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Resumo:. A partir da análise ergonômica do trabalho realizada em uma Escola de Musica, objetivamos discutir a noção de
penosidade, introduzindo o conceito de Ruído Penoso, considerando-se em sua caracterização outros elementos além da
intensidade – única a ser considerada na avaliação do ruído insalubre - tais como a altura, a freqüência, a duração, o timbre, a
repetitividade, a confluência de sons e a percepção musical.
Abstract: From the ergonomic analysis performed in a School of Music, we aim to discuss the notion of painfulness,
introducing the concept of Painful Loudness, considering the characterization of the elements other than intensity -one to be
considered in the assessment of insalubrious loudness - such as height, frequency, duration, timbre, the repetitiveness, the
confluence of sounds and musical perception.
2.3. Caracterização do espaço da EM de acordo com a de mesas durante o horário de almoço devido a
propagação dos sons concentração de pessoas que frequentam a cantina. No
segundo andar há as salas administrativas dos funcionários
As características acústico-térmicas do espaço da EM- e a diretoria e, no terceiro andar, a biblioteca. Durante os
UFMG favorecem a dispersão sonora ao longo de suas intervalos entre as aulas teóricas nas salas coletivas, os
dependências devido aos seguintes fatores: presença de alunos aproveitam o espaço para a realização de estudos
tratamento acústico de absorção que não atenua individuais e em grupo. Por isso, os ruídos produzidos
determinadas freqüências sonoras, principalmente as nestas salas de aula coletivas e no anfiteatro propagam
agudas, e ventilação insuficiente, o que obriga os alunos a ascendentemente em direção aos gabinetes dos
abrir as janelas das salas, consequentemente, os sons não funcionários e a biblioteca (que não possui tratamento
encontram barreiras para se propagar para outros locais. acústico adequado) gerando situações de incômodo.
Do ponto de vista da organização das atividades na escola, - Complexo do auditório: Neste complexo, estão
não há salas de estudo suficientes para o número crescente localizados o auditório, a coxia (local onde os músicos se
de alunos, gerando uma ocupação irregular do espaço. concentram antes da realização de apresentações no
Muitos alunos estudam em áreas externas como auditório), duas salas de percussão e uma sala de ensaios,
corredores, anfiteatro e salas de aula coletivas. Estes sons única sala localizada no terceiro andar. A grande questão é
afetam diretamente os gabinetes dos funcionários, que as salas de percussão e o auditório possuem um pé
localizados próximo ao anfiteatro e salas de aula. Além de direito que abrange o primeiro e segundo andar, portanto,
gerar incômodo aos alunos, pois sons advindos de salas os ruídos produzidos nestas salas se propagam pelo
adjacentes interferem nos estudos individuais ou coletivos. primeiro e segundo andar. Além disso, devido à falta de
espaço para estudo dos alunos, a coxia tornou-se um local
Formalmente, o prédio da EM é divido em térreo (cantina, de estudo e um depósito de instrumentos musicais, o que
anfiteatro, salas coletivas), 1º piso, 2º piso e 3º piso (no colabora para aumentar ainda mais a produção de ruídos
qual existe apenas uma sala de ensaios com tratamento advindos deste complexo.
acústico); esta divisão tem um caráter horizontal.
Entretanto, sua configuração arquitetônica favorece uma - Complexo dos gabinetes: Neste local estão presentes as
propagação ascendente dos sons devido à existência de salas de estudo individuais e os gabinetes dos professores.
vãos centrais. Ou seja, sons provenientes de pisos Os gabinetes são utilizados pelos professores para a
inferiores se dispersam ascendentemente pelos vãos realização de aulas individuais. Tanto as salas de estudo
centrais. Portanto torna-se pertinente analisar o espaço da individuais e os gabinetes, não possuem tratamento
Escola de Música numa perspectiva vertical, denominada acústico-térmico adequado e os sons se propagam pelas
aqui de complexos. A seguir, serão descritas as salas adjacentes e pelo vão central da escola, gerando
dependências que constituem estes complexos e as interferências nas atividades de ensino-aprendizagem.
