development (30 days and 5 months). The affective and cognitive aspects of maternal language
were also analyzed. The results indicated the predominance of phatic function in both age groups. Affective
aspects were also more frequent in relation to cognitive ones. Knowledge about maternal and child language
characteristics at the initial stages of development, and the identification of its pragmatic aspects that can
contribute for child language development are relevant.

Key-Words: language acquisition, mother-infant dyads, development.

____________________________
* Psicóloga, Doutora e Pós-Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social na Universidade
do Estado do Rio de Janeiro.
Contato: pessoalf@gmail.com
** Psicóloga, Professora Titular da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
*** Psicóloga, Professora Adjunta da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e da Universidade Federal do
Rio de Janeiro.

A linguagem é o coroamento das Somos capazes de produzir


realizações típicas da espécie humana. aproximadamente 150 palavras por

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minuto, escolhidas de um montante entre explicativa do processo de aquisição de


20.000 a 40.000 alternativas e com uma linguagem – e, de outro, por Ferguson
taxa de erro menor que 0,1%. É algo que (1977), Furrow, Nelson e Benedict (1979)
impressiona em termos da rapidez do – que procuravam identificar aspectos do
processamento. input que poderiam estar associados ou
Esse importante sistema de sinais contribuir para tal aquisição.
compreende uma intrincada relação entre Historicamente, estudar o input
aspectos cerebrais, cognitivos e sociais. linguístico ficou relacionado a
Uma das grandes dificuldades enfrentadas perspectivas que conferiam maior
pelos que estudam o assunto é a de privilégio à aprendizagem de tipo
especificar o papel que cada um desses associacionista, embora nem sempre fosse
fatores desempenha no processo de esse o caso. Os trabalhos mais
aquisição de linguagem. Diferentes contemporâneos tendem a retomar tais
perspectivas teóricas tentaram, ao longo investigações sobre outras bases, à luz
do tempo, apresentar argumentos dos avanços obtidos em outras áreas do
convincentes, dando maior ou menor conhecimento. Dessa forma, o estudo do
ênfase a um desses aspectos. input pode ser profícuo quando abandona
Dentre as posições clássicas, posições reducionistas e busca integrar as
destaca-se a do linguista Chomsky (1965) investigações realizadas em áreas afins
que concebeu uma tese nativista de tipo para tentar compreender a gênese do
representacional para explicar a processo de aquisição de linguagem.
linguagem. O cerne de sua argumentação A perspectiva teórica que aqui se
apontava para a impossibilidade de o pretende adotar para estudar o input
input linguístico - concebido como pobre, linguístico é multidimensional, isto é,
irregular, malformado, truncado, com inclui o papel do interlocutor, do
falsos começos, repleto de estruturas contexto, da comunicação não-verbal, do
complexas - servir como variável conhecimento prévio, das pistas
explicativa de um desenvolvimento tão oferecidas pela situação, e outros aspectos
rápido e complexo. da dimensão pragmática. A utilização de
Em oposição a essa perspectiva, alguns constructos pode ajudar a
encontram-se teóricos que privilegiam fundamentar essa posição. Por exemplo, a
mecanismos de aprendizagem. noção de internalização proposta por
Interessados em esquadrinhar e descrever Vygotsky (1984) pode explicar de que
como de fato era a fala dirigida às maneira o input linguístico que ocorre
crianças, pesquisadores realizaram externamente é apropriado pelo sujeito de
diversos estudos sobre as características forma peculiar. Não há uma simples
do input linguístico. Os primeiros assimilação de informação linguística,
resultados assinalaram a ocorrência de mas uma reconstrução interna desse input
regularidades e de padrões identificáveis que envolve uma reorganização das
além de indicar simplicidade e atividades psicológicas através de
redundância nessa fala. Começava um operações com signos. A internalização
clássico debate protagonizado, de um supõe a incorporação da cultura ao
lado, por Chomsky (1965), McNeill sujeito, a ação do sujeito sobre a própria
(1966), Newport, Gleitman e Gleitman cultura e a reestruturação de suas
(1977) – que não consideravam razoável atividades. A função mediadora dos
incluir o input linguístico como variável signos possibilita modificar não o objeto

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da operação psicológica, mas as próprias linguístico e cognitivo da criança é


operações psicológicas, indicando como pressupor uma análise não mais
as dimensões social, biológica e unidirecional. Como discutem Braz e
psicológica podem estar inevitavelmente Salomão (2000), a tendência entre os
entrecruzadas sem que uma se reduza à teóricos é de pelo menos considerar a
outra. bidirecionalidade na relação entre o
Quando a criança adquire uma adulto e a criança, supondo a
linguagem específica, ela também está existência de experiências que são
adquirindo, de forma pouco perceptível, trocadas e não unilateralmente
aspectos sociais e culturais. Portanto, uma apresentadas pela mãe ao bebê. Isso
conclusão óbvia e ao mesmo tempo pode ser identificado por análises dos
bastante problemática para a pesquisa, é tipos de fala que são utilizadas.
que linguagem, cognição e processos de Admite-se uma interatividade
interações sociais possuem pontos em subjacente em situações comunicativas
comum muito difíceis de serem e que, tanto o comportamento do bebê
investigados separadamente. Ao mesmo quanto o contexto nos quais elas
tempo, a criança é capaz de modificar, de ocorrem, funcionam como estímulos
alguma forma, o próprio ambiente no qual para a mãe (ou adulto) ajustar a
está inserida. maneira de falar com o bebê.
Bruner (1996) aponta a Diversos estudos buscam
importância da cultura no estudo do evidenciar como os comportamentos
pensamento. Reconhece que ela fornece dos bebês desempenham papel ativo
instrumentos com os quais nosso mundo e nas interações com mães e adultos.
nossa mente são construídos. Isso não Keller (1998) alega que os recém-
significa que haja tão-somente uma nascidos apresentam um conjunto de
assimilação passiva dos aspectos externos características que os capacitam para
à dimensão subjetiva; há modos de os primeiros contatos e trocas com os
atuação e de pensamento que os sujeitos membros da cultura, inicialmente
adquirem na cultura na qual estão representados, principalmente, por sua
inseridos e que se relacionam com mãe. Tanto a criança age sobre sua
aspectos biológicos. O papel da mãe através de olhares e mímicas,
linguagem nesse processo é fundamental. quanto a mãe age sobre esta por meio
E é por seu intermédio que o homem de sua fala e movimentação. No caso
interpreta e regula sua cultura. Em seu da mãe, há um ajuste intuitivo e
contínuo aprendizado, o homem adquire preciso de suas atividades às
ininterruptamente conhecimentos capacidades do bebê, um ajuste que se
culturais e formas de atuar em situações dá, inclusive, de acordo com Oliva
graças aos simbolismos, concepções e (2001), em termos funcionais da fala
distinções que a linguagem permite dirigida à criança.
identificar. Para Bruner (1985), cultura e Em uma perspectiva de base
linguagem não podem ser entendidas biológica, Pinker (2002) adota uma
separadamente. posição nativista (não mais
Considerar a fala materna, a representacional) procurando identificar
partir das relações estabelecidas nos as estruturas no circuito cerebral do
contextos interativos, como recém-nascido que possibilitam o
fundamental para o desenvolvimento desenvolvimento da linguagem.

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Mehler e Dupoux (1997), em uma importante nos ajustes realizados e no


linha ligeiramente diferente, alegam que próprio processo interacional.
bebês nascem com um aparato para As interações diádicas adulto/mãe-
adquirir o conhecimento necessário sobre bebê, principalmente as que incluem uma
a linguagem com rapidez e facilidade. Os dimensão verbal, podem ser importantes
bebês humanos podem discriminar todas para explicar a transformação de uma
as diferenças fonéticas usadas nas comunicação natural e espontânea para
linguagens naturais, eles podem discernir uma comunicação social, segundo
mudanças na entonação do falante e, ao argumenta Oliva (2001). Pressupõe-se
mesmo tempo, ligá-las a sons que que as interações que envolvem a fala
memorizaram de uma forma mais ou proporcionam mudanças internas na
menos rudimentar. São sensíveis a criança, possibilitando que ela
aspectos mais gerais da fala e podem, sob compreenda os aspectos da linguagem
condições apropriadas, focalizar sua social.
atenção nos aspectos mais específicos dos Com base nisso, argumenta-se que
sinais acústicos. desde o nascimento a linha de
O reconhecimento da desenvolvimento natural não funciona
competência do recém-nascido, quanto isolada da interação entre os parceiros de
à sua capacidade de percepção, uma mesma cultura. Um processo ao
imitação e comunicação, ou seja, de mesmo tempo natural e de interação
sua pré-adaptação para iniciar o cultural precisa estar em ação para o
conhecimento do meio no qual está desenvolvimento dos "instrumentos" do
inserido, em termos físicos e sociais, sujeito que permitirão o desenvolvimento
de acordo com Rochat e Striano (1999) dos processos mentais superiores
e Seidl de Moura e Ribas (2004), (Vygotsky, 1984).
fortalece a concepção sobre o papel Através da relação diádica, as
ativo do bebê no mundo e sobre a mães tentam principalmente engajar as
capacidade que tem de interferir nas crianças no diálogo e não apenas dar
relações diádicas que inicialmente são informações ou ensinar a falar. Para Snow
estabelecidas com quem cuida dele. (1986), a mãe ajusta sua fala ao se dirigir
Segundo Seidl de Moura (1999), à criança principalmente pela vontade de
no momento em que a mãe está comunicação com o bebê e não pelo
interagindo com seu bebê, ela utiliza uma desejo do ensino de regras gramaticais.
gama de representações acerca de um O modo pelo qual os adultos se
modelo geral de infância e de um comunicam com as crianças pode variar
conjunto de expectativas sobre o bebê e de cultura para cultura, acarretando
seu desenvolvimento. Com base nas suas variações nas formas interativas que se
representações e nas pistas contextuais, estabelecem entre os parceiros. Pye
ela atribui aos comportamentos dos bebês (1992) relata que não é comum a fala
significados específicos. A atribuição de dirigida a crianças entre os Quiché
significado aos comportamentos do bebê Mayan. Nessa cultura, elas são
e a observação do quanto a mãe modifica consideradas, física e espiritualmente,
seus padrões de interação com base no vulneráveis e necessitam ser mantidas
feedback que recebe dele têm sido de calmas e quietas. As mães podem
crucial importância na investigação das suavemente sussurrar para as crianças,
interações iniciais. Essa atribuição é mas em nenhum momento é feita a

