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TEXTO
Definição:
A definição de texto é bastante complexa. Até mesmo aqueles que lidam constantemente com esse
objeto têm dificuldades em elaborar uma boa definição. Grosso modo, podemos dizer que um texto
consiste em qualquer manifestação da capacidade textual de um ser humano, como romances,
poemas, crônicas, notícias, manuais; englobando aí, também, músicas, esculturas, pinturas, filmes;
pois estes últimos são entendidos como manifestações comunicativas realizadas através de signos
linguísticos.
Outra definição:
Um texto é uma unidade linguística e semântica compreendida por um leitor em dada
situação.
Vamos entender cada um dos termos utilizados nesse conceito? Em primeiro lugar, por ser uma
unidade, o texto apresenta-se como um todo que pode ou não ser dividido em partes (introdução,
desenvolvimento, conclusão; parágrafos, estrofes, versos, períodos). Isso já confirma, de certa
maneira, a necessidade de lembrarmos, sempre, que qualquer fala depende de um todo no qual está
inserida, certo? Além disso, por ser uma unidade linguística e semântica, trabalha com a linguagem
e o sentido, ou seja, toda e qualquer unidade, para ser texto, precisa produzir sentido, precisa ter
conteúdo. Por fim, um texto pode ser entendido como tal se o leitor levar em consideração o contexto,
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é, depende da ideia central desenvolvida pelo escritor, dos leitores e do suporte, ou seja, o local em
que o texto é publicado (FIGUEIREDO, 1999).
De acordo com Köche, Boff e Pavani (2009), o parágrafo deve apresentar as seguintes
características:
a) unidade: ideia central, em torno da qual girarão as secundárias;
b) coerência: ideias ordenadas de maneira lógica;
c) concisão: desdobramentos da ideia central apresentadas sem redundância;
d) clareza: palavras escolhidas adequadas ao contexto.
Não é o número de linhas que determina a abertura de um novo parágrafo, mas o encerramento
de um grupo de informações e o início de outro grupo, relacionado com o primeiro. Além disso, o
parágrafo possui aspecto visual, visto que a suspensão de certa sequência de linhas já cria um
significado, e a divisão do texto em parágrafos alivia a vista do leitor (FARACO; TEZZA, 2009).
Ao compararmos as formas a seguir, percebemos que o exemplo “a” é pouco convidativo à leitura,
ao passo que o “b” apresenta uma divisão mais agradável, contribuindo para uma boa leitura.
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a) b)
XXXXXXXXXXXXXXXXXX
XXXXXXXXXXXXXXXXXX XXXXXXXXXXXXXXXXXX
XXXXXXXXXXXXXXXXXX XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX
XXXXXXXXXXXXXXXXXX XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX
XXXXXXXXXXXXXXXXXX XXXXXXXXXXXX.
XXXXXXXXXXXXXXXXXX XXXXXXXXXXXXXXXXXX
XXXXXXXXXXXXXXXXXX XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX
XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX
XXXXXXXXXXXXXXXXXX
XXXXXXXXXXXX.
XXXXXXXXXXXXXXXXXX
XXXXXXXXXXXXXXXXXX
XXXXXXXXXXXXXXXXXX XXXXXXXXXXXXXXXXXXX.
A ideia central do parágrafo é enunciada por meio do tópico frasal1, o qual orienta o restante do
parágrafo, servindo como um guia para o autor e dirigindo a atenção do leitor para o tema central. O
tópico frasal normalmente situa-se no início do parágrafo, entretanto também pode se apresentar no
final ou no meio (FIGUEIREDO, 1999).
3. A coesão no parágrafo
As ideias secundárias podem ser conectadas entre si e com a ideia central e a conclusão por meio
de conectivos, os quais ajudam a estabelecer a coesão do parágrafo.
4. Estrutura do parágrafo
Há diferentes formas de se estruturar um parágrafo, entretanto Garcia (2010) propõe uma estrutura
que pode ser explicada por meio do texto abaixo, apresentado por Köche, Boff e Pavani (2009, p. 50).
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Tópico frasal: também chamado de frase-síntese ou período tópico.
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É a enumeração explícita dos aspectos que serão tratados. É fácil e deixa o texto mais organizado.
