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Seu olhar estrangeiro nos permite observar um dado essencial nesta tão propalada
modernização do teatro no Brasil: que as mudanças ocorridas no ambiente teatral neste
momento histórico se configuram como “uma crise de desenvolvimento” e vai mais
além é “a mais simpática das crises”. Para compreendermos essa afirmação, devemos
ter em mente, que o projeto de modernização do teatro brasileiro se operou a partir de
uma série de rupturas e crises entre universos que se mesclavam: o universo das Cias
profissionais, que ainda mantinham como parâmetro um teatro voltado para o consumo
popular, ainda aos moldes da chamada Geração Trianon, e dos grupos de jovens
amadores, que travaram uma verdadeira batalha para desmontar aquilo que
consideravam um teatro antiquado, calcado na improvisação e na falta de unidade
cênica. Na tentativa da desconstrução deste paradigma teatral o ponto focal articulado
por esses grupos se concentrou na formação e aprimoramento técnico dos seus
componentes. Além disso, também devemos considerar a própria platéia consumidora
dos espetáculos que, de certa forma, ainda mantinha uma visão conservadora sobre o
que assistia e ia normalmente ao teatro para “rir, rir, rir” (Prado; 2001:20), e esperava a
entrada em cena dos grandes atores e atrizes – normalmente donos das companhias –
que arrastavam essas multidões aos teatros.
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carpintaria teatral como Claudio de Souza, Gastão Tojeiro, Armando Gonzaga,
Heitor Modesto e Abadie Faria Rosa, que tiveram grandes sucessos no antigo
“Teatro Trianon” (que se erguia onde hoje se acha o “Cineac Trianon”), com
Cristiano de Souza, Leopoldo Fróes e depois Procópio Ferreira, esse gênero
perpetuou – se entre nós, tomando o nome do Teatro e emigrando depois para a
Cinelândia, onde estabilizou – se no infecto porão que o Sr. Vivaldo Leite
Ribeiro armou em teatro, com nome de “Rival” e que aluga por esse propósito.
(apud Cafezeiro/Gadelha; 1996:441).
O ator cômico vinha assim se colocar, sem que ninguém sequer lhe disputasse
esse direto, no centro do teatro nacional. O que se exigia dele, de resto, não era
tanto preparo técnico, recursos artísticos, e sim ao contrário, que se mantivesse
sempre fiel a uma personalidade, a sua, naturalmente engraçada e comunicativa.
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A historiadora Maria de Lourdes Rabetti circunscreve muito bem o período que os
estudiosos denominam de modernização teatral brasileira da seguinte forma:
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sistema ocular. A segunda seria um fenômeno mental: ela começa nos olhos, é
no espírito que se realiza a arte do teatro que seria a arte, nascida da visão do
encenador,que deslancha e desencadeia a visão dos espectadores. (Vallin;
2006:91, 92).
Sob este ponto de vista: que desloca o eixo do teatro do texto para uma semiótica das
imagens, podemos compreender o embate que se travou no Brasil a partir dos anos
trinta e, das diversas rupturas ocorridas contra a estética da Geração Trianon, quando
correntes teatrais formadas por jovens atores, cenógrafos, intelectuais, buscaram
desarticular o histrionismo dos atores vedetes, da caixa de ponto, da falta de unidade
estética nos figurinos, cenários, adereços, iluminação e os demais componentes dos
espetáculos teatrais produzido nos palcos brasileiros de então.
Sob esse ponto de vista, devemos compreender que o início dos trabalhos do TEB foi
de vital importância para o teatro brasileiro. Desde a primeira encenação do grupo:
Romeu e Julieta, de Shakespeare, dirigida por Itália Fausta, se instaurou no Rio de
Janeiro, e posteriormente em todo o Brasil a idéia de um espetáculo em que todos os
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seus elementos estão bem articulados e sintonizados em torno de um diretor, a partir de
um estudo do autor, da época em que a peça ocorre e, um treinamento técnico para os
atores. Tania Brandão discute essa afirmação do moderno a partir da montagem de
Shakespeare pelo TEB:
Assim, a opção pela montagem do TEB parece essencial, pois ela sugeriu uma
mudança radical no pressuposto mais importante do teatro: a pedra de toque
para a afirmação do moderno, em um teatro em que os motores da cena eram os
atores e os atores eram antigos, teria que ser a formação de uma nova geração
de intérpretes, recrutada em novas bases. O desafio era grande, pois não
existiam diretores capazes de formar atores. (...) Foi a veterana Itália Fausta que
recorreu, para que ocupasse o cargo de diretora. (...) Tudo indica que
efetivamente Itália Fausta estava interessada em exercer a função de diretora,
que não existia no Brasil. Aqui era ainda a terra do ensaiador, profissional um
pouco mais tarimbado ou simples cabeça do elenco. (Brandão; 2009: 96,97).