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tentativa de considerá-las como parceiros enfoque interacionista e dinâmico que


de conversa. este trabalho propõe a retomada do estudo
Bornstein, Tal e Rahn (1992) do input. Em uma abordagem semelhante,
analisaram e compararam a linguagem investigações empíricas sobre análises
utilizada pelas mães com bebês de cinco e pragmáticas do input empreendidas por
treze meses de idade em quatro países Seidl de Moura, Oliva e Pessôa (1998);
diferentes. Dois principais aspectos da Oliva (2001), sugeriram como ele pode
linguagem foram destacados: os estar atuando no processo de aquisição de
cognitivos - relacionados aos dados linguagem sem desconsiderar capacidades
informativos, que envolviam as da criança de atentar preferencialmente
perguntas, frases diretas, etc. - e os para alguns tipos de input. Esses estudos
afetivos - que correspondiam ao uso de visaram, preliminarmente, detalhar
sons onomatopéicos, não proposicionais, aspectos pragmáticos da fala dirigida ao
rimas, sons de animais, etc. Os dados bebê. Os resultados iniciais descortinaram
evidenciaram, praticamente para todas as o percentual de ocorrência de algumas
culturas, um maior uso de fala relacionada funções da fala dirigida ao bebê. O
aos aspectos afetivos com os bebês de número de participantes nesses estudos,
cinco meses, ao passo que com os de contudo, foi pequeno e os autores
treze meses as mães utilizaram uma apontaram para a necessidade de a
linguagem mais informativa. investigação ser realizada com um maior
No estudo de Seidl de Moura e número de díades.
Ribas (1998), os dados foram O presente trabalho procurou
interpretados como indicadores de que as realizar uma análise descritiva de algumas
mães tratam os bebês, desde as fases funções que podem ser identificadas no
iniciais do desenvolvimento, como input linguístico dirigido ao bebê,
pessoas às quais se podem atribuir gostos, ampliando o número de participantes e
desejos e sentimentos, e não como seres detalhando especificamente alguns
que se limitam a manifestar necessidades contextos com a finalidade de estabelecer
fisiológicas. A consequência dessa eventuais regularidades funcionais
concepção manifesta-se na conduta relacionadas a diferentes situações.
materna de tentar adequar sua fala, seus A forma de abordar essa relação
gestos a algum tipo de denominador em será observando o input linguístico que os
comum com o bebê, a fim de estabelecer adultos dirigem aos bebês de trinta dias e
mais facilmente algum tipo de de cinco meses, identificando as funções
comunicação com ele. Isso fica evidente linguísticas que ocorrem em alguns
quando se observa a estrutura da contextos. Busca-se mapear possíveis
"conversa" que ocorre entre a mãe e o mudanças ou ajustes nas funções
bebê, que se assemelha às conversas entre linguísticas quando a fala é dirigida a
duas pessoas, em que um fala e o outro bebês de diferentes idades e em diferentes
escuta, verificando-se a alternância de circunstâncias. O pressuposto é o de que a
papéis entre ouvinte e falante. linguagem não se restringe a ser um
O desafio, portanto, que sistema de representação do mundo. Ela é
contemporaneamente se apresenta, é o de um sistema de interação entre os agentes,
tentar compreender como diferentes é um refinamento das situações
perspectivas ambientais e biológicas comunicativas e tem um papel decisivo
podem ser integradas. É a partir desse

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no processo de desenvolvimento da tinham aproximadamente cinco meses


criança. de idades.
O estudo visa identificar o A idéia foi poder comparar
papel que o bebê exerce, a partir das ajustes funcionais na fala dirigida a
interações observadas, no tipo de dois grupos de bebês pré-verbais, cujas
função da fala que a mãe lhe dirige. A trocas interativas apresentam-se
suposição subjacente é a de que a mãe diferentemente nesses dois momentos
está sensível às respostas que o bebê do desenvolvimento. No primeiro, os
dá a ela e aos estímulos ambientais. bebês completaram apenas um mês de
Assim, esperam-se diferenças entre a vida e no segundo, algumas mudanças
fala materna aos 30 dias e 5 meses do podem ser observadas. Nessa época
bebê e em diferentes contextos ocorrem com muita freqüência e de
específicos. maneira mais intensa sorrisos sociais,
brincadeiras, troca de olhares com os
Método outros, jogos com brinquedos
Participantes mediando a relação, atenção mais clara
Para atender ao objetivo de para o ambiente e para as pessoas, etc.
identificar as funções de linguagem
presentes no fala dirigida aos bebês Categorias de análise da fala materna
foram analisadas quarenta díades mãe- (Jackobson,1975)
bebê em duas etapas intermediárias
que são marcos importantes no 1. Função Emotiva – atribuição de
primeiro ano: aos 30 dias (fase entre o significados - preferências e
recém–nascido e os 2 meses) e aos 5 vontades (PV), sensações físicas,
meses (na transição entre a necessidades básicas, estados
intersubjetividade primária e a emocionais - adjetivações e
secundária) em diferentes contextos, elogios. Exemplos de emissões
constituindo dois grupos que caracterizam função emotiva:
independentes. “Você gosta não gosta, já que está
Grupo 1: Vinte díades mãe- com sono é porque gosta!”; “Ela
bebê observadas em ambiente natural, dá uma mijada linda!”; “Você
residentes em bairros de classes baixa gosta dessa água”; “É um banho
e média do estado do Rio de Janeiro. bom!”; “Neném qué suco”; “Cê
As mães possuíam entre 18 e 41 anos, qué aguinha”; “Eu quero é brincar
nível de escolaridade predominante de mamãe”; “Tá com sono”; “É o
ensino médio e à época da filmagem lindo da mamãe”.
eram elas que cuidavam dos bebês, que 2. Função Referencial – descrições
tinham idade média de trinta dias. de ações passadas, presentes e
Grupo 2: Vinte díades mãe- futuras. Exemplos de emissões
bebê observadas em ambiente natural, que caracterizam função
residentes em bairros de classes baixa referencial: “É a mamãe que está
e média do estado do Rio de Janeiro. dando banho em você”; “O
As mães possuíam entre 18 e 41 anos, perfuminho pra ficar cheirosinho”;
nível de escolaridade predominante de “A mamãe vai brincar com você”;
ensino médio e à época da filmagem “A mãe tem que estudar”; “A
eram elas que cuidavam dos bebês, que mamãe vai atender ao telefone”.

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3. Função Conativa – imperativos, 3. Contexto de cuidado, envolvendo


pedidos, solicitação de resposta. atividades tais como, troca de fraldas,
Exemplos de emissões que tomar banho, aplicar remédios e vestir
caracterizam função conativa: o bebê;
“Vamos lavar a cabecinha do 4. Contexto de alimentação, envolvendo
neném?”; “Não volta a chorar”; a amamentação e a introdução de
“Vamos esticar essa perninha”; alimentos, assim como, sopinhas,
“Levanta a perninha”; “De quem é frutas e sucos naturais;
esse ursinho?”; “Você não vai 5. Outros contextos, envolvendo todas as
brincar?”. outras atividades da díade que não
4. Função Fática – tratamentos, estavam diretamente relacionadas com
frases não-proposicionais, sons o contexto de alimentação e com o
onomatopéicos e contrações contexto de cuidados com o bebê.
interrogativas monossilábicas. Procedimento
Exemplos de emissões que O estudo fez parte de projeto
caracterizam função fática: “Tá mais amplo, longitudinal e
procurando mamá, tá?”; “Que transcultural e foi submetido ao
legal!”; “Prontinho!”; “A Comitê de Ética do Instituto de
mãozinha agora”; “É, filho!”; Puericultura e Pediatria Martagão
“Não tá bom, hein?”; “Oh!,...pra Gesteira (IPPMG), da Universidade
refrescar”; “Agora pegou”; “Vem, Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e ao
Pâmela!”; “Tá com uma cara, Conselho Nacional de Ética em
né?”. Pesquisa (CONEP) e foi aprovado.
Aspectos afetivos e cognitivos As díades mãe-bebê foram
na fala materna: visitadas em suas residências, quando
1. Aspectos Afetivos – uso de sons apenas a mãe e o bebê estavam em
onomatopéicos, frases não- casa, e os registros eram feitos apenas
proposicionais, rimas, sons de nos períodos em que o bebê se
animais, tratamentos, uso de palavras encontrava acordado. A observação foi
infantilizadas tais como, pepeta, registrada em vídeo e foi solicitado à
papá, etc, uso de contrações mãe que mantivesse sua rotina diária,
interrogativas monossilábicas, ignorando, na medida do possível, a
pedidos, elogios, estados emocionais, presença do observador.
sensações físicas, necessidades Os bebês do grupo 1 (de um
básicas, preferências e vontades e mês de idade) foram filmados uma
adjetivações. única vez durante 20 minutos. Não
2. Aspectos Cognitivos – perguntas, foram considerados para a análise os
frases diretas, emprego de verbos cinco minutos iniciais, para que se
ligados à atividade mental tais como, minimizasse o efeito da artificialidade
pensar, acreditar, etc., imperativos e e se estabelecesse uma certa adaptação
descrições. ao observador. Não foi possível filmar
Tipos de contextos em que por um tempo maior esses bebês, pois
essas categorias ocorreram também comumente eles adormeciam.
foram identificados e classificados da Os bebês do grupo 2 (de cinco
seguinte forma: meses de idade) foram filmados uma
única vez durante uma hora, da qual

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foi selecionado aleatoriamente um cognitivos foi identificada e analisada


período de 15 minutos. seguindo a definição e, finalmente, o
Os 15 minutos de fita dos dois contexto em que a emissão ocorreu foi
grupos foram transcritos. Foram registrado.
registradas as falas da mãe dirigidas ao Resultados e Discussão
bebê e vocalizações. Em seguida, A função fática foi a predominante na
foram identificadas as emissões dessa fase inicial de comunicação entre mães
fala para proceder à categorização de e bebês de aproximadamente trinta
funções e de aspectos afetivos e dias e de cinco meses de idade. Essa
cognitivos nos diferentes contextos. função está associada aos recursos
A unidade de análise da fala linguísticos usados pelo emissor (a
materna foi a emissão de fala da mãe, a mãe) para estabelecer, prolongar,
qual foi delimitada ou definida por chamar a atenção ou interromper a
pausas que a mãe faz, naturalmente, comunicação com o interlocutor (o
em sua fala, independentemente da bebê). Ela é identificada em
sentença estar ou não completa. Dessa interjeições, solicitações de respostas,
forma, em uma única sentença, foi chamamentos, sons onomatopéicos,
comum encontrar duas ou mais contrações interrogativas
emissões. monossilábicas e frases não
Cada unidade de análise, isto é, proposicionais. A tabela 1 indica essa
cada emissão foi classificada em maior frequência nas díades com bebês
apenas uma das categorias de função de trinta dias quando são considerados
propostas pelo estudo. A presença na os contextos separadamente.
fala materna de aspectos afetivos e

Função Contexto de Contexto de Outros Total


cuidado alimentação contextos
Fática 31,98% 16,94% 23,62% 72,54%
Conativa 3,98% 3,1% 4,37% 11,45%
Referencial 6,93% 2,26% 1,32% 10,51%
Emotiva 2,31% 1,87% 1,32% 5,5%
Total 45,2% 24,17% 30,63% 100%

Tabela 1: Emissões para bebês de trinta dias

Como pode ser verificado, a dele na troca, pelo período de tempo


função fática foi a mais observada em maior possível.
todos os contextos e totalizou 72,54% das A função conativa, vinculada ao
emissões. Observa-se, assim, que foi mais destinatário (o bebê), foi encontrada na
frequente a fala materna com a função de soma dos três contextos, em 11,45% das
buscar chamar a atenção do bebê, tentar emissões, que se distribuíram entre eles.
checar se a atenção está voltada para a As emissões conativas caracterizam-se
mensagem e visar manter o engajamento por imperativos, pedidos e solicitações de

