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· A primeira premissa diz que a mente, o eu e a sociedade não são estruturas distintas mas
processos de interacção pessoal e interpessoal.
· Em segundo lugar, a interacção simbólica é um ponto de vista que enfatiza a linguagem como
o mecanismo primário que culmina na mente e no eu do indivíduo.
· Em terceiro lugar, a mente é concebida como a interiorização de processos sociais no
indivíduo.
· Em quarto lugar, os interaccionistas simbólicos defendem que os comportamentos são
construídos pela pessoa no decurso da sua acção. O comportamento não é puramente
reactivo, de um modo mecanicista.
· Em quinto lugar, o veículo primário para o comportamento humano é a definição da situação
dada pelo actor social.
· Finalmente, o eu é constituído, na perspectiva da maioria dos interaccionistas, por definições
tanto sociais como pessoais (de natureza única). Nesse sentido, a pessoa contém a sociedade
em si mesma, sem, no entanto, ser apenas um espelho dos outros significativos.
· A primeira, a que deu o nome de tradição oral, foi o período inicial durante o qual se
elaboraram os fundamentos primários da interacção simbólica.
· Depois da publicação póstuma de Mind, Self and Society, da autoria de George Mead,
floresceu o segundo período, que pode ser designado como a idade da indagação.
Obviamente, o conceito de interacção simbólica não surgiu da noite para o dia na mente de
algum pensador solitário. Ele pode ter a sua origem remota na psicologia de William James. Os
principais interaccionistas na tradição primitiva foram Charles Cooley, John Dewey, I. A.
Thomas e George Herbert Mead. Antes da publicação final das ideias de Mead sobre
comunicação, a perspectiva interaccionista foi principalmente animada e sustentada através da
transmissão oral, especialmente nas aulas de Mead. Embora Mead não tivesse publicado as
suas ideias em vida, ele é considerado o grande instigador do interaccionismo simbólico.
TRADIÇÃO ORAL. Foi durante esse primeiro período meadino que se desenvolveram as mais
importantes ideias e conceitos da teoria. Mead e outros interaccionistas separaram-se das
perspectivas sociológicas primitivas que distinguiam conceptualmente entre a pessoa e a
sociedade: Mead via os seres humanos e a sociedade como inseparáveis e interdependentes.
O interaccionismo desse primeiro período destacava a importância do desenvolvimento social,
bem como dos factores biológicos inatos. Além disso, os primeiros interaccionistas simbólicos
estavam menos interessados no modo como as pessoas comunicavam entre si do que no
impacto dessa comunicação sobre a sociedade e os indivíduos. Sobretudo, os primeiros
interaccionistas enfatizaram o papel do símbolo e do significado compartilhado como factor
aglutinante na sociedade. Finalmente, eles preocupavam-se sobremodo com a necessidade de
estudar a relação dos seres humanos com a situação social. Sustentavam que o
comportamento da pessoa não podia ser estudado independentemente do contexto em que o
comportamento ocorria e da percepção que ela tinha do seu meio ambiente. Um resultado
dessa preocupação foi o facto de favorecerem vigorosamente as histórias de casos como
método de pesquisa.
IDADE DA INDAGAÇÃO. Nos anos que se seguiram à publicação de Mind, Self and Society,
durante a idade da indagação, duas escolas divergentes começaram a desenvolver-se no
âmbito do interaccionismo simbólico. As formulações originais de Mead não eram inteiramente
coerentes e deram margem, definitivamente, a interpretações e a extensões divergentes.
Surgiram assim as escolas de Chicago e de Iowa.
