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Doutoramento

O INCÓMODO PENSAR

Pensar é muito incómodo. Cientistas tentam saber porquê


A introspeção é uma capacidade exclusiva do ser humano, mas não gostamos
da experiência. Cientistas tentam perceber porque é que pensar causa tanto
incómodo

Pensar ou causar dor em si próprio? Os cientistas do departamento de Psicologia


da Universidade de Virgínia demonstraram que a maioria prefere a segunda
hipótese. A conclusão é surpreendente e agora será preciso perceber porquê. Os
investigadores de um dos núcleos de psicologia social mais conceituados nos
Estados Unidos acreditam que os estudos publicados este mês na revista "Science"
são agora mais um passo para entender melhor uma das contradições da existência
humana. Por um lado, as neurociências percebem cada vez melhor como é que
estamos equipados para nos abstrairmos do mundo real, mergulhando nos
pensamentos. Por outro, esse é um dom que não parece ser do nosso agrado, apesar
de sermos a única espécie com essa capacidade.

Numa síntese de 11 estudos que explora este paradoxo, os psicólogos perceberam


que a aversão vai ao ponto de 67% dos homens e 25% das mulheres não hesitarem
em apanhar choques elétricos quando a alternativa é ficar sozinho 15 minutos
numa sala com a simples tarefa de pensar. E isto apesar de terem assegurado
instantes antes que pagariam para evitar essa autopunição.

Autores clássicos, como o inglês Bertrand Russell, já tinham percebido que haveria
um qualquer duelo do homem com a sua capacidade de autoconsciência. "A maior
parte das pessoas prefere morrer a pensar; na verdade, é isso que fazem", escreveu
o filósofo. Em pleno século XXI, contudo, esta equipa acredita que está na altura
de voltar à pergunta, até porque alguma coisa tem atraído cada vez mais pessoas
para técnicas como a meditação, aparentemente porque isso as faz sentir bem.

RESULTADOS O método dos 11 estudos foi relativamente simples. Era pedido


às cobaias - estudantes universitários e posteriormente pessoas recrutadas num
mercado e numa igreja local - que estivessem períodos entre seis e 15 minutos
sentados numa sala sem decoração e sem ter por perto objetos pessoais. Durante
esse tempo poderiam pensar no que quisessem. Numa primeira fase, mais de
metade dos participantes informou ter sido difícil concentrar-se, mesmo sem haver
nada a distrai--los. Quase cinco em dez (49,3%) considerou a experiência
desagradável.

Para perceber se era o ambiente asséptico de laboratório que dificultava o desfrutar


do tempo a sós, os investigadores desafiaram 15 cobaias a fazer a experiência em
casa, seguindo as instruções para ficarem em estado de introspeção por um quarto

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de hora. No fim, um terço admitiu ter feito batota e não ter resistido a mexer no
telemóvel ou a ouvir música.

A descoberta de que a aversão a estar sozinho com os pensamentos foi a mais


surpreendente, explicou ao i Erin Westgate, uma das autoras, a investigação visa
tentar estudar porque é que parece ser tão difícil pensar e, por outro lado, porque é
que há pessoas que lidam melhor com a experiência.

E aqui, os resultados mostram que ainda há muito por perceber. Uma das teorias
seria que as pessoas, ao ficarem sozinhas com os seus pensamentos, poderiam
começar a "ruminar" sobre os seus defeitos, o que explicaria o desconforto. Mas,
ao testar a ideia, a equipa percebeu que pensar em si próprio não estava
correlacionado com mais ou menos satisfação. Outro problema poderia ser terem
de pensar no próprio momento em como iriam ocupar a cabeça. Porém, quando
deram tempo para planear, os resultados não se alteraram.

A única ligação que, para já, dá pistas tem a ver com o tipo de personalidade dos
participantes, mas ainda assim as correlações encontradas foram limitadas. Após
testes psicológicos, perceberam apenas que quem consegue direcionar os
pensamentos para sentimentos de felicidade tem 20% mais probabilidade de
encontrar prazer na experiência.

Erin Westgate conta que avaliaram também se usar mais ou menos o telemóvel no
dia-a-dia tinha alguma correlação com a capacidade de desfrutar do devaneio
mental, o que também não se verificou. O que leva a outra conclusão do estudo:
"O uso parece ser um sintoma de um problema, não a causa. Talvez os telemóveis
e as redes sociais sejam tão apelativos precisamente porque somos tão maus a
entretermo-nos com as nossas cabeças. Se algumas pessoas até preferem
eletrocutar-se, obviamente que a maioria de nós prefere mexer no telemóvel a
pensar."

A investigadora acredita que estamos perante um problema, que não sendo novo
está a aumentar e só agora começa a ser estudado: "Dantes havia outras distrações.
Ao longo dos séculos, líderes religiosos têm pedido às pessoas para passarem mais
tempo em contemplação e silêncio: se fosse fácil aderir a isso, não estaríamos
sempre a ouvir a mensagem."

A ideia do grupo é conseguir respostas e encontrar uma forma de treino que


permita contrariar o que parece ser a dificuldade natural de desfrutar do
pensamento. Enquanto não há novas experiências, Westgaste explica, qualquer
adulto pode fazer a experiência em casa. Desde que, por precaução, substitua os

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choques elétricos por algo mais inofensivo: uma fotografia desagradável ou uma
gravação de um barulho enervante.