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resposta que, de certa forma, também “necessidades básicas” e “estados


mantêm um canal de comunicação com o emocionais”. Nos dois grupos estudados,
bebê. Embora com menor frequência do as atribuições mostram-se
que as fáticas, parecem indicar que a mãe predominantemente vinculadas às
se dirige ao bebê como um interlocutor, preferências e vontades dos bebês. Esse
um parceiro que pode responder a ela. dado indica haver uma concepção por
A função referencial nos três parte das mães de que os bebês, desde
contextos foi observada em 10,51% das muito cedo, mostram-se capazes de fazer
emissões e distribuída da seguinte forma: uma série de discriminações sensoriais e
2,26% no contexto de alimentação; 6,93% ter, consequentemente, diversas
no contexto de cuidado e 1,32% nos preferências.
outros contextos. Nessa função, a ênfase Levando em consideração o
das emissões maternas recai sobre as contexto no qual a fala dirigida ao bebê
descrições das situações presentes, foi produzida, 45,2% das emissões
passadas e futuras. A partir das ocorreram no contexto de cuidado;
descrições, a mãe mantém o bebê 24,17% no contexto de alimentação e os
informado sobre os aspectos que restantes 30,63% em outros contextos. De
considera relevantes de uma determinada certa forma, como os bebês são muito
situação. Nessa etapa do desenvolvimento pequenos e dormem durante uma boa
do bebê, não parece ser a mais parte do tempo, não surpreende o fato de
importante. Mais do que informar ao bebê um maior número de emissões ocorrer em
sobre o mundo, as falas maternas parecem contextos de cuidado, tais como o banho,
estar tendo a função de mantê-lo ligado a troca de fralda ou roupa, limpeza do
ela. nariz, do ouvido e do umbigo, colocação
Finalmente, a função emotiva de perfume, etc, pois são ocasiões em que
encontrada em 5,5% das emissões dos o bebê mais provavelmente se encontra
três contextos apresentou a seguinte acordado. É interessante destacar que as
distribuição: 1,87% no contexto de mães conversam com seus filhos nesses
alimentação; 2,31% no contexto de momentos procurando descrever ou
cuidado e 1,32% em outros contextos. informar sobre as atividades (ou etapas
Nessa função, a análise fica focada no das atividades) realizadas. Isso parece
conteúdo da mensagem e centralizada na demonstrar que desde fases iniciais do
mãe. A forma como ela age com seu filho desenvolvimento as mães consideram
- o que diz e como diz – baseia-se nas seus bebês capazes de compreensão e
concepções, nas crenças e nos estimulam uma interação inicial que se dá
conhecimentos que foi desenvolvendo a partir de sua fala.
sobre o bebê. Nessa função, incluem-se os Com relação aos aspectos afetivos e
elogios e as adjetivações. Dentre as cognitivos, observou-se um percentual
categorias relacionadas com a função maior dos aspectos afetivos nas emissões
emotiva, encontrou-se uma subcategoria maternas (67,83%) do que de aspectos
que é a atribuição de significado, ou seja, cognitivos (32,17%) com os bebês dessa
o quanto a mãe, explicitamente em sua faixa etária.
fala, atribui um significado ao Nas díades com bebês de cinco
comportamento do seu bebê. Essa meses, 75,27% das emissões analisadas
subcategoria se subdivide em “preferência produzidas pelas mães foram classificadas
e vontades”, “sensações físicas”, como tendo função fática nos três

Fala maternal dirigida a bebês 82


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contextos observados. Numa comparação A função conativa, vinculada ao


preliminar, esse alto percentual parece destinatário, foi encontrada em 7,83% das
indicar uma semelhança com os emissões considerando os três contextos,
resultados apresentados pelas díades com predominando aqueles que não eram de
bebês de trinta dias. Uma análise que cuidado ou alimentação. Observou-se um
considera o tipo de contexto revela, ligeiro aumento dessa função em outros
porém, uma diferença percentual da contextos, mas não tão grande quanto ao
função fática quando as díades com bebês registrado na função fática. Comparando-
de trinta dias são comparadas às díades se as díades com bebês de trinta dias e as
com bebês de cinco meses: 6,56% dessas díades com bebês de cinco meses, pode-se
emissões dirigidas aos bebês de cinco observar que os percentuais das emissões
meses ocorreram no contexto de cuidado fática e conativa praticamente dobraram.
contrastando com os 31,98% das que A função referencial, relacionada ao
foram registradas nas díades com bebês contexto, também predominou em outros
de 30 dias; 4,63% das emissões fáticas contextos, o que contrasta com o
para bebês de cinco meses ocorreram no resultado aos 30 dias. Nas díades com
contexto de alimentação enquanto para o bebês de trinta dias, em contexto de
grupo de bebês com trinta dias esse cuidado, 6,93% das emissões foram
percentual foi de 16,94%; 64,08% das categorizadas como pertencendo à função
emissões fáticas para os bebês de cinco referencial, contrastando com 1,32%
meses ocorreram em outros contextos, registrados em outros contextos e com
enquanto 23,62% dessas emissões foram 2,26% em contexto de alimentação. Para
registradas nas díades com bebês de trinta bebês de cinco meses, o percentual de
dias. Esse resultado parece apoiar a idéia emissões é de 0,89% no contexto de
de que a fala da mãe sofre influência das cuidado, 0,41% no contexto de
respostas do bebê. Nesse sentido, as alimentação e 8,92% em outros contextos.
análises centradas apenas no input Essas diferenças podem se dever ao
linguístico da mãe não parecem ser aumento das descrições que as
capazes de sozinhas indicar as razões das brincadeiras obrigam, de modo que a
modificações funcionais registradas na atenção não precisa ficar restrita ao
fala dirigida aos bebês. A explicação contexto de cuidado.
dessas alterações não está confinada pelo Finalmente a função emotiva,
input materno. O comportamento do encontrada em 6,68% das emissões nos
bebê, por exemplo, pode atuar como três contextos, apresentou a seguinte
modelador funcional dessas emissões. O distribuição: 0,56% no contexto de
uso mais frequente do brinquedo, cuidado, 0,45% no contexto de
intermediando a relação da díade, também alimentação e 5,67% em outros contextos.
parece contribuir para a modificação Novamente o padrão se repete como nas
funcional das emissões.Vide tabela 2 demais funções observadas nas díades
com bebês de cinco meses – aumento na
ocorrência em outros contextos.
Conativa 0,52% 0,86% 6,45% 7,83%
Função Context Contexto Outros Referencial 0,89%
Total 0,41% 8,92% 10,22%
o de de contexto Emotiva 0,56% 0,45% 5,67% 6,68%
cuidado alimentação s Total 8,53% 6,35% 85,12% 100%
Fática 6,56% 4,63% 64,08% 75,27%

Pessoa, L.F. et al. 83


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Tabela 2: Emissões para bebês de cinco


meses

Ao contrário do que foi observado Os resultados podem ser


com bebês de trinta dias de idade, 8,53% interpretados como um tipo de ajuste
das emissões ocorreram no contexto de linguístico que a mãe faz de acordo com o
cuidado, 6,35% no contexto de que observa no bebê. Ela aumenta as
alimentação e 85,12% das emissões instâncias de fala com características de
ocorreram nos demais contextos. Essa função fática, possivelmente como
diferença não surpreende, pelo fato de os recurso para chamar a atenção do bebê
bebês estarem mais responsivos ao para si e para suas emissões. A alta
ambiente e às pessoas, a fala dirigida a frequência de tal função parece indicar
eles aumenta em situações lúdicas, em que a estratégia está sendo apropriada.
trocas sociais e em atividades que Afinal, a condição necessária para que se
envolvem manipulação de objetos, estabeleça uma forma de comunicação
embora sejam ainda pré-verbais. verbal entre a díade é que o bebê esteja
Com relação aos aspectos afetivos com sua atenção voltada para a mãe.
e cognitivos, constatou-se que também Intuitivamente, a mãe utiliza esse recurso
nos bebês com 5 meses, predominam os linguístico (função fática) para chamar ou
aspectos afetivos na fala materna manter a atenção do filho voltada para
(72,73%), mostrando que a tendência ela. De certa forma, o uso mais frequente
observada em relação aos bebês menores da função fática apoia a perspectiva de
se mantém. que o bebê tem um papel fundamental no
ajuste da fala a ele dirigida e indica que
Conclusões ele não pode ser considerado um mero
Esse estudo visou investigar receptor de informações. Os dados do
características pragmáticas da fala estudo abrem um caminho importante
materna em dois momentos do para novas investigações sobre o papel
desenvolvimento do bebê. Dois aspectos que o interlocutor desempenha no
se destacaram nas duas idades: o processo de aquisição de linguagem.
predomínio de emissões que têm função Uma interpretação dinâmica dos
fática e de aspectos afetivos na fala resultados sugere que a observação de
materna. O predomínio da função fática uma variável deve levar em conta a
frente às demais pode estar relacionado ao interação que mantém com as demais. Por
período do desenvolvimento do bebê. exemplo, a variável de contexto
Recém-nascidos dirigem separadamente não informa muita coisa,
preferencialmente o foco de atenção para nem a variável de idade. Quando
o rosto humano ou para a direção da voz observadas simultaneamente, no entanto,
humana. O foco de atenção do bebê é resultados interessantes acabam sendo
facilmente direcionado para a mãe que percebidos. Talvez se possa interpretar
fala com ele, aproxima-se dele ou busca que o contexto de cuidado em díades com
interagir de alguma forma com ele. Aos 5 bebês de trinta dias desempenha papel
meses essa tendência básica ainda não se facilitador na frequência das emissões.
modificou totalmente, e os objetos Ele pode ser considerado, dentre os três
parecem estar apenas começando a ser apresentados, o mais propício para que a
integrados nas interações das díades. mãe venha a entabular uma “conversa”