A Escola de Chicago, liderada por Herbert Blumer, deu continuidade à tradição humanista
iniciada por Mead. Blumer acredita, sobretudo, que o estudo dos seres humanos não pode ser
conduzido da mesma forma que o estudo das coisas. As metas do pesquisador devem ser
estas: empatizar com o sujeito, penetrar no seu domínio de experiência e tentar entender o
valor ímpar da pessoa. Blumer e os seus seguidores detestavam as abordagens quantitativa e
científica no estudo do comportamento humano. Em vez disso, destacavam as biografias,
autobiografias, estudos de casos individuais, diários, cartas e entrevistas não-dirigidas. Blumer
realçou particularmente a importância da observação participante no estudo da comunicação.
Além disso, na tradição de Chicago, o homem é visto como um ser criativo, inovador e livre
para definir cada situação de um modo único e imprevisível. O eu e a sociedade são
considerados um processo, não uma estrutura. Imobilizar o processo seria perder a essência
das relações homem-sociedade.
A Escola de Iowa adoptou uma abordagem mais científica do estudo da interacção. Manford
Kuhn, o principal progenitor da tradição de Iowa, acreditava que os conceitos interaccionistas
podem ser operacionalizados. Embora admitisse a natureza de processo do comportamento,
Kuhn defendeu que a abordagem estrutural objectiva é mais fecunda para a investigação do
que os métodos “soft” usados por Blumer. Kuhn foi responsável por uma das principais
técnicas de mensuração usadas na pesquisa da interacção simbólica.
Largamente como resultado dessa divisão básica na tentativa de resolver algumas das
ambiguidades deixadas por Mead, numerosos temas desenvolveram-se nos últimos 30 anos.
Kuhn enumerou seis subáreas principais: teoria do papel social, teoria do grupo de referência,
percepção social e percepção pessoal, teoria do eu, teoria interpessoal e linguagem e cultura.
Resta ver se todos esses teóricos prestam obediência ao interaccionismo simbólico, mas é
provável que todas essas áreas tenham sido imensamente influenciadas pelos escritos dos
principais interaccionistas simbólicos.
BEHAVIORISTA. Mead também era um behaviorista. Mas, ao usarmos este termo, devemos
ser cuidadosos na especificação do sentido em que Mead aceitava o behaviorismo social. Tal
como os behavioristas psicológicos do seu tempo, nomeadamente Watson, Mead respeitava a
importância de se investigar a real conduta humana. Entretanto, Mead estava disposto a
ultrapassar os níveis infrahumanos que preocupavam os behavioristas watsonianos. Para
Mead, o organismo entre estímulo e resposta, a pequena caixa negra, não era inatingível. Por
conseguinte, a psicologia de Mead era distintamente humana, e ele usou o acto social como
unidade básica de análise. Esse acto social, como veremos, inclui uma área manifesta ou
pública, e um domínio encoberto ou privado.
Mead rompeu com o behaviorismo mais rígido e limitado ao proclamar que o comportamento
humano é qualitativamente diferente do comportamento sub-humano. Ao contrário do que
acontece com o rato num labirinto, a conduta humana deve ser basicamente explicada em
termos sociais. Outra manifestação do behaviorismo de Mead foi a sua convicção de que o
mundo físico estudado pela ciência é sempre mediado pela experiência humana. Os objectos
só se tornam objectos por causa da percepção e experiência deles por uma pessoa.
As obras de Mead foram compiladas e editadas após a sua morte em 1931. Em consequência,
os livros de Mead parecem episódicos, em certos trechos, e nem sempre bem organizados. De
facto, o seu mais conhecido livro, Mind, Self and Society, foi compilado a partir de
apontamentos feitos pelos seus alunos. The Philosophy of the Present, publicado em 1932, é
um conjunto de lições sobre filosofia da história. Mind, Self and Society, a “bíblia” do
interaccionismo simbólico, foi editado em 1934. Movements of Thought in the 19th century,
conferências sobre a história das ideias, veio a lume em 1936. E, em 1938, publicou-se
Philosophy of the Act.
