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21/12/2017 O que ouvem os brasileiros - Ilustrada - Folha de S.

Paulo


ASSINE ÍNDICE

Música
muito
popular
brasileira
Quem merece o selo de
música popular
brasileira? Folha
analisa 134 bilhões de
execuções no YouTube
para descobrir o que os
brasileiros ouvem e
como, quando, onde e
por que

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21/12/2017 O que ouvem os brasileiros - Ilustrada - Folha de S.Paulo

INTRODUÇÃO

O que ouvem os brasileiros

15.dez.2017 - 01h00

Os fãs de MPB estão concentrados em cidades litorâneas, assim como


os de gospel e reggae. O funk paulista domina áreas centrais das
regiões Sul e Sudeste. Já o sucesso da Galinha Pintadinha é
homogêneo. A nal, que gênero merece hoje o rótulo de música
popular brasileira?

A artista mais ouvida do país, a cantora sertaneja Marília Mendonça,


22, tocou 31 vezes mais que Chico Buarque, 73, nos últimos três anos.

Mas por que sertanejo, funk e gospel dominam as paradas hoje? Os


brasileiros realmente trocaram rádio pelo celular como ferramenta
para ouvir música hoje? De que forma as novas tecnologias
transformaram a produção musical de gêneros populares nas
periferias?

Neste caderno especial, a Folha investiga esses e outros temas a partir


de entrevistas, estudos e, principalmente, dados do YouTube —
plataforma digital mais usada para ouvir música no país e no mundo.

A análise de 134 bilhões de execuções, de 2014 a 2017, permite traçar a


geogra a dos fãs de artistas nacionais e estrangeiros pelo território
nacional. O retrato se propõe como um convite a se afastar das bolhas
sociais e descobrir o que faz os ouvidos dos brasileiros.

GELEIA GERAL

Artistas ecléticos atraem fãs ecléticos


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THALES DE MENEZES
DE SÃO PAULO

15.dez.2017 - 01h00

A música brasileira vive a dominação do sertanejo. Em alguns meses


de 2017, o gênero chegou a ter mais de 90 músicas entre as 100 mais
tocadas nas rádios. No entanto, esse predomínio não signi ca um
massacre de outros estilos musicais. Porque a música no país
apresenta um inédito e curioso quadro de misturas sonoras.

Dividir a música em categorias é até bem simples. Gêneros como


samba, rock, reggae, moda de viola ou bolero têm formatações rígidas
para que ninguém confunda um pagode “batucável” numa caixa de
fósforos com uma peça de jazz composta para big band de 20
instrumentos. Mas atualmente surgem artistas que desa am essas
classi cações.

Nas duas últimas décadas, os gêneros começaram a ser permeáveis a


apropriações de sucessos de outros. Uma gravação que pode
funcionar como marco desse crossover é “Menina Veneno”, hit do
cantor Ritchie na explosão do rock brasileiro em 1982 que ganhou
versão de Zezé Di Camargo & Luciano em 1995. Foi tranquila a reação
do público sertanejo, que sorriu e balançou os braços nos shows para
saudar a pegajosa letra do “abajur cor de carne”.

Quem passou dos 40 ou dos 50 sabe que as tribos musicais já tiveram


papel forte na de nição social do indivíduo. Na década de 1960, por
exemplo, gostar de MPB quase obrigava o sujeito a pregar contra o
rock colonizado das guitarras elétricas. Ao fã de jazz era proibido
apreciar o des le de música brega no programa do Chacrinha.

Nos anos 1990, artistas classi cados como “ecléticos” ajudaram a


derrubar esses currais de gênero. Marisa Monte, capaz de elencar no

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mesmo disco a Velha Guarda da Portela e o rock dos Titãs, foi um dos
exemplos mais intensos dessa miscigenação.

Hoje, esse processo desemboca num samba do crioulo doido, ou


melhor, num sertanejo universitário do crioulo doido. Aí colabora
bastante uma questão mercadológica de sobrevivência.

Depois de uma alternância de gêneros predominantes na música


brasileira, que durante décadas levou ao topo a música pop de origem
nordestina, o rock, o axé, o sertanejo, a lambada, uma nova MPB e o
pagode, surgiu o chamado sertanejo universitário.

FÃ COMPARTILHADO

O nome vem mais da intenção de atingir um público jovem e urbano


do que propriamente uma qualidade de ensino superior aplicada a
letras e melodias. Mas, pela primeira vez, o gênero que estava antes
na crista da onda, o pagode, mostrou capacidade de se reinventar,
também mirando o mesmo público.

Nomes como Thiaguinho, Mumuzinho e Rodriguinho têm em comum,


além da xação no diminutivo, a capacidade de manter seu pagode em
destaque mesmo com a avassaladora caravana puxada por Michel
Teló, Luan Santana e Gusttavo Lima.

Com a boa resposta de um público comum, formado pelos tais


universitários, colocar lado a lado no mesmo palco pagodeiros e
sertanejos se tornou frequente e lucrativo. Nos últimos três anos, a
turma do samba moderninho não sucumbiu, embora que acomodada
numa posição abaixo do sertanejo universitário, que protagoniza uma
dominação sem precedentes.

E faz isso abrindo cada vez mais o leque para assimilar outros
gêneros. A sofrência, o arrocha e até um funk mais pop e palatável
convivem tranquilamente com o sertanejo, numa música mestiça. O
artista de sucesso absorveu essa variedade. Anitta já gravou funk,

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charme, soul, pop romântico, reggaeton, rock e sertanejo. Classi car a


cantora é tarefa intrincada.

Escalar para a mesma noite e o mesmo palco nomes como Luan


Santana, Péricles, Pabblo Vittar e Ivete Sangalo não assusta mais
ninguém.

TRANSGÊNERA

13 Parcerias de Anitta em vários gêneros

Pop Rock “Blecaute” com Jota Quest

Rap “Cobertor” com Projota

Reggae “Cravo e Canela” com Vitin

Reggaeton “Downtown” com J. Balvin

Axé “Felicidade” com Psirico

Electronic Dance Music “Is That for Me” com Alesso

Sertanejo “Loka” com Simone & Simaria

Samba “Na Maldade” com Sorriso Maroto

Sertanejo “RG” com Luan Santana

Reggaeton “Sim ou Não” com Maluma

Funk “Sua Cara” com Major Lazer & Pabblo Vittar

Pop Rap “Switch” com Iggy Azalea

Funk Melody “Você Partiu Meu Coração” com Nego do Borel & Wesley
Safadão

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BUSCA

Conheça a popularidade de 340


artistas no país

Selecione nos ltros abaixo cantores, cantoras ou bandas para saber


onde seus fãs se concentraram entre 2014 e 2017

VEJA O MAPA DE SEU ARTISTA FAVORITO


Escolha o gênero musical

Brega

Escolha o artista

Rei da Cacimbinha

artista anterior próximo artista

Rei da Cacimbinha

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menos popular mais popular

O REI DA CACIMBINHA - POP 100 - CLIPE OFICIAL

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MERCADO DA MÚSICA

Streaming dá fôlego ao setor e molda


consumo

AMANDA NOGUEIRA
DE SÃO PAULO

15.dez.2017 - 01h00

A indústria fonográ ca tem se reerguido por meio do mercado digital,


que, alavancado pelo streaming, passou a representar metade da
receita global do setor desde 2016. Os primeiros sinais de recuperação
vieram em 2015 e se fortaleceram nos últimos dois anos.

Apesar de favorável, o cenário ainda se encontra distante do áureo m


dos anos 1990, mas, segundo projeção da Goldman Sachs divulgada
em agosto, a indústria deve se recuperar até 2030. Até lá, sua receita
deve atingir US$ 41 bilhões, enquanto a do mercado global de música
deve chegar a US$ 119 bilhões.

