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Gradualismo

Ao explicar o pensamento de Azeredo Coutinho e Caetano Soares, Eduardo Pena


diz que o gradualismo estava baseado na ideia de se “manter a harmonia e o equilíbrio
social, a crença na evolução lenta e gradual das instituições, o ideal humanitarista, tudo
isso em nome da utilidade ou do interesse público”.1

Com relação ao acúmulo do pecúlio Caetano Soares defendia que os escravos


“animados pelo pecúlio e pela esperança da liberdade, os escravos seriam bons
trabalhadores, os senhores lucrariam mais e a relação entre ambos estaria sustentada por
uma respeitável e útil harmonia”.2

Sobre a questão do escravo poder acumular pecúlio para sua alforria, Eduardo
Pena destaca que para Caetano Soares, isso “contribuiria definitivamente para o
‘melhoramento da sorte’ deles e para a assimilação dos valores necessários (disciplina,
amor e diligência no trabalho, bom comportamento, ‘virtude’, ‘melhor moral’ etc.) para
se viver em liberdade”.3

Ao utilizar argumentos religiosos e filosóficos, Caetano Soares defendia tanto a


libertação gradual dos escravos quanto a indenização aos senhores, sua intenção era
harmonizar senhores e escravos no “lento e delicado processo de abolição da
escravidão”.4

Ao tratar da questão da razão de Estado entre os jurisconsultos do IAB, Eduardo


Pena diz que ela foi instrumentalizada de duas formas opostas, para os propugnadores do
projeto do Ventre Livre, a razão de Estado “significava colocar gradualmente o mundo
privado da escravidão sob o controle e domínio da Lei”. No entanto, para os opositores
do projeto, “uma interferência exagerada do Estado no mundo privado senhorial geraria
a própria desordem, afetando a unidade e integridade da nação. (...) Para eles, a reforma
deveria ocorrer sim, mas com uma supervisão mínima do Estado e, de preferência, pela
iniciativa privada dos senhores”.5

1
PENA, p. 157.
2
PENA, p. 162.
3
PENA, p. 163.
4
PENA, p. 165.
5
PENA, p. 272.
Caetano Soares rejeitava qualquer ideia de uma abolição imediata no país. “Por
acreditarem que os escravos sairiam imediatamente das fazendas e, “despreparados” para
a liberdade, migrariam para as cidades, tornando-se ‘ociosos’ e propensos ao ‘crime’. A
principal e recorrente estratégia política para a abolição da escravidão, contida nestas
propostas, foi, portanto, a do gradualismo. Da mesma forma que os senhores dosavam a
liberdade de seus escravos por meio do mecanismo da alforria, o Estado imperial
administraria a concessão da liberdade em doses políticas homeopáticas a fim de que a
ordem pública e a economia dos proprietários não fossem abaladas”.6

Joseli Mendonça destaca que “o acúmulo do pecúlio, sendo resultado das


economias do escravo – provenientes de seu trabalho ou de doações que recebesse -,
estava, de alguma forma, mais sujeito ao controle dos senhores”.7

Joseli Mendonça destaca que a associação entre o gradualismo e o


encaminhamento parlamentar da emancipação pode ser entendido de outra maneira.
“Assim, se por um lado a definição de uma legislação emancipacionista parecia poder
cumprir um projeto de abolição lenta, gradual, sem que a liberdade significasse a ruptura
absoluta com a relação de escravidão, por outro podia significar um ‘apressamento’ no
processo, um acirramento nos conflitos entre senhores e escravos, uma dificuldade para
a produção de libertos dependentes”.8 As leis teriam portanto, contribuído sim para o fim
da escravidão.

