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ESTADO DO CONHECIMENTO

1. Periferias Urbanas - Novas centralidades

No sentido de compreender o conceito de centralidade deveremos questionar


primeiramente o que se entende por centro. Segundo Bonell (1999), o centro em definição
etimológica tem origem no grego krentron e no latim centrum. Krentron simbolizava um objeto
pontiagudo (como uma estaca), enquanto centrum correspondia à ponta seca do compasso. As
origens do centro estão assim fortemente conotadas a um âmbito geométrico e a uma acção
de ordenamento espacial. A acção de colocar uma estaca (assim como posicionar a ponta seca
de um compasso) define um ponto no espaço. Contudo poderemos assumir que qualquer
ponto define um centro? O ponto corresponde a uma coordenada espacial. A definição do
ponto está dependente da dimensão em que é definido e dos eixos que a constituem. Se for no
plano bidimensional a coordenada poderá ser determinada segundo os valores (x,y), no espaço
tridimensional a coordenada de um ponto poderá ser definida por (x,y,z). O ponto em si, não
existe, é virtual. O acto de marcar um ponto pelo desenho é apenas a representação simbólica
dessa coordenada. Do mesmo modo, a colocação da ponta seca do compasso é a
determinação de uma coordenada (essencial à delineação e determinação de um círculo, mas
que não é representada). Pretendendo-se representar um círculo, a ponta seca corresponde
imediatamente à definição de um centro, pois estabelece o ponto equidistante a todos os
outros pontos que o delineiam, sendo o círculo caracterizado por esta relação entre o seu
centro e o seu limite. Uma mera coordenada geométrica não possui as características
essenciais ao estabelecimento de um centro, contudo a representação de um ponto no espaço
já possui algo de central, na medida em que centra a nossa atenção sobre ele. A representação
do ponto é assim um referencial no espaço, ordena-o. Do mesmo modo, no território, a acção
humana de colocar qualquer elemento deliberadamente na paisagem cria o mesmo tipo de
ordenação e corresponde à criação de um referencial no espaço. Uma acção que não só é
primordial como fundamental a qualquer acção arquitectónica.

O centro simboliza uma origem, uma ordem no espaço e no tempo, um elemento físico
de onde se estruturava o território e a própria morada, o marco que hierarquizava o território
em seu torno. É o ato de marcar o espaço que lhe dá significado, o local onde o Divino e o
Humano se cruzam, o lugar onde o templo e a habitação coexistiam. (ABREU,2007)

Os próprios centros construídos não são atribuídos a um local qualquer. O Homem


estabelece os primeiros centros de acordo com paisagens que já possuam em si uma certa
centralidade: locais com força motriz de nos relacionar com o meio e de nos centrar sobre
essas relações (centros de recursos, centros de contemplação, centros defensivos).

Desde as primeiras relações do Homem com o espaço que a dialética entre centro e
limite se desenvolvem pelo território.

As cidades formavam-se assim em torno deste centro gerador: o centro de comércio, o


centro de cultura, o centro de culto, o centro de lazer, no fundo o centro da própria vida. A
existência de um centro implica um limite, uma fronteira entre o interior e o exterior, o sagrado
e o profano, o familiar e o desconhecido, a ordem e o caos, o público e o privado e no caso da
cidade: a urbe e os arrabaldes.

Os sucessivos crescimentos e migrações de população obrigavam à restruturação dos


limites da cidade, o que consequentemente ordenava tanto os desenvolvimentos dentro como
fora das muralhas. Os eixos de expansão transpunham os limites físicos da cidade e as Estradas
Reais iam assistindo às sucessivas concentrações de aglomerados. As cidades observavam o
desenrolar do prolongamento dos seus limites e a aglutinação de antigas periferias que se
começavam a afirmar como centros. (KOSTOF, 1992)