Em Londres, Paschoal entrou no teatro. Escreveu peças, mas não é isso que o
fez popular. Abriu o apartamento de diplomata, numa época de intensa
austeridade dos ingleses, a atores famosos, John Gielguld, Beatrix Lehman,
Laurence Olivier, etc., alguns homossexuais. Teve um caso de amor com o
bissexual Michael Redgrave... jovem bonito, cheio de charme, apelidaram – no
de The Brazilian Bombshell, o apelido de Carmem Miranda em Hollywood. Um
sucesso absoluto. (apud Rabetti; 1988: 12).
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marcados por uma preparação corporal, vocal e teórica e rigorosa, com oficinas
desenvolvidas para cada espetáculo.
O contexto desta modernização ocorrida nos palcos brasileiros pelo TEB, também
deve ser analisada por outro ângulo destacado pela historiadora Bete Rabetti: O teatro e
o poder. Historiograficamente a chegada ao poder de Getúlio Vargas na “Revolução de
Trinta” é essencial para compreendermos esse projeto de modernização. É importante
destacar o papel decisivo de Gustavo Capanema gerindo o Ministério da Educação.
Edvaldo Cafezeiro destaca o papel dos intelectuais dentro da “máquina do poder” ao
refletir:
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homens nascidos entre 1900 e 1910, acostumados portanto a enfrentar quase
sozinhos o pior adversário daquele momento, o descrédito em que havia caído o
teatro. (Prado; 2001:38,39).
Outro fator que permitiu a desconstrução das práticas da Geração Trianon visto
como uma arte espúria, calcada apenas na diversão e, sem preparo técnico, foi também
em 1938 o início do trabalho do grupo Os Comediantes. Os seus participantes se
reuniam inicialmente no Palace Hotel, na Avenida Rio Branco, no local onde
atualmente está construído o Edifício Marquês de Herval. O hotel era o ponto de
encontro da elite carioca, a então chamada Jeunesse Dorrée da cidade. Na parte dos
fundos do hotel se encontrava instalada a Associação de Artistas Brasileiros,
coordenada por Celso Kelly. Gustavo Dória descreve como eles surgiram:
Ansiava ele, porém, por algo mais sólido e mais concreto, e assim depois de
inúmeras experiências, resolveu promover um concurso de teatro amador para
peças de um ato, cujo prêmio seria a montagem e a representação do vencedor
ou dos vencedores dentro de um espetáculo, em temporada regular, no então
Teatro Regina (hoje Dulcina).
“Era preciso que exprimisse o meu real desejo; que cada elemento reunisse o conjunto
de qualidades necessárias para encarnar qualquer personagem. Acho que foi num
dicionário ou revista italiana na qual havia um artigo do meu amigo Mário da Silva que
encontrei a definição específica, diferenciando ator de comediante”.
É comum encontrar referências que procuram associar Santa Rosa (e com ele Os
Comediantes) ao pensamento de Copeau e Jouvet, dois encenadores vistos pelos
renovadores como defensores da idéia de ensemble no teatro. Ao nosso ver, esta
associação já dada aqui, na própria escolha do nome do grupo e, no entanto, vinculada
diretamente à questão do trabalho do ator. (...) Para além de uma exata recuperação das
fontes, o que aqui se quer observar é a introdução da questão do ator – segundo modelo
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externo, moderno – para configurar, de uma forma cada vez mais sofisticada, a entrada
do nosso teatro para a modernidade. (apud Rabetti; 1988: 16,17).