Segundo Célia Azevedo, ao contrário do abolicionismo norte-americano em que


havia ao mesmo tempo separação entre abolicionistas negros e abolicionistas brancos e
“convergência intelectual”, no abolicionismo brasileiro escravos negros e homens livres
brancos viviam mundos a parte. Ao analisar o discurso de Joaquim Nabuco, Célia
Azevedo ressalta que “fica claro que os abolicionistas não reconheciam nenhuma
possibilidade de uma interação intelectual com pessoas oriundas das senzalas”.9

Segundo Célia Azevedo, ao contrário do abolicionismo norte-americano que


caracterizava o senhor como inimigo do escravo, no Brasil, os abolicionistas
caracterizavam o escravo como inimigo do senhor.10

6
PENA, p. 275.
7
MENDONÇA, p. 97.
8
MENDONÇA, p. 106.
9
AZEVEDO, Celia. Irmão ou inimigo, p. 106.
10
AZEVEDO, p. 103.
Legalismo

Eduardo Pena afirma que a falta de um Código Civil no Império fazia com que os
jurisconsultos fizessem interpretações várias sobre o mesmo tema jurídico. “Em relação
à escravidão, o labirinto pareceu ser maior e mais complexo”.11 No entanto, isso também
possibilitou que escravos e libertos acessassem a justiça em prol de seus interesses.
Idêntica constatação feita por Joseli Mendonça, “se é verdade que muitos escravos se
insurgiram abertamente contra a escravidão, muitos outros utilizaram-se das
possibilidades – ainda que extremamente restritas – que a legislação emancipacionista
lhes abrira para tentar valer seus anseios de liberdade”.12

Segundo Joseli Mendonça, “a ação parlamentar em torno da abolição e o corpo


legal dela decorrente marcaram e estiveram marcados pelas lutas presentes nas relações
sociais de escravidão e travadas em torno da liberdade”.13

Segundo Joseli Mendonça, ao contrário dos Estados Unidos, no Brasil, o


encaminhamento parlamentar da questão fez com que tudo se fizesse dentro da ordem, de
forma pacífica.14

Joseli Mendonça destaca que no encaminhamento do projeto dos sexagenários foi


quando os opositores à lei mais se prontificaram a apelar para a necessidade de proteção
dos libertos. Dantas havia sido transformado pelos opositores em algoz dos
sexagenários.15

A ideia de que o escravo precisava ser tutelado para não ser entregue à miséria ou
aos vícios, fazia com que os opositores das leis emancipacionistas utilizassem argumentos
filantrópicos a fim de proteger o escravo.16

Joseli Mendonça destaca que muitos parlamentares nutriam uma visão muito
pessimista com relação ao liberto se adaptar ao trabalho livre e identificavam a causa nos

11
PENA, Eduardo Spiller. Pajens da Casa Imperial: jurisconsultos, escravidão e a Lei de 1871. Campinas:
Editora da UNICAMP, 2001, p. 118.
12
MENDONÇA, Joseli Nunes. Cenas da Abolição: escravos e senhores no Parlamento e na Justiça. São
Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2001, p. 13.
13
MENDONÇA, p. 14.
14
MENDONÇA, p. 18.
15
MENDONÇA, p. 30.
16
MENDONÇA, p. 31.
defeitos gerados pela escravidão. No entanto, para esses parlamentares a grande
preocupação era que os libertos não quisessem mais manter o trabalho nas lavouras. Dessa
forma, a ociosidade que os parlamentares temiam era todo o tipo de trabalho que não se
destinasse à agricultura.17 Muitas dessas atividades fora da lavoura incluía as que os
escravos de ganho já realizavam, por exemplo, serem carregadores de pessoas ou de
mercadorias no caso dos homens; no caso das mulheres havia a possibilidade de trabalhar
no comércio de alimentos. Outras atividades incluíam serem costureiras, pedreiros,
marceneiros, padeiros, barbeiros, etc.18 “Ou seja, para grande parte dos parlamentares que
se debatiam com o ‘destino’ que os libertos dariam à vida em liberdade, o grande
problema, ainda que não fosse assim nomeado, era que o liberto seria um trabalhador ao
qual se dava maior margem de escolha”.19