Além disso, facilita o uso de elementos de coesão: em relação ao primeiro item, já quanto ao
segundo...
Ex.:
O problema das chuvas tem recebido bastante destaque na mídia, em grandes debates sobre quem
seria o responsável. Há dois fatores principais nesse contexto: a omissão do governo e a ação dos
cidadãos.
Parágrafo 1: A omissão do governo pode ser observada em casos como...
Parágrafo 2: Já a ação dos cidadãos também influencia nesse resultado porque...
Ex.:
No Brasil, a tradição política no tocante à representação gira em torno de três ideias fundamentais.
A primeira é a do mandato livre e independente, isto é, os representantes, ao serem eleitos, não têm
nenhuma obrigação, necessariamente, para com as reivindicações e os interesses de seus eleitores. O
representante deve exercer seu papel com base no exercício autônomo de sua atividade, na medida
em que é ele quem tem a capacidade de discernimento para deliberar sobre os verdadeiros interesses
dos seus constituintes. A segunda ideia é a de que os representantes devem exprimir interesses gerais,
e não interesses locais ou regionais. Os interesses nacionais seriam os únicos e legítimos a serem
representados. A terceira ideia refere-se ao princípio de que o sistema democrático representativo
deve basear-se no governo da maioria. Praticamente todas as leis eleitorais que vigoraram no Brasil
buscaram a formação de maiorias compactas que pudessem governar.
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d) Interrogação:
É o uso de uma pergunta para captar a curiosidade do leitor ou para sinalizar o tema. Essa pergunta
pode ser respondida na conclusão ou no desenvolvimento, com os argumentos. Pode também ser só
uma tônica para o assunto.
Exemplo:
“Tudo é discurso", adverte Ferdinad de Saussure, e temos que reconhecê-lo. Tanto a imagem mais
enganosa do sabonete que transforma você numa estrela de cinema até a notícia mais direta e evidente
do último atentado terrorista no Oriente Médio, tudo é discurso. Mas o que diferencia, então uma
imagem falaciosa e outra de presença real? Os processos de significação se utilizam de expedientes
de recriação e falseamento do mundo dos fatos concretos?”.
Exemplo:
“Será que é com novos impostos que a saúde melhorará no Brasil? Os contribuintes já estão
cansados de tirar dinheiro do bolso para tapar um buraco que parece não ter fim. (…)”.
e) Alusão histórica/literária:
É uma técnica de intertextualidade. A alusão serve para ressaltar semelhanças ou diferenças entre
fenômenos atuais e passados, servindo como argumento para corroborar uma mudança ou uma
estagnação.
Ex.:
“A representação da realidade por meio de imagens constituiu um elemento básico no estudo da
história da humanidade. Usadas pelo homem como forma de expressão desde a Pré-história, com as
pinturas nas cavernas, as imagens servem até hoje como fonte de pesquisa para que os historiadores
reúnam mais informações a respeito da realidade de cada período vivido pelo ser humano. Entretanto,
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no decorrer dos séculos, a representação de fatos por meio de imagens também foi utilizada como
forma de distorcer situações reais, fazendo com que essas situações fossem sufocadas por uma
atmosfera de heroísmo que nem sempre condiz com a realidade”.
Ex.:
Na tarde do Yom Kipur de 1973, sábado, 6 de outubro, Egito e Síria atacam Israel. Surpreendido
e tendo de lutar em duas frentes, num primeiro momento o país enfrenta dificuldades, mas menos de
três semanas depois, em uma das mais impressionantes reviravoltas da história militar, seus exércitos
estavam a caminho do Cairo e Damasco. Todo esse tempo depois, ainda há resquícios desse conflito
no dia a dia do povo palestino...
Ex:
Na mitologia grega, Prometeu é o titã que rouba o fogo dos deuses e é por eles condenado a um
suplício eterno. Preso a uma rocha, uma águia devora-lhe constantemente o fígado. Trata-se de uma
lenda altamente simbólica e aplicável à época atual.
f) Citação:
É a reprodução literal ou indireta da fala de alguém cuja opinião seja relevante no contexto daquela
dissertação. Essa técnica também pode ser usada para introduzir logo na introdução um argumento
de autoridade.