A recuperação se estabelece conforme a evolução das tecnologias —


como o acesso a redes mais rápidas e smartphones com maior
armazenamento— e as mudanças de hábito de consumo, ao mesmo
tempo incentivando-as e alimentando-se delas.

Rendimento da indústria da música no mundo


Em US$ bilhões
Físico Digital Direitos de perfomance Outros

23,8

15,7

14% di it d
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14% direitos de
perfomance

50% digital

34% físico

1999 2002 2004 2006 2008 2010 2012 2014 2016

Percentual de pessoas no mundo que ouvem música legalmente ...

... comprando álbuns ... em streaming (áudio)

44% 45%
CDs 32% Pago 39%
Downloads 28% Gratuito 27%
Vinil 17%

Percentual de pessoas que Uso de streaming de música licenciado, em %


ouvem música não licenciada
1º México 75
2º Suécia 66
3º Brasil 66
4º Coreia do Sul 59

40%
5º Espanha 55
6º Estados Unidos 48
7º França 46
8º Itália 46
9º Reino Unido 43
10º Austrália 41
11º Alemanha 41
12º Canadá 39
13º Japão 18
 

Percentual de pessoas no mundo que ouvem música legalmente ...

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... em streaming (vídeo) ... no rádio

75% 87%
Youtube 46% Tradicional 68%
Internet 35%

Uso de Youtube para escutar música, em % Brasileiros que declaram ouvir rádio
ao menos um minuto em um mês, em %
1º México 97
2º Brasil 95 Idade, em anos
3º Itália 90
4º Espanha 90 91%
5º Coreia do Sul 86
6º Canadá 84 90%
7º Alemanha 82
8º Estados Unidos 82 90%
9º França 81
10º Suécia 79 86%
11º Reino Unido 79
12º Austrália 77
79%
13º Japão 72
 
Fonte: IFPI - Music Consumer Insight Report 2017
 

Há diversas características da nova maneira de consumir música, mas


uma, destacada pela US Music 260, pesquisa divulgada pela Nielsen
neste ano, chama a atenção: a experiência musical, valendo-se de
curadorias customizadas e de “devices” musicais, tem se tornado cada
vez mais individualizada.

As playlists se tornaram meninas dos olhos de serviços de vídeo como


o YouTube, campeão de acesso pelos brasileiros que querem ouvir
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música. Há relatos de usuários que recebem para incluir uma faixa


entre uma seleção de grande audiência.

Bruno Vieira, diretor da Deezer no Brasil, diz que as playlists são a


principal forma de consumo na plataforma.

“Essa cultura diminuiu o hábito de consumir o álbum”, a rma. “Lá


atrás existia o EP, o single, mas, com o CD, isso se perdeu, e agora está
retomando”, comenta.

Cerca de 74% dos usuários de streaming criam suas próprias seleções,


a rma a Nielsen. Elas também passaram a ser um recurso valioso em
plataformas de streaming de áudio e podem alavancar a carreira de
artistas.

É o caso do DJ e produtor musical brasileiro Alok, tido como case de


sucesso em um experimento do Spotify. Em um esquema de pirâmide,
o artista foi incluído primeiro em playlists regionais até gurar em
uma global.

Assim, tornou-se o primeiro brasileiro no Top 50 Global da


plataforma. Seu hit “Hear me Now” conseguiu ainda car entre as 20
músicas mais ouvidas em rádios de todo o país em 2017, segundo o
Ecad.

As rádios, por sua vez, mantêm sua relevância.

Segundo a Kantar Ibope Media, as transmissões atingem 87% da


população nas 13 regiões metropolitanas do país e os ouvintes
dedicam, em média, quatro horas e 40 minutos ao dia a escutar rádio
em casa, no carro e no trabalho.

Não é sem razão, portanto, que rádios sejam vistas com bons olhos
em estratégias de lançamentos de gravadoras, especialmente para
sertanejo e novo pop brasileiro (misturado com funk, como Anitta,
Ludmilla e Nego do Borel), a rma Paulo Junqueiro, presidente da
Sony no Brasil.

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“Essa cultura [de playlists] diminuiu o hábito de


consumir o álbum. Lá atrás existia o EP, o
single, mas, com o CD, isso se perdeu, e agora
está retomando.”
BRUNO VIEIRA
diretor da Deezer no Brasil

“O Brasil é muito grande e, para uma música se tornar nacional,


precisa tocar em rádio”, diz. Ele a rma que, mesmo diante das
modi cações na indústria, o papel das gravadoras continua igual.

“O que mudou foi o canal de distribuição”, a rma. Para Junqueiro, o


mercado digital “estreitou laços” e facilitou a caçada a talentos.

“Há 20 anos, para encontrar um artista ou era por alguém que trazia
uma demo ou era a gravadora que ia ao show e sabia o que estava
acontecendo.” Junqueiro conta que agora tem o hábito diário de ver os
charts do Spotify ao acordar.

O garimpo de novidades também é um lão importante do streaming.


Plataformas apostam em recursos de curadoria personalizada, como o
Flow, da Deezer, e playlists como “Descobertas da Semana”, do Spotify.

Ainda assim, 70% das músicas reproduzidas são de catálogo, diz a


analista Lisa Yang, na divulgação da pesquisa Music in the Air, da
Goldman Sachs. “Isso signi ca que você pode monetizar melhor seu
acervo.”

Seja novidade no cenário ou artista tarimbado, há uma constante no


pódio dos mais escutados: brasileiro consome música nacional.

Entre as Top 100 músicas mais ouvidas na Deezer, cerca de 70% são de
conteúdo nacional. Já no Spotify, 19 dos 20 artistas mais ouvidos no
país são brasileiros.

ROYALTIES

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Neste ano, a Deezer passou a propor um novo modelo de pagamento


de royalties. A ideia é que a assinatura mensal paga por cada assinante
seja distribuída somente entre os artistas que ele ouviu durante o
período.

Atualmente, toda a arrecadação proveniente de usuários pagantes é


destinada a um fundo único e distribuída a todos os artistas, de forma
proporcional às reproduções que cada um teve no período.

“Nossa crença é a de que essa não apenas é uma maneira muito mais
justa de distribuição de receita como também terá um efeito positivo
sobre reproduções fraudulentas que são planejadas para desviar
pagamentos através de tráfego impulsionado por robôs”, diz o
manifesto da empresa sobre o UCPS (Sistema de Pagamento Centrado
no Usuário).

Para Henrique Leite, chefe de relacionamento da Deezer com


gravadoras na América Latina, o modelo atual não é ruim, mas pode
melhorar. Com a proposta, diz, haveria “uma relação mais direta com
artistas que têm fãs engajados e a receita que ele vai gerar”.

“Para um artista extremamente forte que consegue mobilizar sua


fanbase, é como se ele estivesse vendendo um CD por usuário naquele
mês”, diz o executivo.

“[O papel das gravadoras] não mudou, o que


mudou foi o canal de distribuição. Há 20 anos,
para encontrar um artista ou era por alguém
que trazia uma demo ou era a gravadora que ia
ao show e sabia o que estava acontecendo.”
PAULO JUNQUEIRO
presidente da Sony no país

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O modelo chega em um momento em que a indústria da música


debate o “value gap” de serviços de vídeo como o YouTube -o contraste
entre o número de reproduções no serviço e a receita gerada por ele
aos autores.

Segundo o estudo YouTube Insights, publicado em julho, o YouTube,


sozinho, é do tamanho do rádio no Brasil e assistido pela população
acima de 12 anos das classes A, B e C. A música é o principal conteúdo
consumido.

