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OS COMEDIANTES

Vânia de Magalhães1

Segundo o crítico e ensaísta Gustavo Dória, a história do grupo Os Comediantes


desenvolveu-se entrelaçada com a da Associação de Artistas Brasileiros, fundada no
início da década de 1930 e freqüentada por famosos modernistas, como Di Cavalcanti,
Portinari, Santa Rosa e Lasar Segall. Celso Kelly, diretor da Associação, era um
entusiasta do teatro e sonhava montar um grupo teatral. Brutus Pedreira, juntamente
com Santa Rosa e Maria Luísa Barreto Leite, coordenou os trabalhos. Agostinho Olavo
e o próprio Gustavo Dória integraram a diretoria. Eugênia e Álvaro Moreyra,
consultores, inspiravam-se no movimento francês de Copeau. Santa Rosa encarnava a
própria renovação do teatro, assim como da pintura.

O objetivo de todos os integrantes do grupo era descobrir uma peça, um texto, que
marcasse uma espécie de revolução para a platéia exigente formada pela classe média.
Santa Rosa achava imprescindível montar Pirandello, Moliére; para os artistas, o
fundamental era o nível cultural, o talento e a disponibilidade para colaborar
efetivamente.

O primeiro texto encenado pelo grupo foi A verdade de cada um, de Pirandello, em
1939, um ano após a fundação do grupo. Brutus Pedreira pesquisou o original de
Pirandello e entregou seus estudos ao diretor Adauto Filho. Era preciso, contudo, evitar
a caricatura. Resolveu-se então que a apresentação do espetáculo recuaria a ação para o
tempo em que a peça foi escrita, de acordo com as pesquisas feitas. Simultaneamente, o
Teatro do Estudante caminhava, abrindo espaço com uma proposta comum aos
Comediantes. O sucesso deste primeiro grupo facilitaria a consolidação do segundo.

A questão econômica despencava sobre o grupo, era necessário conseguir dinheiro. O


Serviço Nacional de Teatro (SNT) auxiliou os Comediantes. O orçamento limitado

1 Teórica de teatro formada pela Uni-Rio e mestre em história social das idéias pela Universidade Federal
Fluminense (UFF).
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influía na criação dos cenários para a peça de Pirandello. Abadie Faria Rosa colaborou
entregando aos Comediantes o material cenográfico da Comedia Brasileira. A estréia
ocorreu em 15 de janeiro de 1940, no Teatro Ginástico, com casa lotada e direito a
ovação ao final. Parte dos aplausos deveu-se ao cenário e a mise en scène.

Em setembro de 1941, Agostinho Olavo travou contato com um polonês refugiado da


guerra e recém-chegado ao Brasil, Zbigniew, o Ziembinski. Este polonês só poderia
entrar no Brasil neste momento, porque anteriormente a ditadura Vargas não recebia
judeus ate largar o apoio as potências do eixo, juntar-se as Nações Unidas e começar a
se redemocratizar. Esta vinda de Ziembinski tem, então, um contexto histórico muito
firme, muito elaborador do que acabou acontecendo com a sua carreira no Brasil, ele
poder ter vindo. Neste mesmo ano, a peça de Pirandello, A verdade de cada um, voltou
a cena, dirigida por Adauto Filho e supervisionada por Ziembinski. Mais uma vez, a
cultura pede auxílio ao Estado e o patrocínio e do Ministério da Educação, portanto, a
verba foi cedida pelo ministro Gustavo Capanema.

O pensamento que norteava o grupo tinha em Eugênia e Álvaro Moreyra uma fonte de
inspiração; como no Teatro de Brinquedo, a preocupação era atingir a media burguesia,
até então descontente com o teatro descompromissado com as reflexões sobre a vida, o
teatro para rir.

A preocupação com o valor artístico dos trabalhos foi ainda mais estimulada com a
chegada de Louis Jouvet: todos ficaram perplexos ante a conjugação harmônica entre
teatro encenado, texto e interpretação; mais clara do que nunca, surgia a idéia da
importância do encenador, ou melhor, do diretor.