Basta escolher um momento do dia em que se esteja sozinho, ir para um corredor


sem decoração e deixar todos os bens pessoais, dos telefones ao relógio, na sala ao
lado. Se conseguir estar 12 minutos sozinho sem olhar para a fotografia ou ligar o
som e apreciar a experiência faz parte de uma minoria. A mente do comum dos
mortais, concluí a equipa, "se não for disciplinada não gosta de estar sozinha com
ela própria."

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Porque criámos a Escola, a Arte ou o Entretenimento

“Just think: The Challenges of theDisengaged Mind” coordenado por Timothy


D. Wilson do Departamento de Psicologia da Universidade da Virginia. A
abordagem escolhida para problematizar a questão é provocatória, no sentido em
que aborda o problema pelo lado de uma alegada incapacidade para pensar. A
provocação premiou o texto e fez com que este se espalhasse pelos media
rapidamente. Mas do que se fala aqui é essencialmente dos efeitos da
hipoestimulação externa sobre a nossa mente.

"The Thinker" (1882) de Auguste Rodin

Sumário do estudo: “Era pedido às


cobaias - estudantes universitários e
posteriormente pessoas recrutadas
num mercado e numa igreja local -
que estivessem períodos entre seis e
15 minutos sentados numa sala sem
decoração e sem ter por perto
objetos pessoais. Durante esse
tempo poderiam pensar no que
quisessem. Numa primeira fase,
mais de metade dos participantes
informou ter sido difícil concentrar-
se, mesmo sem haver nada a distraí-
los. Quase cinco em dez (49,3%)
considerou a experiência desagradável.” [fonte]
Foram feitos ainda vários testes para despistar potenciais hipóteses para o
surgimento do desprazer no alegado ato de pensar, entre as quais: "ruminar sobre
os seus defeitos”; “pensar no próprio momento em como iriam ocupar a cabeça”;
“usar mais ou menos o telemóvel no dia-a-dia”; ou ainda “a personalidade dos
participantes”. Nenhuma destas demonstrou ser verdadeiramente responsável por
estes efeitos. Deste modo o artigo publicado levanta o véu e deixa o caminho livre
para mais estudos que expliquem o problema. Do meu lado resolvi fazer algumas
reflexões a propósito e que partilho aqui a segui

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Quando falei em hipoestimulação estava a falar em algo que está intimamente


ligado à nossa biologia. No século XXI é inevitável realizar estes cruzamentos
entre a psicologia e a biologia para procurarmos compreender porque somos aquilo
que somos. Assim, devemos começar por perguntar porque sofremos quando em
ambientes de hipoestimulação, quais as suas causas, os seus efeitos e como lidar
com o problema?

A hipoestimulação representa uma condição de ausência de estimulação externa,


e os seres-humanos lidam mal com essa condição. Surgimos enquanto espécie a
partir de um caldeirão de elementos e variáveis que potencializaram a nossa
emergência neste planeta. Somos parte do sistema natural como um todo, que é um
sistema contínuo no tempo e no espaço. Assim sendo, aquilo que somos é
praticamente impossível de ser desconectado desse contínuo. Esse contínuo é toda
a natureza, mas são todos os outros nossos semelhantes, assim como toda a
produção cultural que desenvolvemos e que vai servindo em substituição desse
natural.

Nos "tempos das cavernas" esta ligação ao contínuo circundante foi essencial para
que pudéssemos elevar a acuidade das nossas capacidades percetivas.
Desenvolvemos assim mecanismos, entre os quais as emoções, que nos permitiram
agir de modo instintivo sem necessidade de recorrer ao consciente (mais lento)
para sobreviver. A nossa condição animal não nos dava propriamente grandes
garantias à nascença, tendo em conta a força e mesmo inteligência, de alguns
predadores que por cá andavam antes de nós. Nesse sentido fomos desenvolvendo
e selecionando aqueles que de entre nós tinham melhores sistemas de alerta, ou
seja que conseguiam estabelecer a melhor sintonia com a realidade circundante
externa. Durante todo esse tempo a virtualidade interna das nossas mentes foi
muito pouco relevante. Os nossos mais hábeis funcionavam quase exclusivamente
em função da ação sobre o exterior, mantendo os aspetos interiores a um canto, o
que terá dado origem a ditados como “um homem não chora”.

Com o passar do tempo a componente social mamífera foi-nos empurrando para a


socialização e permitiu o surgimento da proteção e sobrevivência pelo efeito de
grupo (ver The Age of Empathy). Isto veio permitir que alguns de nós, com
menores instintos de sobrevivência, pudessem também sobreviver. Estes por sua
vez, e por agirem menos sobre o exterior, passaram a poder dar azo à pessoa
interior, que liberta das amarras da sobrevivência podia deambular mentalmente.
A baixa sintonia com o mundo externo, fez aumentar a perceção do mundo interno,
fez ganhar consciência de si, e do seu posicionamento no contínuo natural.