Ex.:
Como afirma Foucault, a verdade jurídica é uma relação construída a partir de um paradigma de
poder social que manipula o instrumental legal, de um poder-saber que estrutura discursos de
dominação. Assim, não basta proteger o cidadão do poder com o simples contraditório processual e
a ampla defesa, abstratamente assegurados na Constituição. Deve haver um tratamento crítico e uma
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posição política sobre o discurso jurídico, com a possibilidade de revelar possíveis contradições e
complexidades das tábuas de valor que orientam o direito.
Ex.:
“O poeta é um fingidor e finge tão completamente que chega fingir que é dor, a dor que deveras
sente”. Ao escrever tais versos, o poeta Fernando Pessoa coloca a humanidade no papel dos poetas.
Estes, fingem os verdadeiros sentimentos para a construção de um poema, assim como os indivíduos
escondem a verdadeira essência para a construção de uma imagem. Esta, funciona como um verniz
social e é essencial, desde que haja um equilíbrio entre o verdadeiro e o representado.
g) Frases nominais:
É o uso de uma frase seguida de uma explicação. A frase será o elemento de curiosidade, a frase
seguinte será uma explicação.
Ex:
Calamidade pública. Assim se referiu o secretário estadual de saúde ao atual estado dos hospitais
do Rio de Janeiro...
Ex:
Ditador, louco e genocida. Após baixar a fumaça das explosões, essas palavras podem ser lidas
em muralhas rachadas da maior capital do mundo árabe...
h) Narração:
É trazer uma sequência de ações, ou um relato, que vai servir de insinuação do tema.
Ex.:
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No livro “A Revolução dos Bichos”, de George Orwell, o cavalo Sansão abdica da própria saúde
para trabalhar na construção de um moinho que beneficiaria a comunidade. No entanto, o peso da
idade e seu frágil pulmão debilitaram-no e ele foi entregue ao matadouro pelos líderes porcos. Tal
metáfora ilustra o descaso não só das autoridades, como também da sociedade em geral frente ao
sacrifício alheio em prol da coletividade. Portanto, o abandono do altruísmo na idade contemporânea
tem sua origem na inversão de valores trazida pelos ideais capitalistas.
i) Contraste:
Apresentação de elementos que formam uma oposição.
Ex.:
“De um lado, professores mal pagos, desestimulados, esquecidos pelo governo. De outro, gastos
excessivos com computadores, antenas parabólicas, aparelhos de videocassete. É este o paradoxo que
vive hoje a educação no Brasil.”
j) Tópico frasal implícito ou diluído no parágrafo:
A maioria dos parágrafos se estabelece no modelo dedutivo, partindo-se de uma declaração de
ordem geral (tese), seguindo-se para as especificações, os dados particulares; porém, pode-se também
fazer caminho diferente, partindo-se de casos específicos para se chegar a uma observação geral.
Nesse caso, temos o modelo indutivo em que a tese estará implícita ou diluída no parágrafo.
Ex.:
“O Grande São Paulo – isto é, a capital paulista e as cidades que a circundam – já anda em torno
da décima parte da população brasileira. Apesar da alta arrecadação do município e das obras
custosas, que se multiplicam a olhos vistos, apenas um terço da cidade tem esgotos. Metade da capital
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A vida agitada das grandes cidades aumenta os índices de doenças do coração. Vida agitada é
aquela em que o indivíduo não tem tempo para cuidar de si próprio, mercê dos compromissos
assumidos e do tempo exíguo para cumpri-los. Entre as doenças do coração, a mais comum é a que
ataca as artérias coronárias, assim chamadas porque envolvem o coração, como uma coroa, para
irrigá-lo em toda a sua topologia (ABREU, 1994, p. 58).
d) Desenvolvimento por causas e consequências:
Neste modelo, o aluno normalmente deverá apresentar um parágrafo para as causas e um para as
consequências, porém também é possível reunir causa e consequência num único parágrafo.