respectivas situações de incômodo:
Sabe-se que a noção de penosidade está presente na atual penosas ocorre de maneira diferenciada entre os indivíduos
na Constituição Federal Brasileira (art. 7º, inciso XXIII), e esta vinculado as atividades que estas pessoas
in verbis: desempenham naquele local. A EM analisada é um local
pertinente para caracterizar a penosidade, pois trata-se de
Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, um ambiente que favorece a dispersão sonora. Estes ruídos
além de outros que visem à melhoria de sua condição ou sons musicais se tornam penosos de maneira
social: (...) diferenciada para funcionários, alunos e professores.
XXIII – adicional de remuneração para as atividades Portanto, torna-se imprescindível a análise das
penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei. singularidades relacionadas ao contexto.
No entanto, a penosidade ainda não dispõe de critérios A escolha da Análise Ergonômica do Trabalho como
para a sua instrumentalização corretiva e preventiva. A metodologia tem como justificativa o objetivo de estudar
partir de revisão bibliográfica realizada sobre a noção de os atores envolvidos na pesquisa em situação real de
Penosidade (PAIM, 1988; MARQUES, 2005; SÁ, 2002; trabalho e todos os condicionantes que envolvem a
SANTOS, 1994; SATO, 1984) foi verificado que os realização de suas atividades. A construção metodológica
autores utilizam termos genéricos na sua conceituação, da AET permite o direcionamento para uma análise
como: estresse, desgaste, situações anti-ergonômicas, abrangente das singularidades das situações.
trabalho árduo, difícil, trabalhoso, incômodo, doloroso,
rude. Como ponto de partida, elegemos definição proposta
por SATO (1984): 4. MATERIAIS E MÉTODOS
“(...) a penosidade diz respeito aos contextos de trabalho Os procedimentos para a condução da pesquisa foram
que demandam esforços e provocam sofrimento e baseados na Análise Ergonômica do Trabalho (GUÉRIN
incômodos demasiados, e ainda sobre os quais os et.al., 2001, WISNER, 1994). Parte-se do pressuposto que
trabalhadores não têm controle.” a compreensão da penosidade de uma situação de trabalho
exige o ponto de vista da atividade de trabalho.
Através do método ergonômico, buscou-se caracterizar o
sofrimento e incômodo gerados pela exposição a sons Após uma análise do funcionamento da Escola, o foco das
durante a realização das atividades de funcionários, alunos observações foi direcionado às atividades dos funcionários
e professores causado pelo ruído advindo das atividades de das Seções de Pessoal e Ensino, este responsável pela
ensino-aprendizagem da EM-UFMG – aqui denominado alocação das aulas no tempo e no espaço. Entrevistas com
Ruído Penoso. Através da análise da atividade destes estes funcionárias permitiram conhecer os períodos
indivíduos, é possível identificar os fatores que geram o críticos quanto à concentração de atividades de ensino e
incômodo, uma variável que não é facilmente delimitada produção de ruído.
pelos métodos quantitativos tradicionais.
Também foram realizadas entrevistas com os professores e
3.2. Sobre a pertinência da análise do trabalho e do alunos que compõem a Big Band e a Orquestra Sinfônica
método ergonômico para a caracterização da da UFMG com o objetivo de caracterizar os contextos de
penosidade ensino-aprendizagem, estes grupos musicais foram
escolhidos pelo fato de serem os maiores da escola. Além
A análise da penosidade está ligada ao contexto no qual de observações dos ensaios destes grupos e com registros
ela se configura. O incômodo decorrente das situações em foto e vídeo para análise posterior do pesquisadores e
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para realização de autoconfrontação (foram feitas Na escola de música, foi relatado por alunos e professores
perguntas acerca dos vídeos e das fotos) com os alunos e que instrumentos de sopro e percussão produzem sons
professores. mais intensos. Uma Big Band é composta
predominantemente por instrumentos de sopro e bateria,
Este estudo contou com uma amostra total de 58 além de possuir em seu repertório músicas, na maioria das
indivíduos na seguinte proporção: 8 funcionários, 10 vezes, mais intensas como jazz e música popular
professores e 40 alunos, sendo 20 alunos da Orquestra brasileira.