Esta afirmação estabelece uma outra dialética, uma relação entre o centro e a
centralidade. O centro histórico era em si uma centralidade, um local significativo que exerce
um caracter de importância e poder. Porém a qualidade de centralidade é desenvolvida
consoante a mudança do valor dos fatores de concentração das populações ao invés do simples
significado geométrico. Desde a localização estratégica para defesa no topo das colinas, à
proximidade das massas de água para trocas comerciais ou como ponto de partida à
descoberta do novo mundo. A centralidade altera-se assim com os tempos, as necessidades e a
expansão, produto de um efeito de agregação. Agregação esta de usos e acessibilidade, de
movimentos de população, bens e informação geradora de polos de atratividade. (SIEVERTS,
2003)

Os desenvolvimentos nas acessibilidades proporcionam novas ligações e agregações


fora dos antigos tecidos possibilitando diferentes perspetivas de centralidade nos tecidos de
periferia1. O caminho-de-ferro e a facilidade com que este cobre distâncias proporcionou novas
1O conceito de periferia caracteriza de forma generalizada o fenómeno de expansão para fora
dos limites da cidade tradicional. O conceito de subúrbio também é utilizado para defini-la, sendo
utilizados quase como sinónimo, como é possível verificar pelo Glossário de Desenvolvimento Territorial
(2011). Domingues (1994) caracteriza a periferia pela sua conexão e afastamento do centro. É esta
relação de dependência, densidade e relação pendular que a distinguem do subúrbio. O subúrbio já é
localizações que antes não eram viáveis, criando novos centros compactos em torno das suas
estações. Todavia o acesso primordial era praticamente exclusivo às classes com maiores
posses. As periferias eram promovidas como um paraíso livre dos males da cidade, repleta de
benefícios para a saúde e uma habitação de qualidade e variedade que há muito tinha sido
posta de parte com a compactação da cidade central. As utopias modernas do século XX eram
a base de muitas destas expansões, como a Cidade-Jardim de Howard, Broadacres de Wright
ou Ville Radieuse de Le Corbusier.

Segundo Fishman (1982), os três autores destas utopias acreditavam que os conflitos
sociais, as crises urbanas e a miséria que as cidades transportavam só poderiam ser resolvidos
com a reconstrução das cidades, rejeitando por completo que as existentes poderiam vir a
ultrapassar estas problemáticas. Estas cidades ideais denotavam-se autenticas centralidades ao
serem projetadas com base no modelo residencial associado à agregação de usos e a uma rede
de equipamentos e de acessibilidades que a conectam a outras centralidades, a partir de um
pensamento policêntrico.

These cities, therefore, were complete alternative societies, intended as


a revolution in politics and economics as well as in architecture. They were
utopian visions of a total environment in which man would live in peace with
his fellow man and in harmony with nature.

(FISHMAN, 1982, p.29)

caracterizado como uma variante da condição periférica, de escala mais extensa e complexa.
Descontínuo e disperso, surge tanto por processos planeados como espontâneos, com níveis baixos de
infraestruturação. A relação com a cidade não é o elemento orientador do seu crescimento, o
aglomerado expande-se consoante a sua necessidade. Em ambos o predomínio residencial é quase
sempre um fator de qualidade variada, desde bairros precários até aos mais luxuosos. Esta variedade,
precariedade e falta de relação com o centro originam tensões que dão lugar ao estigma social. A
distância ao centro é, assim, uma distância sociológica a um centro (…) (DOMINGUES, 1994, p. 7), centro
este fornecedor de relações sociais, informação, cultura, economia, direitos e deveres políticos que
aparentam faltar ou ser de difícil acesso a estas expansões. Sendo assim, a localização do subúrbio não
implica o afastamento físico ao centro, ele pode estar no próprio centro da cidade como acontece em
Chicago nos EUA.
Porém, o paraíso muda com as novas localizações industriais e as migrações da nova
mão-de-obra. Esta movimentação criou tecidos pouco consolidados e difusos, onde a
ambiguidade e a indefinição imperam. Criaram-se assim aglomerados maioritariamente
residenciais, com ausência ou défice de espaço público, equipamentos ou serviços e fraca
infraestruturação. Perante este cenário é possível perceber esta rejeição da cidade difusa face
à cidade tradicional. É difícil colocar no mesmo plano o velho centro histórico e a antiga
realidade rural que insiste em tornar-se urbano. E mais penoso talvez seja admitir que estas
novas centralidades são muitas vezes resposta aos problemas da cidade central.