Deste modo seriam conduzidos a uma hiperestimulação interna da mente que por

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sua vez os iria conduzir à exteriorização e materialização dessas suas


internalidades. Temos assim as primeiras imagens da nossa espécie nas paredes de
Lascaux e Altamira a surgirem há 20 mil anos atrás. Esta exteriorização surge
como uma necessidade fundamental para comunicar aos outros as suas
estimulações internas, ou seja camadas de ideias sem objeto material concreto.
Ideias suportadas por camadas de abstrações que precisavam de ser tornadas em
algo material a que os outros pudessem também aceder. Assim a arte acaba por
surgir como a recriação de mundos internos, fundindo-os com as condições do
mundo externo.

Pinturas das caves de Lascaux, datadas


de há 20 mil anos

A necessidade de estar em
sintonia com esse mundo exterior,
os perigos e a fome, foi
decrescendo já que a nossa
sobrevivência passou a estar
assegurada pelo esforço de comunidades cada vez maiores. Nesse sentido havia
cada vez mais pessoas que se podiam dedicar a refletir e a produzir pensamento
cada vez mais complexo. Esta reflexão interna daria origem ao
desenvolvimento das capacidades de elaboração mental, e por sua vez isso
levaria à criação de tecnologias de suporte à sua externalização como por
exemplo o surgimento da escrita. Com o passar do tempo fomos enriquecendo o
natural, complementando-o com o cultural tornando-o cada vez mais complexo e
elaborado.

Assim a realidade que passou a rodear-nos era composta de uma camada de


abstração completamente diferente daquela que o mundo natural apresentava, e
para a qual tínhamos desenvolvido toda a nossa máquina sensorial. E é aqui que
vai entrar a escola, porque nessa altura começa a deixar de ser possível viver
apenas confinado às propriedades do mundo natural. As ferramentas com que
nascemos, que nos apetrecham para lidar com a natureza, já não são suficientes
para lidar com o novo mundo, criado a partir do interior das mentes de cada um de
nós. Isto acaba por estar refletido na frase que fecha o artigo na Science,
“The untutored mind does not like to be alone with itself”
Precisamos então de desenvolver esquemas mentais capazes de suportar o
pensamento interno, que nos conduzam à produção de novo pensamento em

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territórios de abstração. E é isso que a escola se dedica a fazer, fornecendo


instrumentos para que cada um de nós possa ser capaz de enfrentar o seu próprio
ser pensante. Ao mesmo tempo a escola ajuda-nos a construir a ponte entre o nosso
interior e o exterior, fazendo uso dos canais de abstração não naturais, seja a
escrita, seja a imagem, a música, o cinema, os videojogos ou a ciência, a
engenharia, etc. Por isso a escola acaba sendo difícil para todos nós, porque
queiramos ou não, trata-se de um processo de modelação do nosso ser, de ajuste
das nossas potencialidades naturais às novas potencialidades da cultura humana.

Isto não quer dizer que tenhamos abolido a nossa ligação ao exterior, antes pelo
contrário, com a expansão do natural pelo cultural e tecnológico, apenas
acentuámos mais ainda a nossa ligação e dependência do exterior. O ato de pensar
não se confina ao nosso interior, porque ele apenas se finaliza quando tornado
material. Por outro lado o ato de pensar a complexidade não existe nunca sem
estimulação externa, esta obviamente não precisa de ser contínua, mas precisa de
acontecer. Para compreender esta condição basta parar e “observar” o que acontece
no interior da nossa mente quando acabamos de ler um livro que nos apresentou
ideias desconhecidas mas que fizeram sentido para nós. O pensamento entra em
ebulição abstrata, procurando criar novos esquemas mentais para encaixar o
conhecimento novo. Nesses momentos é fácil estar 10, 30 ou 60 minutos em
hipoestimulação, porque o pensamento está totalmente “entretido”.

Isto leva-nos à discussão do surgimento do entretenimento, da literatura, do


cinema, dos videojogos. Se o seu surgimento consiste na externalização do
pensamento dos seus autores, ele também surge e invade toda a nossa sociedade
porque esta precisa de mais e mais estímulos para poder manter a mente entretida,
agora habituada a pensamento mais elaborado. Já não é suficiente a estimulação
simples natural. Para fechar e responder à provocação do artigo na Science, se se
tivesse colocado as pessoas ler um livro, ver um filme, ou jogar um jogo que os
engajasse em profundidade, e a seguir pedissem para realizar a experiência de estar
só e sem estímulos, provavelmente as pessoas teriam conseguido sem grandes
problemas.

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empatia, colaboração e cooperação

Acabei de ler The Age of Empathy de Frans de Waal, que viagem magnífica.
Trabalho com o conceito da Empatia desde o início da década passada, e vi o
evoluir da aceitação do conceito pela academia ao longo dos últimos anos, ler tudo
isto foi um reforçar de muitas convicções. Não conhecia ainda Frans de Waal que
foi eleito em 2007 um dos 100 cientistas a seguir pela Time. O seu trabalho
enquanto biólogo, primatologista e etologista levou-o a desenvolver estudos
comparativos entre os animais, só mamíferos, e o ser humano, e a procurar
compreender que características animais se comparam connosco. De Waal
publicou vários livros mais ligados à primatologia e etologia, mas apareceu no ano
passado numa TED muito partilhada, Moral Behavior in Animals, e que
praticamente resume o conteúdo de The Age of Empathy.