Segundo Gustavo Dória, a idéia de montar um texto nacional era compartilhada por
diversos elementos do grupo. Numa terra de tamanha luminosidade, onde a natureza era
tão pródiga, debaixo de um céu tão acirradamente azul, onde o povo possuía uma
exuberância própria que se traduzia principalmente através de uma festa de carnaval
verdadeiramente fascinante, o teatro brotava de todos os cantos, em todas as ruas.
Moliere ou Shakespeare seriam experiências futuras, o ponto de partida era o autor
nacional. Pensou-se então em homenagear Álvaro Moreyra, montando sua peça Adão,
Eva e outros membros da família, pois os Comediantes sentiam-se descendentes do
Teatro de Brinquedo.
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Ziembinski, Santa Rosa e Brutus Pedreira saíram em busca de um texto nacional;


descobriram, por fim, o jornalista Nelson Rodrigues e sua peça medita, Vestido de
noiva. O texto caía como uma luva no espírito expressionista de Ziembinski, seria ele o
diretor. A qualidade de iluminador habitava o mesmo Ziembinski.

Após o lançamento de Vestido de noiva e Peléas e Melisandra, os modernistas ficaram


extasiados. Manuel Bandeira e Augusto Frederico Schmidt consideraram que a peça
marcaria a história do teatro brasileiro de forma revolucionaria. Na noite de 28 de
dezembro de 1943, os Comediantes acabaram com o acostumado teatro do diálogo
empolado. Na coluna do Correio da Manhã, a afirmação de que o sucesso completo
devia-se a Santa Rosa e Ziembinski.

A profissionalização do grupo era um objetivo concreto. Em 23 de novembro de 1945,


dá-se a reestréia no Teatro Fênix. O êxito da temporada foi renovado.

Conforme o depoimento de Gustavo Dória, em seu livro Moderno teatro brasileiro, no


capitulo intitulado 'Os Comediantes', em 1947 acontece uma reprise de Vestido de
noiva, no Teatro Carlos Gomes, determinando o fim de um movimento fundamental
para a história do teatro no Brasil. Os principais papéis foram interpretados por Maria
Della Costa e Cacilda Becker.

Mano Cacciaglia, em seu livro Pequena história do teatro no Brasil, dedica parte de um
capítulo aos Comediantes. Para este autor, a renovação teatral surgiu vinte anos após a
Semana de Arte Moderna de 1922, com o grupo Os Comediantes. A chegada de
Ziembinski ao Brasil, em 1941, foi decisiva para a modernização do nosso teatro.

O Teatro de Arte – Os Comediantes

A dissertação de Victor Hugo Adler Pereira, Momento teatral: cultura e poder nos anos
40, contém algumas entrevistas com pessoas que trabalhavam em teatro na década de
1940. Estas entrevistas foram feitas pelo jornalista Daniel Caetano para sua coluna de
teatro do Diário de Notícias, durante os meses de maio e junho de 1946. Alguns temas
aparecem repetidos, tais como 'O teatro e o público', 'A importância do teatro
comercial', 'O auxílio dado pelo governo ao teatro nacional' e 'O papel do grupo Os
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Comediantes no cenário teatral brasileiro'. A dicotomia teatro arte x teatro comercial é


comentada por todos os entrevistados.

Daniel Caetano pergunta à atriz e empresária Bibi Ferreira se há concessões feitas para
o público na escolha do repertório. Bibi Ferreira responde que, quando as companhias
privilegiam o econômico, ocorre um enfraquecimento do artístico. Mas justifica a
preferencia pelo teatro comercial, afirmando que "ninguém faz teatro para outra coisa,
senão para o público. Se este não comparecer às salas de espetáculo, tudo perde sua
razão de ser."