Fala maternal dirigida a bebês 84


Psicologia em Pesquisa | UFJF | 2(02) | 74-86 | julho-dezembro de 2008

com seu bebê. No momento em que cuida comportamentos e capazes de prover o


do bebê, a mãe está muito próxima dele, o apoio adequado de que elas necessitam.
que pode ensejar ou facilitar a Desempenham, dessa forma, um
comunicação entre eles. Já no contexto de importante papel de mediadores na
alimentação, além de a preocupação construção do mundo sociocultural da
principal não ser a comunicação, é criança.
comum nessa idade o bebê ficar sonolento Esta pesquisa também corrobora
durante o mamar. Já com cinco meses, a alguns resultados acerca da presença de
partir da introdução de brinquedos e pelo interações mãe-bebê em fases iniciais do
fato de a mãe atribuir mais competências desenvolvimento encontrados em (Ribas
ao seu bebê, outros contextos & Seidl de Moura, 1999; Seidl de Moura
predominam. & Ribas, 2002). Eles, vêm também se
Os aspectos afetivos da fala, que somar aos trabalhos reflexivos acerca do
traduzem afeto, carinho, intimidade, modelo interativo de diferentes vertentes
aparecem em maior número do que os na pesquisa sobre o desenvolvimento
cognitivos. Esse resultado parece indicar humano e que consideram esse processo
um aspecto básico e geral da como necessariamente vinculado às
comunicação entre mães e bebês e interações sociais.
corrobora tendências de estudos Entende-se também que o avanço na
anteriores (Bornstein, Tal & Rahn, 1992). área de investigação sobre a interação
Pode ser interpretado como uma mãe-bebê depende, em larga medida, da
estratégia que as mães utilizam para produção de evidências empíricas
estarem mais próximas de seus bebês e relativas aos processos envolvidos nessas
facilitarem ou simplificarem a interações e, nesse sentido, defende-se a
comunicação com eles, encontrando um necessidade de que se desenvolvam e
ponto comum com que possa ser aperfeiçoem metodologias de observação
compartilhado e a partir do qual possam da interação mãe-bebê, com variações que
atribuir novas significações. podem incluir classes sociais
Outro aspecto que os resultados diferenciadas ou pesquisas de laboratório.
revelam é a grande proporção da fala
materna como uma resposta às diferentes Referências:
condutas da criança tais como gestos, Bornstein, M., Tal, J. & Rahn, C. (1992).
maneiras de olhar, sorrir, chorar, Functional analysis of the contents
resmungar, fazer necessidades of maternal speech to infants of 5
fisiológicas, comer, etc. A análise das and 13 months in four cultures:
emissões indica que quase todo o Argentina, France, Japan, and
proferimento maternal é diretamente United States. Development
precedido ou seguido por esses sinais das Psychology, 28, (4) 593-603.
crianças. Isso pode significar que as mães Braz, F.S. & Salomão, N. M. R. (2002). A
não estão simplesmente comunicando fala dirigida a meninos e meninas:
informação para suas crianças, mas que um estudo sobre o input materno e
estão tentando engajá-las em conversas. suas variações. Psicologia:
Durante o desenvolvimento inicial, Reflexão e Crítica, 15, 333-344.
os pais são os agentes sociais que melhor Bruner, J. (1985). Child’s talk: Learning
entendem as intenções das crianças, to use language. London: Norton
atribuindo significações aos seus & Company.

Pessoa, L.F. et al. 85


Psicologia em Pesquisa | UFJF | 2(02) | 74-86 | julho-dezembro de 2008

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Fala maternal dirigida a bebês 86


Psicologia em Pesquisa | UFJF | 2(02) | 74-86 | julho-dezembro de 2008

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Psicologia em Pesquisa | UFJF | 2(02) | 87-95 | julho-dezembro de 2008

A compreensão de textos em condições de compartilhamento da atenção

Vânia Francisca Cícero de Sá Henriques *


Adriana Benevides Soares**

Resumo
Este estudo propõe investigar a compreensão de textos em condições de compartilhamento da atenção.
Participaram 75 alunos do Ensino Médio distribuídos em compreendedores bons e menos proficientes. Foi
utilizado um questionário para coleta das variáveis sociodemográficas, um texto e seu respectivo questionário
e um segundo texto que era visualizado no computador com seu questionário. A primeira etapa consistiu na
aplicação do questionário do participante e do primeiro texto com seu questionário. Ao final desta etapa,
foram classificados os participantes como bons e compreendedores menos proficientes. A segunda etapa
consistiu em responder ao segundo texto e seu questionário em três condições diferentes: em silêncio; exposto
ao som musical e ouvindo a narração de um jogo de futebol. Os resultados mostram que o grupo dos bons
compreendedores apresenta melhor desempenho sob as três condições e que tanto bons quanto
compreendedores menos proficientes têm melhor desempenho em condição de silêncio.

Palavras-chave: Foco de atenção; Compreensão de textos; Desempenho.

Abstract
This study proposes to investigate the understanding of texts under sharing attention situations. 75 students
from high school were divided in two groups: the high-quality proficient in text understanding and the less
one . We used a questionnaire to collect socio-demographic variables, a text and its questionnaire and a
supplementary text that was displayed on the computer with its questionnaire. The first step was to apply the
questionnaire for the participant and the first text with his questionnaire. At the end of this phase, participants
were classified as good and less proficient. The second step was to answer the second questionnaire and its
text under three different conditions: in silence, exposed to a musical sound and listening to a football game
narration. The results have shown that high-quality proficient in text understanding presents better
performance under the three conditions and that high-quality proficient in text understanding and less one have
better perform under silence situation.

Key-Words: Focus of attention, text comprehension, performance

________________________________
* Pedagoga, mestre em Psicologia, Professora da Faculdade Geremário Dantas – FGD.
** Psicóloga, doutora em Psicologia, Profª da Universidade Salgado de Oliveira (UNIVERSO) e da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Rio de Janeiro.
Contato: Av. Bartolomeu Mitre 390-402 Cep. 22431-000 – Leblon, Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro. TeleFax: (21) 2274-8407 / E-mail: adribenevides@gmail.com

A educação atual visa a desenvolver um ao mundo de tecnologias e mudanças


indivíduo participativo, crítico e reflexivo diárias.
para integrar-se à sociedade tendo Para isso é necessário que ele saiba
condições de criar caminhos possíveis perceber o entorno, relacionar-se com o
para o seu desempenho cognitivo e social. novo e compreender o contexto em que
Por este motivo, precisa desenvolver está inserido. Dessa forma, o objetivo da
certas habilidades, que lhe darão educação sistemática (escola) é o de
oportunidade de cada vez mais se integrar proporcionar ao aluno a oportunidade de
desenvolver a sua compreensão do mundo

Henriques, V.F.C.S & Soares, A.B. 87


Psicologia em Pesquisa | UFJF | 2(02) | 87-95 | julho-dezembro de 2008

através de metodologias específicas, resposta ( Coquery ,1994; Eysenck &


como a de leituras de textos em sala de Keane, 2007 e Sternberg, 2000).
aula e debates sobre os mesmos, textos, Coquery (1994) especifica que o
com o intuito de formar alunos críticos e conceito de atenção é utilizado para
capazes de resolver problemas: estas são explicar que o organismo não emite a
algumas das habilidades requeridas no mesma resposta em condições de
desempenho do aluno do Ensino Médio. ambiente constante, para o mesmo
Pozo (2002) ressalta que a cultura da estímulo ou grupos de estímulos. Entre
aprendizagem direcionada para produzir outros conceitos, e para explicar essa
saberes previamente estabelecidos deve variabilidade, alguns têm traços ou
dar passagem a uma cultura da variações de eficácia dos sistemas
compreensão, de análise crítica, de receptores (adaptação, acomodação) ou
reflexão sobre o que fazemos e efetores (cansaço); outros tratam das
acreditamos e não só do consumo, modificações mais ou menos duráveis ou
mediado e acelerado pela tecnologia de reversíveis do organismo na sua
crenças e modos de saberes fabricados totalidade (maturação, aprendizagem,
fora de nós. motivação).
Para a apreensão da realidade, devemos Para Sternberg (2000), tanto as
desenvolver habilidades como o pessoas leigas quanto os psicólogos
letramento e sua fluência, ressaltando a cognitivos reconhecem a existência de
importância do universo da escrita que se pelo menos alguns limites nos nossos
manifesta através dos pequenos, médios e recursos mentais, e que há limites para
longos textos presentes em todo o nosso a quantidade de informações nas quais
universo cultural. podemos concentrar esses recursos
Nesse cenário, o processo da mentais em qualquer tempo. O
compreensão efetiva de textos possibilita fenômeno psicológico da atenção
uma melhor destreza na leitura nos anos possibilita-nos o uso criterioso de
mais avançados de escolarização. Tal nossos limitados recursos mentais.
processo envolve uma série de Obscurecendo as luzes sobre muitos
elaborações, tais como a construção de estímulos externos (sensações) e
representações mentais e o internos (pensamentos e memórias),
emparelhamento entre o estímulo textual podemos realçar os estímulos que nos
e o conhecimento de mundo que é interessam. Esse foco aumentado
realizado através de processos amplia a probabilidade de que
mnemônicos e inferenciais. Essa possamos responder rápida e
elaborações acontecem mentalmente e corretamente aos estímulos
necessitam de que a atenção esteja focada selecionados. Segundo o autor, a
no estímulo externo, ou seja, no texto atenção elevada também abre caminho
para que haja seleção e emparelhamentos para os processos da memória, de
adequados que permitam a compreensão. modo que sejamos mais capazes de
A atenção é uma capacidade de evocar a informação à qual prestamos
selecionar parte do estímulo que está atenção do que a informação que
sendo captado para um processamento ignoramos.
mais intenso, mas também tem sido A compreensão de um texto,
encarada como sinônimo de concentração segundo Rossi e Bert-Erboul (1990),
ou de estado mental, ou ainda como relaciona-se à capacidade que o leitor
aspecto seletivo da percepção e da tem de hierarquizar as informações e
selecionar aquelas que consideram

A compreensão de textos em condições de compartilhamento da atenção 88


Psicologia em Pesquisa | UFJF | 2(02) | 87-95 | julho-dezembro de 2008

mais importantes, utilizando também demonstravam os conhecimentos iniciais


um critério seletivo. Os processos dos leitores sobre o tema abordado.
responsáveis dessa seleção se Quanto à segunda, questão, refere-se
relacionam aos níveis de compreensão à importância subjetiva. O fato de os
atingidos depois de uma leitura. leitores apreciarem uma informação
Existem, segundo Rossi & Bert-Erboul em função do seu conhecimento, do
(1990), duas categorias de seu interesse e do seu objetivo. Assim,
importância: (1) a importância toda a informação que contradiz o
estrutural e (2) a importância atribuída conhecimento do leitor é julgada
pelo leitor ou importância subjetiva. importante, mesmo que no texto ela
A primeira refere-se à compreensão do seja secundária.
discurso. Segundo Kintsch (1988), esta A capacidade seletiva do leitor que
compreensão envolve a construção de está tanto no processo atencional
uma representação do mesmo sobre a qual quanto no processo mnemônico e
várias computações podem ser realizadas, inferencial permitem ao aluno, se
e seus resultados são apresentados, desempenhada adequadamente, de ao
evidenciando a compreensão. O final da leitura de um texto ter um bom
indivíduo, ao compreender um texto, desempenho no reconhecimento
deverá ser capaz de responder questões interpretativo ao discutir, contar ou
sobre ele, lembrá-lo, parafraseá-lo e responder questões sobre o texto.
resumi-lo. Sendo assim, são utilizadas Sendo assim, a proposta desta pesquisa
representações em um nível lingüístico e está em buscar respostas para a
em um nível conceitual para representar dificuldade que os alunos têm em
ambos os significados, local e global, compreender, em sala de aula e diante de
como também a estrutura de um texto interferências atencionais diversas, o
(micro e macroestrutura) construindo a texto lido. Dessa forma, o objetivo
base de um texto que se torna então principal é o de analisar se diferentes
integrado a uma estrutura maior. interferências atencionais geram
Kintsch (1978) relata um experimento diferentes perturbações na compreensão
em que os sujeitos, ao longo da leitura, de textos lidos.
fazem uma seleção de frases que eles
consideram importantes para MÉTODO
compreender e resumir o texto. Para Participantes
estudar a pertinência dessa seleção, três A amostra foi constituída de 75
níveis foram distinguidos: as unidades estudantes do ensino médio, da rede
centrais (macroestrutura geral) que são particular de ensino do município do Rio
essenciais à compreensão do texto, e de Janeiro. A idade dos participantes
contêm informações, consistindo em variou de 15 a 18 anos, sendo 68
colocar o problema; o nível da estudantes do gênero feminino e 7 do
argumentação, que tem como função gênero masculino. 16 estudantes eram do
fornecer as provas desse tipo de 1o ano no ensino médio, 32, do segundo e
desaparecimento, explicar uma hipótese, 27, do terceiro.
enumerar os argumentos suscetíveis e
explicá-los; o terceiro nível que é Instrumentos / material
caracterizado pelos detalhes sem Foram utilizados três instrumentos
importância. As questões de compreensão para coleta dos dados: 1) um questionário
destacavam essas três classes e mais do participante contendo informações
aquelas questões fora do texto, que sobre as variáveis sociodemográficas, 2)