O público desses serviços é estimado em 900 milhões de usuários. A


receita transferida aos detentores de direitos autorais é da ordem de
US$ 553 milhões.

Como contraponto, uma base de 212 milhões de usuários de serviços


de áudio por assinatura (pagos ou nanciados por publicidade), como
o Spotify, contribuiu com mais de US$ 3,9 bilhões.

A IFPI (Federação Internacional da Indústria Fonográ ca) estima que


o Spotify tenha pagado a gravadoras US$ 20 por usuário em 2015,
último ano em que dados do tipo foram disponibilizados.

Em contrapartida, estima que o YouTube tenha retornado menos de


US$ 1 por cada ouvinte de música.

Procurado pela reportagem, o Google não comentou sobre o “value


gap” e a rma que, por meio do YouTube, já pagou mais de US$ 3
bilhões de dólares à indústria musical no mundo todo.

“Esse número tem crescido de forma consistente ano a ano. Estamos


direcionando receitas importantes aos criadores e detentores de
direitos, tanto aos já estabelecidos como aos emergentes”, diz Sandra
Jimenez, chefe do setor de música do YouTube e do Google Play na
América Latina.

O mercado também estuda a utilização de blockchain, um banco de


dados descentralizado que permite um rastreio de informações e
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transações comerciais supostamente à prova de fraudes.

A tecnologia, a mesma por trás da criptomoeda Bitcoin, poderia ser


utilizada para pagamentos de royalties ou certi cação de direitos
autorais.

METODOLOGIA

Levantamento sistematiza 134


bilhões de visualizações

DANIEL MARIANI
FÁBIO TAKAHASHI
DE SÃO PAULO

15.dez.2017 - 01h00

Quem são os artistas mais ouvidos no Brasil? Onde se concentram fãs


dos cantores Tom Jobim e Anitta ou dos Beatles no país?

A Folha coletou dados do YouTube, a plataforma digital de música


mais usada no Brasil, para responder questões como essas acima.

A inspiração veio do jornal americano “The New York Times”, que em


agosto mostrou a distribuição dos fãs de 50 artistas nos EUA, também
com base no YouTube.

O levantamento da Folha foi além e considerou o número de plays de


340 artistas, nacionais e estrangeiros, em 1.245 cidades brasileiras que
constam na plataforma artists.YouTube.com, mantida pelo próprio
YouTube.

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Como foi feito o levantamento

Base de dados Abrangência Metodologia


Os dados foram Foram contabilizados A partir disso, Popularidade
coletados da 134 bilhões de plays definiu-se uma
plataforma de 340 artistas entre escala de cores para Menor Maior
artists.youtube.com, agosto de 2014 e medir a percentual percentual
de plays de plays
que contabiliza agosto de 2017 em popularidade de
todas as vezes em 1.245 cidades cada artista. A
que uma música é brasileiras. Essas popularidade leva
reproduzida, seja no cidades representam em consideração o
vídeo do próprio 75% da população percentual de plays
artista ou no de brasileira dentro do universo
terceiros de cada artista

Exemplo
Embora os mapas de Tom Jobim e Anitta tenham tonalidades
semelhantes, isso não quer dizer que ambos tenham audiências próximas.
Quer dizer apenas que a distribuição da popularidade é semelhente

A região Norte tem Cada círculo


poucos pontos porque representa uma região de
as cidades são pouco cerca de 50 km de
populosas e distantes diâmetro, podendo
umas das outras abranger uma ou mais
cidades

Tom Jobim Anitta


69 milhões 2,6 bilhões
de plays de plays

Os municípios, em geral de maior porte, representam 75% da


população brasileira.

A coleta de dados foi feita para o período de agosto de 2014 (período


mais antigo disponível) a agosto de 2017.

Foram sistematizados 134 bilhões de plays (considerando todas


músicas dos artistas, em todas as cidades, todos os dias, nos três

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anos).

As informações possibilitaram dois tipos de análises: o ranking em


números absolutos de visualizações dos artistas e a distribuição dos
seus fãs no Brasil.

Para a primeira vertente, somou-se o número de plays que cada um


obteve no período. Marília Mendonça foi a primeira nessa lista, com
4,1 bilhões, seguida de Henrique e Juliano (3,8 bilhões).

Para se visualizar a popularidade dos artistas, foram feitos mapas


como esses ao lado, que retratam o alcance de Anitta e Tom Jobim.

A distribuição dos plays dos dois artistas guarda semelhanças: ambos


têm grande concentração de seus fãs no Rio (bolinhas mais escuras) e
em áreas do Nordeste e do Rio Grande do Sul.

Isso não quer dizer que eles tiveram audiência semelhante. Anitta
tocou 37 vezes mais que Tom Jobim (2,6 bilhões de plays contra 69
milhões).

Os mapas mostram que a distribuição espacial dos fãs de Jobim (as 69


milhões de visualizações) se assemelha aos de Anitta (2,6 bilhões).

CORES

Como Anitta teve uma popularidade maior, para uma cidade car com
bolinha escura no mapa dela, é preciso muito mais plays que no mapa
de Tom Jobim.

Tecnicamente, signi ca que cada mapa utiliza uma escala diferente


para de nir a gradação de cor.

Do contrário, mapas de artistas muito populares (como Anitta) teriam


bolinhas escuras em praticamente todas as cidades, não permitindo
saber em quais municípios eles possuem proporcionalmente mais ou
menos plays.

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E mapas de artistas menos populares no período (como Tom Jobim)


cariam praticamente todos cinza (poucos plays em relação ao total
de cada cidade), não permitindo saber onde se concentram os fãs
desses artistas.

A gradação de cores também considerou a proporção dos plays do


artista em relação ao total da cidade.

Se fossem usados somente números absolutos, apenas municípios


grandes como São Paulo e Rio de Janeiro teriam destaque (e se
perderia a análise do sucesso relativo dos artistas em cada local).

Grandes áreas sem pontos nos mapas, especialmente no Norte, no


Nordeste e no Centro Oeste, representam regiões cujas cidades não
constam na plataforma de consulta de dados do YouTube.

Para de nir quais artistas teriam dados coletados, a reportagem usou


como base principalmente listas de popularidade do próprio YouTube
e das publicações “Rolling Stone” e “Billboard”.

Para categorizar esses artistas em estilos, a Folha considerou


informações de diferentes bases, como o aplicativo Spotify e a
empresa de consultoria Playax.

Alguns artistas aparecem em diferentes estilos, dependendo da base


de dados.

A banda americana Sublime, por exemplo, é reggae na Playax, mas


rock no Spotify.

Nesses casos, a reportagem consultou especialistas.

GEOGRAFIA

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Mapas mostram onde estão fãs de


artistas e gêneros, segundo YouTube

DANIEL MARIANI
FÁBIO TAKAHASHI
SIMON DUCROQUET
DE SÃO PAULO

Mapas mostram distribuição pelo país dos fãs de diversos artistas e


gêneros, segundo audiência do YouTube:

Sertanejo
tem base mais forte
entre Sul e Onde o SERTANEJO
Centro-Oeste é mais popular

Entre os artistas mais tocados do


gênero, apenas Marília Mendonça
consegue ter bastante popularidade
fora da região do agronegócio, berço
cultural do sertanejo. A cantora, que
começou a fazer sucesso no Morrinhos
Nordeste, é um dos ícones da MT
GO
BA

vertente feminina do sertanejo, no Jataí MG

qual se enquadram também Maiara e Itumbiara


Maraisa. A dupla percorreu trajetória
semelhante à de Marília, numa MS
SP

carreira curta e explosiva ao longo do PR

ano de 2016. Nesse período, elas Maravilha Xanxerê


ultrapassaram ícones do gênero, Braço do Norte
como Zezé di Camargo e Luciano e Palmeiras RS

do sertanejo universitário, como das Missões Cruz Alta


Henrique e Juliano.
 