Neste livro e nesta Ted, De Waal fala da


empatia, mas abre a sua aplicabilidade, ao
comparar a empatia animal com a do ser
humano, coloca o dedo na ferida aberta
pelo capitalismo em 2007. De Waal recua
lá atrás para nos dizer que Charles
Darwin não nos deixou apenas o legado
da Seleção Natural, demonstrativo do
vigor competitivo. Depois de escrever a
Origem das Espécies, escreveu The
Expression of the Emotions in Man and
Animals (1872), aonde explicava em
muito maior detalhe como se processava
a comunicação interpessoal e social tanto
nos animais como nos humanos através
da emoção. Como diz De Waal, “biology
is usually called upon to justify a society based on selfish principles, but we should
never forget that it has also produced the glue that holds communities together”
(2009:7). O problema é que a ciência não estava ainda preparada para o estudo das
emoções no tempo de Darwin. Aliás como o De Waal vai sempre dizendo ao longo
deste livro, a academia sempre foi reticente em aceitar a possibilidade de equiparar
as características animais com as dos humanos. Em termos cognitivos, emocionais,
comportamentais, ou de consciência. Não sabemos se por forças religiosas, ou se

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por simples obstinação antropocêntrica, mas ainda hoje persistem tiques na


academia e fora dela nesse sentido.

Ted Talk Moral Behavior in Animals (2012) de Frans de Waal

Aliás um dos melhores documentários que vi até hoje, e que continua a ter muito
pouca divulgação, chama-se Why Dogs Smile and Chimpanzees Cry (1999) (em
partes no Youtube). É uma obra poderosa, capaz de demover qualquer
antropocentrista. Ao longo de hora meia somos levados a compreender como entre
o homem e os restantes mamíferos, existem tão poucas diferenças. Mas diga-se
que o grande responsável por se ter colocado as Ciências Afetivas no mesmo
patamar das restantes ciências na academia foi António Damásio, e o seu O Erro
de Descartes (1994). Com ele foi possível começar a aceitar-se no plano científico
o conceito de empatia sem se ser rotulado de fantasista, ou pior. Continuamos a
trabalhar para demonstrar a sua cientificidade, mas são cada vez mais as áreas que
abraçam o conceito, desde a Psicologia à Biologia. E se no campo da criatividade
antes se falava em Desejo e Projeção, conceitos caros à Psicanálise, hoje
assumimos a Empatia como o grande conceito que define de forma ampla a relação
entre os seres, entre os seres e os animais, e entre os seres e os objetos ou obras.

A Empatia começou pelo simples


significado de senso comum - “colocar-se
no lugar do outro” e evoluiu
entretanto. Zillmann trabalhou a
conceptualização no campo da Psicologia
dos Media definindo a Empatia como um
estado no qual, não apenas “sentimos
como o outro, mas sentimos pelo outro”.
No campo da neurociência em
1998 Gallesse e Goldman descobriam os
chamados neurónios-espelho que
permitiram avançar o nosso conhecimento
sobre os processos neurológicos por
detrás da empatia. Os neurónios-espelho,
são responsáveis pela nossa atividade de
mímica do outro, e de certo modo
explicam processos afectivos mais básicos como o Contágio Emocional. Baron-
Cohen (2003) pelo seu lado dividiu a empatia em duas componentes - cognitiva e
afetiva. A primeira define a capacidade para “prever o comportamento ou estado

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mental de outra pessoa”, enquanto a componente afetiva define a “resposta


emocional apropriada ao estado emocional da outra pessoa”. Posto tudo isto eu
dizia no meu livro Emoções Interactivas, que
"o processo de empatia é um processo complexo, que está intimamente
relacionado com as teorias da mente ou da simulação mental sobre a nossa
capacidade para construir um modelo da mente do outro seja por meio da
simulação ou imaginação, que potencie a competência para antecipar as ações do
outro e, desse modo, não só perceber e sentir o outro, mas também agir, ajustando-
se emocionalmente ao outro. É um dos pilares fortes da interação
social..." (Zagalo, 2009:62)
De Waal neste seu livro leva a definição um pouco mais longe, porque estabelece
uma relação mais direta entre a imagem mental de empatia e a nossa ação
fisiológica. Partindo de tudo o que elenquei aqui antes, desde o senso comum aos
neurónios-espelho, De Waal diz,
“empathy and sympathy start not in the higher regions of imagination, or the
ability to consciously reconstruct how we would feel if we were in someone else’s
situation. It began much simpler, with the synchronization of bodies: running when
others run, laughing when others laugh, crying when others cry, or yawning when
others yawn.”(De Waal, 2009:51)
A "Sincronia dos Corpos", é para mim o conceito mais importante apresentado
neste livro. Um processo mecânico, sem complexidades, fruto da evolução das
espécies, e através do qual conseguimos ao longo de milénios, desenvolver
sistemas sociais de tão grande complexidade. Aliás Rizzolati num artigo de 2004
vai mais longe elevando a importância dos processos de gregariedade, à condição
básica do nosso sistema de aprendizagem,
“Se queremos sobreviver, precisamos de perceber as ações dos outros. Para além
disso, sem compreender a ação, a organização social é impossível. No caso dos
humanos, existe uma outra faculdade que depende da observação das ações dos
outros: aprendendo imitando. Diferentemente da maior parte das espécies, nós
somos capazes de aprender imitando, e esta faculdade está na base da cultura
humana” (Rizzolatti e Craighero, 2004).
Esta afirmação de Rizzolatti é interessante duplamente, porque se é verdade que
somos o que somos, porque aprendemos imitando, e evoluímos imitando, não é
menos verdade que os animais não sejam capazes de o fazer. E esse acaba por ser
uma das grandes discussões presentes neste livro de De Waal. Demonstrar que eles
têm consciência de si, e que eles conseguem aprender uns com os outros, que eles
conseguem sentir empatia. O que eles têm, em princípio, é um processo de
memorização menos sofisticado, que impossibilita que o conhecimento se
acumule, e desse modo se possa transformar e evoluir. No fundo o que faz de nós