Luís Iglesias, empresário e diretor da companhia Eva e seus Artistas, confessou que a
preocupação com o publico o levou a organizar um repertório voltado para fazer rir,
"sem imbecilizar". Seu plano era iniciar um teatro despretensioso para conquistar o
público e, depois de formar uma platéia constante, empreender "vôo mais alto": chegar
ao "teatro de arte". Ele justificava a afirmação feita por Daniel Caetano, de que os
intelectuais se afastaram do teatro. Para Iglesias, os intelectuais consideram a arte
dramática, no Brasil, monopólio de alguns ignorantes e a literatura teatral brasileira é
taxada de inferior. Iglesias condena-os dizendo que as peças intelectualizadas são
apenas preferência de "meia dúzia de diletantes" e que o teatro não vive de satisfazer
essa minoria.

Renato Viana pode ser considerado um resistente, pois afirma preferir ganhar pouco,
mas fazer o que entende por arte. Renato Viana é uma figura polêmica, considerado
chato e pretensioso por alguns críticos e dramaturgos, ou um incompreendido autor de
peças intelectualizadas por outros. Daniel Caetano o vê como um pioneiro de um teatro
mais sério e reflexivo no Brasil, um homem culto, um homem de pensamento e de
teatro", que deveria ter sido da maior expressão no palco nacional. Mas, como a
bilheteria contava mais para as companhias teatrais, o desinteresse cio público pelo
espetáculo que não fazia rir impediu que o teatro de Renato Viana fosse apreciado e
divulgado.

A ausência de uma repercussão significativa da obra de Renato Viana é encarada pelo


dramaturgo Raimundo Magalhães Júnior como resultado da chatice do seu teatro e da
sua pretensão em se achar um incompreendido do público, qualificando esse público de
burro. "O sabido tem o seu teatro às moscas." Para Raimundo Magalhães Júnior,
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existem pessoas que, "nos lazeres burocráticos das repartições públicas", escrevem uma
peça de cinco em cinco anos e não aceitam se subordinar à realidade de que o público, a
maioria, quer um teatro que faça rir. Raimundo Magalhães Júnior conclui que não se
pode fazer teatro sem se deixar submeter a essa realidade.

Renato Viana, em sua entrevista, sublinha que as suas encenações correspondem ao


teatro visto como arte e que seu trabalho se sobrepõe as restrições da crítica e afirma,
sentindo-se injustamente rejeitado, que ninguém é compreendido em sua época: "O
futuro ajuizara sobre o valor do meti trabalho; uso o palco como veículo das minhas
idéias, sou um pensador antes de tudo, depois um homem de teatro."

Independentemente da qualidade estética de seu trabalho, sua importância reside na


tentativa de superar o teatro comercial, buscando um teatro reflexivo. Através das idéias
expressas em duas peças suas, Sexo e Deus, adquirimos um rico material para a
compreensão de um quadro de referências teóricas típicas de sua época. O próprio
Renato Viana diz, acertadamente, que sua obra, sendo uma obra de pensamento, deve
ser situada no espaço e no tempo: "negar nas minhas peças conteúdo humano, poético e
social é ignorância". Renato Viana foi alvo de muitas críticas, o que acaba por atribuir
valor as suas obras; como ele mesmo disse: "Há quem veja mérito no que faço, há quem
o negue, essa contradição prova que a obra existe."

Odilon, da companhia Dulcina & Odilon, disse, a respeito da dicotomia teatro arte x
teatro comercial, que sua atividade devia se dirigir ao "grande público". Afirmou,
também, ter encenado grandes autores nacionais, tais como Raimundo Magalhães
Júnior e Ernani Fornari. A marquesa de Santos e Sinhá-moça chorou são peças
representativas de "um grande teatro". Estas peças são marcadas por um contexto
histórico que era o da ditadura Vargas, então, o tema épico, tratar do imperador,
escrever sobre a Monarquia, falar sobre Tiradentes mitificando-o, era de interesse do
Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) do governo Getúlio Vargas, pois o mito
acabaria se amalgamando à figura de Vargas. Este patrocínio do governo a peças
históricas era uma forma de o mesmo se promover.