O espanto dos integrantes do grupo com o trabalho realizado por Ziembiski advinha
da sua enorme experiência na Polônia trabalhando a estética expressionista e, da sua
sólida formação teatral antes de chegar ao Brasil. Desse encontro, aparentemente casual
iria se consolidar entre os Comediantes e Ziembiski, a encenação de Vestido de Noiva,
de Nelson Rodrigues, considerado um marco na dramaturgia e na encenação modernas
brasileiras.
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Os comentários de Ziembiski, acerca de Vestido de Noiva são bastante
esclarecedores:
Eu acho que Vestido de Noiva chamou a atenção porque, diante de outros tipos
de espetáculos da época, era um texto brasileiro altamente categorizado. Nele
respirava a realidade do Brasil, e principalmente a realidade carioca. Isso o
transformava num monumento de fraternidade extremamente grande. Além
disso, o que havia, no espetáculo, de expressionismo, o levara para além da
realidade comum. Principalmente porque seu expressionismo não pecava pelo
formalismo comum a outras expressões do expressionismo. Era um
expressionismo de forma, mas baseado num extremo realismo, quase puxado a
uma interpretação naturalista do texto. Então havia todo um sabor de
composição que sintetizava e reduzia a realidade na sua forma existente, ao
mesmo tempo aberto pela verossimilhança daquilo que acontecia com suas
figuras. (Ziembiski; 1981: 180).
Ora, na verdade, Jouvet nos ajudou e muito. Mostrou uma nova maneira de
apresentar o espetáculo teatral; salientou a importância do teatro e mostrou,
ainda, as possibilidades do artista brasileiro. (...) Tudo isso despertava a nossa
atenção e ainda para um aspecto para o qual ainda não tínhamos voltado os
olhos. Não seria verdade dizer – se que o autor brasileiro não estava nas
cogitações dos mentores de Os Comediantes. Mas o certo é que, diante da
qualidade mínima existente, não havia também esforço no sentido de procurar
algo possível a ser revelado. (...) Foi quando surgiu o texto de um jovem
escritor, que tivera sua peça estreada um ano antes, pelo elenco oficial
patrocinado pelo Serviço Nacional de Teatro, sem maior êxito. Tratava – se de
um jornalista em início de carreira, pertencente a uma família de jornalistas e
filho de conhecido homem de imprensa. Era Nelson Rodrigues, cujo novo
original despertou o interesse de Ziembisnki, pois que se lhe apresentava como
um campo de ação fabuloso. Vestido de Noiva era um presente dos céus a sua
formação expressionista. (Dória; 1975: 16, 17,18).
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um marco na modernização do teatro brasileiro. Os cenários de Santa Rosa foram
divididos em dois planos: em cima Realidade, embaixo Memória e Alucinação. Desta
forma o cenógrafo conseguiu materializar cenicamente a seqüência aparentemente não
cronológica, onde o tempo e o espaço se mesclavam no interior da psique da
personagem principal – Alaíde que depois de ser atropelada, estava em uma sala de
operações. Emmanuel Bassante discute essa modernidade em relação aos cenários de
Santa Rosa – ou o território cênico como Ziembinski denominava o espaço – da
seguinte forma:
A peça Vestido de Noiva poderia ser definida como uma tragédia da memória.
Um desastre de automóvel leva a personagem principal, Alaíde, a uma mesa de
operação e, à proporção que ela caminha para a morte, as lembranças soterradas
pelo inconsciente vêm a tona, construindo com suspense a trama da peça, dando
sentido aos fragmentos de realidade, memória e alucinação, que se juntam como
peças de um quebra cabeça. (Barsante; 1981: 54).
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Ziembiski, foi tomada de um certo estupor.Decio de Almeida Prado comenta o impacto
do espetáculo ao afirmar:
O que víamos no palco, pela primeira vez, em todo o seu esplendor, era essa
coisa misteriosa chamada mise em scene (só aos poucos a palavra foi sendo
traduzida por encenação), de que tanto se falava na Europa. Aprendíamos com
Vestido de Noiva, que havia outros modos de andar, falar e gesticular além dos
cotidianos, outros estilos além do naturalista, incorporando – se ao real, através
da representação, o imaginário e o alucinatório. O espetáculo perdendo a sua
antiga transparência, impunha – se como uma segunda criação, puramente
cênica, quase tão original e poderosa quanto a instituída pelo texto. (Prado;
2001; 40).