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seres ligeiramente diferentes dos animais, é a nossa capacidade para exercitar


continuamente o método experimental, procurar antever o “depois”, através de
tudo aquilo que sabemos do “antes”.

Mas o mais importante é que tudo


isto demonstra que o discurso sobre
a evolução das espécies tem sido
erradamente associado à
competitividade e agressividade.
Percebe-se daqui que se somos hoje
a espécie mais evoluída do planeta é
graças ao enorme sentido
colaborativo e de partilha que
conseguimos estabelecer na interação social. Tem sido através deste sentido, que
cria rede social, que temos conseguido evoluir o conhecimento de nós próprios.
Mas se isto surpreende quem defende teorias económicas do relacionamento
social, não surpreende quem estuda a psicologia social desde há mais de 50 anos.

O mesmo experimento de Frans de Waal com os mesmos resultados mas do


documentário Capuchins: The Monkey Puzzle

Não é de agora que estabelecemos a forma como o ser mamífero funciona por
oposição ao réptil. A essência está presente desde a primeira hora em que
nascemos. Sem uma vinculação forte entre mãe e filho, a possibilidade do bebé
sobreviver é muito reduzida. Passamos a infância toda dependentes dos seres mais
velhos, que nos levam comida a boca e dão carinho. Dos estudos realizados há
mais de meio de século, em tempos perturbados, percebemos que o bebé não
definha apenas por falta de comida, mas também por falta de contacto humano.
Sem o contacto humano, o nosso cérebro não constrói as sinapses necessárias para
poder compreender o outro, e emocionar-se com o outro, os fundamentos da
empatia não se constroem tornando-se num ser associal.

A empatia é assim como diz De Waal a cola que nos mantém juntos, e nesse sentido
é uma das característica que a Seleção Natural tudo tem feito para preservar.

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a Ciência por detrás da Arte

“The Art Instinct” de Denis Dutton é um livro de grande relevância, pela forma
revolucionária como discute o complexo conceito de arte. Para dar uma ideia da
extensão do interesse que este livro gerou, posso dizer que extraí doze páginas de
excertos e notas do mesmo. O livro saiu em 2009, e apenas um ano depois, Denis
Dutton deixava-nos, vítima de cancro, com apenas 66 anos.

Começando pelo título, Dutton assume


que este é uma espécie de homenagem ao
trabalho de Steven Pinker, e ao sua
obra “The Language Instinct” (1994). As
referências ao longo do livro a Pinker são
muitas, diria quase na mesma proporção
em que se cita Darwin. Por isso não é de
estranhar que Pinker se apresente como
um dos mais fervorosos adeptos da
teorização da arte apresentada por Dutton,
sendo citado na contracapa dizendo,
"This book marks out the future of the
humanities - connecting aesthetics and
criticism to an understanding of human
nature from the cognitive and biological
sciences."
Não posso deixar de estar em acordo com Pinker. O trabalho levado a cabo por
Dutton é de uma relevância enorme, quando vivemos tempos complexos no seio
das humanidades. Quando as humanidades lutam pela sua afirmação, e até
manutenção no mundo académico. É chegado o tempo das humanidades
avançarem e abraçarem o pensamento científico. Nada me tem incomodado mais
ao longo da minha investigação científica, do que a frustração vivida com a
impossibilidade de aproximar o discurso académico das artes ao discurso
científico. Sempre acreditei, e temos aqui um trabalho que vem suportar esta ideia
em toda a linha, que as artes, assim como as humanidades em geral, precisavam
de se suportar num forte discurso científico. Que não era sustentável a simples
ideia de se apresentar como uma abordagem diferente ao pensamento. Porque na
verdade, um investigador, ou desenvolve ciência, ou limita-se ao discurso popular,
sem necessidades de evidência, lógicas dedutiva ou indutiva, empirismo

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quantitativo ou qualitativo... Para quem estiver interessado nesta discussão de


fundo sobre as Humanidades e a Ciência, aconselho vivamente o artigo "Science
is not your Enemy" (2013) de Steven Pinker no New Republic.
Quando analisamos muito do trabalho académico nas artes, nomeadamente nos
estudos de cinema, fotografia, pintura ou videojogos o que vemos são meras
discussões tópicas carregadas de subjetivismo, sem qualquer suporte de base
científica que possa aferir o que se vai dizendo. A escrita académica nestas áreas,
só se separa da escrita popular sobre os mesmos temas, na quantidade de texto e
erudição apresentada. É verdade que alguns destes textos se destacam por
apresentar pensamento, por digerirem ideias e assunções sobre o mundo em muito
maior profundidade, e por vezes com um carácter profundamente pedagógico. Mas
a sua validade deixa sempre muito a desejar, porque quase tudo se baseia no ínfimo
ponto de vista, que é o de quem analisa, que se limita a apresentar a sua visão, e a
dizer aos outros, ‘acreditem em mim, porque eu consigo ver o que os outros não
conseguem’.