Voltando à dicotomia anterior, ela vai desembocar no teatro arte, que foi considerado o
dos Comediantes, na abertura do Teatro de Arte, no início de um teatro de arte.
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Odilon disse que seu intuito, no período em que ocupou o Teatro Municipal, era dar
oportunidade ao povo de assistir a espetáculos de arte a preços populares. Para ele, não
se deve conciliar arte e comércio, mas se deve pensar no grande público e fazer arte a
preços populares, superando, assim, a dicotomia teatro arte x teatro comercial. Odilon
preocupa-se, portanto, não só com a platéia, mas também com a qualidade do trabalho a
ser representado.

O dramaturgo Raimundo Magalhães Júnior disse que escrevia tanto peças sérias como
peças para rir porque desejava que os empresários as encenassem, não pretendia guardá-
las em arquivos. Acreditava que o autor teatral devia escrever os dois gêneros e que a
bilheteria seria, sempre, o resultado do gosto do público. Sua peça Carlota Joaquina foi
muito bem recebida, mas, segundo seu autor, o grande público prefere o teatro para rir.

Joracy Camargo, autor de Deus lhe pague, afirmou que costumava dar ao público o que
ele queria:

Não tenho pretensões com a minha obra, meus temas


são sociais porque a questão social ocupa os nossos
dias. Há quem me chame de negativista, a época e. de
negação, negação de uma sociedade burguesa que
esperneia para não morrer, mas morrerá.

Joracy Camargo escreve para o grande público, mas sem trair as suas idéias: acredita
que o teatro tenha um potencial transformador.

Nelson Rodrigues, por sua vez, optou radicalmente por um teatro arte: "Acho que o
espetáculo teatral é a reunião do autor, diretor e ator. O público é com o bilheteiro. O
autor que pensa no publico mata a obra de arte."

O dramaturgo Cesar Leitão achava que nossa dramaturgia não se desenvolvera por ter
sido desprestigiada. As companhias teatrais preferiam montar traduções estrangeiras do
que originais brasileiros. O dramaturgo, então, não conseguia viver do seu trabalho que,
normalmente, terminava na gaveta, já que não era encenado. Raimundo Magalhães
Júnior e Ernani Fornari eram exceções.

Outro tema constante nas entrevistas de Daniel Caetano é o auxílio dado ao teatro pelo
governo. Veremos adiante que os próprios Comediantes tiveram auxílio do SNT. Bibi
Ferreira fez a sua crítica e propôs uma saída. Para ela o governo auxiliaria mais o teatro
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se, ao invés de dar uma quantia para algumas companhias teatrais, isentasse todas do
pagamento de impostos e oferecesse transporte gratuito. Não fica claro se o transpor-te a
que ela se refere é do público ou dos cenários e dos artistas. Bibi Ferreira também se
queixou da ausência, nos currículos escolares, de matérias sobre arte dramática ou
literatura teatral.

Odílon é um dos poucos integrantes da classe artística satisfeito com o incentivo dado
pelo governo. A sua companhia, Dulcina & Odilon, recebeu subvenção, o que lhe
possibilitou montar grandes encenações. já para Raimundo Magalhães Júnior, o SNT
devia construir teatros e criar uma Escola de Arte Dramática, pois a distribuição de
incentivos só serve para encher os bolsos de alguns".

O escritor Guilherme Figueiredo concordava que a função do SNT deveria se restringir


à construção de casas de espetáculos. Joracy Camargo resumiu as necessidades do teatro
nacional: o governo deveria autorizar a isenção de impostos, a construção de teatros e
de uma Escola de Arte Dramática.