TEORIA DE MEAD. Os três conceitos cardeais na teoria de Mead, expressos no título da sua
obra mais célebre, são sociedade, eu e mente. Entretanto, mostraremos que essas categorias
não são distintas. Pelo contrário, são ênfases diferentes sobre o mesmo processo geral: o acto
social. Básica no pensamento de Mead é a noção de que o homem é um actor e não um
reactor. O acto social é um conceito abrangente sob o qual podem abrigar-se quase todos os
outros processos psicológicos e sociais. O acto é uma unidade completa de conduta, uma
Gestalt, a qual não pode ser analisada em subpartes específicas. Um acto humano pode ser
breve, como amarrar um sapato, ou pode ser a realização de um plano de vida. Os actos inter-
relacionam-se e estruturam-se uns sobre os outros, em forma hierárquica, ao longo da vida da
pessoa.
Os actos começam com um impulso; envolvem percepção e, atribuição de significado,
repetição mental e ponderação de alternativas na cabeça da pessoa, e consumação final. Em
sua mais básica forma, um acto social é uma relação triádica que consiste num gesto inicial de
um indivíduo, uma resposta a esse gesto por outro indivíduo (encoberta ou abertamente), e
uma resultante do acto, a qual é percebida ou imaginada por ambas as partes na interacção.
Num assalto à mão armada, por exemplo, o assaltante indica à vítima o que pretende fazer. A
vítima responde entregando dinheiro e, no gesto inicial e na resposta, ocorreu a resultante
definida (um assalto).
SOCIEDADE. Com essa noção básica em mente, examinemos mais de perto a primeira faceta
da análise meadiana: a sociedade. Basicamente, a sociedade ou vida em grupo é um
aglomerado de comportamentos cooperativos exibidos por parte dos seus membros. Os
animais inferiores também têm sociedades, mas estas diferem da sociedade humana em
certos aspectos fundamentais. Sociedades animais como as da abelha baseiam-se na
necessidade biológica. Elas são fisiologicamente determinadas. Logo, uma sociedade animal
comporta-se o tempo todo de maneira previsível, estável e inalterada. O que é que distingue,
pois, o comportamento cooperativo humano?
Existem duas importantes funções na cooperação humana.
Em primeiro lugar, uma pessoa deve chegar a entender as intenções do outro
comunicador.
Ela deve perceber as acções do outro, mas, num sentido mais importante, deve
imaginar o que o outro pretende fazer no futuro. Uma vez que «reflectir mentalmente» ou
pensar é um processo de imaginar que acções serão empreendidas pela pessoa no futuro
próximo ou distante, parte do processo de «sondar» o outro consiste em tentar avaliar como o
outro planeia responder a seguir. Assim, a cooperação consiste em «ler» as acções e
intenções da outra pessoa e em responder de um modo apropriado. Isso é a essência da
comunicação interpessoal, e essa noção de resposta mútua com o uso da linguagem faz do
interaccionismo simbólico uma teoria vital da comunicação.
HERBERT BLUMER E A ESCOLA DE CHICAGO. Herbert Blumer foi, sem dúvida, o mais
destacado apóstolo de Mead. De facto, o próprio Mead nunca usou a expressão
interaccionismo simbólico. Foi Blumer quem criou o termo em 1937. Blumer referiu-se a esse
rótulo «como um neologismo algo bárbaro que cunhei de um modo improvisado. [...] Seja como
for, o termo agradou e tornou-se popular». Embora Blumer tivesse publicado artigos dispersos
ao longo da sua carreira, somente após a sua publicação em 1969 de Symbolic Interactionism:
perspective and method é que se tornou acessível uma visão unificada do seu pensamento. No
primeiro capítulo desse livro, Blumer afirmou claramente a sua dívida para com Mead e a sua
dedicação à ampliação e aperfeiçoamento da perspectiva interaccionista. As formulações de
Blumer foram inteiramente coerentes com as do seu mentor, mas ele não se limitou a repetir
meramente Mead: «Fui compelido a devolver a minha própria versão, tratando explicitamente
de muitas questões cruciais que estavam somente implícitas no pensamento de Mead e outros,
e cobrindo tópicos críticos pelos quais eles não estavam interessados».