Dessa forma, entendia-se que a liberdade deveria estar pautada no trabalho,


especificamente, no trabalho rural. Nem os abolicionistas fugiam a essa visão.20 Na
incapacidade do Estado de prover essa aprendizagem do trabalho livre, os escravos
deveriam ser treinados no próprio estabelecimento agrícola. O que se pretendia era
“estabelecer um sistema de libertação que não rompesse o controle dos antigos senhores
sobre os libertos”. Entendia-se que assim os libertos estariam protegidos dos perigos da
liberdade assim como os senhores teriam preservado o trabalho em suas lavouras.21

Redenção do senhor

Emília Costa também afirma o fato de Joaquim Nabuco buscar no abolicionismo


“antes uma libertação da raça branca que da raça negra e que via na abolição uma maneira
de se desvencilhar dos malefícios do sistema tradicional. Repelia a agitação das senzalas,
a mobilização dos escravos”.22

17
MENDONÇA, p. 38.
18
MENDONÇA, p. 39.
19
MENDONÇA, p. 41.
20
MENDONÇA, p. 41.
21
MENDONÇA, p. 44.
22
COSTA, Emilia Viotti da. Da Senzala à Colônia. 5ª ed. São Paulo: Ed. UNESP, 2012, p. 414.
Até mesmo abolicionistas como Rui Barbosa defendiam a ideia de que o liberto
precisava ser tutelado. O escravo precisava aprender a viver em liberdade. Para Alfredo
Chaves em 1888, a proteção ao liberto era uma medida para proteger a sociedade livre.23

Dentre os principais temores com relação ao liberto estava o medo de eles se


recusarem a trabalhar.24

Construção nacional

Emília Costa ressalta que Joaquim Nabuco defendia a ideia de que a escravidão
era o principal obstáculo para o desenvolvimento industrial brasileiro. A escravidão era
responsável pelo atraso brasileiro.25

Emilia Costa destaca que em 1880 Campos Sales, um representante da lavoura


paulista do centro e oeste, dizia que os abolicionistas eram precipitados. A escravidão não
havia sido realmente um obstáculo para a imigração. O verdadeiro obstáculo para a
imigração era a falta de liberdade de cultos, do casamento civil, dos registros civis de
nascimento e óbito, a secularização dos cemitérios e concessão ao estrangeiro
naturalizado de todos os direitos políticos.26

Literatura abolicionista

Emília Costa destaca que a literatura anti-escravista contribuiu para o


desenvolvimento da “consciência emancipadora”.27 Na década de 1880, como ressalta
Emília Costa, os jornais passaram a trazer “folhetins de caráter sensacionalista, que
descreviam em abundância de adjetivos o sofrimento do escravo”. Essas publicações
alimentavam a luta antiescravista. Foram instrumentalizadas pelo abolicionismo na
formação da opinião pública pró abolição.

23
MENDONÇA, p. 32.
24
MENDONÇA, p. 33.
25
COSTA, P. 414.
26
COSTA, P. 423.
27
COSTA, p. 454.
Imigração

Emília Costa aponta que com relação ao interesse pela imigração, governo e
fazendeiros se opunham. Enquanto para o governo, o que realmente interessava era a
imigração de povoamento dando propriedade para o imigrante, isto é, uma imigração com
efeito civilizador. Os fazendeiros, porém, se interessavam apenas pela imigração como
substituição da mão de obra, eles desejavam braços para a lavoura.28

Emília Costa aponta como fatores que atraíam muito mais os imigrantes para os
Estados Unidos do que para o Brasil, dentre outros os seguintes: oportunidade de ascensão
social, clima semelhante ao da Europa, liberdade de cultos, mais oportunidade de acesso
à propriedade. “Nada de semelhante poderia oferecer o Brasil, nessa primeira metade do
século”.29