Foi exatamente contra isto que se moveram os estudos fílmicos nos últimos 20
anos, fartos de tanta diarreia mental e orgasmos em prosa. Um dos seus maiores
impulsionadores, David Bordwell trouxe a psicologia e as ciências cognitivas para
o estudo do cinema, e desde então estes nunca mais foram os mesmos. Hoje
podemos estudar o cinema, analisar um filme, estudar a carreira de um realizador,
seguindo abordagens e metodologias de base científica, apresentando evidências
muito objetivas daquilo que queremos demonstrar na obra.
Ora Dutton vai neste livro muito mais longe que Bordwell. Dutton não se limita à
psicologia tal como a discutimos hoje, mas arrisca a entrar numa das áreas da
psicologia mais controversas das últimas duas décadas, a Psicologia
Evolucionária. Este ramo da psicologia preocupa-se essencialmente em encontrar
evidências que suportem os comportamentos humanos na biologia. Ou seja,
estuda-se de que forma aquilo que somos mentalmente, é o resultado de adaptações
ao longo do processo evolucionário, baseado na teorização da Seleção Natural e
Sexual de Darwin. No fundo, começámos a perceber que tudo aquilo que somos é
fruto de uma necessidade adaptativa ao mundo que nos rodeia, no sentido de
garantir a nossa sobrevivência como espécie. Daí os instintos básicos de comer
para manter vivo, de reproduzir para impedir a extinção da espécie, e das emoções
que nos alertam para os perigos e dão cola aos laços sociais que são essenciais para
uma espécie mamífera que só consegue sobreviver em grupo. O que se pensa é que
todo o nosso comportamento instintivo foi moldado tendo por base estas
necessidades. Mas porque é controversa esta abordagem?

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Porque não pode demonstrar experimentalmente a evidência daquilo que afirma.


Não podemos regressar ao tempo em que a espécie humana foi gerada, nem
podemos mostrar com provas físicas os processos. Aliás, este problema é o mesmo
de que padece a teoria da Seleção Natural, e por isso vai sendo atacada aqui e ali,
nomeadamente por interesses mais ligados à religião. Apesar disso, esta
abordagem da psicologia é respeitada por muitos de nós, porque apesar de não
possuirmos evidência empírica, as teorias apresentadas são fruto de todo um
raciocínio lógico de base dedutivo. Além disso, não se limitam a um mero
exercício de dedução, estes exercícios são depois ainda validados em confronto
com os casos interculturais. Ou seja, cada evidência de adaptabilidade de
comportamento humano na espécie é sempre confrontado com a universalidade do
comportamento no planeta, para poder aferir se este tem uma base biológica ou
não. Esta abordagem fica desde logo explícita na abertura do livro de Dutton
quando este diz,
“The universality of art and artistic behaviors, their spontaneous appearance
everywhere across the globe and through recorded human history, and the fact
that in most cases they can be easily recognized as artistic across cultures suggest
that they derive from a natural, innate source: a universal human psychology.”
Esta universalidade do fenómeno da arte na espécie humana, é algo a que Dutton
dedica os primeiros dois capítulos. No primeiro começa por introduzir-nos à ideia
do "gosto universal" através do estudo de Alexander Melamid, "Painting by
Numbers". No segundo realiza uma colagem ao trabalho de Pinker sobre a
linguagem, mas não se limita a colar os discursos, porque pega na linguagem como
gramática instintiva e desenvolve-a para um sentido artístico instintivo. Depois
Dutton dedica uma boa parte a encontrar também evidências desta universalidade
no discurso de alguns dos maiores estetas da história, como Aristóteles e David
Hume.

Mas é depois no capítulo seguinte (3) que vamos poder encontrar o cerne do livro.
Depois de defender a universalidade do ímpeto criador artístico, Dutton lança-se
na sua definição da arte, sem antes disso convocar e criticar as definições de
grandes nomes da estética como Kant, Tolstoi e Clive Bell. Para dar resposta às
suas críticas e objeções às definições da arte, Dutton apresenta uma definição
pouco usual, mas provavelmente a mais completa que podemos encontrar. A sua
definição é espartilhada por 12 critérios que permitem aferir se uma obra é arte, ou
não é. Com isto procura tornar o discurso mais sustentado e objetivo possível. E
como ele diz, o importante de qualquer definição filosófica de arte, não deve ser
procurar responder às grandes obras, mais difíceis, esotéricas ou inqualificáveis
(como os readymades de Duchamp ou o 4'33” de John Cage), mas antes se deve

