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Caetano e seu carro, mas também as manchetes de que Chico Buarque compra
baguetes para o lanche da tarde ou que Marcela Temer é Bela, recatada e do
lar: tomamos aqui essas textualidades como delimitação de um fenômeno que
coloca em evidência e saturação histórias de vida de sujeitos e, ao mesmo
tempo, desloca em suas bases semióticas o que se entende por escrita biográfica.
Na tentativa de organizar um percurso de pesquisa capaz de interrogar esses
fenômenos, foi mesmo o fato dessas expressões serem compreendidas em
chaves como “o banal”, “o cotidiano”, “o pequeno” que encaminhou nosso
olhar. A partir da aparente placidez desse ato de estacionar um carro – e a
ingenuidade em traduzir tal gesto em notícia –, fomos levados a tensionar e
desconstruir tal movimento à luz do conceito de biografema.
SUMÁRIO: explicar
CONTRACOMUNICAÇÕES
Feita essa extensa leitura das variações de uso das formas biográficas, a última
etapa do trabalho, pós-qualificação, foi a aposta em um rearranjo metodológico,
com maior investimento na exploração dos objetos.
São textos que nos fazem perceber melhor o cenário esboçado até então, de uma
absoluta relação transformadora entre a expressão biográfica e sua veiculação
comunicacional, apostanto em diversos tipos de remissões, entre aquelas mais
diretas, como nos textos de Caetano, ou em referências mais oblíquas a essa
relação intrínseca entre a vida e sua publicização midiática – SYLVIA PLATH
É, assim um uso político, não é inocente: se cria a vida para ela transformar em
modelo de conduta ou apontamento de punição, em um arquivo de infâmias que
faz sobreviver aquele descrito por Foucault. Mas com sua particularidade: o
detalhe é o que registra o desvio, ao mesmo tempo que o pune.
PALAVRA MÍTICA
Como mito, a vida de Doria adquire dupla dimensão, no que é narrada por
Amaury: o política se torna secundária, e o primeiro plano é ocupado pela
frivolidade e simplicidade do cotidiano, de suas manias.
É esse tipo de dobra a que nos voltamos ao final dos análises, na percepção de
que, ao se apropriar da forma biografemática, essas narrativas (bem como suas
contracomunicações críticas) não apenas manipulam uma ferramenta, como se o
biografema fosse apenas um instrumento dócil. A forma de dizer condiciona
esse dizer, parece uma lição clara.
Aí de volta a Inverdades e o fim desse texto, que acreditamos amarrar parte das
reflexões feitas até aqui, simultamente no que comenta um biografismo
midiático, retornando a suas matérias de origem, e o torcendo.
Gesto que é fágico, no sentido que nos obriga a voltar a Amaury e perceber que,
em meio a suas injunções, há também uma construção: que sua própria prática
de biografismo é tão fictícia quanto qualquer biografema. Aqui a estratégia é do
texto, torcendo aqueles que dele se utilizam.
CONSIDERAÇÕES