Onde o FUNK
PAULISTA
é mais popular

Funk paulista
e trapola Estado de
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extrapola Estado de
origem e faz
sucesso no Sul e Ituiutaba
funk
Matão
Nordeste
paulista

Suzano
e Poá
Piraquara
MCs Kevinho, Livinho, G15 e VW
tocam em Curitiba mais do que na
média das demais capitais do país Gravataí

MC KEVINHO
2,8 bilhões de plays Popularidade

MC LIVINHO
1,7 bilhões de plays
Popularidade
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Popularidade

MC WM
0,8 bilhão de plays Popularidade

Gênero vem crescendo desde 2016; MC Kevinho se


destacou nos últimos 12 meses
Milhões de visualizações diárias
10
MC Kevinho
8

MC Livinho
4
MC WM

2 MC G15
MC Pedrinho

0
set.2014 jan.2015 jun.2015 jan.2016 jun.2016 jan.2017 set.2017

Litoral entre Rio e


Onde o GOSPEL
Bahia concentra é mais popular

fãs do gospel
Bruna Karla e Anderson Freire
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Bruna Karla e Anderson Freire
possuem esse padrão; já Aline Barros
tem seu sucesso mais bem
distribuído pelo país (em Manaus
toca duas vezes mais que a média
das capitais). Vila
Velha

Macaé
Cabo Frio

BRUNA
KARLA
3,5 bilhões de plays Popularidade

Ascensão do gospel segue padrão uniforme


Milhões de visualizações diárias
Bruna Karla
5

Aline Barros
4
Anderson Freire
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2 Fernandinho

Damares
1

0
set.2014 jan.2016 jan.2017 set.2017

Axé e forró Onde o AXÉ


é mais popular
Onde o FORRÓ
é mais popular

se concentram no
Nordeste
O axé tem seu maior sucesso entre
Pernambuco e Bahia (em Aracaju, a
Banda Eva toca quatro vezes mais
que na média das capitais); o forró
se concentra entre Alagoas e Ceará
(a exceção é o Falamansa, que
estende seus fãs em direção ao
Sudeste).

Reggae São Luís

se espalha em ilhas Teresina

pela costa
Gênero, que conta com artistas
como Bob Marley, Natiruts e Jimmy
Cliff, possui concentração de fãs no
litoral de São Paulo e de Estados do
Sul e do Nordeste.

Onde o REGGAE
é mais popular Florianópolis

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Beatles
são mais ouvidos no Sul
e no Sudeste, assim
como o rock estrangeiro
de forma geral
A banda de Liverpool tem também
razoável penetração no Nordeste,
diferentemente dos Rolling Stones,
cujos fãs se concentram mais de Minas
Gerais ao Sul do país (perfil que
exemplifica a categoria rock estrangeiro
como um todo).

São Paulo
Onde o ROCK Curitiba
ESTRANGEIRO Florianópolis
é mais popular
Porto Alegre

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Viçosa
São Caetano do Sul
Popularidade B EATLE S
0,1 bilhão de plays
Florianópolis

Porto Alegre

Caetano, Chico Onde a MPB


é mais popular

e Gil
possuem pouca
Salvador
concentração de
fãs no interior B. Horizonte
Rio de Janeiro
Vitória é a capital onde Chico e São Paulo
Florianópolis
Caetano registram suas maiores
Porto Alegre
popularidades; a de Gil é Aracaju.

CHICO BUARQUE
0,1 bilhão de plays

Popularidade

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CAETANO VELO S O
0,2 bilhão de plays

Popularidade

GILBERT O GIL
0,2 bilhão de plays

Popularidade

Roberto Carlos
é mais rei no Nordeste
do que no Sul
O artista é 3,5 vezes mais
popular em João Pessoa
do que em Curitiba,
proporcionalmente.

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RO BERT O
CARLO S
1,8 bilhão de plays
Popularidade

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Reggaeton Gênero deriva do reggae, com


influência do hip hop e da
acompanha a fronteira música eletrônica. É bastante
popular na América Latina de
com Argentina língua espanhola.

PARAGUAI

Foz do Iguaçu

São Borja

ARGENTINA URUGUAI

Onde o REGGAETON
é mais popular

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BATIDÃO

Funk paulista extrapola Estado de


origem e faz sucesso no Sul e no
Nordeste

FELIPE MAIA
ESPECIAL PARA A FOLHA

15.dez.2017 - 01h00

Um som brasileiro ecoava em um clube de música eletrônica de


Pequim em maio passado. O ritmo era o já clássico funk. E, como
dizem os DJs, funcionava: na pista, muita gente dançava, mesmo sem
parecer entender o que escutava.

“Pega no Phone” foi executada pelo DJ chinês Puzzy Stack. A faixa é do


produtor português KKING KKONG. Ela foi composta com vozes dos
funkeiros MC Lan, de São Paulo, e MC Johnny Oliver, do Rio.

O gênero, produto de exportação, tem feito viagens interiores. Após


quase três décadas de criação e desenvolvimento no Rio, o funk se
consolidou em São Paulo nos últimos anos e então ganhou o país e o
mundo.

Essa é a segunda turnê —nos idos de 2000, o pancadão chegou à


baixada santista e DJs como Marlboro e Sany Pitbull levaram o som
para os gringos, e o funk é revisitado por artistas brasileiros e
internacionais como Yuri Martins, DJ LK, DJ Polyvox e DJ Meury.

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MC Kevinho se destacou nos últimos 12 meses; veja sua evolução

“É um ritmo como o samba: o funk não morre mais”, diz Iasmin


Soares, a Iasmin Turbininha. A carioca de 20 anos é produtora, DJ e
youtuber. Em seu canal, divulga suas músicas de funk atabacado, que
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têm mais batidas por minuto do que se convencionou. É um ritmo


difícil de dançar.

Para Iasmin, que vive no bairro da Mangueira, cada comunidade tem


criado sua própria variação do gênero.

É o caso do arrocha funk e do brega funk. Principais nomes dessa


área, MC Troia, de Pernambuco, e Aldair Playboy, da Paraíba,
emprestam a prosódia, os jargões e letras do funk. Figuras rítmicas
usam formas e sons que se desenvolveram em categorias guarda-
chuvas do Nordeste: axé, brega e forró.

Os experimentos seguem Brasil adentro. No Pará, DJs de aparelhagem


modulam as vozes dos MCs do momento na frenética marcação do
tecnomelody. Em Minas, produtores depuram batidas do funk com
texturas de música eletrônica. As letras não mudam: festas, sexo e
bebidas.

A tecnologia oferece conexões para o funk, mas quem ainda sustenta


o título de MC, DJ ou produtor segue responsável pelos rumos do
gênero.

Os novos modos são fruto de mudanças tecnológicas. Segundo o


Comitê Gestor de Internet no Brasil (Cetic.br), o número de domicílios
com acesso a internet triplicou nos últimos dez anos -puxado pela
classe C, que subiu quase 40%.

Embora irregulares nas periferias de grandes cidades, redes de 3G, 4G


e Wi-Fi são os únicos elos entre regiões inteiras e, por exemplo,
páginas no Facebook que agendam bailes.

A banda larga favoreceu a troca, entre produtores, de softwares e


pacotes para composição. As redes móveis facilitaram a troca, entre
fãs, de MP3 e links do YouTube via WhatsApp.