Blumer iniciou o seu pensamento sobre interacção simbólica com três importantes premissas:
(1) «Os seres humanos agem em relação às coisas na base dos significados que as coisas têm
para eles»;
(2) «[...] o significado de tais coisas deriva, ou decorre, da interacção social que um indivíduo
tem com os seus semelhantes»;
(3) «[...] esses significados são manipulados e modificados através de um processo
interpretativo usado pela pessoa no trato com as coisas com que se defronta».
Como veremos, Blumer criticava em numerosos aspectos a principal corrente da ciência social
e um desses aspectos era o tratamento do significado. Blumer mostrou como a maioria das
teorias da ciência do comportamento depreciava a importância do conceito de significado.
Muitas teorias ignoram completamente o significado e outras colocam-no na categoria
subordinada geral de factores antecedentes. Mas, no interaccionismo simbólico, o significado
assume um papel central no próprio processo social.
Segundo Blumer, o significado pode ser encarado de três pontos de vista.
ACÇÃO SOCIAL. Uma das áreas primárias em que Blumer ampliou o pensamento de Mead foi
a acção de grupo ou social. Blumer reconheceu a importância da «acção grupal» e adoptou
medidas concretas para a definir. Uma acção conjunta de um grupo de pessoas consiste na
interligação das suas respectivas acções separadas. Mas a acção grupal é distinta. Não é a
mera soma das acções individuais que a constitui. Instituições tais como o casamento, o
comércio, a guerra e o culto religioso são acções conjuntas. Entretanto, Blumer deu importante
destaque ao perigo potencial no estudo da actividade grupal. Embora a acção de grupo seja
uma Gestalt em si mesma, ela baseia-se, entretanto, em actos individuais e é erróneo
considerar a conduta grupal independentemente das acções individuais dos participantes: «Os
participantes ainda têm de guiar os seus respectivos actos, mediante a formação e uso de
significados».
Em primeiro lugar, assinalou que a maior porção da acção de grupo numa sociedade
avançada consiste em padrões altamente estáveis e recorrentes. Essas instituições numa
sociedade possuem significados comuns e preestabelecidos. Em virtude da alta frequência de
tais padrões, a tendência dos estudiosos é para tratá-los como estruturas ou entidades.
Contudo, Blumer advertiu-nos que não esquecêssemos que as novas situações decorrem
sempre de problemas presentes que requerem ajustamento e redefinição. Mesmo no caso de
padrões grupais altamente repetitivos, nada é permanente. Cada caso deve começar de novo
com a acção individual. Por mais sólida que uma acção grupal pareça ser, ela permanece
ainda enraizada no eu de cada ser humano: «É o processo social na vida grupal que cria e
sustenta as regras; não são as regras que criam e sustentam a vida grupal».
A segunda observação feita por Blumer acerca de grupos é a natureza profunda e
ampla de algumas das interligações. As acções individuais podem ser ligadas através de
complicadas cadeias. Actores distantes podem, em última instância, ser interligados de
diversas maneiras, mas, ao invés do pensamento sociológico popular, «uma cadeia ou uma
instituição não funciona automaticamente por causa de alguma dinâmica interna ou requisitos
sistémicos; ela funciona porque as pessoas, em diferentes pontos, fazem algo e o que fazem é
um resultado de como elas definem a situação em que são chamadas a actuar».
A terceira observação vincula as primeiras duas. Com a compreensão de que os
macrogrupos numa sociedade se baseiam na interacção simbólica individual, podemos
perceber agora que os antecedentes e a formação básica dos indivíduos são de suma
importância para definir a espécie de interacção que irá adquirir existência. O ponto principal,
repetidamente descrito por Blumer, é que os grupos e instituições na sociedade não são
organismos ou estruturas per se. Em primeiro lugar, e acima de tudo, são interligações de
interacções simbólicas humanas básicas.