Ex.:
Em geral, as drogas não são recentes entre os humanos. Elas sempre existiram em inúmeras
culturas. Um aspecto relevante é que, hoje, tem-se a ênfase dada pela lei, diferenciando as drogas
lícitas (cigarro, álcool, medicamentos), que pagam impostos, das ilícitas (maconha, cocaína, crack,
ecstasy, entre outras). Do ponto de vista médico, porém, esta diferença não existe. Equivocadamente,
o Estado tem adotado instrumental e conceitos na interpretação das causas e consequências das
violências associadas às drogas – tanto lícitas quanto ilícitas. Tais violências têm uma relação com a
globalização do crime. A militarização e a adoção de políticas sociais imediatistas, movidas pela
comoção midiática, apenas mascaram a realidade.
e) Desenvolvimento por exemplificação:
Destacar alguns casos dentre um universo de fenômenos, para ratificar uma tese.
Ex.:
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Episódios como o das babás discriminadas em clubes sociais e o da criança negra que foi
destratada e quase expulsa de uma concessionária da BMW no Rio demonstram que o racismo, apesar
de resolvido legalmente, já que é crime, ainda constitui um problema no dia a dia das relações
interpessoais, onde às vezes se manifesta explicitamente.
Ex:
Os investimentos diretos realizados por brasileiros no exterior têm aumentado muito nos últimos
anos. Em 2011, somaram US$ 202,6 bilhões, com crescimento de 7,4% em relação ao ano anterior,
conforme pesquisa divulgada em abril de 2012 pelo Banco Central.
→ Os investimentos têm aumentado (tópico frasal). Por exemplo, em 2011 cresceram em 7,4%.
f) Desenvolvimento por dados estatísticos:
Os dados estatísticos por serem de natureza objetiva, dão credibilidade ao argumento e são
grandes recursos de convencimento.
Ex.:
Dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ajudam a traçar o perfil do eleitor brasileiro da última
eleição. A inclusão política dos brasileiros vem, a cada eleição, consolidando-se e os dados são
irrefutáveis quanto a isso. A cada cinco pessoas aptas a votar nas eleições de 2010, uma era analfabeta
ou nunca havia frequentado uma escola. São, ao todo, 27 milhões de eleitores nessa situação no
cadastro do TSE. Desses, oito milhões se declararam analfabetos e 19 milhões declararam saber ler e
escrever, sem, entretanto, nunca terem estado em uma sala de aula. No total, havia 135,8 milhões de
eleitores no país em 2010.
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→ Tópico frasal: A inclusão política dos brasileiros vem, a cada eleição. Em seguida as estatísticas
fornecidas fundamentam essa tese.
g) Desenvolvimento por citação (discurso de autoridade/testemunho de autoridade):
Testemunho de autoridade é utilizado para dar credibilidade a uma tese, traz a opinião respeitada
de um especialista que se alinha ou se opõe a ela. Serve como argumento e como contra-argumento.
Ex.:
Entusiasta do sistema, o supervisor do Posto Fiscal Virtual, em Porto Alegre define o processo
como seletivo, econômico e inteligente. “Esse é o futuro. No mundo, cada vez mais, a tecnologia
substitui a ação humana, que, por mais atuante que possa ser, tem limitações de tempo, esforço e
capacidade pessoal”, afirma o auditor-fiscal. O processamento eletrônico, destaca, veio para ficar, e
isso está ocorrendo em todo o mundo. “No Chile, temos a fatura eletrônica, que é muito bem-sucedida.
Aqui temos a Nota Fiscal Eletrônica, um sucesso crescente, que quase todos os Estados do país já
adotam. E um rumo sem volta. Este é o caminho”, garante.
→ Tópico frasal: o processamento eletrônico é vantajoso e veio para ficar. A opinião do supervisor
do posto fiscal, um auditor-fiscal, permeada por exemplos, reforça essa tese.
h) Desenvolvimento por alusão histórica:
Como visto na técnica de introdução, consiste em trazer um evento do passado e relacioná-lo ao
presente, geralmente para indicar mudança ou manutenção de tendências.
Ex.:
O movimento feminista começou a florescer no Brasil na virada do século 20. Diante da omissão
da Constituinte de 1891 acerca do voto feminino, a baiana Leolinda de Figueiredo Daltro deu entrada
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no requerimento de seu alistamento eleitoral. Não obteve sucesso, mas também não entregou os
pontos.