Discurso semelhante havia entre aqueles que haviam se decepcionado com o


sistema de parceria para atrair imigrantes. Reclamavam que a verdadeira colonização, de
homens moralizados e industriosos ainda não havia chegado ao Brasil. Com todos os
gastos do governo, somente os “vadios, mendigos e réus” vinham para o Brasil.30

Diante do insucesso da colonização, passou-se a pensar no escravo liberto como


alguém que poderia povoar os sertões e como substituição da mão de obra na lavoura.31

Sobre a dificuldade de obrigar a população livre e pobre urbana a voltar a trabalhar


na lavoura, que para muitos fazendeiros ainda e 1878, entendiam ser causada pela falta
de educação do povo, ou por questão de mentalidade, ou preguiça, Emília Costa ressalta
que “para essa população livre, trabalhar na fazenda, na situação de camarada, era o
mesmo que aceitar sua redução à condição de escravo”.32

Investimento em tecnologia

28
COSTA, p. 111.
29
COSTA, p. 119.
30
COSTA, p. 153.
31
COSTA, p. 162, 166, 167.
32
COSTA, p. 169.
Emília Costa ressalta que os fazendeiros eram avessos às inovações tecnológicas.
“O apego à rotina só foi vencido em certas regiões, depois da abolição”.33

Muitas das ideias sobre a pouca produtividade do escravo em relação ao trabalho


livre e sobre a escravidão ser contrária ao Evangelho já era divulgada desde a década de
1830 por Frederico Leopoldo César Burlamaque. Para quem, a escravidão eliminava a
possibilidade do trabalho livre e impedia o acúmulo de riquezas. “Imobiliza os capitais,
desviando-os de empresas mais produtivas: indústria, manufaturas, transportes terrestres
ou marítimos. É responsável pelo atraso da lavoura”.34

Abolição

Emília Costa indica que com o crescimento do movimento abolicionista e as


diversas libertações tornaram o cativeiro mais difícil de suportar.35 Emília Viotti destaca
que no ápice do abolicionismo fim de 1887 e início de 1888, até mesmo os alforriados
sob cláusula de prestação de serviços abandonavam as fazendas.36

Tratando da dificuldade na aplicação do fundo de emancipação para o benefício


do escravo, Emília Costa destaca que os senhores escolhiam para serem libertos pelo
fundo os escravos doentes ou incapacitados para o trabalho preterindo os que estavam em
pleno vigor físico.37

Emília Costa faz uma avaliação crítica do projeto de Dantas esclarecendo que ele
“não era tão radical como faziam pensar os seus adversários. Hoje, visto a distância,
parece-nos uma tentativa de compromisso com a agitação abolicionista que ameaçava a
ordem tradicional”.38

De acordo com Emília Costa, para os libertos após a abolição, “a liberdade


implicava, antes de mais nada, o direito de ir embora, de se deslocar livremente, de
abandonar a lavoura, de trabalhar onde, como e quando quisessem”.39

33
COSTA, p. 218.
34
COSTA, p. 392.
35
COSTA, p. 354.
36
COSTA, p. 367.
37
COSTA, p. 447.
38
COSTA, p. 471.
39
COSTA, p. 494-495.
Exegese bíblica sobre a escravidão

Eduardo Pena destaca que já em Caetano Soares, na década de 1850 dizia que a
escravidão registrada no Antigo Testamento não justificava a escravidão moderna, pois
aquela era uma lei civil e não um preceito religioso.40

A questão do direito romano

Racialização

Segundo Célia Azevedo, os abolicionistas brasileiros a exemplo de Joaquim


Nabuco, “incorporavam cada vez mais as teorias científicas de raça às suas opiniões sobre
o escravo”,41 principalmente nas décadas de 1870 e 1880. Esse escravo africano era
portador de todos os vícios trazidos da África para cá.

40
PENA, P. 149.
41
AZEVEDO, p. 109.

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