METODOLOGIA. A segunda ampla área em que Blumer foi mais além de Mead é a
metodologia. Como a metodologia constitui a diferença primordial e notável entre as escolas de
Chicago e Iowa, é especialmente importante analisar as ideias de Blumer sobre método. É
impossível ler qualquer trecho mais extenso do livro de Blumer sem nos apercebermos de
como esse tópico era vital para ele. Embora Mead não enfatizasse o método, Blumer sustentou
que a própria natureza do interaccionismo simbólico está contida no seu método. Blumer tinha
algumas opiniões vigorosas sobre esse tópico, mas, depois de lermos alguns dos trabalhos de
Kuhn, percebemos que o ponto de vista metodológico, no âmbito do interaccionismo simbólico,
não é tão singular quanto Blumer nos induzia a crer.
O fundamento mais básico para a ciência do comportamento, segundo Blumer, deve ser o
mundo empírico: «Esse mundo empírico deve ser sempre o ponto central de interesse. É o
ponto de partida e o ponto de regresso no caso da ciência empírica». Entretanto, não podemos
subestimar o papel do observador na verificação empírica. Coerente com a perspectiva
interaccionista simbólica, a realidade só existe através da experiência humana. Nas palavras
de Blumer, «é impossível citar um único caso de caracterização do “mundo da realidade” que
não seja vazado na forma de imagens mentais humanas».
Nesse contexto, existem dois perigos potenciais para a pesquisa. O primeiro é a concepção de
que a realidade no mundo empírico é imutável e existe para ser «descoberta» pela ciência.
Outro perigo afim é a convicção de que a realidade é melhor consubstanciada em termos da
física. Ambas essas concepções já espalharam a devastação no campo da pesquisa da ciência
social: «Forçar todo o mundo empírico a ajustar-se a um esquema que foi criado para
determinado segmento desse mundo é dogmatismo filosófico e não representa a abordagem
da genuína ciência empírica».
A investigação, na sua forma ideal, deve envolver seis aspectos principais.
Foi nesse ponto que Blumer desfechou as suas críticas mordazes à corrente principal do
método da ciência social:
«A esmagadora maioria do que hoje passa por ser metodologia é composta de preocupações
tais como as seguintes: criar e usar sofisticadas técnicas de pesquisa, usualmente de um
carácter estatístico avançado; construir modelos lógicos e matemáticos, guiados com excessiva
frequência pelo critério de elegância; elaborar esquemas formais sobre como construir
conceitos e teorias; aplicar com valentia esquemas importados, como a análise de input-output,
a análise de sistemas e a análise estocástica; conformismo estudioso aos cânones do plano de
pesquisa; e promoção de um procedimento particular, como a pesquisa sistemática, como o
método do estudo científico. Espanta-me a suprema confiança com que essas preocupações
são proclamadas a substância da metodologia. Muitas dessas preocupações [...] são
grosseiramente inadequadas, na simples base de que lidam somente com um aspecto limitado
do acto pleno de investigação científica, ignorando questões tais como premissas, problemas,
conceitos, etc. Mais sério é o seu fracasso quase universal em enfrentar a tarefa de descrever
os princípios de como esquemas, problemas, dados, conexões, conceitos e interpretações
deverão ser construídos, à luz da natureza do mundo empírico sob estudo».
Este ponto de vista de que uma cultura é definida, em parte, por suas definições de situações é
compatível não só com as ideias centrais do interaccionismo simbólico mas também com
muitas teorias de significado.
O quadro de referência primário é a unidade básica da vida social. Goffman assinalou
minuciosamente os vários modos como as estruturas primárias podem ser transformadas ou
alteradas para que diferentes fins sejam satisfeitos por princípios organizacionais semelhantes.
Um jogo, por exemplo, tem por modelo um combate, mas a sua finalidade é muito diferente.