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Entendeu o Ministro Gustavo Capanema que o governo devia animar
temporadas de arte para elites intelectuais e destacou 300 mil cruzeiros de verba
do SNT, nos exercícios de 43 e 44, para este fim. Dulcina e Odilon, simpáticas,
queridas e aplaudidas figuras de comediantes tomaram a si o pesado encargo, e
com o exagero tropical das coisas da nossa terra, ensaiaram e montaram, em
sessenta dias, cinco peças de grande projeção artística e intelectual e já gastaram
nesse afã mais de 400 mil cruzeiros.
Mas em nossas conversas, Dulcina sem ordenar memórias que nem sempre
eram relembradas com precisão que eu desejaria, me disse:” Um dia, eu recebi
um convite do Ministro Capanema, Ministro da Educação. Me pediu para
procura – lo e me disse: “Dulcina, você quer fazer, no ano que vem, uma
temporada oficial no Municipal? (apud Viotti;2000:292).
Para esta Estação para Intelectuais a atriz não estava apenas interessada em agradar
somente aos intelectuais, mas permitir o acesso de um público mais popular a
espetáculos considerados de difícil compreensão. Sergio Viotti destaca o interesse da
mídia sobre este aspecto, revelando o que os jornais anunciaram antes do início dessa
temporada:
Eu, pelo menos penso que estou vivendo um momento de loucura. O que você
está vendo hoje é parte do nosso trabalho diário. Porque não se trata de um
trabalho comum, com atores experimentados, em que cada um recebe seu papel
e sabe o que vai fazer. (...) É preciso ensaiar cada detalhe e cada palavra,
primeiro em separado, depois em conjunto. (apud Viotti; 2001: 294, 295).
As críticas ao seu desempenho como Santa Joana também foram bastante positivas.
Viotti nos revela mais uma vez essas análises da mídia:
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artista de grande classe, segura das suas intenções, nuançando como depois de
longa experiência de um teatro de arte. (apud Viotti; 2001:291).
Mais uma vez observamos nestes comentários uma referência de uma atriz – e do
resto do elenco – que desenvolve sua atuação pautada por uma busca das nuances que
caracterizam os atores modernos, ou como foi definido: “artistas de longa experiência de
um teatro de arte”.
Luiza Barreto Leite – uma das fundadoras dos Comediantes - se refere a esse
momento de transformação na Revista Leitura, em um artigo intitulado 1944 e o Teatro:
Dulcina Iniciou uma nova fase, marcou uma etapa ascendente em sua carreira
artística, que as más línguas afirmam haver atingido o pináculo e, como tal,
estar sujeita ao autoplágio e a conseqüentemente decadência. Dulcina nasceu no
ano passado para o teatro nacional, para o bom teatro, é claro. (...) Foi aí que
Dulcina surgiu realmente afastada de Louis Vermeil e de seu antigo repertório,
que se compunha, em sua grande maioria, de peças indignas do talento
dramático e da inteligência humaníssima da nossa maior atriz. Ela provou a si
própria e aos críticos ser capaz de agradar integralmente sem concessões de
ordem material ou artística, feitas ao público e as casas de modas. (apud Leite;
1945: 8).
Em 1945, numa temporada oficial do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, ocorrida com apoio e
subvenção do Ministro Capanema, a Companhia Dulcina – Odilon apresenta a montagem de
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Chuva (Rain, de John Cotton e Clemence Randolph, adaptação do conto homônimo de William
Somerset Maughan: 1932), peça traduzida, a convite dos atores por Genolino Amado.
Sergio Viotti cita mais uma vez as palavras de Luiza Barreto Leite sobre o dado
modernizador impresso na montagem de Chuva:
Os amadores tem feito belas coisas, é verdade, mas não é possível, dentro de um
regime capitalista, realizar nada permanentemente e definitivamente bem. (...)