Henriques, V.F.C.S & Soares, A.B. 89


Psicologia em Pesquisa | UFJF | 2(02) | 87-95 | julho-dezembro de 2008

um texto e seu respectivo questionário


contendo um total de 17 perguntas (5 1 – Resultados da primeira etapa
perguntas sobre macroestrutura, 4 sobre
argumentação, 4 sobre detalhes e 4 sobre Os participantes foram divididos em
inferências). Foi feita uma correlação dois grupos: bons e compreendedores
bisserial item a item para a validação do menos proficientes de texto, segundo seu
questionário a ser aplicado. A informação desempenho nas questões, a partir do
sobre o item no sentido de prognosticar cálculo da mediana do grupo. Dois grupos
bem ou não em relação a um escore total se constituíram: 45 bons
foi analisado tendo como base um ponto compreendedores e 30 compreendedores
de corte 0,25 (Henriques, 2004) e 3) um menos proficientes.
novo texto e seu respectivo questionário O grupo formado pelos bons
apresentados no computador com um compreendedores (BC) obteve uma média
total de 17 perguntas (contemplando 4 de 48% de acertos nas questões, sendo
perguntas sobre macroestrutura, 5 sobre que 43% correspondem à macroestrutura,
argumentação, 5 sobre detalhes e 3 sobre 43% correspondem à argumentação, 66%
inferências). Foi também feita uma correspondem às perguntas referentes aos
correlação bisserial item a item para a detalhes e 41% correspondem às
validação do questionário a ser aplicado. perguntas de inferências. Desse modo, os
A informação sobre o item no sentido de dados sinalizam que o grupo dos bons
prognosticar bem ou não em relação a um compreendedores (BC) demonstra um
escore total foi analisado tendo como base melhor desempenho nas questões
um ponto de corte 0,25 (Henriques, referentes aos detalhes. Nas questões de
2004). macroestrutura e nas de argumentação, os
alunos apresentam desempenho iguais,
Procedimentos sendo esse desempenho um pouco acima
A pesquisa foi composta de duas etapas. do desempenho nas respostas às questões
A primeira consistiu na aplicação do de inferência e abaixo do desempenho às
primeiro instrumento, ou seja, respostas de detalhes .
questionário do participante, e do Quanto ao grupo formado pelos
segundo, questionário realizado a partir compreendedores menos proficientes
de um texto que continha 17 perguntas. (MC), a média obtida corresponde a um
Ao final dessa etapa, foram classificados total de 13% de acertos nas questões,
bons e menos proficientes sendo que 10% nas questões
compreendedores de texto. A segunda macroestruturais, 10% das questões de
etapa consistiu em, tanto para os bons argumentação, 22% nas referentes aos
compreendedores, quanto para os menos detalhes e 9% às inferências. Pode-se
proficientes, responder ao terceiro observar que, mesmo em relação ao grupo
instrumento em três condições diferentes: dos menos proficientes (MC), as questões
em silêncio; exposto a um som musical e referentes aos detalhes são as que
ouvindo a narração de um jogo de futebol. apresentam melhor desempenho pelos
Nessa etapa, os participantes realizaram o alunos, seguidas pelas questões de
procedimento com o auxílio do argumentação e macroestrutura e pelas de
computador e foram medidos os tempos inferências, o que poderia indicar um
de resposta. tratamento superficial do texto em
detrimento de uma compreensão mais
profunda para ambos os grupos (Tabela
RESULTADOS 1).

A compreensão de textos em condições de compartilhamento da atenção 90


Psicologia em Pesquisa | UFJF | 2(02) | 87-95 | julho-dezembro de 2008

Na condição de som musical, tanto


2 – Resultados da segunda etapa os bons compreendedores quanto os
Nesta etapa os sujeitos foram compreendedores menos proficientes
divididos em três grupos iguais, ou seja obtiveram menores tempos de
15 bons compreendedores para as respostas para as questões de detalhe.O
condições de silêncio, som musical e jogo menor tempo está evidenciado no
de futebol e 10 compreendedores menos grupo dos compreendedores menos
proficientes para cada uma dessas proficientes. Esse resultado, mais uma
condições. vez, sugere que o grupo provavelmente
Observa-se na Tabela 2 que, tanto o se deteve em elementos superficiais do
grupo dos bons compreendedores texto, não dando a devida importância
(BC), quanto o grupo dos para aspectos considerados mais
compreendedores menos proficientes estruturais.
em condição de silêncio, não foram As Tabelas 6 e 7 referem-se à condição
encontradas diferenças significativas de jogo de futebol. Os dados da Tabela 6
em relação às questões mostram não haver diferença significativa
macroestruturais, argumentativas, de entre bons e compreendedores menos
detalhe e de inferência. proficientes em relação ao número de
Nos dados descritos na Tabela 3, acertos. Na Tabela 7, esse mesmo grupo
referente aos tempos de respostas em apresentou uma diferença significativa
condição de silêncio, encontramos entre bons e compreendedores menos
diferenças significativas entre bons e proficientes relacionada às questões de
compreendedores menos proficientes t = detalhe t= -3,85 ( p<0,01) e inferência t=
– 4,39 (p < 0,01). Em relação às questões -2,38 ( p<0,05) nos tempos de resposta.
de macroestrutura, a diferença encontrada Para a condição de jogo de futebol, tanto
foi de t= -4,77 ( p<0,01), nas questões o grupo dos bons compreendedores
argumentativas t= -3,70 ( p<0,01), para as quanto o grupo dos compreendedores
questões de detalhe t= -2,36 (p<0,05) e menos proficientes, obtiveram-se menores
para as questões de inferências t= -2,95 tempos de resposta para as questões de
( p<0,05). Tais dados nos indicam que a detalhe e de inferência, e os menores
condição de silêncio favorece o grupo dos tempos estão evidenciados para o grupo
bons compreendedores comparado ao dos bons compreendedores.
grupo dos menos proficientes, sugerindo,
assim, maior destreza para responder DISCUSSÃO
todas as questões do texto. Os participantes da amostra formam um
As Tabelas 4 e 5 mostram os grupo homogêneo quanto à compreensão
resultados referentes à condição de de textos, pois, em todas as condições, os
som musical. Os dados da Tabela 4 grupos da amostra obtiveram uma média
mostram não haver diferença abaixo de 50,0% de acertos e longos
significativa entre bons e tempos de resposta. Não foram
compreendedores menos proficientes encontradas diferenças significativas
em relação ao número de acertos das quanto ao número de acertos em nenhuma
questões. Quanto aos tempos de das três condições, entretanto para os
resposta, os dados da Tabela 5 tempos de resposta os bons
mostram uma diferença significativa compreendedores respondem em geral
entre bons e compreendedores menos mais rapidamente nas questões que se
proficientes relacionada às questões de referem à estrutura do texto
detalhe t= 2,18 ( p<0,05). (macroestrutura e argumentação) em

Henriques, V.F.C.S & Soares, A.B. 91


Psicologia em Pesquisa | UFJF | 2(02) | 87-95 | julho-dezembro de 2008

condição de silêncio. As condições de silêncio, fez com que os grupo se


ruído (som musical ou jogo de futebol) diferenciassem e que os bons
interferem igualmente para os dois compreendedores pudessem evidenciar
grupos, aumentando os tempos de melhor desempenho, sobretudo das
resposta da condição de silêncio para as questões relativas à inferência e aos
condições de ruídos. detalhes.
Quanto à condição de silêncio, os dados A atenção sustentada segundo Sisto,
vão ao encontro do pensamento de Ross Noronha, Lamounier, Rueda e
(1979) quando relata que o leitor precisa Bartholomeu (2006) é entendida como a
estar apto a selecionar dentre os muitos capacidade de manter-se vigilante por um
estímulos do ambiente, os poucos que são longo período de tempo. Assim, quando
decisivos para o que chamamos de leitura. uma pessoa é incapaz de manter a atenção
Se um leitor ainda não adquiriu a focada, pode-se supor que ela apresente
capacidade de manter a atenção seletiva, algum problema de atenção Gaddes e
ser-lhe-á difícil ou impossível ler. Silva Edgell (1994) ou que outros estímulos
(1999) afirma que a atividade mental é mais relevantes naquele momento fazem
direcional e seletiva, e é responsável pela com que o foco da atenção se desloque.
escolha dos estímulos que representam o Nesse caso, os estímulos selecionados do
foco de maior interesse em um dado texto-alvo podem ser inadequados
momento e têm grande importância para a (preferência pelos detalhes) e o
realização de determinadas tarefas. Luria emparelhamento estímulo-conhecimentos
(1979) entende também que a seleção dos anteriores, inadequado (inferências). A
estímulos e o direcionamento da atividade influência da interferência externa é
mental seriam mediados, entre outras também agravada em função da destreza
coisas, pela importância e pelo interesse com que se desempenha a tarefa (Hoc,
na tarefa. Em condição de silêncio, a 1987, Costermans, 1998). Bons
seletividade de estímulos se dá compreendedores, embora possam ter seu
fundamentalmente entre aqueles desempenho diminuído pela interfência
referentes ao texto uma vez que não há dos estímulos sonoros, ainda apresentam
interferência de outros estímulos melhor desempenho do que os
auditivos. Bons compreendedores de compreendedores menos proficientes.
texto, como especialistas em resolver Segundo Tanaka (2008), o campo da
problemas (Anderson, 2004, Hampson & atenção engloba a atividade do sujeito,
Morris. 1996), tendem a tratar os sua motivação e interesse e seu grau de
estímulos em profundidade, detendo-se ao automação, ou seja, sua proficiência na
tema e aos argumentos que são tarefa.
desenvolvidos pelo autor; por isso, A notável mudança de paradigma sobre
possivelmente, apresentam melhores a popularização da informação viu-se
desempenhos do que os compreendedores acompanhada por uma outra, representada
menos proficientes que se detêm em por estudos da mente humana e por meios
detalhes sem importância na compreensão que utilizam para assimilar
geral do texto. conhecimentos e construir relações entre a
Quanto às condições de ruído, de som ação do sujeito sobre o mundo. As
musical e jogo de futebol, o que se ciências cognitivas trazem novas teorias
destaca é a diferença encontrada entre os sobre a mente e, portanto, sobre a
grupos para a condição de jogo de inteligência, memória e aprendizagem,
futebol. Este tipo de ruído semântico, em contribuindo significativamente para que
contraposição ao ruído de som musical e o professor saiba identificar em seus