Gastão Tojeiro, autor de várias peças populares criticou a ação do SNT: "Só o que
Dulcina levou daria para construir dois teatros nessa cidade." Mário Nunes, crítico
teatral, afirmou, irritado, que o governo nunca se interessou pelo teatro e que, por
fingimento, criou o SNT para distribuir "centenas de milhares de cruzeiros, ao sabor das
influências políticas ou amigas". Mário Nunes também falou da necessidade de mais
casas de espetáculos e de uma Escola de Arte Dramática.

Ao final, o crítico teatral Augusto Maurício disse que o argumento de que o público não
aceitava o teatro de arte, preferindo "o teatro para rir", foi uma desculpa utilizada pelos
artistas e empresários e que, se o nível do teatro nacional não estava elevado, a culpa
não era do SNT, pois este foi criado para distribuir subvenções aos empresários.
Augusto Maurício, então, denunciou:

qualquer um podia montar uma peça de mau gosto,


apenas era exigida a época retrospectiva. Que mina,
hein! Toda a gente quis ser empresário, foi a corrida para
o banco. Várias empresas teatrais foram organizadas
assim, o que interessava era a subvenção. Que beleza!
Emprego público sem ponto!
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O SNT surgiu, na década de 1930, como uma forma organizada de participação do


governo na produção teatral, com o objetivo de selecionar algumas companhias e
subvencioná-las. Para Victor Hugo Adler Pereira, a concessão de verbas para algumas
montagens teatrais geraria uma pressão nas companhias que procurariam ser agraciadas;
dessa maneira, o SNT interferiria no conteúdo das produções teatrais. Além do mais,
esta instituição possuía um setor de publicações que divulgava as peças teatrais de seu
interesse. O SNT preferia financiar o teatro considerado sério, e alguns autores teatrais,
opositores da ditadura Vargas, defendiam a idéia de a cultura ser patrocinada pelo
governo, "sem questionar os mecanismos que lhe davam origem e possibilitassem a
divulgação de seus trabalhos", segundo o próprio Victor.

As entrevistas de Daniel Caetano, realizadas para o Diário de Noticias, em 1946,


refletem a atitude crítica que marcou o fim da ditadura getulista. Segundo Victor Adler
Pereira, denunciava-se a atuação dos burocratas ligados ao governo, associando-os à
situação de corrupção e abuso do poder. A intervenção do Estado na produção teatral foi
vista com desconfiança. Os incentivos mal distribuídos pouco contribuíram para o
desenvolvimento das artes cênicas no país. O futuro do teatro deveria ser reelaborado.

A deposição de Getúlio Vargas, o fim do Estado Novo e da Segunda Guerra Mundial


"reforçaram, entre os intelectuais da época, a sensação de fim de ciclo, que
experimentaram em relação à produção cultural".

O outro tema constante nas entrevistas de Daniel Caetano é o grupo Os Comediantes,


considerado por quase todos os entrevistados um marco na história do teatro brasileiro.

O panorama descrito até agora marca bem a preocupação com um teatro de "Fazer rir",
um teatro que chegasse ao público. O surgimento de um grupo como Os Comediantes é
realmente um marco, pela preocupação com a iluminação, com o texto, com o conteúdo,
com o teatro de arte.

A entrevista de Brutus Pedreira esclarece a polêmica em torno cio grupo, despertada em


1943, data da estréia de Vestido de noiva. Os profissionais de teatro ficaram irritados
com o descompromisso financeiro do grupo. Houve uma cisão: de um lado, amadores
preocupados com a arte, e, de outro, profissionais que viviam de bilheteria. Quando Os
Comediantes deixaram de si amadores, demonstraram que podiam ser artísticos e
profissionais ao mesmo tempo, encerrando, assim, a polêmica criada em 1943.
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Brutus Pedreira afirmou que a sua maior preocupação não era o lucro, mas a qualidade
do trabalho, que possuía um público pequeno, porém suficiente pai pagar os artistas.

A pergunta feita a Nelson Rodrigues foi a respeito da recepção do público à peça


Vestido de Noiva. Segundo Nelson, "o bordereau foi eloqüente" e as pessoas que e.
tendiam de teatro aplaudiram.