Assim, uma grande parte dos nossos quadros de referência não são absolutamente primários,
embora tenham por modelo eventos primários. Os exemplos incluem os jogos, o teatro, os
ardis (bons e maus), as experiências e outras invenções. Com efeito, o que acontece na
comunicação interpessoal comum envolve com frequência essa espécie de actividade
secundária, incluindo representações teatrais, invenções e embustes.
E agora, tendo como base essa abordagem teórica geral, chegamos às ideias centrais de
Goffman sobre comunicação. As actividades de comunicação, como todas as actividades,
devem ser consideradas no contexto da análise de estrutura. Começaremos com o conceito de
interacção face-a-face (face engagement). Uma interacção face-a-face ou encontro ocorre
quando as pessoas se entregam a uma interacção focalizada. As pessoas numa interacção
face-a-face têm um único foco de atenção e uma só actividade mútua percebida. Na interacção
não-focalizada, as pessoas em locais públicos reconhecem a presença umas das outras sem
prestar atenção mútua. Nessa situação não-focalizada, o indivíduo é normalmente acessível ao
encontro com os outros. Uma vez iniciada a interacção, existe um contrato mútuo para
continuar a interacção até alguma espécie de término. Durante esse tempo, desenvolve-se e é
mutuamente sustentada uma relação. As interacções face-a-face são verbais e não-verbais, e
as pistas resultantes de um encontro são importantes tanto para significar a natureza da
relação como para a definição mútua da situação.
As pessoas em interacção face-a-face falam cada uma por seu turno, representando pequenas
cenas teatrais uma à outra. Contar histórias, que usualmente é a narração de eventos
passados, consiste principalmente numa questão de impressionar o ouvinte mediante uma
representação dramática. Conforme sugere Goffman:
Ao tentar definir a situação, a pessoa passa por um processo em duas partes. Primeiro, a
pessoa necessita de informação sobre as outras pessoas na situação. Segundo, ela precisa
dar informações sobre si mesma. Esse processo de troca de informação habilita as pessoas a
saberem o que se espera delas. Usualmente, essa troca ocorre indirectamente, mediante a
observação do comportamento de outros e a estruturação do comportamento próprio de modo
a suscitar certas impressões nos outros. A auto-apresentação é, em boa parte, uma questão de
administração de impressões. A pessoa chega a influenciar a definição da situação projectando
determinada impressão: «Ela pode desejar que os outros pensem muito bem dela, ou que
pensem que ela pensa muito bem deles, ou que percebam o que, de facto, ela sente a respeito
deles, ou que não obtenham qualquer impressão clara; a pessoa pode desejar assegurar
suficiente harmonia, a fim de que a interacção possa ser mantida, ou defraudar, livrar-se,
confundir, ludibriar ou insultar os outros».
Como todos os participantes numa situação projectam imagens, emerge uma definição global
da situação. Normalmente, essa definição geral é bastante unificada. Uma vez fixada a
definição, ocorre uma grande pressão moral no sentido de mantê-la, suprimindo contradições e
dúvidas. Uma pessoa pode ampliar as suas projecções mas nunca contradizer a imagem
inicialmente estabelecida. A própria organização da sociedade baseia-se nesse princípio.
«Por consequência, quando um indivíduo projecta uma definição da situação e dessa maneira
formula uma pretensão implícita ou explícita a ser uma pessoa de um tipo particular, ele exerce
automaticamente uma imposição aos outros, obrigando-os a apreciá-lo e a tratá-lo da maneira
que as pessoas desse tipo têm o direito de esperar que as tratem. Também renuncia
implicitamente a todas as pretensões a ser coisas que ele não parece ser e, por conseguinte,
abre mão do tratamento que seria apropriado para tais indivíduos. Os outros descobrem, pois,
que o indivíduo os informou sobre o que é e sobre o que eles devem ver o “é”».
http://www.sociologiaonline.com/2016/07/anthony-giddens-sociologia-livro/