Además, es constatación habitual como, cada vez más, la


oferta residencial en la ciudad concentrada corresponde cada vez menos,
cuantitativa y cualitativamente, a la demanda.
(INDOVINA, 1990, p. 51)

Os pontos negativos da expansão nem sempre se aplicam na sua totalidade. A


disponibilidade de espaço levou a uma maior variedade de tipologias de habitação ao alcance
económico a um maior número de famílias, como o caso da habitação unifamiliar, além da
fixação de variados edifícios com diferentes usos. Estas antigas periferias há muito que
deixaram de ser uma expansão da cidade tradicional, transformaram-se em centralidades que
adquiriram autonomia com a infraestruturação dos aglomerados, a fixação de serviços e
atividades e o aumento das redes de acessibilidades. Na realidade, as malévolas periferias são
nada mais que lugares de oportunidade e inovação, uma alternativa aos tecidos desgastados
do centro histórico que vão perdendo atividades económicas e habitação com o efeito da
musealização devido ao turismo.

Efetivamente a dicotomia entre centro e periferia aparenta desvanecer com a obtenção


de atratividade destes últimos polos. As dinâmicas de acessibilidade definem novas
centralidades entre os antigos territórios consolidados e as novas áreas produzidas no contexto
de mobilidade. O território já não funciona em sistema de árvore, em que um centro gere
todos os outros, mas sim sobre uma rede de centralidades que se vão complementando entre
si porém geridas autonomamente. A mobilidade produzida tanto pelas primeiras revoluções
industriais como pelas mais atuais, ao nível das tecnologias, permite que este modelo de
policentrismo torne a mobilidade quase num produto cultural e num simples direito das
cidades. A verdadeira cidade-território constrói-se com esta dinâmica de fluxos entre pessoas,
bens, ideias ou informação, promovendo uma rede de empresas, transportes e comunicação.
(CHALAS,2010)
No entanto, o facto de se complementarem entre si não deve ser interpretado de
forma a criar áreas monofuncionais. O problema destes polos demasiado especializados é o de
criar vazios urbanos, a sua fragmentação com o resto da área envolvente promove locais
inabitados ao não existirem outras atividades que criem fluxos de movimentação. Sem a
integração de outras funções e uma boa rede de acessibilidades, como foi visto anteriormente,
a qualidade de centralidade é perdida. A existência de uma função dominante é importante de
forma a tornar o polo atrativo porém a agregação de outros usos é fundamental. Desde a sua
produção em torno de equipamentos como polos culturais ou a partir da criação de núcleos de
inovação, a aglomeração de atividades é necessária para os completar e dinamizar, apoiados
sobre uma rede de espaço público que para além de promover fluxos produza também
permanência e interação entre população. (BOURDIN, 2003)

As periferias assumem assim um papel de grande importância nas dinâmicas de


expansão no território, ao terem sido alvo de sucessivas delimitações com a revisão dos limites
da cidade central. Esta própria cidade central vê o seu centro ser questionado e alterado
consoante as necessidades gerando-se assim uma necessidade de um pensamento em redes
de centralidade. Estas novas centralidades são assim espaços de oportunidade que esperam
ser reconhecidos e valorizados como tal, que não pretendem competir com a cidade central
mas sim trabalhar em rede de forma a qualificar o território contemporâneo. Apoiados sobre
uma variedade de morfologias e escalas de acessibilidade, desde a local à metropolitana,
procuram promover uma visão mais dinâmica da periferia como motores da construção da
cidade-territorial.

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