Menciona o evento histórico da omissão da constituinte acerca do voto feminino e indica mudança
nesse cenário. Atualmente as mulheres votam.
→ Ressalto que, assim como ocorrem nas fórmulas de introdução, os textos trazem diversos
argumentos desenvolvidos conjugando uma ou mais dessas técnicas, como veremos nesse exemplo
de prova:
Entre 1990 e 2010, mais de 96 milhões de pessoas foram afetadas por desastres no Brasil, como
demonstra o Atlas dos Desastres Naturais do Brasil. Destas, mais de 6 milhões tiveram de deixar suas
moradias, cerca de 480 mil sofreram algum agravo ou doença e quase 3,5 mil morreram
imediatamente após os mesmos. Desastres como o de Petrópolis, que resultaram em dezenas de
óbitos, não existem em um vácuo. Se por um lado exigem a presença de ameaças naturais, como
chuvas fortes, por outro não se realizam sem condições de vulnerabilidade, constituídas através dos
processos sociais relacionados à dinâmica do desenvolvimento econômico e da proteção social e
ambiental. Isto significa que os debates em torno do desastre devem ir além das cobranças que ano
após ano ficam restritas à Defesa Civil.
→ Nesse parágrafo argumentativo, o autor traz dados e depois monta uma divisão: por um lado...
por outro.
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O ato de ler, nesse ponto de vista, não é concebido meramente como capacidade individual, mas
compreendido como prática de linguagem que possibilita formas específicas de o sujeito estabelecer
relações sociais e construir sua identidade. Compreender a relação do sujeito com a palavra escrita
demanda a compreensão da relação que esse indivíduo estabelece com os outros e com a própria
linguagem.
De fato, a leitura é um processo em que o leitor realiza um trabalho ativo de construção do
significado do texto. Os nossos alunos precisam se atentar para o trabalho com a leitura em um sentido
de construir significados e não somente buscar significados. Por isso, é importante utilizar uma
metodologia de ensino mais eficiente e que esteja de acordo com as necessidades do aluno, em que é
preciso apoiar-se em diferentes estratégias, ligadas aos conhecimentos prévios do leitor: os
linguísticos, que correspondem ao vocabulário e regras da língua e seu uso; os textuais, que englobam
o conjunto de noções e conceitos sobre o texto; e os de mundo, que correspondem ao acervo pessoal
do leitor.
Assim, para se ter uma leitura satisfatória, na qual a compreensão do que se lê é alcançada, esses
diversos tipos de conhecimento precisam estar em interação. O caráter subjetivo que essa atividade
assume leva o teólogo e filósofo Leonardo Boff (1997, p. 9.) afirmar:
Ler significa reler e compreender, interpretar. Cada um lê com os olhos que tem. E interpreta
a partir de onde os pés pisam. Todo ponto de vista é a vista de um ponto. Para entender como
alguém lê, é necessário saber como são seus olhos e qual é sua visão de mundo. Isso faz da
leitura sempre uma releitura. A cabeça pensa a partir de onde os pés pisam. Para compreender
é essencial conhecer o lugar social de quem olha. Vale dizer: como alguém vive, com quem
convive, que experiência tem, em que trabalha, que desejos alimenta, como assume os dramas
da vida e da morte e que esperanças o animam. Isso faz da compreensão sempre uma
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interpretação. Sendo assim, fica evidente que cada leitor é coautor. Porque cada um lê e relê
com os olhos que tem. Porque compreende e interpreta a partir do mundo que habita.
A afirmação de Boff conceitua a partir de uma metáfora a noção de leitura como interação entre
mim e o(s) outro(s), uma atividade social. Podemos, pois, concluir que a leitura é um processo
dinâmico, social; resultado da interação da informação presente no texto e os conhecimentos prévios
do leitor. É nesta relação que a construção do sentido presente no texto sé dá.
A leitura, como prática social, exige um leitor crítico que seja capaz de mobilizar seus
conhecimentos prévios, quer linguísticos e textuais, quer de mundo, para preencher os vazios do texto,
construindo novos significados. Esse leitor parte do já sabido/conhecido, mas, superando esse limite,
incorpora, de forma reflexiva, novos significados a seu universo de conhecimento para melhor
entender a realidade em que vive.