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Veja a evolução de MC G15, autor do hit "Deu Onda", ao longo dos anos

São Paulo torna-se palco da consolidação do gênero. O estilo


ostentação, abre-alas na capital, é menos uma crônica sobre consumo
que uma forma de agradar o público cativo e TVs, rádios e gravadoras.
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Letras palatáveis e ritmo foram pontapé na transformação de


pequenos estúdios em grandes produtoras. Esses mistos de agência de
eventos e selo musical, como a GR6 e a KondZilla, desenvolveram um
sistema de produção constante e adequado à rede. Seus vídeos estão
entre os mais vistos.

Invenções harmônicas e melódicas de produtores e DJs deram novas


possibilidades aos MCs. Multiplicaram-se em estúdios, casas de show,
bailes e clubes. O funk hoje parece ser de todo mundo.

FELIPE MAIA é pesquisador em Música pela Escola de Estudos Avançados em Ciências


Sociais (EHESS), na França

CRIANÇA

Galinha Pintadinha tem popularidade


quase homogênea, com leve destaque
no Nordeste

ALEXANDRA MORAES
EDITORA-ADJUNTA DE ESPECIAIS

15.dez.2017 - 01h00

A receita da “Galinha Pintadinha” parece óbvia hoje. Música que


gruda, cores hipnóticas, bichos fofos e um celular ou tablet na mão de
uma criança enquanto o adulto responsável por ela precisa ou prefere
fazer outra coisa.

Entre 2006 e 2007, no entanto, o modelo ainda não era tão evidente.
E, de like em like, a “Galinha” não apenas encheu o próprio papo como
também ajudou a povoar o YouTube com bebês e crianças,

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importantes vetores de anunciantes. Deu origem, ainda, a uma


verdadeira corrida do ouro em busca da monetização desse universo.

Em 11 anos, a penosa amealhou 8,8 milhões de inscritos, o que a deixa


entre os canais mais populares do serviço. Sua obra mais repetida,
“Pintinho Amarelinho”, foi vista 500 milhões de vezes. A série
extrapolou a plataforma on-line para se lançar em mídias físicas,
brinquedos e uma enormidade de produtos licenciados, de colchão
in ável a papel higiênico.

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Galinha pintadinha A supremacia da galinha


Milhões de visualizações diárias

Mundo Bita
8 Xuxa

tem popularidade Patati Patatá


Larissa Manoela

quase homogênea, 6
Galinha
com leve destaque Pintadinha

no Nordeste 4

É um perfil diferente de outros


infantis, como a Palavra Cantada, cujo 2
sucesso é concentrado em SP (onde
toca duas vezes mais que na média
das capitais)
0

set.2014 jan.2016 set.2017

Popularidade

GALINHA PALAVRA
PINTADINHA CANTADA
3,5 bilhões de plays 0,4 bilhão de plays

Porém nem só de negligência virtual vivem os sucessos do YouTube. A


“Galinha Pintadinha” soube desenterrar e renovar canções e rimas
que remetem ao passado de pais e avós. O repertório também
dominou festinhas infantis e comemorações escolares.

Além do apelo emocional, houve um certo alívio para os genitores no


fato de a distração infantil não mais depender de criaturas

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precocemente desbotadas como o dinossauro Barney, os Bananas de


Pijamas ou os Teletubbies, hits dos DVDs no m dos anos 1990 e início
dos anos 2000.

Não que a repetição do “Parabéns da Galinha Pintadinha” não seja


enlouquecedora. Mas novas gerações conheceriam o fracasso do
casamento entre a galinha-pintadinha e o galo-carijó e decorariam as
mentiras da barata que se gaba por cretinices como ter um anel de
formatura. Fora isso, houve a reabilitação de “Atirei o Pau no Gato” —
ainda que acompanhada dos versos prescritivos sobre não atirar o pau
no gato, “porque isso não se faz”.

Foi assim que a “Galinha” nutriu a primeira geração de crianças cujo


objetivo principal na vida é ver (e ser) youtubers. Se a galinhada
desandou ou não, vamos saber em mais alguns anos.

Multidão no show de Marília em Piracicaba, interior de São Paulo (Mastrangelo


Reino/Folhapress)

FEMINEJO

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Aos 22, Marília Mendonça vira a


artista mais ouvida do país

VICTORIA AZEVEDO
DE SÃO PAULO

15.dez.2017 - 01h00

“Marília Mendonça é muito Brasil, é aquela música brega, sertaneja,


romântica e que fala a verdade”, de ne-se a cantora e compositora
Marília Mendonça, de 22 anos.

Com quase três anos de carreira, ela é a artista mais vista no YouTube
no Brasil, com cerca de 3,6 bilhões de visualizações só em seu canal
desde seu primeiro vídeo, publicado em maio de 2013. Hoje, tem
média de 7,1 milhões de visualizações a cada 48 horas.

Dona dos hits “In el” e “Eu Sei de Cor”, ela encabeça o feminejo, cena
de mulheres que ganhou projeção na historicamente masculina
música sertaneja ao tratar de empoderamento feminino.

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Veja o desempenho da audiência de Marília Mendonça

O movimento é o mais recente capítulo da renovação estratégica do


segmento. As letras abordam bebedeira, relacionamentos, traição e
amor a partir do ponto de vista feminino.
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21/12/2017 O que ouvem os brasileiros - Ilustrada - Folha de S.Paulo

“In el/ Eu quero ver você morar num motel/ Estou te expulsando do
meu coração/ Assuma as consequências dessa traição”, canta Marília,
que já busca outros horizontes.

Ela tem 3,8 milhões de seguidores no Facebook, 7,3 milhões no


Instagram e 1 milhão no Twitter. Atrai também grande público em
shows, como os que a Folha viu em Bauru e em Piracicaba (SP).

São quase 25 apresentações por mês, com deslocamentos diários de


jatinho alugado. Na estrada, a equipe de 36 pessoas, todos homens, faz
o isolamento. Entrevistas são desmarcadas e jornalistas, expulsos de
hotéis para evitar aproximações inesperadas. “Ela não tá num dia bom
hoje. Vocês, mulheres, sabem como cam nesses dias, né?”, justi ca o
produtor Henrique Ribeiro, 29. Horas depois, a conversa com a Folha
foi cancelada.

Três dias depois, reclama da rotina exaustiva. “Não pensava na parte


da viagem, da logística, do estresse e da falta de liberdade. Tem que
estar sempre sorrindo, não pode ter mau humor ou TPM”.

A outra faceta do sucesso não parece assustar a artista, que estudou o


mercado antes de se arriscar nos palcos, ao acompanhar turnês, a vida
no backstage e se aproximando de midas do sertanejo.

“RAINHA DA SOFRÊNCIA”

No começo, seu empresário, Wander Oliveira, 48, que cuida da


carreira de outros nomes proeminentes do gênero, como Henrique e
Juliano e Maiara e Maraisa, sugeriu um regime e repertório de
músicas românticas, a exemplo de Paula Fernandes, cantora que
despontava no sertanejo.

Mas, con ante, ela rejeitou. “Ele pegava essas faixas românticas,
oreadas, dos relacionamentos que deram certo. E eu queria falar da
realidade”. Tornou-se a “rainha da sofrência”.

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Ela traçou um plano de investir no Norte e no Nordeste, sem ter


pisado lá. “Sentia que o público de lá era el. A mulher que deixa de
comprar uma sandália, de fazer uma escova, para curtir seu show.”

Começou no Nordeste e foi se espalhando para as outras partes do


país. “Não consegui descer por um ano. Fiz cerca de 120 shows por lá”,
explica. Uma lógica que foge do usual para o mercado sertanejo.