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centrar sobre uma “abordagem que trate a arte como um campo de atividades,
objetos e experiências que aparecem de forma natural na vida humana”. Dutton,
defende claramente a arte de um ponto de vista naturalista, destituído de
preâmbulos que procuram justificar o aparente inexplicável. Assim os 12 critérios
apresentados por Dutton, são,
"1. Direct pleasure. The art object - narrative story, crafted artifact, or visual and
aural performance - is valued as a source of immediate experiential pleasure in
itself, and not essentially for its utility in producing something else that is either
useful or pleasurable.
2. Skill and virtuosity. The making of the object or the performance requires and
demonstrates the exercise of specialized skills. These skills learned in an
apprentice tradition in some societies or in others picked up by anyone who finds
that she or he “has a knack” for them.
3. Style. Objects and performances in all art forms are made in recognizable styles,
according to rules of form, composition, or expression. Style provides a stable,
predictable, “normal” background against which artists may create elements of
novelty and expressive surprise.
4. Novelty and creativity. Art is valued, and praised, for its novelty, creativity,
originality, and capacity to surprise its audience. Creativity includes both the
attention-grabbing function of art (a major component its entertainment value)
and the artist’s perhaps less jolting capacity explore the deeper possibilities of a
medium or theme.
5. Criticism. Wherever artistic forms are found, they exist alongside some kind of
critical language of judgment and appreciation, simple more likely, elaborate.
6. Representation. In widely varying degrees of naturalism, art objects, including
sculptures, paintings, and oral and written narratives, and sometimes even music,
represent or imitate real and imaginary of the world.
7. Special focus. Works of art and artistic performances tend to bracketed off from
ordinary life, made a separate and dramatic focus experience.
8. Expressive individuality. The potential to express individual personality is
generally latent in art practices, whether or not it is fully achieved. Where what
counts as achievement in a productive activity is vague and open-ended, as in the
arts, the demand expressive individuality seems inevitably to arise.
9. Emotional saturation. In varying degrees, the experience of works of art is shot
through with emotion.

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Doutoramento
O INCÓMODO PENSAR

10. Intellectual challenge. Works of art tend to be designed to utilize combined


variety of human perceptual and intellectual capacities to the full extent; indeed,
the best works stretch them beyond ordinary limits.
11. Art traditions and institutions. Art objects and per for mances, as much in
small-scale oral cultures as in literate civilizations, are created and to a degree
given significance by their place in the history and traditions of their art.
12. Imaginative experience. Finally, and perhaps the most important
characteristics on this list, objects of art essentially provide an imaginative
experience for both producers and audiences. Kant insisted that a work of art is a
“presentation” offered up to an imagination that appreciates it irrespective of the
existence of a represented object: for Kant, works of art are imaginative objects
subject to disinterested contemplation."
Ao longo do livro Dutton vai insistir na primazia do último critério. Porque para
ele, a arte só pode existir enquanto capacitadora de experiências. Algo que não é
alheio a um grande grupo de estetas, como Kant, mas como ainda esta semana
tivemos oportunidade de ver numa frase que circulou na web, de Brian Eno, e que
deixo aqui a imagem como referência:

“Stop thinking about art works as objects,


and start thinking about them as triggers
for experiences.”
UPDATE: Esta frase foi originalmente
proferida por Roy Ascott.

Mas Dutton não nos fala do mero prazer


que a experiência reproduz em nós, das
descargas de dopamina despejadas sobre os
nossos neurónios que nos satisfazem a
felicidade. Dutton afirma o valor da
experiência, como um processo que se
constrói, não como um mero momento
resultante.
“The arts intensify experience, enhance it, extend it in time, and make it coherent.
Even when they replace it, they do not jump to a pleasure-moment of the human
organism and provide that as a surrogate everything else (..) Every great work of
art is, like climbing a mountain, about specific process of experiencing it - it is not

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about inducing some momentary pleasure experience that results from


experiencing it. Were the case, pills really would do the trick.”
Para suportar esta ideia de experiência imaginada, Dutton suporta grandemente a
sua conceptualização nos mais recentes trabalhos que se têm desenvolvido à volta
do storytelling, e dos estudos evolucionários sobre a importância deste para a nossa
espécie. Neste sentido faz uma resenha muito interessante do valor da ficção para
o humano, que acaba suportando o valor da própria arte para a espécie.
"1. Stories provide low-cost, low-risk surrogate experience. They satisfy a need to
experiment with answers to “what if?” questions that focus on the problems,
threats, and opportunities life might have thrown before our ancestors, or might
throw before us, both as individuals and as collectives. Fictions are preparations
for life and its surprises.
2. Stories - whether overtly fictional, mythological, or representing real events -
can be richly instructive sources of factual putatively factual) information. The
didactic purpose of storytelling is diminished in literate cultures, but by providing
vivid and memorable way of communicating information, likely had actual
survival benefits in the Pleistocene.
3. Stories encourage us to explore the points of view, beliefs, and values of other
human minds, inculcating potentially adaptive interpersonal and social capacities.
They extend mind-reading capabilities that begin in infancy and come full flower
in adult sociality. Stories provide regulation for behavior."
Mas o mais interessante, acaba sendo a forma como Dutton, seguindo Pinker, vai
juntar à Seleção Natural de Darwin, uma das teorias mais contestadas de Darwin,
a Seleção Sexual enunciada num dos seus últimos livros, “The Descent of Man,
and Selection in Relation to Sex” (1871). Darwin acreditava que a mente não
passava de um ornamento sexual, no sentido em que ela vai sendo selecionada num
processo evolutivo, através das suas capacidades para exercer charme, fascínio e
sedução. Pinker também realiza este trabalho sobre a evolução do instinto da
linguagem, percebendo a sua evolução como fruto de um processo de seleção
sexual, em que o mais hábil e capaz no exercício da linguagem acaba sendo
preferido para acasalar. Mas é Dutton quem acaba a dar uma espécie de remate
final para a sustentação desta teorização, quando centra sobre este ponto as razões
pelas quais a beleza remete constantemente para o opulento e para o desperdício,
“• Works of art will frequently be made of rare or expensive materials: silver and
gold, clear jade, marble that is difficult to transport, jewels, fine hardwoods,
unusual pigments, and rare dyes, such as the Tyrian purple of classical antiquity.