Sinfônica da UFMG e 20 alunos da Big Band da UFMG.
Alunos da Big Band relatam que instrumentos mais
intensos como trompete e bateria sobrepunham os sons de
5. RESULTADOS instrumentos de menor intensidade como a flauta, fator
que interfere na captação de referências sonoras destes
instrumentos durante a execução musical. Como na
5.1. Fatores que potencialmente constituem o ruído verbalização:
penoso
“Bateria, baixo e trompete incomodam mais, massa
Para abordar os fatores que geram incômodo e penosidade, sonora forte, eles são referência também, mas atrapalham
foi observado que é necessário considerar os elementos do ouvir os outros. Acaba perdendo o som da flauta, do
som, os instrumentos musicais que são tocados nas próprio saxofone e guitarra.”
dependências da escola, as características do processo de Aluno da Big Band
ensino-aprendizagem musical, a propagação destes sons no
espaço e tolerância interindividual aos sons. Diante deste Em relação aos funcionários, o incômodo gerado pela
panorama, foram identificados doze fatores que intensidade sonora refere-se à capacidade dos sons mais
contribuem para a geração de penosidade. intensos se dispersarem (pois estes sons possuem maior
energia) ao longo do espaço físico da escola a ponto de
chegar aos seus locais de trabalho.
5.1.1. Fatores relacionados às características dos
instrumentos musicais e seus sons
5.1.1.2. Timbre, altura e freqüência
O fato de instrumentos serem mais agudos ou intensos que
outros faz parte de sua identidade sonora, assim como seu O timbre está associado à qualidade do som. Sons
inconfundível timbre, estas características influenciam na provenientes de instrumentos diferentes são perfeitamente
configuração do incômodo. Como explicitado a seguir. distintos e identificáveis, mesmo que exatamente a mesma
nota musical seja tocada. (WUESCHE, 2001). A altura
5.1.1.1. Intensidade diferencia sons graves e agudos e a freqüência descreve o
número de vibrações por unidade de tempo (Hertz). Um
A intensidade de uma onda sonora é a quantidade de som mais agudo apresenta freqüência e altura maiores e
energia sonora que chega aos ouvidos humanos sons graves, menores.
(WUESCHE, 2001), expressa em decibéis (dB), é
comumente associada ao volume do som. Sobre altura e freqüência, alguns funcionários, alunos e
professores relacionaram instrumentos agudos como
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violino, trompete e flautim (instrumento mais agudo da última estante, um flautim... uma coisa que vai direto no
família das flautas) ao incômodo. Como nas verbalizações: seu ouvido, incomoda bastante.”
Aluno de violino
“Isso você ouviu 5 segundos, um aluno estuda duas horas
disso aqui. Agora, grave não é um coisa que incomoda.” 5.1.2. Fatores relacionados aos sons decorrentes do
Professor da EM processo de ensino-aprendizagem
“Eu já pesquisei porque todo mundo reclama, o trompete O processo de ensino-aprendizagem musical envolve o
trabalha em regiões de freqüências muito altas e o nosso refinamento sonoro. Em busca da sonoridade ideal, o
ouvido capta com mais facilidade os agudos.” estudante pode repetir diversas vezes o mesmo trecho
Aluno de trompete musical. Esta temática será abordada nesta seção.
A respeito dos funcionários, estes sabem identificar 5.1.2.1. Duração, andamento e cadência
exatamente pelo timbre os instrumentos que geram maior
incômodo, como o violino, classificado pela maioria como Duração é o tempo gasto da percepção do som à percepção
“irritante”, segue seu depoimento: do silêncio (pausa), é medida musicalmente através de
pulsos ou batidas. O andamento é a velocidade da pulsação
“O piano e o violão não incomodam muito, mas o em batimento por minuto (bpm) que determina a
violino...” velocidade da música.