Miroel Silveira, dramaturgo e professor de teatro acreditava que com a encenação de


Vestido de noiva houve uma ruptura com o tradicional espaço das quatro paredes. Para
ele, poder-se-ia dividir o teatro brasileiro em antes e depois de Ziembinski.

Para o crítico J. Efegê, o movimento de Os Comediantes e a mudança de repertório da


companhia de Dulcina & Odilon deram uma sacudida eficaz no teatro brasileiro. Os
textos encenados por esses grupos "são obras acima do nosso público comum, contudo,
vão acostumando: incursões na verdadeira arte", possuem a função de formar um
público mais sofisticado. Para J. Efegê, Joracy Camargo e Viriato Corrêa faziam
concessões ao público, escrevendo peças incolores, enquanto Nelson Rodrigues
significava uma reação a este panorama apático.

Outro critico de teatro, Aldo Calvet, elogia o trabalho de Os Comediantes, tentando não
exagerar na si valorização: "E realmente unia bela iniciativa amadorística que trouxe
para a cena indígena elevada soma inteligência e afirmação."

O crítico Pompeu de Souza era um dos que acreditava que o teatro brasileiro podia ser
dividido em antes e depois dos Comediantes. Renato Vieira, crítico de O Jornal,
considerava Vestido de noiva uma peça ousada em termos de criatividade e imaginação,
introduzindo novos elementos à cena brasileira.

Para o historiador e crítico teatral de O Globo, Gustavo Dória, "o teatro de Nelson
Rodrigues, dentro de seu feitio característico, possui a universalidade que caracteriza as
obras de arte e as torna acessíveis a qualquer platéia". Para Dória, o grupo Os
Comediantes deve seu destaque à ausência de outros grupos buscando um trabalho
artístico de qualidade.

Dois dias depois da estréia de Vestido de noiva, Paulo Bittencourt escrevia no Correio
da Manhã que "nascia o moderno teatro brasileiro".
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Victor Hugo Adler Pereira fez uma análise ela repercussão do trabalho dos
Comediantes. Anteriormente, no Brasil, as companhias teatrais não possuíam diretor de
cena, o empresário e ator principal da companhia dirigia o espetáculo em torno de sua
própria atuação, destacando-a. As idéias de unificação dos elementos de cena (cenários,
atores, luz e som) são trazidas da Europa pelos diretores que vieram para o Brasil,
refugiados durante a guerra, como o próprio Zíembinski. Segundo Victor Hugo, "o
diretor de cena passava a significar um veículo de modernização c de aquisição de
influências estrangeiras". As influências destes conhecimentos técnicos, provenientes do
estrangeiro, fizeram-se notar nos trabalhos das outras companhias. A aquisição destas
técnicas significava, para essas companhias, a internacionalização do teatro brasileiro e
à sua elitização. O modelo estrangeiro representava a possibilidade de modernização do
teatro nacional.

Segundo o dramaturgo João das Neves, a década de 1940 assistiu à formação de uma
nova platéia: a classe média de nível universitário e a alta burguesia. A guerra, ao
dificultar as viagens da burguesia à Europa, fez com que "as últimas novidades do
teatro" se transferissem para os palcos brasileiros. O diretor Louis Jouvet, por exemplo,
fixou-se no Brasil em 1943, imprimindo aqui o estilo europeu de fazer teatro. O
crescimento do ensino universitário também foi responsável pelo surgimento ele grupos
amadores dispostos a experimentar novas formas dramáticas, como, por exemplo, o
Teatro do Estudante, de São Paulo.

Para o crítico e historiador Gustavo Dória, o grupo Os Comediantes representou uma


continuação da proposta do Teatro de Brinquedo de Álvaro Moreyra, que, em 1927,
divulgou a idéia de oferecer espetáculos correspondentes aos anseios da média
burguesia. Álvaro Moreyra tem, inclusive, unia frase célebre: "Eu sempre cismei um
teatro que fizesse rir, mas que fizesse refletir, uni teatro de reticências."