A compreensão de textos em condições de compartilhamento da atenção 92


Psicologia em Pesquisa | UFJF | 2(02) | 87-95 | julho-dezembro de 2008

alunos a dificuldade em processar a Henriques, V. F. C. de S. (2004).


informação em sala de aula mediante Dificuldades de Aprendizagem: Uma
interferências externas (barulhos) Abordagem Sobre ds Possíveis
desmistificando, assim, o conceito de que Interferências do Foco de Atenção
o aluno em muitos casos não aprende Durante de Compreensão de Textos,
porque “não presta atenção”, não tem Dissertação de Mestrado em
interesse ou está desmotivado. É Psicologia, Universidade Gama Filho.
importante que o professor perceba que Hoc, J-M. ( 1987). Psychologie
esse procedimento do aluno pode ser Cognitive de la Planification., PUG,
também uma dificuldade natural de France.
aprendizagem, pois existem casos em que Kintsch, W. (1978). Toward a Model of
o aluno não consegue deter o foco de Text Comprehension and Production.
atenção quando estímulos intervenientes Psychological Review. vol. 85, nº 5,
estão presentes. 363-394.
Segundo Tonelotto (2002), é urgente Kintsch, W. (1988). The Role of
ampliar a compreensão das possíveis Knowledge in Discourse
variáveis que influenciam o desempenho Comprehension: A Construction-
escolar, de forma a promover Integration Model. Psychological
procedimentos eficazes de intervenção: Review Vol. 95, nº 2, 163-182.
assim, por exemplo, os estudos da atenção Luria, A. R. (1979). Curso de psicologia
entre outros. geral. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira.
REFERÊNCIAS Pozo, J. I. (2002). Aprendizes e Mestres.
Anderson, J. R. (2004). Psicologia A Nova Cultura da Aprendizagem. 1ª
Cognitiva e suas Implicações edição. Porto Alegre. Artmed.
Experimentais. Tradução: Alencar, C. Ross, A. O. (1979). Aspectos
D. Rio de Janeiro. LTC. Psicológicos dos Distúrbios da
Coquery, J. M. (1994). Traité de Aprendizagem e Dificuldade de
Psychologie Exeérimentale, Leitura. Editora McGraw-Hill do
Processus Attentionnels. vol. 2. (219- Brasil, SP
272). Presses Universitaires de Rossi, J. P. (1990). The Funtion of Frame
France. in the Comprehension of Scientific
Costermans, J. (1998). Les activités Text. Psychological Review, 82 (4),
Cognitives: Raisonnement, Décision 727-732.
et Résolution de Problèmes, De Silva, M. F. G. (1999). Estudo
Broeck Université. comparativo sobre o desempenho em
Eysenck, W. M. & Keane, T. M. (2007). provas de memória e atenção entre
Psicologia Cognitiva Um Manual mulheres prémenstruadas,
Introdutório. Porto Alegre: Artes deprimidas e não deprimidas.
Médicas. Dissertação de Mestrado, Instituto de
Gaddes, W. H., & Edgell, D. (1994). Psicologia, Universidade de São
Learning Disabilities and Brain Paulo, São Paulo.
Function. New York: Springer- Sisto, F. F., Noronha, A. P. P.,
Verlag. Lamounier, R., Rueda, F. J. M., &
Hampson, P.J. & Morris, P.E. (1996). Bartholomeu, D. (2006). Teste de
Understanding Cognition, Blackwell, Atenção Sustentada. São Paulo: Vetor
Oxford, Cambridge USA. Editora Psicopedagógica.

Henriques, V.F.C.S & Soares, A.B. 93


Psicologia em Pesquisa | UFJF | 2(02) | 87-95 | julho-dezembro de 2008

Sternberg, J. R. (2000). Psicologia psicopedagógico. Constr.


Cognitiva.. Porto Alegre: ArtMed. psicopedag., vol.16, no.13, p.62-76.
Tanaka, P. J. (2008) Atenção: reflexão Tonelotto, J. M. De F. (2002). Aceitação
sobre tipologias, desenvolvimento e e rejeição: percepção de escolares
seus estados patológicos sob o olhar desatentos no ambiente escolar.
Psicol. esc. educ., 6(.2), 141-148.

Questões BC MC Total
Macroestrutura 43% 10% 53 %
Argumentação 43% 10% 52 %
Detalhe 66% 22% 88 %
Inferência 41% 9% 50 %
Média 48% 13% 61 %
BC – Bons Compreendedores // MC – Compreendedores menos proficientes
Tabela 1: % de Acertos por tipo de questão

BC MC
t p-valor sig
M DP M DP
Macroestrutura 54,7% 23,3 45,7% 25,4 0,96 0,35 ns
Argumentação 31,7% 30,6 34,1% 28,0 -0,21 0,84 ns
Detalhe 51,7% 22,1 45,5% 21,8 0,71 0,48 ns
Inferência 31,7% 27,5 22,7% 20,8 0,90 0,38 ns
Média 42,4% 19,5 37,4% 16,5 0,68 0,51 ns
BC – Bons Compreendedores // MC – Compreendedores menos proficientes
Tabela 2: Condição de silêncio - teste t (nº de acertos)

BC MC
t p-valor sig
M DP M DP
p<
Macroestrutura 9,8min 4,0 18,1min 4,9 -4,77 0,00
0,01
p<
Argumentação 6,3min 2,5 10,2min 2,8 -3,70 0,00
0,01
p<
Detalhe 6,5min 3,5 9,7min 3,3 -2,36 0,03
0,05
p<
Inferência 7,4min 4,1 13,1min 5,8 -2,95 0,01
0,05
p<
Média 7,5min 3,5 12,7min 4,2 -4,39 0,00
0,01
BC – Bons Compreendedores // MC – Compreendedores menos proficientes
Tabela 3: Condição de silêncio - teste t (tempo de respostas)

A compreensão de textos em condições de compartilhamento da atenção 94


Psicologia em Pesquisa | UFJF | 2(02) | 87-95 | julho-dezembro de 2008

BC MC
t p-valor sig
M DP M DP
Macroestrutura 44,0% 28,5 31,1% 17,6 1,22 0,24 n.s.
Argumentação 30,0% 35,6 25,0% 21,7 0,38 0,71 n.s.
Detalhe 41,7% 18,1 38,9% 22,0 0,34 0,74 n.s.
Inferência 28,3% 16,0 22,2% 19,5 0,83 0,41 n.s.
Média 36,0% 15,3 29,3% 9,3 1,25 0,23 n.s.
BC – Bons Compreendedores // MC – Compreendedores menos proficientes
Tabela 4 - Condição som musical - teste t (nº de acertos)

BC MC
t p-valor sig
M DP M DP
Macroestrutura 13,9min 5,6 11,4min 4,1 1,16 0,26 n.s.
Argumentação 8,7min 3,1 8,2min 2,6 0,36 0,72 n.s.
p<0
Detalhe 6,8min 3,4 4,8min 1,0 2,18 0,04
,05
Inferência 8,9min 4,0 8,0min 2,9 0,61 0,55 n.s.
Média 9,5min 4,02 8,1min 2,65 1,36 0,19 n.s
BC – Bons Compreendedores // MC – Compreendedores menos proficientes
Tabela 5 - Condição som musical - teste t (tempo de resposta)

BC MC
t p-valor sig
M DP M DP
Macroestrutura 45,3% 25,6 40,0% 28,3 0,49 0,63 n.s.
Argumentação 25,0% 21,1 15,0% 17,5 1,24 0,23 n.s.
Detalhe 41,7% 30,9 45,0% 25,8 -0,28 0,78 n.s.
Inferência 25,0% 21,1 15,0% 17,5 1,24 0,23 n.s.
Média 34,2% 16,4 28,7% 13,7 0,53 0,60 n.s.
BC – Bons Compreendedores // MC – Compreendedores menos proficientes
Tabela 6 - Condição jogo de futebol - teste t (nº de acertos)

BC MC
t p-valor sig
M DP M DP
Macroestrutura 13,6min 4,3 16,5min 5,8 -1,45 0,16 n.s.
Argumentação 9,7min 3,9 10,9min 2,3 -0,90 0,38 n.s.
p<0
Detalhe 5,4min 1,4 9,8min 3,4 -3,85 0,00
,01
p<0
Inferência 8,7min 2,7 11,3min 2,7 -2,38 0,03
,05
p<0
Média 9,35min 3,07 12,1min 3,55 -3,16 0,00
,01
BC – Bons Compreendedores // MC – Compreendedores menos proficientes
Tabela 7 - Condição jogo de futebol - teste t (tempo de resposta)

Henriques, V.F.C.S & Soares, A.B. 95


Psicologia em Pesquisa | UFJF | 2(02) | 96-98 | julho-dezembro de 2008

RESENHA
Teoria Social Cognitiva? Muito prazer!

Bandura, A.; Azzi, R. G.; Polydoro, S. (2008). Teoria Social Cognitiva: conceitos
básicos. Porto Alegre: ArtMed, 176 pgs.

O livro “Teoria Social desenvolvimento e funcionamento pessoal.