Agora teremos Chuva, que já estará em cena quando esta crônica for publicada;
e, ou essa peça, que para mim é o maior trabalho de Dulcina como atriz, será
um dos seus maiores sucessos de bilheteria, ou a tese que venho defendendo
com tanto entusiasmo, que o público quer teatro bom e emocional, nas questões
sociais, é um miserável fracasso. (apud Viotti; 2001:332).
O crítico Bandeira Duarte também escreveu na sua coluna do jornal Diário da Noite
uma crítica elogiosa a atuação de Dulcina:
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O início dos trabalhos do Teatro do Estudante e o impacto de Vestido de Noiva,
pelos Comediantes incentivaram “a velha guarda’ a revisar o estilo de seus espetáculos.
Decio de Almeida Prado destaca que no panorama dessa modernização teatral dos anos
quarenta a Cia Dulcina – Odilon e Os Artistas Unidos, coordenada por Henriette
Morineau eram as que traduziam mais fortemente essa proposta modernizadora da cena
brasileira:
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de fatores confluíram para uma série de transformações que podemos considerar como
modernas. Sob este aspecto Tânia Brandão nos fornece reflexões valiosas, ao dizer:
Em geral, a leitura dos textos que trabalham com o estudo do teatro moderno
brasileiro deixa no ar uma sensação estranha. Parece que o palco foi modificado
por mutação: saiu de cena o quadro do teatro antigo, entrou o do teatro
moderno. As contradições e dificuldades não são consideradas, os limites
impostos a afirmação da modernidade não são revelados. Para o leitor, nem
sempre fica claro o fato de que o moderno foi se impondo por um processo de
deslocamento, do amadorismo, cujas platéias são específicas e com freqüência
reduzidas, para o profissionalismo. Mesmo quando o gradualismo, o
deslocamento, é considerado, a forma usada para tratar a questão, após a
“vitória” da modernidade, surge ainda uma espécie de mutação, como se
houvesse ocorrido uma apoteose moderna, como se o teatro antigo tivesse
desaparecido, tragado pela multidão. (Brandão; 1990: 34).
Além desta mescla entre um teatro com características ainda conectadas a práticas da
Geração Trianon e o teatro que se afirma como moderno com a presença dos grupos
amadores, também devemos refletir sobre os anos subseqüentes ao término da Segunda
Guerra Mundial. A política populista do Estado Novo praticada por Getúlio Vargas
passa a ser vista como antidemocrática, culminando com o seu suicídio em 1954,
gerando uma mudança no olhar sobre o Brasil que pretende modernizar – se,
democratizar - se. No âmbito internacional o impacto da guerra abriu espaço para
profundas modificações sociais que se refletiram no teatro. Uma das vertentes que se
desenvolveram com vigor – principalmente nos Estados Unidos - foi o teatro realista, e
na Europa registramos um teatro de vanguarda no qual o teatro do absurdo e a visão
brechtiniana têm um lugar de destaque.
A rotina das companhias profissionais, com poucas exceções, mal foi afetada
por toda a movimentação européia. Dominava os palcos uma sólida produção
do realismo caseiro da comédia de costumes, entremeada de provados sucessos
internacionais. O movimento dos amadores foi empreendido no intuito de se
modificar essa situação; considerando – se sua contribuição no geral,
percebemos que implantaram no país as transformações já incorporadas na
Europa pelo profissionalismo convencional. As fontes primordiais da renovação
se situaram em Jacques Coupeau, Louis Jouvet, Gaston Baty, Charlles Dullin e
Georges Pitoëff, enfim, o Cartel, em conjuntos similares ou equivalentes.
(Guzik; 1986: 36).
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Mesmo observando essa mescla de elementos renovadores, com práticas teatrais
ainda vistas como antiquadas, devemos refletir que esse final da década de quarenta, se
encaminhando para a década de cinqüenta foi decisivo no processo de modernização do
teatro brasileiro. O ano de 1948 também é considerado como emblemático para o teatro
brasileiro. É o ano que, em São Paulo, se iniciaram os trabalhos do TBC – Teatro
Brasileiro de Comédia. A historiadora Maria de Lourdes Rabetti comenta a importância
do surgimento do TBC da seguinte forma:
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atorial mais homogêneo (com um treinamento mais uniforme e técnico), aliado ao
conforto da casa de espetáculos, somados a um repertório de grande qualidade artística e
intelectual, materializado cenicamente por uma produção realizada nas oficinas do
teatro (figurinos, adereços, cenários, iluminação, sonoplastia), tendo como ponto central
e unificador dos espetáculos um encenador que dominasse as técnicas modernas de mise
em scene.