A ideia que nos é passada nos bancos escolares é a de que o texto é completo, contém todas as
informações dentro de si. No entanto, de acordo com a perspectiva dialógica da linguagem em que
nos embasamos, o sentido do texto é incompleto. O sentido dele só se produz no ato da leitura, na
interação leitor-texto. Nas palavras de Brandão (1994),
A concepção de leitura como um processo de enunciação se inscreve num quadro teórico
mais amplo que considera como fundamental o caráter dialógico da linguagem e,
consequentemente, sua dimensão social e histórica. A leitura como atividade de linguagem é
uma prática social de alcance político. Ao promover a interação entre indivíduos, a feitura,
compreendida não só como leitura da palavra, mas também como leitura de mundo, deve ser
atividade constitutiva de sujeitos capazes de interligar o mundo e nele atuar como cidadãos.
(BRANDAO, 1994, p. 89.)
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Sendo assim, toda atividade interativa deve pressupor um possível interlocutor, para que haja esmero.
Quem escreve deve naturalmente escrever para alguém ou com alguma finalidade e não simplesmente
como atividade para correção.
Para Rocha e Ferro (2016), o ato de escrever implica ter o que dizer. Quem escreve, escreve
pensando no outro, que, por sua vez, se constitui enquanto leitor. A capacidade de saber, de poder, de
liberdade é essencial à realização do interlocutor enquanto pessoa e, consequentemente, como ser
social, que precisa do outro para interagir. É a leitura que serve como base para o êxito na escrita. Já
a escrita, no entendimento de Antunes (2005, p.45), é
A atividade da escrita é então uma atividade interativa de expressão, (ex: ‘para fora’), de
manifestação verbal das ideias, informações, intenções, crenças ou dos sentimentos que
queremos partilhar com alguém, para, de algum modo interagir com ele. Ter o que dizer é,
portanto, uma condição prévia para o êxito da atividade de escrever.
Na produção de um texto, as frases e as palavras não funcionam isoladamente, uma a uma, mas
estabelecem uma conexão de sentido. O texto é um jogo de perguntas e respostas entre os termos.
Aliado a isso, o uso da escrita serve justamente para estabelecer esse processo de comunicar de forma
coerente e coesa. Quem escreve, escreve para ser lido, e a palavra escrita serve como um elo/laço
entre quem fala e quem ouve; entre quem escreve e quem lê.
O texto serve como ponte entre os interlocutores do processo de comunicação, por isso, ao
escrevermos, é imprescindível levarmos em conta esse interlocutor, como sujeito do processo da
interação verbal, para que ele possa entender o que foi escrito. No que se refere à escrita enquanto o
processo de interação, é válido destacar o que afirma Bakhtin (1995, p.113):
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Na realidade toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que
procede de alguém como pelo fato de que se dirige para alguém. [...] A palavra é uma espécie
de ponte lançada entre mim e os outros. Se ela se apóia (sic) sobre mim numa extremidade,
na outra se apóia (sic) sobre o meu interlocutor.
Na escrita textual, é necessário considerar as normas que regem a produção de um bom texto e,
sobretudo, entender o que é um texto. Do ponto de vista de Koch (2014, p.30),
[...] para que uma manifestação linguística constitua um texto, é necessário que haja a
intenção do produtor de apresentá-la – e a dos parceiros de aceitá-la como tal -, em uma
situação de comunicação determinada. Pode, inclusive, acontecer que, em certas
circunstâncias, se afrouxe ou elimine deliberadamente a coesão e/ ou coerência semântica do
texto com o objetivo de produzir efeitos específicos. Aliás, nunca é demais lembrar que a
coerência não constitui uma propriedade ou qualidade do texto em si: um texto é coerente
para alguém, em dada situação de comunicação específica. [...]. Este alguém, para construir
a coerência, deverá levar em conta não só os elementos linguísticos que compõem o texto,
mas também seu conhecimento enciclopédico, conhecimentos e imagens mútuas, crenças,
convicções, atitudes, pressuposições, intenções explícitas ou veladas, situação comunicativa
imediata, contexto sociocultural e assim por diante.