Cognitiva: Conceitos Básicos” foi O autor critica os Behavioristas no que se
organizado com a intenção de tornar a refere ao processo de aprendizagem.
obra de Albert Bandura mais conhecida Segundo ele, a aprendizagem observacional
no Brasil, uma vez que é praticamente não exige reforçamento, mas ocorre na
inexistente literatura a esse respeito em forma de modelação social por meio de
língua portuguesa. Por aqui, o mais processos motivacionais. Sobre a natureza e
frequente é encontrar textos de os limites da modelação social, foram
comentadores, sendo que, em alguns apresentadas correções para alguns
casos, são traduções desatualizadas, que equívocos, tais como: a modelação
não condizem com o arcabouço teórico interpretada como “imitação”; oposição
atual da proposta de Bandura. Dessa entre modelação e criatividade; e que
forma, há que se destacar que quatro modelação não pode construir habilidades
dos oito capítulos da obra são do cognitivas. O autor utilizou sua história
próprio Bandura. pessoal para explicar as capacidades de
É preciso ressaltar que um dos autorregulação e introduz o conceito de
intuitos dos autores é diminuir os autoeficácia e algumas técnicas para
equívocos acerca dessa teoria, desenvolvê-las. Por fim, Bandura discute o
desmistificando, por exemplo, a processo de construção de teorias e a
pseudoimpressão neobehaviorista de utilidade das mesmas.
Bandura. De modo geral, os capítulos se O capítulo 2 – também escrito por
estruturam em conceito, Bandura – aborda o conceito de
discussões/explicações, pesquisas e determinismo recíproco, que se refere à
aplicação prática; o que facilita a interação triádica e recíproca existente entre
compreensão da teoria e planejamento comportamento, fatores pessoais internos
de intervenções. ou eventos cognitivos e ambiente externo.
No capítulo 1, Bandura Esses componentes não atuam com a
apresenta a construção da teoria social mesma intensidade o tempo todo, podendo
cognitiva a partir da insatisfação e variar em diferentes indivíduos e sob
pouca efetividade do Behaviorismo e diferentes circunstâncias. Assim, o
das Teorias Psicodinâmicas. Ao ambiente não é o único responsável pelas
contrário dessas, ele propõe a agência alterações do comportamento, bem como o
para o autodesenvolvimento, adaptação indivíduo pode atuar de forma a modificar
e mudança, atuando dentro de uma seu ambiente e comportamento por
ampla rede de influências processos de autorregulação, através do
socioestruturais, que impõem limitações sistema do self.
e proporcionam recursos para o

Lamas, K. & Patrício, M. O. 96


Psicologia em Pesquisa | UFJF | 2(02) | 96-98 | julho-dezembro de 2008

No capítulo 3, Bandura retoma o e emocionais. Assim, a autoeficácia pode


conceito-chave de sua teoria: agência. influenciar na escolha de desafios, na
Ser agente significa fazer as coisas quantidade de esforço empenhado em
acontecerem de maneira intencional, por determinada tarefa, no nível de estresse e
meio dos próprios atos. A agência ansiedade. Quanto à avaliação dessas
envolve características básicas, que são crenças, ressalta-se a necessidade de usar
intencionalidade, antecipação, medidas específicas para o domínio e para a
autorreatividade e autorreflexão, além tarefa investigada, e o resultado pode variar
dos sistemas de crenças, capacidades de em nível, força e generalidade.
autorregulação, estruturas e funções A agência humana se estende
pelas quais o indivíduo exerce também à agência delegada e coletiva.
influência pessoal. Por meio desses Assim, os organizadores colocaram um
mecanismos, as pessoas podem moldar texto de Bandura sobre as crenças de
suas vidas de acordo com as ações que eficácia coletiva, fator fundamental para a
planejam, mesmo sofrendo os efeitos de agência em grupo como quinto capítulo. De
eventos fortuitos. A agência pessoal acordo com esse conceito, pressupõe-se que
apresenta limites e focos diferentes, de haja nos membros do grupo a crença
acordo com as estruturas ambientais, compartilhada em seu poder coletivo de
que podem ser de três tipos: o ambiente produzir resultados desejados, sendo as
imposto; o ambiente selecionado; e o realizações não apenas um produto de
ambiente construído. Bandura, em habilidades e conhecimentos. Além das
grande parte do capítulo, justifica e formas de avaliar as crenças de eficácia
diferencia o conceito de agência, coletiva, o capítulo apresenta os dualismos
distinguindo-a da Teoria do distorcidos sobre o tema, bem como o papel
Processamento de Informação e da da cultura na construção de crenças e como
Teoria Interacionista. Também crítica as as pessoas podem moldar suas vidas sociais
teorias que possuem ligação com o e econômicas, assim como a importância da
determinismo biológico, como as globalização neste mister.
Evolucionistas. O capítulo 6, de Anna Edith Bellico
Escrito por Frank Pajares e da Costa, tem como tema a modelação.
Fabián Olaz, o capítulo 4 caracteriza-se Trata-se de um processo de aquisição de
pela apresentação do que são crenças de comportamentos a partir de modelos, seja
autoeficácia, como são criadas e de que ela programada ou incidental. A exposição
forma influenciam o comportamento a um modelo pode ter três efeitos: modelar
humano. Segundo os autores, dentre novos padrões; inibir ou desinibir respostas
todos os fatores cognitivos que afetam o previamente aprendidas que estavam
funcionamento humano, esse tipo de encobertas; e instigar o desempenho de
crença merece destaque, pois, na respostas similares ao do modelo
perspectiva da agência, o sentimento de funcionando como pistas. A aprendizagem
autoeficácia é a base para a motivação, por meio de modelo depende de quatro
bem-estar e realizações pessoais. As subprocessos que se relacionam: atenção;
crenças de auto-eficácia são construídas retenção; reprodução motora; e
por meio de quatro fontes: experiência reforço/motivação. Na teoria social
de domínio; experiência vicária; cognitiva, o poder do modelo está
persuasões sociais; e estados somáticos relacionado aos atributos do modelo, aos

Lamas, K. & Patrício, M. O. 97


Psicologia em Pesquisa | UFJF | 2(02) | 96-98 | julho-dezembro de 2008

atributos do observador e ao valor autocensura. O desengajamento moral


funcional do que foi modelado. Assim, possui lugar importante na teoria social
o individuo tanto é capaz de cognitiva, principalmente na noção de
personalizar a experiência do outro agência moral, pois cumpre tanto funções
quanto tomar a perspectiva deste. Além inibitórias quanto proativas; de um lado,
disso, são expostas algumas zelando pela inibição de comportamentos
considerações como: a relação afetiva antissociais e, por outro, incentivando os
com o modelo; a aquisição de novas comportamentos socialmente desejáveis.
respostas sem a necessidade de Isso só é possível porque temos a
modelagem; o desenvolvimento de capacidade de antecipar as consequências
respostas mediadoras - na forma de de nossas próprias ações, o que dá à
representações simbólicas; e, a melhor agência uma extensão importante em
efetividade de modelos humanos que relação às ações morais. O desengajamento
modelos animais. moral pode ocorrer por meio de oito
No capítulo 7, Soely Aparecida mecanismos que são ativados dependendo
Jorge Polydoro e Roberta Gurgel Azzi da situação. São eles: justificação moral;
destacam que, ao lado das capacidades linguagem eufemística; comparação
de simbolização, do pensamento vantajosa; difusão da responsabilidade;
antecipatório e da autorreflexão, a deslocamento da responsabilidade;
autorregulação é um dos componentes distorção das consequências;
fundamentais para a agência humana. A desumanização; e atribuição da culpa.
capacidade de autorregulação fornece ao Como se trata de uma obra
ser humano a possibilidade de adotar organizada a partir de textos já publicados
padrões pessoais, monitorar e regular em inglês, mais especificamente os quatro
seus próprios atos por meio de capítulos de Bandura, e outros elaborados
influências autorreativas. Não se trata especificamente para o livro, há algumas
de um processo mecânico; existem repetições ao longo do livro. Para quem já
vários fatores afetivos, cognitivos e conhece as proposições de Bandura, a
ambientais que exercem controle sobre leitura pode se tornar cansativa. Contudo,
a ativação e desativação das subfunções para os leitores que ainda estão se
associadas à autorregulação. É familiarizando, ou seja, a maioria, a
importante destacar que o indivíduo repetição traz benefícios, pois retoma
pode ter habilidade de se autorregular pontos importantes.
em alguns domínios e não em outros, o Por apresentar uma abordagem com
que explica as diferentes capacidades grande abrangência e aplicação, a leitura do
das pessoas. livro é recomendada para profissionais de
O último capítulo, escrito por Psicologia e áreas afins que atuam nos mais
Fabio Iglesias, analisa o diversificados contextos (clínica, escola,
desengajamento moral, conceito empresa, esporte etc.). Estudantes de
proposto por Bandura para explicar graduação e pós-graduação também se
como é possível se desprender ou se beneficiarão muito ao ler a obra. Trata-se
desengajar dos próprios padrões morais de uma leitura indispensável na disciplina
para cometer atos antissociais de Psicologia Social.
deliberadamente, sem culpa ou

Resenha: Teoria Social Cognitiva? Muito prazer! 98


Psicologia em Pesquisa | UFJF | 2(02) | 99- 100 | julho-dezembro de 2008

TEMA EM DEBATE
Relato de Experiência – Treino de Pesquisa: Trabalho com estresse dos professores no
ensino público fundamental e médio
Entrevista com o Prof º. Ricardo Kamizaki*

____________________________
* Departamento de Psicologia – Instituto de Ciências Humanas - UFJF

Quando ingressei na UFJF em direcionado para o mesmo diagnóstico, ou


março de 2007, tive finalmente a chance seja, o professor se encontra estressado,
de desdobrar o estudo da minha tese de inclusive, com vários casos de burn out,
doutorado sobre “Estimação de não encontrando, porém, nenhum trabalho
magnitude de reajustamentos sociais: um em prol da redução desse estresse.
enfoque da psicofísica social” que trata Assim, juntamente com quatro
sobre a mensuração do estresse dos alunas do treino de pesquisa, iniciei este
professores. Os participantes foram de estudo com os quinze professores de uma
cinco escolas assim distribuídas: duas da escola de Juiz de Fora-MG, cuja, direção
cidade de São Paulo, duas de Ribeirão cedeu tempo durante as aulas de uma
Preto, uma escola de Orlândia e outra de hora, duas vezes ao mês. O projeto
Campinas, num total de 138 participantes, consistiu nas aplicações de instrumentos
além de 10 professores aposentados. Os como as escalas de eventos de vida, além
dados são de 2001. Os instrumentos dos inventários de ansiedade e depressão
utilizados foram a escala de eventos de de Beck para verificar e comparar com os
vida de Holmes e Rahe (1967) e a escala dados do Estado de São Paulo. Os
de eventos de vida do professor de resultados dos instrumentos de eventos de
Kamizaki e Faleiros Sousa (2001). Os vida mostraram que os professores do
resultados obtidos demonstraram ensino médio da escola não eram
claramente que, em comparação aos diferentes estatisticamente dos
professores aposentados, os participantes professores pesquisados em São Paulo.
estavam claramente estressados, pois os Os professores do ensino fundamental
eventos “falta de respeito dos alunos” e exibiam bem menos estresse que das
“enfrentando indisciplina” foram os de amostras comparadas. Provavelmente
maior grau de reajustamento, enquanto o esse dado mostra que é mais fácil lidar
evento “aulas expositivas” foi com alunos da faixa etária entre 6 a 10
considerado de menor grau de anos. Os resultados dos inventários de
reajustamento social. Isso aponta que o ansiedade (BAI) e depressão (BDI) de
professor, de forma geral, aprecia o ato de Beck apontaram para um nível médio de
lecionar, porém não se encontra ansiedade e baixa depressão para os dois
preparado para situações de confronto, grupos. Em seguida, eram propostas
porque segundo relatos da maioria dos vivências baseadas em grupos operativos
participantes o professor não foi de Pichon-Riviere para trabalhar e
capacitado para tal na sua formação. elaborar as possíveis causas do estresse.
Fiz um levantamento bibliográfico Nesse ponto, destaco as dificuldades
sobre o tema e constatei que existem encontradas, porque tais vivências
inúmeros trabalhos sobre o assunto ocorreram por quatro meses e foram