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• Works of art should be very time-consuming to create. In that sense, they may
demonstrate that the maker has leisure — conspicuous leisure — in a way that
indirectly indicates that possesses wealth or status.
• Even if a work of art is quickly executed, the skills to make it should have been
time-consuming or difficult to acquire. (skills are often manual, showing fine
motor control or dexterity: “He’d painted every hair” or “She never missed a
note.”)
• The created work of art may be more impressive if it is remote from any possible
use. Expensive and useful can be very pleasant, but expensive and useless might
well be much better.”
• A sense of waste, and therefore handicap, can be emphasized channeling
resources into work that is this fleeting: the perfect centerpiece for an expensive
dinner party may be a poignantly lovely ice sculpture. Marble is fine, but ice can
be even better from the standpoint of signal theory.
• In addition to time, works of art will have required special intellectual or creative
effort to create. The sheer brains and energy needed to produce Picasso’s or
Wagner’s oeuvre is bound, the Pyramids, to impress us. “
Dutton não fecha esta abordagem sem antes aprofundar mais o tema e ir ainda mais
longe na base de todo o processo para o qual contribui a seleção sexual, defendendo
que no processo da arte, não está apenas em causa um contributo para o
acasalamento e reprodução, mas acima de tudo um processo de comunhão, e de
seleção do mais capaz, não apenas fisicamente mas também mentalmente.
“We find beautiful artifacts - carvings, poems, stories, arias - captivating because
at a profound level we sense that they take us into the minds that made them. This
sense of communion, even of intimacy, with other personalities may be erroneous
- even systematically delusional - but the self-domestication of sexual selection
was not about truth; it was about living the richer sociality that would carry on
the human species and allow it to flourish. That too defines success, for the survival
not just of the physically strongest but of the cleverest, wittiest, and wisest. If along
the way this amazing process has given us Lascaux, Homer, Cervantes, Chopin,
Stravinsky, and The Simpsons, as well as minds to appreciate and take pleasure in
them, then so much the better."
Quase no final do livro Dutton volta ao tema, que é para mim muito caro, o da
comunhão e comunicação, afirmando algo com o qual não poderia estar mais de
acordo,

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“Extending Darwin’s original suggestion, I believe that this intense interest in art
as emotional expression derives from wanting to see through art into another
human personality: it springs from a desire for knowledge of another person.”
A Arte é assim fruto de um processo evolutivo, que se originou lá atrás no processo
de desenvolvimento da nossa espécie. A arte, tal como todas as outras tecnologias
que fomos desenvolvendo, serve assim de elemento essencial na sobrevivência da
espécie. A arte não é dispensável, a arte não é uma perda de tempo, a arte é um
bem da humanidade, capaz de nos elevar mentalmente e levar aonde nenhum outro
processo mental consegue. Aliás, não é por acaso, este mais recente interesse das
academias de ciências pela arte. A necessidade de juntar a arte à tecnologia, revela
que é na arte que reside a nossa capacidade para nos transcendermos
intelectualmente.
“We remain like our ancestors in admiring high skill and virtuosity. We find
stylish personal expression arresting, well as the sheer wonder of seeing the
creation of something new. Art’s imaginary worlds are still vivid in the theater
of the mind, saturated with most affecting emotions, the focus of rapt attention,
offering intellectual challenges that give pleasure in being mastered. And over
all this, we still share with our ancestors a feeling of recognition and communion
with other human beings through the medium of art.”

Notas finais:
O livro apresenta ainda mais alguns pontos interessantes, mas que me parecem de
algum modo colaterais ao centro da discussão. Apesar disso julgo que podem
interessar a quem estuda cada um dos temas.

 Autenticidade, e o falso na obra de arte. Este assunto é tratado em


profundidade, porque pelo que percebi foi um dos assuntos em que Dutton
investiu bastante do ponto de vista académico.
 Análise do sentido do Olfato. Um assunto muito interessante,
nomeadamente para quem se move no campo do multimédia. Sinto que
Dutton tem alguma razão na maior parte da sua argumentação sobre as
impossibilidades estéticas dos aromas e cheiro. Nomeadamente quando
compara este sentido aos demais, destacando a dificuldade em discernir
escalas de valor, e em separar experiências.

Mais informação sobre o livro na página www.theartinstinct.com.

Entretanto o livro foi traduzido e lançado em Portugal pela Temas e Debates, sob
o título "Arte e Instinto".

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