O fenômeno foi observado em levantamento feito pela Folha de dados


extraídos do YouTube. Os números mostram que ela começou a
estourar no Nordeste em dezembro de 2015, e que, a partir daí, suas
músicas começaram a pipocar em outras regiões.

O primeiro DVD que gravou como cantora, em agosto de 2015 em


Itaituba (PA), teve público de 15 pessoas, entre as quais compositores
e sua própria equipe. Um ano depois, subiu ao palco para a gravação
do DVD “Realidade” e reuniu 40 mil pessoas no sambódromo de
Manaus.

Em março de 2016, com o primeiro trabalho autoral, “Ao Vivo”,


registrou-se o pico inaugural da artista na plataforma.

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Veja como Marília Mendonça superou


a audiência de outros sertanejos
Marília participa Lançamento de
do “Show da EP especial com
Virada” da quatro músicas
TV Globo do “Realidade”

Lançamento “Agora É Que São Elas” Lançamento do


oficial do - projeto audiovisual álbum “Realidade”,
álbum e DVD com Maiara e Maraisa gravado ao vivo em
Visualizações “Ao Vivo” e Marília Mendonça Manaus
por dia,
em milhões

10 Marília Mendonça

8 Maiara
e Maraisa

Henrique e Juliano
4

Jorge e Mateus
2
Zezé Di Camargo
e Luciano
0
set jan jul jan abr ago
2015 2016 2017

Em agosto daquele ano, o projeto “Agora que São Elas” (ao lado da
dupla Maiara e Maraisa), feito para plataformas de streaming, teve
282 milhões de views nas faixas e cerca de 108 milhões de execuções.

Nos shows, ela segue uma fórmula já conhecida pelo sertanejo


universitário, com banda (guitarra, percussão, bateria etc.), cenário e
interações constantes com o público.

No palco, ela sinaliza uma busca por se afastar do segmento que a


consolidou, aproximando-se de novos gêneros e parcerias. Ela entoa
também funks e, em um dos shows que a Folha acompanhou, arriscou
“Despacito” em portunhol.

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21/12/2017 O que ouvem os brasileiros - Ilustrada - Folha de S.Paulo

“A música sertaneja antropofagiza as vertentes globais e tensiona para


determinadas direções, sem largar de alguns elementos tradicionais”,
diz o historiador Gustavo Alonso.

PREPARAÇÃO

Por um ano, enquanto se dedicava à carreira de compositora para


terceiros, Marília e parceiros escreviam até duas músicas por dia. Ela
emplacou hits nas vozes de nomes como Henrique e Juliano e
Cristiano Araújo, morto em 2015. Hoje, planeja criar uma faixa por
mês.

A carreira começou lentamente. Sua mãe, Ruth Moreira Dias, a ouviu


cantando no banho e comprou faixas de playback para ela cantar em
uma igreja evangélica.

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Fez duas aulas de violão e desistiu porque “não gostava da teoria”. Sua
mãe se separou, Marília deixou a igreja e passou a cantar em outros
lugares, em busca de “um trocado para pagar luz e comida”. A igreja
exigiu exclusividade, sem sucesso. “Não consigo cobrar de Deus o meu
louvor por ele. Minha religião é Deus, a Bíblia.”

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A cantora cresceu em Goiânia, onde mora, mas nasceu em


Cristianópolis (GO), de cerca de 3.000 habitantes, porque ali vivia um
médico de con ança de seu pai. “Foi um parto de risco. O médico falou
que ou ia eu ou a minha mãe. Mas aconteceu um milagre.”

“EU SOU O FEMINISMO”

Marília diz encorajar outras mulheres, mas ressalta que o caminho já


estava aberto. Faltava “levantar e caminhar”.

Ao seu lado estão outras mulheres, como a cantora Naiara Azevedo e


as duplas Maiara e Maraisa e Simone e Simaria. No top 10 das músicas
mais tocadas em 2017 no Brasil pela plataforma de streaming Deezer,
as únicas mulheres são deste segmento.

1/4 Rainha da Sofrência

Nascida em Cristianópolis (GO), cidade com cerca de três mil habitantes, cantora e A
compositora Marília Mendonça é a artista mais ouvida do país (Mastrangelo Reino/Folhapress )3

“Meu feminismo não é feito de teoria, textos ou protestos. Protesto


com minha vida, ao bancar tudo isso e falar que ia ser do jeito que sou
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21/12/2017 O que ouvem os brasileiros - Ilustrada - Folha de S.Paulo

e que ia conseguir o que consegui. Eu sou o feminismo”, diz.

Para Maiara, houve uma mudança estrutural no comportamento de


empresários, mídia e público. “O feminejo não foi uma ondinha. É
indiscutível que ele veio para car”. O outro pilar são as bem-
sucedidas estratégias no digital.

Segundo Tatiana Cantinho, gerente artística da Som Livre (que


representa Marília, Maiara e Maraisa e Naiara Azevedo), um novo
produto é lançado simultaneamente na rádio, no YouTube e em
streaming. Gravadoras ampliaram o papel de distribuidoras.

Para Cantinho, o mercado de sertanejo virou um “máquina de hits”.


“Há uma prateleira in nita. Não precisamos mais esperar o ciclo de
um disco completo”, explica sobre os lançamentos de singles com
intervalo cada vez menor.

MAIS FEMINEJO

MAIARA E MARAISA
Idade 29 (14 anos de carreira)
Equipe 32 pessoas (3 mulheres: as duas e a personal stylist)
Shows 25 por mês
Álbuns vendidos 172 mil
Streams 79 milhões
Visualizações 591,4 milhões

NAIARA AZEVEDO
Idade 28 (7 anos de carreira)
Equipe 30 pessoas (2 mulheres: ela e a assessora pessoal)
Shows 20 a 25 por mês
Álbuns vendidos 83 mil
Streams 42,1 milhões
Visualizações 354,5 milhões

SIMONE E SIMARIA
Idades 33 e 35 (mais de 20 anos de carreira)
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Equipe 38 pessoas (5 mulheres: as duas, duas assessoras pessoais e


uma camareira)
Shows 18 por mês
Álbuns vendidos 507 mil
Streams 252,9 milhões
Visualizações 1,04 bilhão

Os dados de álbuns vendidos, streams e visualizações se referem aos lançamentos mais


recentes de cada uma —respectivamente, “Ao Vivo em Campo Grande”, “Contraste” e
“Live”. Os números de álbuns vendidos incluem CDs, DVDs e álbuns digitais.

PÓS-CAIPIRA

Sertanejo é a face recente da


antropofagia das massas

GUSTAVO ALONSO
ESPECIAL PARA A FOLHA

15.dez.2017 - 01h00

A história da música sertaneja é um dos capítulos da história da


antropofagia brasileira. Assim como a antropofagia andradiana dos
anos 1920 e a tropicalista nos anos 1960, a música sertaneja vem
incorporando a modernidade e construindo uma brasilidade múltipla
a partir dos intercâmbios culturais.

De forma mais abrangente, embora simpli cada e, não obstante suas


limitações e diferenças, transformou a afetividade de milhões de
brasileiros de todos estratos sociais.

Desde a primeira gravação em 1929 feita por Cornélio Pires, a música


sertaneja foi se transformando, indo além de suas fronteiras originais,

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21/12/2017 O que ouvem os brasileiros - Ilustrada - Folha de S.Paulo

estados cuja colonização foi de bandeirantes paulistas (SP, MG, PR,


MS, MT e GO).