Funcionário EM
Um funcionário relatou que, certa vez, um grupo cde
5.1.1.3. Direcionalidade sonora dos instrumentos percussão que tocava na escola no horário do almoço
musicais simplesmente condicionou seus movimentos corporais de
acordo com a música tocada, de acordo com a
Todos os instrumentos possuem padrões de diretividade verbalização:
dos sons, o trompete, por exemplo, possui uma campana
direcionada para frente e a tampa do piano, se aberta, “Eu mexia os talheres junto com o ritmo da música”
direciona o som para o lado direito. Funcionário da EM
Os funcionários não se queixaram a respeito deste aspecto. Do ponto de vista do incômodo relacionado aos alunos,
Já Na Big Band e Orquestra Sinfônica analisadas, muitos um aluno de saxofone comparou o trompete com o
se queixaram do trompete, cujos sons, além de intensos e trombone e disse que o saxofone, em um mesmo intervalo
agudos, projetam diretamente nos ouvidos dos músicos de tempo, geralmente toca um número maior de notas
localizados à sua frente. Como nas verbalizações: (menor duração das notas) em relação ao trombone e que
este fator gera incômodo:
“A grosso modo podemos dizer que incomoda mais pela
forma dele, acaba que a gente afeta diretamente quem está “O sax incomoda mais porque tem muita nota, aí o
na frente, é um instrumento mais direcional.” pessoal não consegue concentrar.”
Aluno de trompete Aluno de saxofone
“Os metais e percussão incomodam dependendo da
localização onde você está, o segundo violino mais para a A cadência está relacionada à sensação de término
(cadência perfeita) ou continuidade (cadência imperfeita)
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de um trecho musical. Um funcionário relata seu dependências da EM. Este aspecto será discutido neste
incômodo por não conseguir escutar uma música inteira na momento.
EM, pois muitas vezes, os alunos estudam repetidamente
apenas determinado trecho de uma obra musical: 5.1.3.1. Confluência sonora
“Fora do auditório a gente nunca escuta uma música Ocorre quando dois ou mais trechos musicais estão
inteira...” presentes ao mesmo tempo e estes sons não apresentam
Funcionária da EM- UFMG relações entre si. Na EM este problema ocorre entre salas
de estudos ou salas de aula adjacentes ou quando esta
5.1.2.2. Repetitividade sonora mistura de sons atinge as salas dos funcionários. Como na
verbalização:
A repetitividade provém tipicamente das atividades de
estudo e ensaios nos quais ao alunos têm que repetir as “Quando mistura piano, trombone e clarinete fica inviável
passagens com maior nível de dificuldade para aperfeiçoá- dar aula.”
las. Um funcionário expressa sua irritabilidade com este Professor de Viola de Orquestra
fato ao exaltar-se com um violinista que tocava em uma
região alta na área externa do prédio, e que repetia sempre “Se você ta tocando uma frase numa sala, tem um
o mesmo trecho de uma obra de Bach, a qual julgou muito trompetista do lado tocando a mesma coisa e tem um
triste.: outro ... sabe, assim, isso cansa muito.
Estudante de trompete
“Pula logo!”
Funcionário da EM “A mistura é tanta que fica um bloco só.”
Funcionário da EM
Dois professores relataram a questão da repetitividade
como decorrente do processo de ensino-aprendizagem, 5.1.3.2. Reverberação sonora e condicionamento
mas o incômodo se configura de fato quando o aluno toca acústico
repetidas vezes o mesmo trecho musical de maneira
incorreta. Ao ser emitida, parte da energia de uma onda sonora é
absorvida por uma barreira que pode ser uma parede ou
“Certa vez, um aluno começou a tocar errado o trecho de qualquer objeto e parte é refletida, dependendo do
uma música várias vezes. Ficava pensando: agora ele vai coeficiente de absorção da barreira. O condicionamento
acertar, e ele errava de novo... Isso começou a me acústico está relacionado a acústica de ambientes, é o
incomodar tanto que tive que sair da minha sala para processo pelo qual se busca garantir um recinto com tempo
corrigi-lo, sendo que não sou o professor dele.” ótimo de reverberação.