Mariângela Alves Lima nos chama a atenção sobre “essa base mais sólida” presente
nos espetáculos do TBC:
O balanço que Décio de Almeida Prado fez, em Janeiro de 1953, sobre o teatro
paulista atribui ao TBC uma posição, em São Paulo, comparável a da Comedie
em Paris. O conjunto dispõe, no seu quadro fixo, de dezoito atores, quatro
encenadores (Celi, Ziembinski, Salce,e Bollini), um cenógrafo (Vaccarini), onze
auxiliares e treze funcionários. Está bem clara, a essa altura, a orientação do
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repertório: peças comerciais alteram – se com textos mais difíceis. (...) A essa
altura não há mais dúvida quanto às características e às diretrizes do TBC: uma
companhia conduzida com espírito empresarial,não no sentido de obtenção de
lucros mas de funcionamento de moldes rígidos de uma indústria; a presença
superior de Franco Zampari, um verdadeiro mecenas, que obteve também a
colaboração de amigos e de figuras de relevo na fundação da Sociedade
Brasileira de Comédia, sem fins lucrativos mantenedora do TBC; a passagem
dos antigos teatros de estilo italiano, com frisas e camarotes, e anfiteatros, para
uma pequena sala, adaptada, criando maior intimidade entre o ator e o público e
em conseqüência um tipo de interpretação mais sóbrio e comedido. (Magaldi;
1980: 47).
Sob este ponto de vista, podemos refletir que, dentro deste panorama modernizador
que o TBC representa um espaço catalisador, na qual a conexão das produções do
Teatro Brasileiro de Comédia e seu público composto principalmente pela burguesia e a
classe média se fez imediata. O público com um poder aquisitivo mais elevado esperava
assistir encenações que unissem um elogio a inteligência e a sensibilidade, sem se
descurar de um certo apelo à elegância e a sofisticação.
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acontecido se não tivesse existido o TBC. As discussões teatrais dos anos 50 e
60 têm o empreendimento de Franco Zampari como telão de fundo, para o
endosso e a ruptura. E, a rigor, o teatro nacional não ultrapassou o limite de
enfrentamento da questão moderna traçada pelo TBC. (Brandão; 1990: 46).
Se, “De 1949 a 1959 o TBC “foi a base para a formação de companhias nacionais”,
permitindo que um modelo reformador moderno se impusesse, transformando de certa
maneira os teatros em espaços consagrados não só a diversão mas também a formação
intelectual da platéia, pelo teor estético das encenações e a consistência de uma nova
dramaturgia, devemos atentar para outro aspecto não menos importante. Todos estes
grupos amadores – que se encaminharam na sua maioria para o profissionalismo –
destacavam que a pretensa modernização do teatro brasileiro deveria se centrar também
na formação do ator. Em certo sentido, todas estas companhias desenvolviam um
treinamento contínuo aos atores, permitindo uma performance atorial mais substanciosa
e complexa.
Madalena Nicol que fundou sua companhia com o diretor Italiano Ruggero Jacobbi
após abandonar o TBC analisa este aspecto:
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sempre achei que a gente nunca pode, pelo motivo de estar renovando, trazer
idéias novas, desrespeitar aquilo que foi feito antes. Eu sempre fui grande
admiradora de dona Dulcina. Não a conheço pessoalmente, mas sempre que
posso presto uma homenagem a essa mulher que foi de grande coragem, de um
profissionalismo, de uma grande abertura em relação ao teatro da época. (Nicol;
1978:79).
Cleyde Yáconis que iniciou a sua carreira no TBC e depois foi trabalhar na
companhia Teatro Cacilda Becker também fala da importância do seu aprendizado na
Cia fundada por Franco Zampari:
O TBC nos ensinou exatamente tudo. Quando eu digo nós, tenho que dizer
gente como eu, que entrei do zero, você concorda? Então, eles nos ensinaram.