A atual noção de música sertaneja surgiu nos anos 1950, quando


gêneros estrangeiros entraram de forma sistemática na música rural
brasileira. Um dos primeiros importados foi a guarânia paraguaia. O
bolero e rancheira mexicanos e o chamamé argentino também
entraram.

Desde a década de 1950, a música sertaneja foi acusada de trair as


tradições rurais brasileiras por importações estéticas e modismos.
Esse discurso perdura a cada geração que surge e inova esteticamente
o gênero. A partir daí, dois polos surgiram na música rural de origem
paulista: os caipiras e os sertanejos.

CAIPIRA E SERTANEJO

Passou-se a de nir como sertanejos aqueles do meio musical rural


que viam com bons olhos a importações de gêneros, estéticas,
instrumentos e modas alheias à tradição.

Do outro lado, os caipiras negavam a validade dessas transformações


e, animados por um viés folclorista e regionalista, queriam preservar
as tradições da música rural, mantendo instrumentos como a viola
caipira e seus ritmos originais como o cateretê, cururu e modas de
viola.

Depois vieram o rock e as baladas em ns dos anos 1960. A dupla Leo


Canhoto e Robertinho, in uenciada por Beatles e jovem guarda, foi
pioneira em pôr baixo, bateria, teclados e guitarras na música
sertaneja. A cada nova incorporação, mais popularidade, suplantando
os caipiras.

1/5 Música Sertaneja

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Na lista dos mais tocados do YouTube desde setembro de 2014, Jorge e Mateus aparecem na
décima posição (Rubens Cerqueira/Divulgação)

A partir dos anos 1980 a música brega e a música country americana


também adentraram a música sertaneja.

Na virada dos anos 1990, a música sertaneja conseguiu sucesso


nacional com Chitãozinho e Xororó, Leandro e Leonardo e Zezé Di
Camargo e Luciano. Foram amados e odiados em igual proporção
afetiva, embora não numérica.

Em 2005, surgiu uma nova geração, os sertanejos universitários.


Baseados na estética musical do “acústico MTV”, chave nos anos 1990 e
2000, essa estética trocou a guitarra pelo violão de cordas de aço e o
teclado pelo acordeom.

AMOR E FARRA

É possível notar pelo menos três temáticas bastante claras nas letras
do sertanejo universitário: 1) o otimismo amoroso, que se contrapôs a
estética da música “de corno” melodramática das gerações anteriores;
2) a apologia da festa; e 3) a defesa da furtividade das relações
amorosas.

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O sucesso mundial de “Ai Se Eu te Pego” ilustra bem as propostas.


Essas temáticas se aliaram aos tradicionais melodramas sertanejos,
que cantam a distância entre amantes, a atual “sofrência”.

Desde 2015, com a aceitação crescente da participação das mulheres


neste mercado, vem se instaurando nova mudança na estética
sertaneja.

Artistas como Marília Mendonça, Simone e Simaria e Maiara e


Maraisa vêm construindo o chamado feminejo, tornando o gênero,
tradicionalmente produzido por homens, mais inclusivo.

Com mais debate cultural massivo, o feminismo pode crescer mais, a


despeito das possíveis simpli cações.

Pode parecer que a música sertaneja esteja vivendo um boom


momentâneo, moda de verão. Este espanto é recorrente nas elites
intelectuais nacionais, que se deparam com tamanho sucesso de
tempos em tempos.

Foi assim com Nelson Pereira dos Santos, o pai do cinema novo, que
para explicar seu espanto resolveu lmar “Estrada da Vida” em 1980,
uma cinebiogra a de Milionário e José Rico. Foi assim nos anos 1990,
quando muitos se questionaram sobre a nacionalização da música
sertaneja e, para depreciá-la, acusaram-na de “trilha sonora da Era
Collor”.

Nos anos 2000 muitos se espantaram com o sucesso mundial de “Ai Se


Eu te Pego”, algo que até então apenas “Garota de Ipanema” havia
conseguido em igual dimensão.

FEMINEJO

Hoje, grande parte da imprensa está interessada no feminejo. Há um


motivo contextual a explicar o fenômeno: uma grande sede da
sociedade por debates de gênero e empoderamento feminino.

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21/12/2017 O que ouvem os brasileiros - Ilustrada - Folha de S.Paulo

Mas não se pode esquecer que o que explica os constantes ápices da


música sertaneja é uma longa cadeia produtiva que não desaparece de
geração em geração, apenas é rearticulada (e alargada) pela
antropofagia pop-massiva.

A cada rearticulação novos valores aparecem, nomes surgem,


questões da atualidade massiva são incorporadas.

É preciso, assim, estudar o pop massivo a sério, entender suas


potencialidades e questões, para além do achincalhe que nossa
intelectualidade brasileira gosta de proferir com frequência.

In uenciada de todos os lados, a música sertaneja mistura de


guarânia a forró, arrocha a funk, melodrama sofrência a louvação do
indivíduo. Tudo cabe na boca antropofágica massiva do sertanejo,
epíteto do que se tornou grande amálgama de gêneros da geleia geral
cultural massiva brasileira.

GUSTAVO ALONSO é historiador e autor do livro “Cowboys do Asfalto: Música


Sertaneja e Modernização Brasileira” (ed. Civilização Brasileira, 2015)

ENTENDA

De Norte a Sul, por que afinal


ouvimos tanto o que ouvimos?

RAFAEL GREGORIO
DE SÃO PAULO

15.dez.2017 - 01h00

Por que o brasileiro ouve tanto sertanejo, funk e gospel?

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21/12/2017 O que ouvem os brasileiros - Ilustrada - Folha de S.Paulo

Para especialistas, porque os artistas desses gêneros surfaram melhor


as novas ondas: mudanças nas formas de produzir e consumir música,
novas estratégias de promoção de artistas e eventos, redes sociais e
até novos valores da juventude brasileira.

O professor Jean Henrique Costa, 34, credita a ascensão da tríade à


descentralização da produção, que “possibilitou novos mercados de
massa que não se orientam por razões puramente estéticas”.

Ele é docente da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte e


autor de tese de doutorado em que estuda o consumo do forró
eletrônico, preponderante no Nordeste.

Números revelam o real sentido de “mercado de massa”. Segundo o


levantamento da Folha, a cantora de “feminejo” Marília Mendonça
teve 4,1 bilhões de audições nos últimos três anos. Isso equivale à
soma de quase 20 artistas superpopulares, como Justin Bieber, Lady
Gaga, Katy Perry e o “rei” Roberto Carlos.

Tecnologia, redes sociais e exibilização autoral, diz Costa,


expandiram mercados “fortemente performáticos, baseados em
experiência, nas quais não interessa só a música, mas os shows, a
festa e a economia simbólica”.

Vera Regina Veiga França, professora de comunicação na


Universidade Federal de Minas Gerais, e Vanrochris Helbert Vieira,
mestre em comunicação social pela instituição mineira, também
creditam experiência e valores pelo sucesso dos sertanejos.

No artigo “Sertanejo Universitário: Expressão e Valores de Jovens


Urbanos no Brasil Contemporâneo”, eles analisam o fenômeno a
partir do que os fãs ouvem e vivem nos festivais e rodeios.