Professor da EM
Foi detectado que, durante os ensaios da Big Band, alunos
5.1.3. Fatores relacionados a fonte sonora e ao espaço e professor se queixaram do fato de o som “sobrar” ou
“misturar muito” no auditório na escola. Esta questão
O som se propaga em um ambiente e, dependendo das deve-se a formação de uma massa sonora reverberante de
estruturas que compõem este espaço, podem sons que não são adequadamente absorvidos pelas
predominantemente absorver ou refletir as ondas sonoras. estruturas do local. No caso da Orquestra Sinfônica, os
Se o som não encontrar barreiras, se dispersará para outras entrevistados consideraram a reverberação do auditório
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adequada, sem prejuízos a execução musical, como nas incomodarem quando um aluno está tocando determinado
falas: trecho incorretamente ou desafinado.
“Não tem tratamento acústico adequado, não absorve o 5.1.4.2. Fatores interindividuais
som.”
Aluno da Big Band Para determinadas pessoas mais sensíveis aos sons, ruídos
são insuportáveis, para os menos sensíveis, os ruídos são
“É bom ter reverberação, não atrapalha.” uma trilha sonora ao fundo. Como nas verbalizações:
Aluno da Orquestra Sinfônica
“Tem gente que veio da iniciativa privada ou moram
5.1.4. Fatores relacionados ao sujeito numa avenida que tem barulho que falam assim: Gente,
mas aqui vocês têm um barulho que é uma música, então
A tolerância ou a compreensão de sons está ligada ao tem gente que gosta disso e tem gente que não e reclama
histórico de cada indivíduo, o incômodo não é unânime. disso.”
Estas diferenças serão contempladas a seguir. Professor EM-UFMG
5.1.4.1. Percepção musical “Eu até gosto, gosto do barulho, não considero ruído não,
eu gosto dessa atmosfera, eu gosto de estudar nesse
Relaciona-se ao conhecimento musical prévio e ao ambiente meio caótico, eu acho isso legal. Eu acho que
desenvolvimento da inteligência auditiva, que interferem isso te dá uma certa independência, faz você concentrar
na percepção dos sons. Geralmente, músicos possuem uma mais no estudo. Não acho ruim não. Eu falo muito para os
percepção musical apurada. meus alunos, quando está tocando alguma coisa durante a
aula, eu peço para eles ouvirem o que esta acontecendo lá
Os funcionários entrevistados relataram ter realizado fora e associarem o que está fora com o que está dentro.”
cursos de música com o intuito de compreender a realidade Professor da EM-UFMG
dos alunos e professores. No entanto, com o
desenvolvimento da inteligência auditiva, a percepção dos “Tento me concentrar no que eu estou tocando, mas é uma
sons tornou-se mais apurada e o incômodo foi ilusão dizer que não interfere, isto é mentir para si
potencializado, como nos depoimentos de dois próprio. Pelo fato de você tentar criar um estado de
funcionários: espírito para tocar e chega a interferir nisto.”
Aluno da Orquestra Sinfônica
“É uma prática dos funcionários fazer cursos na
faculdade na tentativa de entender melhor o próprio 6. DISCUSSÃO
contexto do trabalho, como Teoria Musical, Apreciação
Musical e Coral.” 6.1 – Sobre a caracterização do ruído penoso
“Depois que fizemos estas aulas de percepção musical, Ao evidenciar as situações de incômodo e sofrimento
parece que o ruído começou a incomodar mais.” vivenciadas por funcionários, professores e alunos desta
Escola, associando-as aos diversos fatores ligados aos
No caso dos professores, estes possuem um vasto instrumentos, ao meio, aos sujeitos e ao processo de
conhecimento prévio e são capazes de analisar ensino-aprendizagem, torna-se possível caracterizar a
detalhadamente trechos musicais a ponto de se
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penosidade relacionada à produção dos sons neste propagados, aumentando o nível de incômodo. Do mesmo
contexto, considerando-se: modo, um trecho musical tocado repetidas vezes é
percebido diferentemente por um funcionário que busca
concentrar-se à frente de um computador; por um
6.1.1 - As configurações sonoras e a multiplicidade dos professor que, conhecendo a partitura, é capaz de
componentes dos sons produzidos nas atividades de identificar os erros que originam a repetição; e pelo aluno
ensino-aprendizagem e sua propagação na EM que repete inúmeras vezes um trecho musical no esforço
de tornar-se competente no domínio daquela partitura.