Os Comediantes deram continuidade à esta proposta que, mais tarde, foi incorporada
aos objetivos do Teatro Brasileiro de Comedia (TBC). O teatro "para rir" não agradava
ao público formado pelos diversos segmentos das classes sociais que exigiam um teatro
mais reflexivo. O teatro "Sério" seria uma antítese do "teatro para rir”, calcado em
improvisações e cacos. O texto teatral passou a ser valorizado e deveria ser respeitado.
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O sucesso da montagem de Vestido de noiva não foi apenas o resultado da introdução de


técnicas das vanguardas européias na cena brasileira, mas deveu-se, também, à
apresentação de um texto dramático bem construído. Segundo Victor Adler Pereira, os
intelectuais interpretaram a montagem de Vestido de noiva, em 1943, como uma
resposta atrasada do setor teatral às inovações propostas pelo movimento modernista.

O texto de Nelson Rodrigues, Vestido de noiva, foi publicado pelo SNT na coleção
Dramaturgia Brasileira. A rubrica do primeiro ato indica as possibilidades cênicas.
"Cenário dividido em três planos: 1º) alucinação; 2º) memória; e 3º) realidade." Alaíde,
a protagonista, foi atropelada e está em uma mesa de operação. A peça ilustra o
movimento de seus pensamentos no instante que antecede a sua morte, os delírios
imaginários e a lembrança do passado confundem-se com a realidade. Alaíde volta no
tempo, no plano da imaginação, para conhecer Mme. Clecy, de quem leu o diário. As
frases de efeito, características do trabalho de Nelson Rodrigues, aparecem já no
primeiro ato, quando Alaíde discute com seu marido, Pedro: "Você fez mal em dizer
que não mataria nunca a sua mulher! Um marido que dá garantias de vida está
liquidado." Aparecem também quando conversa com Mme. Clecy: "Um morto é bom,
porque a gente deixa num lugar e, quando volta, ele está na mesma posição."

A peça desenvolve-se a partir de uma notícia de jornal: uma mulher morreu atropelada
na Glória. As frases de efeito de Nelson Rodrigues lembram manchetes de jornal e o
ritmo rápido e fragmentado dos acontecimentos, o ritmo jornalístico. Alaíde, por sua
vez, afirma ter conhecido mais a história de Mme. Clecy através de jornais lidos na
biblioteca.

No segundo ato, conversando com seu namorado mais novo, Clecy diz, num instante de
arrebatamento, uma frase concisa e poética: "As mulheres só deviam amar meninos de
17 anos." As confusões no interior de uma família, sempre presentes nas peças de
Nelson Rodrigues, aparecem no terceiro ato, em unia discussão entre Lúcia e Alaíde. A
última comenta: "E tão bom tirar o namorado dos outros, então, de uma irmã!" O
marido de Alaíde, antigo namorado de Lúcia, tramou a morte da mulher para ficar com
a cunhada. No final cio terceiro ato, o locutor passava a imagem de uma família unida,
através do formal comunicado do falecimento de Alaíde e do convite para a missa de
sétimo dia:
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Pedro Moreira, Gastão dos Passos Costa, senhora e


filha, Carmem dos Passos, Eduardo Silva e senhora
(ausentes), Otávio Guimarães e senhora agradecem,
sensibilizados, a todos que compareceram ao
sepultamento de sua inesquecível esposa, filha, irmã,
sobrinha e cunhada Alaíde e convidam parentes e
amigos para a missa de sétimo dia, a realizar-se sábado,
17 do corrente, na Igreja da Candelária, às 11:00h.

Dias depois da estréia de Vestido de noiva, em 1943, a importância dessa encenação


seria reconhecida até pelo presidente da República, como podemos observar através do
depoimento de Nelson Rodrigues:

Meu nome estava em todos os jornais por essa época.