Segundo eles, o discurso de exaltação da ostentação (“camaro


amarelo” versus velha motocicleta), do sexo como conquista, não

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amor, e da individualidade em oposição ao valor comunitário caiu


como luva no jovem do século 21.

p
Os 20 mais tocados desde setembro de 2014
Sertanejo Gospel Infantil Funk Outros

Os gráficos estão na mesma


escala e altura é proporcional à
audiência diária

set jan jan jan


2014 2015 jul 2016 jul 2017 ago
Posição | Total de visualizações
Milhões de visualizações diárias

10

6
1º | 4,1 bilhões
4
Marília
2
Mendonça
0

5
2º | 3,8 bilhões
Henrique e
2
Juliano
0

3º | 3,5 bilhões
2
Bruna Karla
0

6
4
4º | 3,5 bilhões
2
Galinha Pintadinha
0
5
5º | 3,5 bilhões
2
Aline Barros
0
5
6º | 3,1 bilhões
2 Anderson Freire
0

5 7º | 2,9 bilhões
Zezé Di Camargo
2
e Luciano
0

6
4
8º | 2,9 bilhões
2
Maiara e Maraisa
0

8
6

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4
9º | 2,8 bilhões
2 MC Kevinho
0
4
10º | 2,7 bilhões
2
Jorge e Mateus
0

4
11º | 2,6 bilhões
2
Anitta
0
4
12º | 2,4 bilhões
2
Fernandinho
0

4
13º | 2,3 bilhões
2
Amado Batista
0

2 14º | 2,1 bilhões


Damares
0

4
15º | 2,1 bilhões
2
Wesley Safadão
0
4

2 16º | 1,8 bilhões


Roberto Carlos
0
4
17º | 1,8 bilhões
2
Eduardo Costa
0

4
18º | 1,7 bilhões
2
MC Livinho
0
4
19º | 1,7 bilhões
2
Matheus e Kauan
0
2 20º | 1,6 bilhões
0
Thalles Roberto

set jan jul jan jul jan ago


2014 2015 2016 2017

Uma Marília Mendonça equivale a...


Em bilhões de visualizações entre set.2014 e ago.2017

Caetano Esta linha tracejada


Beatles
Veloso delimita a audiência
Michael Jackson Lady Gaga 0,12
0,30 0,17 de Marília Mendonça
0,64
entre set.2014 e
Daft Punk
Titãs
0,11 ago.2017, que foi a
0,16
mesma de todos
Legião Urbana Zeca Pagodinho
Jorge esses artistas
0,57 0,29 Pabllo Vittar Ben Jor
somados, levando
0,14 0,10
em conta execuções
The Rolling
Gilberto Gil Stones
de músicas em
0,19 Chico Buarque
0 13
0,10 vídeos do YouTube
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21/12/2017 O que ouvem os brasileiros - Ilustrada - Folha de S.Paulo
,
0,13
Britney Spears Metallica Elis Regina no Brasil
0,36 0,33 0,08
Madonna Foo Fighters
0,18 0,13 Radiohead
0,05

IDENTIFICAÇÃO

“O sucesso do sertanejo costuma ser ligado ao interior paulista e


goiano e ao agronegócio, mas sua expansão fala sobre identi cações
profundas: problemas amorosos, a alegria da festa”, reforça Felipe
Trotta, 46, professor da Universidade Federal Fluminense.

Essa visão da música como meio, não m, também explica a ascensão


do gospel, que cresce em ritmo menor, mas estável, há duas décadas.

Diretora da SIM São Paulo, evento que, em 2017, reuniu 30 mil


pessoas em painéis e shows, Fabiana Batistela, 40, vê vantagens
adaptativas na canção de louvor tupiniquim.

“Ao contrário do que nos EUA, o gospel brasileiro não é um estilo


musical; qualquer coisa pode ser gospel se falar em Deus e sair da
igreja. É um produto de dominação.”

Ela assinala uma facilidade relativa dos religiosos em comparação


com outros agentes culturais. “Ao contrário do dono de casa de shows,
que paga impostos, Ecad, equipamento de som e banda, a igreja ocupa
uma garagem, põe éis para tocar de graça e vira a única opção de
diversão em periferias.”

BOMBAR NAS REDES

No caso do funk, a chave é o entendimento dos potenciais das novas


ferramentas para fazer e divulgar música.

MC Kevinho é um exemplo. Tal qual outros expoentes do funk, como


MC Guimê, o jovem de Campinas (SP) é agenciado pelo produtor e
empresário KondZilla, cujo canal no YouTube tem mais de 23 milhões

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21/12/2017 O que ouvem os brasileiros - Ilustrada - Folha de S.Paulo

de inscritos —eram 12 milhões em abril. Kevinho teve 2,8 bilhões de


audições nos últimos três anos —o nono artista mais ouvido do país.

O exemplo torna difícil entender que até setembro tenha tramitado no


Congresso Nacional uma proposta para criminalizar o gênero.

Não se pode nem alegar novidade: em 1987, o antropólogo Hermano


Vianna já contabilizara 600 bailes dedicados ao estilo no Rio, unindo
“mais ou menos 1 milhão de pessoas” por m de semana.

“Só a praia parece atrair público ‘ el’ maior”, escreveu no artigo “Funk
e Cultura Popular Carioca”, em 1990.

Se hoje o gênero expia temores ligados à violência e aos valores


tradicionais, naquele momento a crítica tinha a cor do ufanismo: seria
fruto de invasão destinada a impor a homogeneização cultural, como
preconizada por Umberco Eco (1932-2016).

Está lá, no texto de Vianna de, reforcemos, 27 anos atrás: “Mas o que
vem a ser a tal da ‘cultura popular carioca’? Quem determina o que é
autêntico e o que não é?”

VELHAS NOVIDADES

A jornalista e pesquisadora Debora Pill, 41, levanta outra bola: nem


tudo é tão novo. “A audiência é construída a partir de estratégias
velhas, incluindo o caquético ‘jabá’ [incentivo nanceiro à divulgação
de uma canção ou de um artista]. Muita gente gosta de artistas
simplesmente porque alguém quer que gostem.”

O sertanejo, ela diz, segue o clássico esquema de associação entre


gravadoras, empresários e meios de comunicação. “O funk se
apropriou disso também, mas atualizado pelo novo veículo de massa,
o YouTube. E o gospel alimenta sua literalmente el audiência no
culto de cada dia.”

http://arte.folha.uol.com.br/ilustrada/2017/musica-muito-popular-brasileira/introducao/ 55/56
21/12/2017 O que ouvem os brasileiros - Ilustrada - Folha de S.Paulo

Jornalista e apresentadora do programa de rádio “Faro”, no Rio,


Fabiane Pereira, 35, reforça o papel do bom e velho rádio sobre o
sucesso virtual.

Os números aferidos no YouTube, ela diz, batem com a programação


dos “dials” brasileiros. “Há inúmeras rádios populares que, em um só
dia, tocam dez vezes a mesma música de um mesmo artista.”

Essa imposição radiofônica, diz Fabiane, é a causa de um “problema”:


“Temos talvez a maior variedade sonora do mundo, mas, com raras
exceções, ouvimos música sertaneja do Oiapoque ao Chuí”.

O pesquisador Trotta também salienta “a notável coincidência entre as


músicas mais tocadas nas rádios e os vídeos mais vistos no YouTube,
inclusive através de recomendação aos usuários, que são pagas”. Para
ele, essa regeneração do “jabá” comprova que os símbolos da nova era
não estão livres “de agenciamentos de gravadoras e rádios”.

Texto: Alexandra Moraes, Amanda Nogueira, Fábio Takahashi, Felipe Maia, Gustavo Alonso, Rafael Gregorio,
Thales de Menezes e Victoria Azevedo / Edição: Matheus Magenta / Fotos: Mastrangelo Reino / Pesquisa
de fotos: Fabiano de Vito / Infografia: Daniel Mariani e Simon Ducroquet / Coordenação de arte: Thea
Severino e Kleber Bonjoan / Design e desenvolvimento: Angelo Dias, Thiago Almeida, Pilker e Rubens
Alencar

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