Kamizaki, R. 99
Psicologia em Pesquisa | UFJF | 2(02) | 99-100 | julho-dezembro de 2008

bruscamente interrompidas, uma vez que A aluna Sabrina M. Pereira fez a


a direção, orientada pela secretaria de exposição oral do painel.
educação, decidiu não mais ceder o tempo No início de 2009, fiz contato com
das aulas. Um efeito semelhante ocorreu outra escola da periferia de Juiz de Fora.
com a segunda escola de Juiz de Fora, Esta contava com um horário, no qual, os
embora a diferença fosse de que os 17 professores se reúnem mensalmente para
professores iriam participar das vivências tratar de assuntos pedagógicos. Nesse
fora do horário de aulas. Os tempo, consegui duas horas para aplicar
compromissos assumidos anteriormente as vivências baseadas em grupos
impediram que essas vivências fossem operativos e aplicação dos instrumentos
adiante, pois o número de participantes Escala de eventos de vida de Holmes e
diminuiu consideravelmente até que a Rahe, Escala de eventos de vida do
atividade não mais fosse possível de ser professor (TLERS), Inventário de
concluída. sintomas de stress de Lipp (ISSL), BAI e
Os aspectos positivos foram as BDI de Beck. Houve dois encontros, cujas
produções de artigos que foram enviados vivências delinearam um horizonte
a congressos como promissor, visto que tanto os alunos do
International Society for Psychophysics - treino de pesquisa, quanto os professores
Fechner Day 2008 em Toronto, Canadá se mostravam altamente motivados.
com o artigo “Comparison between Espero que, nesta escola, com as
teacher´s life events rating scale (tlers)” condições adequadas, o trabalho possa ser
dos seguintes autores:Natália P. Pimentel, realizado, através das vivências de grupo
Flávia C. S. Laroca, Sabrina M. Pereira e operativo, o de aliviar a ansiedade e o
Ricardo Kamizaki, além de apresentar estresse dos professores e verificar, ao
painel na XXXVIII Reunião Anual da final do ano letivo se, de fato, essas
Sociedade Brasileira de Psicologia, vivências são efetivas para a mudança da
realizada em Uberlândia com o tema “ representação social que os professores
Comparação entre os eventos de vida de fazem dos alunos e do meio no qual
Masuda e Holmes e os eventos de vida do convivem. Essa avaliação consistirá da
professor de Kamizaki e Faleiros Sousa, reaplicação dos instrumentos e a posterior
com os mesmos autores acima descritos. comparação entre os resultados do início
e do final das vivências.

TEMA EM DEBATE: Estresse dos Professores 100


Psicologia em Pesquisa | UFJF | 2(02) | 101-102 | julho-dezembro de 2008

INSTRUÇÕES AOS AUTORES


Tipos de Colaborações Aceitas pela Revista Psicologia em Pesquisa
São aceitos textos originais de Psicologia e de áreas afins que se enquadrem nas seguintes categorias:

A. Revisão de Literatura e Ensaio Teórico: análise crítica da literatura científica sobre um determinado
problema ou análise de aspectos teóricos que gere questionamento dos modelos existentes e/ou hipóteses para
futuras pesquisas. Limitados a 15 laudas, incluindo resumo, abstract, figuras e referências.
B. Relato de Pesquisa: comunicação científica de uma investigação empírica. Limitado a 25 laudas,
incluindo resumo, abstract, figuras, tabelas e referências.
C. Tema em Debate: abrange uma ampla gama de textos com relevância científica, incluindo, dentre outras modalidades
textuais, informes, relato de experiência profissional, estudo de caso, carta ao editor, nota técnica e entrevista.
Limitado a 10 laudas.
D. Resenha: revisão crítica de uma obra recém-publicada, orientando o leitor quanto às suas características e às
possibilidades de uso. Limitada a 5 laudas.

Normas Editoriais

I. Seleção de Artigos -- Os textos que se enquadrarem nas quatro categorias descritas anteriormente serão
avaliados quanto à originalidade, à relevância do tema e à qualidade metodológica, além, evidentemente, da
adequação às normas editoriais adotadas pela revista.
II. Idiomas -- São aceitas comunicações científicas em língua portuguesa, espanhola e inglesa.
III. Texto Inédito -- A comunicação submetida à Psicologia em Pesquisa não pode ter sido publicada anteriormente,
nem ser submetida para publicação em outro periódico. A republicação de textos com elevada relevância
científica será analisada pela Comissão Executiva.
IV. Autoria -- Pressupor-se-á que todas as pessoas listadas como autores(as) aprovaram o encaminhamento do
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para a Psicologia em Pesquisa, que todos concordaram com a submissão do mesmo para o presente periódico.
V. Comunicação Pessoal – Parte-se do pressuposto de que uma pessoa citada como fonte de comunicação pessoal
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VI. Responsabilidade -- O conteúdo dos trabalhos é de total responsabilidade dos autores.
VII. Direitos Autorais -- Os direitos autorais dos artigos publicados pertencem à revista Psicologia em
Pesquisa. A reprodução total dos artigos desta revista em outras publicações ou para qualquer outra utilidade
está condicionada à autorização escrita do Editor. Pessoas interessadas em reproduzir parcialmente os artigos
deste periódico (partes do texto que excederem 500 palavras, tabelas, figuras e outras ilustrações) deverão ter a
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VIII. Revisão por Pares -- Todos os trabalhos enviados serão avaliados pelo Conselho Editorial, que poderá
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aceitação com reformulação; c) recusa integral. Os autores serão notificados sobre a aceitação ou a recusa de
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alterar a idéia do(a) autor(a), este(a) será notificado(a) e encarregado(a) de fazê-las, devolvendo o trabalho
reformulado no prazo estipulado.
X. Citações e Referências -- As citações e referências devem ser elaboradas de acordo com as normas de
publicação contidas no Manual de Publicação da American Psychological Association (APA, 2001), tradução
de Daniel Bueno, Porto Alegre, editora Artes Médicas. Esta tradução corresponde à 4ª. edição, publicada
originalmente em 1994.
XI. Uso de Informação Secundária -- O uso de informações secundárias deve respeitar as leis de direitos
autorais, assegurando a originalidade do texto. Materiais que utilizem informação secundária (p. ex. figuras,
tabelas e desenhos extraídos de outras publicações) de forma discrepante da legislação vigente serão
encaminhados para análise somente se vierem acompanhados de permissão escrita do detentor do direito autoral
do trabalho original para a reprodução na Psicologia em Pesquisa.
XII. Pesquisa com Seres Humanos -- Estudos empíricos com seres humanos devem apresentar um parecer
favorável à realização do mesmo por parte de um Comitê de Ética devidamente cadastrado na CONEP --
Comissão Nacional de Ética em Pesquisa.
XIII. Formatação -- Os textos devem ser digitados em espaço duplo (incluindo tabelas e referências), em fonte tipo
Times New Roman, tamanho 12, não excedendo 80 caracteres por linha e o número de páginas apropriado ao
tipo de trabalho. Devem ser paginados desde a folha de rosto personalizada, a qual receberá número de página
1. A página deverá ser tamanho A4, com formatação de margens superior e inferior de 2,5 cm, esquerda e
direita de 3 cm.
XIV. Apresentação dos Textos -- A apresentação dos trabalhos deve seguir a seguinte ordem:

1. Folha de rosto despersonalizada, contendo apenas:

101
1.1. Título completo na língua em que o manuscrito foi preparado, não devendo exceder 15 palavras.
1.2. Sugestão de título abreviado para cabeçalho, não devendo exceder 5 palavras.
1.3. Título completo em inglês, compatível com o título na língua em que o manuscrito foi preparado.

2. Folha de rosto personalizada, contendo:


2.1. Título completo na língua em que o manuscrito foi preparado.
2.2. Sugestão de título abreviado.
2.3. Título completo em inglês, compatível com o título na língua em que o manuscrito foi preparado.
2.4. Nome de cada um dos autores.
2.5. Afiliação institucional de cada um dos autores (incluir apenas o nome da universidade e a cidade).
2.6. Nota de rodapé com agradecimentos dos autores e informação sobre apoio institucional ao projeto.
2.7. Nota de rodapé com endereço do autor a quem o leitor do artigo deve enviar correspondência,
seguido de endereço completo, de acordo com as normas do correio. O endereço eletrônico deve
também ser indicado.
2.8. Indicação de endereço para correspondência com o editor sobre a tramitação do manuscrito,
incluindo fax, telefone e endereço eletrônico.

3. Folha contendo Resumo, em português ou em espanhol:


3.1. O resumo deve ter no máximo 150 palavras e ser elaborado somente para trabalhos das categorias A
e B.
3.2. Fornecer, após o resumo, 3 a 5 palavras-chave na língua do texto, com iniciais minúsculas e
separadas com ponto e vírgula. Elas devem ser elaboradas com base no Thesaurus da APA.
4. Folha contendo Abstract, em inglês, compatível com o texto do resumo:
4.1. O Abstract deve obedecer às mesmas especificações do resumo, seguido de keywords, compatíveis
com as palavras-chave.

5. Estrutura do texto:
5.1. O texto deve ser organizado com clareza, utilizando um sistema de títulos e subtítulos que reflitam
esta organização.
5.2. Os relatos de pesquisa deverão, obrigatoriamente, ser organizados em: introdução, método,
resultados e discussão.
5.3. Os manuscritos nas demais categorias editoriais deverão apresentar títulos e subtítulos de acordo
com o caso.
5.4. Notas de rodapé devem ser evitadas sempre que possível.
5.5. Figuras e tabelas devem ter seus locais de inserção indicados no texto e serem colocadas uma a uma
em cada folha no final de todo o texto.
5.6. É necessário que os autores revisem seu texto para que respeitem as normas de redação científica e
da língua portuguesa.

6. Referências: deve ser usado o termo “Referências”, não sendo recomendado o uso da expressão
“Referências Bibliográficas” ou “Bibliografia”. Toda a literatura citada deve constar nas Referências e
vice-versa.

7. Anexos: só devem ser utilizados se forem imprescindíveis, sendo indicados no texto e numerados
consecutivamente.

8. Tabelas e figuras: devem ser preparadas no Word for Windows, em preto-e-branco, não excederem 17,5
cm de largura por 23,5 cm de comprimento, ter títulos no alto no caso das tabelas e embaixo no caso das
figuras com até 15 palavras.

Como Enviar Textos aos Editores


Os textos para publicação devem ser encaminhados por e-mail no endereço psicologiaempesquisa@gmail.com ou em
uma cópia impressa acompanhada por um CD-ROM contendo o texto digitado em Word for Windows para o seguinte
endereço:
Revista Psicologia em Pesquisa
Aos cuidados: Prof. Dr. Altemir José Gonçalves Barbosa
Universidade Federal de Juiz de Fora
Departamento de Psicologia -- Centro de Psicologia Aplicada
Rua Santos Dumont, 214 -- Granberry
CEP: 36010-510 -- Juiz de Fora – MG
Além do texto, é preciso enviar ao editor uma carta solicitando publicação do trabalho na Psicologia em Pesquisa e, como
explicitado anteriormente, um documento atestando que a pesquisa foi aprovada por um Comitê de Ética no caso de
estudos com seres humanos.

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