Getúlio, impressionado, perguntou ao então ministro
Capanema: O que é que há com o teatro que os jornais
só falam de teatro?" Radiante, porque subvencionava
nossa temporada, Capanema respondeu: "São Os
Comediantes e é Vestido de noiva."

Para Décio de Almeida Prado, o sucesso de Vestido de Noiva deveu-se ao fato de que
era o primeiro texto brasileiro que, além de sugerir perversões psicológicas, deslocava o
interesse dramático, centrado não mais sobre a estória que se contava, e, sim, sobre a
maneira de fazê-lo.

Segundo Sábato Magaldi, Os Comediantes acabaram por transmitir uma espécie de


lema a seus sucessores: "Todas as peças devem ser transformadas em grandes
espetáculos." Surge, então, a figura do encenador, responsável pela encenação em seu
conjunto. A encenação de Vestido de Noiva, proposta por Ziembinski, deixava claro,
segundo Décio de Almeida Prado, que existiam outros estilos de interpretação além do
naturalismo, "incorporando-se ao real, através da representação, o imaginário e o
alucinatório". O espetáculo passava a ser como "uma segunda criação" e ao encenador
cabia harmonizar o conjunto, acentuando a plasticidade, os efeitos de iluminação e o
gestual dos atores.

Como não existiam escolas, esta mudança só poderia ocorrer, segundo Sábato Magaldi,
através de um estrangeiro, formado pela escola expressionista, "dominando como
poucos os segredos do palco, no qual é um mestre da iluminação, o diretor polonês
Ziembinski".
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Este terceiro momento da historia do teatro moderno brasileiro é marcado, portanto,


pela influência estética das vanguardas européias e pela abertura do regime censório de
1942, fatores que tornaram possível a encenação de Vestido de Noiva, de Nelson
Rodrigues. Neste ano, as mudanças nos rumos da política internacional do Estado Novo
levaram ao estreitamento das relações entre Brasil e Estados Unidos e ao afastamento
em relação ás potências do Eixo. Segundo a historiadora Heloísa de Jesus Paulo:

A Alemanha perde terreno nas transações econômicas,


seus modelos institucionais cedem lugar às influências e
valores do american way of life. O Departamento de
Imprensa e Propaganda (DIP), o similar notório do
Departamento de Propaganda nazista, é obrigado a
mudanças para sobreviver. Criticado pela sua função de
censor, o DIP é levado a suavizar sua imagem perante o
público, relaxando no controle da produção discursiva.

Provavelmente, o afrouxamento da censura, com a maior liberdade de imprensa,


possibilitou a emergência, na redação do jornal A Crítica, de um dramaturgo com um
estilo jornalístico irreverente.

O cinema americano havia ganho espaço nos meios de comunicação do Brasil. O teatro
necessitava, portanto, de uma reciclagem estética, para não sucumbir à influência da
estética hollywoodiana.

O renascimento da estética cênica brasileira coube à montagem expressionista de


Vestido de noiva. O foco dramático Se deslocou do texto para a expressão visual de seu
conteúdo psicológico, através de uma cenografia revolucionária: a peça foi montada em
planos que simbolizavam o passado, o presente e o inconsciente de uma personagem. A
iluminação sublinhou a plasticidade do espetáculo dirigido por Ziembinski.

Apesar de considerarmos que o início cio teatro moderno no Brasil ocorre em 1927 com
a experiência de Álvaro Moreyra, em sua busca de um teatro reflexivo, não há dúvidas
de que o teatro nacional sofreu uma revitalização estética com a estréia de Vestido de
noiva.

BIBLIOGRAFIA

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PAULO, Heloísa Helena de Jesus. O DIP e a juventude no Estado Novo. Dissertação de


mestrado. Niterói, UFF, 1986.

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Dissertação de mestrado. Rio de Janeiro, PUC, 1981.

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1988.

O TEATRO ATRAVÉS DA HISTÓRIA. O Teatro Brasileiro, vol. II.

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