Embora cada componente sonoro possa ser identificado
como um potencial fator de incômodo, as situações reais As características individuais certamente modificam os
de trabalho encontradas revelam múltiplas combinações sentidos atribuídos aos sons percebidos, porém, interessa-
dos diversos fatores de incômodo. As diversas sinergias nos aqui evidenciarmos especialmente a diversidade das
sonoras aí geradas dependem das características das relações entre os diversos sujeitos e as diversas tarefas a
atividades musicais desenvolvidas e das características do serem cumpridas em um mesmo meio sonoro, enquanto
espaço onde os sons se produzem e se propagam. fundamento para a modelagem do trabalho penoso neste
contexto.
Portanto, as situações de incômodo e sofrimento
encontradas referem-se a uma diversidade de 6.1.3 - Os campos de possibilidades de regulação do
configurações sonoras, onde as altas intensidades e meio sonoro pelos sujeitos frente às características e
freqüências de um trompete ou violino, a confluência dos exigências das tarefas:
sons propagados de um ensaio da Big Band e a
repetitividade dos trechos musicais de um estudo de Para os funcionários da EM-UFMG cujas jornadas de
piano podem associar-se no tempo e no espaço ou trabalho chegam a oito horas diárias, a convivência com os
atuarem isoladamente como ingredientes de um trabalho ruídos é inevitável. As atividades técnico-administrativas
penoso. envolvem a comunicação entre os funcionários e com as
pessoas que chegam até suas salas para a resolução de
Tal diversidade impacta as possibilidades de mensuração problemas, seja pessoalmente ou por telefone.
de tais fatores de incômodo, exigindo, para sua
caracterização uma modelagem qualitativa. Portanto, o uso de protetores auriculares ou o fechamento
das portas das salas, por exemplo, não são recomendáveis.
Por isso, as margens de regulação são restritas, o que
6.1.2 - Os modos de percepção dos sons propagados e a caracteriza a penosidade. Um dos funcionários relata o uso
potencialidade do incômodo e sofrimento gerados: freqüente de analgésicos para combater os sintomas de dor
de cabeça.
Tratando-se da audição humana, os sons não são
percebidos apenas como estímulos externos brutos, pois Foi observado que os funcionários constantemente saem
carreiam sentidos. E tais sentidos modificam a de suas salas para ir a outros setores da escola, no entanto,
potencialidade do incômodo e do sofrimento causado por enquanto estão ausentes, pedem para um colega que divide
um mesmo conteúdo sonoro. a mesma sala para anotar recados se caso o telefone tocar
e, se alguém quiser falar pessoalmente, pedem para dizer
Vimos que o desenvolvimento da percepção musical que voltarão em breve.
modifica a relação cotidiana dos funcionários com os sons
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Quando indagados, dizem que esta prática faz parte das Um dos alunos da Big Band relata situações cansativas
suas tarefas, que envolve a transferência de informações durante ensaios, em que os alunos, ao invés de parar de
entre os setores, mas que, também, é uma forma de tocar para ouvir as recomendações do professor e
espairecimento da mente. Entretanto um dos funcionários aproveitar o momento para descanso auditivo e físico, que
relatou que não se trata de uma estratégia eficaz, pois seria uma estratégia de regulação durante os ensaios,
cantoras estudam técnicas vocais até mesmo no banheiro. continuam a ensaiar trechos em momentos inoportunos.