Todos estimam os bereanos e gostaríamos, todos, sermos igualmente "nobres". Este é
um dos textos mais usados pelos adeptos do "sola scriptura". Em At 17, 11, lemos: "Os de Beréia foram mais nobres do que os de Tessalônica, pois receberam a mensagem com grande alegria e todos os dias examinavam as Escrituras para verem se o que Paulo dizia era verdade." Muitos protestantes, aqui, vêem um trunfo no qual a autoridade das Escrituras supera a dos ensinamentos orais. A questão, então, é: "os de Beréia são um exemplo da sola scriptura em ação? E os protestantes hodiernos se comportam como os bereanos fizeram nos Atos dos Apóstolos?" É importante que tenhamos um olhar atento ao comportamento do de Beréia e que o comparemos com passagens similares nas Escrituras. Quando fizermos isto, poderemos ver um modelo seguido. Atos 17 nos dão uma idéia de como Paulo chegou em Tessalônica: "Passaram por Anfípolis e Apolônia e chegaram a Tessalônica, onde havia uma sinagoga de judeus. Como era seu costume, Paulo dirigiu-se para lá e, por três sábados, discutiu com eles, com base nas Escrituras; explicava e demonstrava que Cristo devia padecer e ressuscitar dos mortos. E dizia: "Este Cristo, que vos anuncio, é Jesus". Em sua missão junto aos tessalônicos, Paulo se comportou como um rabino viajante. Chegando à cidade, ele se apresenta nas sinagogas oficiais. Os Atos, ao dizer "como era seu costume", referem-se aos costumes judaicos, não apenas aos hábitos individuais de Paulo. Como um rabino viajante, Paulo teria licença de pregar e discutir a Torá. O ponto a se ressaltar é que Paulo não está pregando a pagãos, mas a judeus da sinagoga; em outras palavras, à pessoas que CONHECEM as Escrituras. Com base em suas escrituras, Paulo "discutiu com eles..." Na literalidade do grego, ele "abriu, desenrolou, destrancou" as Escrituras, explicando e provando pontos sobre o Messias esperado. Mas, então, ocorre uma mudança: ele sai das Escrituras e passa a se basear em seu testemunho pessoal: "Este Cristo, que vos anuncio, é Jesus". Claramente, podem-se perceber dois elementos trabalhando aqui: as Escrituras e o ensinamento oral. Paulo usa, conjuntamente, ambos os elementos para trazer o Evangelho aos tessalonicenses. Os resultados são medianos: Alguns se deixaram convencer e aderiram a Paulo e Silas, e com eles uma grande multidão de gregos convertidos ao judaísmo, bem como muitas mulheres da nobreza (AT 17,4). Mas nem todos se convenceram: "Movidos de inveja, os judeus reuniram alguns agitadores de péssimo caráter e promoveram um motim na cidade" contra Paulo e o mesmo se viu forçado a partir em direção à Beréia. Então, temos dois grupos: os judeus e gregos prosélitos que se deixaram convencer por Paulo, e os outros judeus recalcitrantes. De fato, no grego, eles são descritos como opostos. O primeiro grupo é adjetivado como "peitho" (que se pode traduzir como "convencidos"), enquanto que o segundo, o dos judeus "movidos de inveja" é descrito como "apeitho". Porém, o grego "peitho" significa mais do que "convencido". Significa "acreditar, confiar em, render-se e ser obediente a". Ambos os grupos creram nas Escrituras. A diferença é que o grupo dos que se convenceram confiou no testemunho de Paulo, inclusive, tornando-se obedientes à sua autoridade! Agora, sigamos Paulo rumo a Beréia... "Naquela mesma noite, os irmãos encaminharam Paulo e Silas para Beréia. Quando lá chegaram, dirigiram-se para a sinagoga dos judeus" (AT 17, 10). Temos, então, uma situação paralela à de Tessalônica. Novamente, Paulo vai às sinagogas encontrar com os chefes religiosos, como era o costume. Mas, aqui, as coisas saem melhores. "Estes eram de sentimentos mais nobres do que os de Tessalônica. Receberam a palavra muito prontamente, consultando diariamente as Escrituras, para ver se tudo estava certo. Muitos aceitaram a fé, junto com mulheres gregas de destaque na sociedade e não poucos homens" (AT 17, 11-12). Agora, qual a diferença que resultou em melhores resultados em Beréia? Muitos protestantes diriam que foi o fato de que Beréia confiou nas Escrituras como única regra de fé. Seria isto verdade? Em ambas as cidades, Paulo pregou nas sinagogas dos judeus e dos gregos prosélitos. Pode-se concluir que, também em Beréia, ele "discutiu com eles, com base nas Escrituras; explicava e demonstrava que Cristo devia padecer e ressuscitar dos mortos", como em Tessalônica. Não há como não se concluir que ambas as cidades tinham um profundo conhecimento das Escrituras. Discutir e debater com base nelas era comum em suas Sinagogas. A diferença real é que os judeus de Beréia "receberam a palavra muito prontamente". Que Palavra? O testemunho oral. Seus corações estavam abertos à proclamação de Paulo. Os tessalonicenses, por outro lado, rejeitaram a interpretação que Paulo dava das Escrituras e o seu testemunho de que Jesus era o Messias. Se os de Beréia tivessem usado as Escrituras como os protestantes pensam que usaram, eles