Quando você ensina uma criança a escrever e dá o abecedário, ela aprende a
letra,mas a característica é dela. O que eles me ensinaram foi descobrir o ponto
de equilíbrio da minha coluna para eu começar a andar. (Yáconis; 1978: 27).
Paulo Autran, que fundou com Tônia Carreiro e Adolfo Celi a CTCA,discute sobre a
importância do modo de trabalho do Teatro Brasileiro de Comédia:
O TBC teve uma importância técnica, formal muito grande. Eu me lembro até
de um ensaio de uma peça com Gustavo Nuremberg, amador, onde Celi mandou
– o por a língua para fora, segurou – a e disse:” agora, fala o seu texto. Sua
dicção é muito ruim.” O Celi não dirigia apenas; ele formava tecnicamente os
atores. (Autran; 1978: 122).
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mercado de trabalho que exigia mais capacitação técnica e muito deles foram
contratados pelo TBC.
Em 1953, o ex aluno José Renato, recém saído da EAD idealiza uma companhia de
teatro permanente chamada de Teatro de Arena. A premissa básica da nova companhia
era desconstruir a caixa geométrica do palco italiano e permitir aos atores novas
relações mais intimistas com os espectadores. A idéia surgiu nas salas de aula da EAD a
partir das indicações de Décio de Almeida Prado que lecionava na escola. Ele comenta
essa nova possibilidade espacial – atorial que forneceu subsídios para a criação do
Teatro de Arena:
Eu assinava uma revista americana de teatro, a Theatre Arts, cujos números doei
para a Comissão Estadual de Teatro alguns anos atrás. Nessa revista, li um
artigo assinado pela senhora Margot Jones sobre o que era o teatro de arena.
Isso deve ter sido por volta da década de 1950. Eu também adquiri um livro
dessa senhora em que ela falava do formato da arena. E, numa das aulas da
EAD, eu falei aos alunos sobre o assunto com base nesses artigos lidos. Os
alunos Geraldo Matheus e José Renato se interessaram pelo tema e montaram,
dentro da escola um espetáculo com essa nova concepção cênica. (apud Prado;
2004: 35).
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Mariângela Alves de Lima discute a trajetória da companhia desde o início dos seus
trabalhos e o público atraído por essas montagens consideradas de vanguarda:
Eles Não Usam Black Tie (1958) abre não só a carreira dramatúrgica de
Gianfrancesco Guarnieri como todo um ciclo do teatro brasileiro. Naqueles
alvoroçados anos que vão de 1955 a 1960, tão fecundos em revelações de
autores, se não ocupa o primeiro lugar cronológico, tendo vindo depois das
peças de Jorge Andrade e Ariano Suassuna, foi ela, contudo, que ficou como
marco histórico, seja pelo inesperado e prolongado sucesso de bilheteria que
obteve, revertendo em favor das peças nacionais a expectativa do público, seja
pela guinada estética e política que significou, ao aproximar duas entidades até
então julgadas incompatíveis – teatro e povo. Se este já comparecia, usualmente
na qualidade de comparsa, em algumas peças modernas, não se infira disso que
a perspectiva dos autores fosse popular, no sentido que a palavra veio a assumir
em nossos palcos.
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Passando – se num morro do Rio de Janeiro, entre operários em greve, Eles Não
Usam Black Tie alia numa tessitura coesa um forte drama, com graça inocente
de nossas melhores comédias de costumes (o namoro de Terezinha e Chiquinha,
a festa de noivado), só que colhidas in loco, com muita espontaneidade, com a
sua solidariedade individual e grupal e, gente humilde, gente pobre, que já
havíamos visto em nossos palcos. Mas operários mostrados como tal, definidos
em função de sua categoria, atuando coletivamente contra padrões, constituíam
– se em algo absolutamente novo. (Prado; 1986: 5,6).
SÁ. Alvaro de. A Fundação Brasileira de Teatro no Rio de Janeiro – 1955 – 1969.
Primeiro Capítulo. Dissertação defendida em 2011 no PPGAC da UNIRIO. Orientador:
Maria de Lourdes Rabetti.
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