terminariam como a maioria em Tessalônica. Enquanto muitos dos ensinamentos ministrados por Paulo sobre as profecias acerca do Messias podiam ser facilmente reforçados checando os textos sagrados, havia um fato que não poderia neles ser encontrados. Que "este Cristo, que vos anuncio, é Jesus!" Este fato central será aceito ou rejeitado dependendo do desejo de aceitar o ensinamento de Paulo. As Escrituras auxiliariam o testemunho paulino, mas uma simples leitura do texto não seria suficiente para que se averiguasse tal doutrina. O simples pesquisar as Escrituras não é suficiente para os de Beréia. Eles se diferenciaram por "acolher a palavra muito prontamente". Uma pessoa com o coração endurecido pesquisaria as Escrituras do começo ao fim e nunca teria o desejo de acolher a palavra trazida por Paulo. Como ele mesmo escreveu ao Gálatas: "Só quero saber de vós uma coisa: recebestes o Espírito por virtude das obras da Lei ou pela pregação da fé?" (Gl 3,2). Eis uma boa pergunta também aos bereanos. Eis uma boa pergunta para nós! Jesus enfrentou problemas parecidos. Estando em Jerusalém para uma Festa, ele curou um homem no sábado. Quando confrontado por alguns homens do Templo, disse-lhes: "pesquisais as escrituras acreditando nelas ter a Vida Eterna; pois estas mesmas escrituras dão testemunho de Mim, e, mesmo assim, recusais em vir a mim para terdes a vida" (Jo 5, 39). Até os discípulos estudaram as Escrituras mas não as compreenderam totalmente! Após a Ressurreição, Jesus encontrou dois discípulos na estrada de Emaús. "Começando por Moisés e por todos os Profetas, foi explicando tudo que a ele se referia em todas as Escrituras." (LC 24,37) O que faltava aos judeus com os quais Jesus falava não era conhecimento das Escrituras. Eles o tinham. Mas não possuíam o entendimento desejado por Jesus. Este entendimento é o que Paulo, agindo sob a autoridade de Jesus, ofereceu aos berenianos e tessalonicenses. Apenas os bereanos foram nobres o suficiente para "acolherem a palavra muito prontamente". Esta combinação de Escrituras e Tradição, de transmissão escrita e oral do Evangelho, é encontrada amiúde em toda a Bíblia. Em At. 2, vemos a primeira colheita da recém-nascida Igreja. Guiado pelo Espírito Santo, Pedro anunciou Jesus à multidão reunida e lhes disse não estar bêbado, mas, "se cumpre o que foi dito pelo profeta Joel: Acontecerá nos últimos dias, diz Deus, que derramarei meu Espírito sobre toda criatura humana( At 2,16-17). Então, Pedro passa para o testemunho. Ele toma as Escrituras (com as quais, por certo, os judeus estavam familiarizados) e as interpreta, com o poder recebido de Jesus e do Santo Espírito. Os dois trabalham juntos, e não separadamente. No discurso de Pedro, este modelo é seguido três vezes! Posteriormente, Felipe é enviado a levar o Evangelho a um eunuco na estrada de Gaza. "Filipe acelerou o passo. Ouvindo que lia o profeta Isaías, disse-lhe: "Porventura entendes o que lês?"Ele respondeu: "Como é que vou entender se ninguém me explicar?”“. (At 8, 30s). Não foi por não estudar as Escrituras que o homem desconhecia a salvação, mas foi por não ter quem lha explicasse" Novamente, as Escrituras e o ensino oral autorizado seguem juntas. Paulo elogia Timóteo em razão de sua fé com estas palavras: "Tu, porém, permanece fiel ao que aprendeste e que é tua convicção, considerando de quem o aprendeste. Desde a infância conheces as Sagradas Escrituras e sabes que podem instruir-te para a salvação pela fé em Cristo Jesus." (2 Tm 3,14s) Percebe-se, novamente, o mesmo modelo já assinalado. Timóteo recebeu a fé em Cristo através do homem que ele conhecia e no qual ele confiava, e não através das Escrituras. Os dois elementos lá estão: a Tradição nas suas formas oral e escrita, em harmonia. Jamais Paulo disse que apenas as Escrituras, como um todo, seriam suficientes para Timóteo. Em sua segunda carta aos Tessalonicenses, Paulo reforça os dois elementos sobre os quais repousa a nossa fé: "Assim, pois, irmãos, ficai firmes e conservai os ensinamentos que de nós aprendestes, sejam por palavras seja por carta." (2 Ts 2,15) Os bereanos não foram "nobres" simplesmente por pesquisarem as Escrituras. Eles possuíam algo a mais: "eles acolheram a Palavra muito prontamente.". Eles aceitaram o Testemunho de Paulo! Ele não desejavam ser enganados (testaram o testemunho de Paulo pelas Escrituras), mas desejavam ser conduzidos (aceitaram sua autoridade para revelar o sentido das Escrituras). Os de Beréia não foram adeptos do "Sola Scriptura.". Se fossem, teriam rejeitado o testemunho de Paulo de que "este Cristo, que vos anuncio, é Jesus". A doutrina que Paulo pregava não poderia ser encontrada nas Escrituras, embora estivesse em harmonia com as mesmas. Eles, como os discípulos de Emaús, como o Eunuco que se encontrou com Felipe, como Timóteo, aceitaram o Evangelho com base nas Escrituras e na interpretação e ensinamento autorizados que vêm de Jesus pela Igreja.