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doi: 10.4025/bolgeogr.v29i1.

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RESENHA

TUAN, Yi-Fu. Espaço e lugar: a perspectiva da experiência. São Paulo: Difel, 1983.

Elza Yasuko Passini1


Estevão Pastori Garbin2
1
Universidade Estadual de Maringá
Departamento de Geografia
Av. Colombo, 5790 – CEP 87020-900 – Maringá – Paraná – Brasil
elzayp@wnet.com.br
2
Universidade Estadual de Maringá
Departamento de Geografia
Av. Colombo, 5790 – CEP 87020-900 – Maringá – Paraná – Brasil
estevoepg@gmail.com

O livro de Yi-Fu Tuan é quase mágico pequena e limitadora. Quando conhecermos


em sua explanação fazendo com que entremos espaços mais amplos, sentiremos o horizonte
em um mundo de conceitos complexos e caros aberto, o ilimitado, diferente daquela cidade
à Geografia por meio de reflexões sobre pequena e murada.
experiências dos espaços vividos, tornando-os Os títulos dos capítulos já nos motivam
próximos e reconhecíveis para um amplo a ler com cuidado e vontade o desvendamento
número de leitores. do mundo. O autor nos apresenta, na
Yi-Fu Tuan, um dos principais perspectiva da experiência , suas reflexões
expoentes da Geografia Humanística, é desafiando a rever os conceitos que temos
professor de Geografia da Universidade de armazenado:
Minnesota. Suas contribuições à Geografia são • Introdução
diversas, e, em geral, humanizam as relações • Perspectiva experimental
do homem com seu meio, superando • Espaço, lugar e a criança
obstáculos impostos pela Geografia durante • Corpo, relações pessoais e
grande parte do século XX, que pouco valores espaciais
considerava o homem como um ser composto • Espaciosidade e apinhamento
por instintos, fantasia e sonhos. Desta forma, o • Habilidade espacial,
conteúdo deste livro é orientado pela conhecimento e lugar
“complexa natureza da experiência humana, • Espaço mítico e lugar
que varia do sentimento primário até a • Espaço arquitetônico e
concepção explicita”. conhecimento
Nós estudamos o espaço e o lugar • Tempo no espaço experiencial
como categorias geográficas e o autor nos • Experiências intimas com lugar
convida a refletir filosoficamente sobre elas • Afeição pela pátria
com a afirmação: “O lugar é segurança e o • Visibilidade: a criação de lugar
espaço é liberdade: estamos ligados ao • Tempo e lugar
primeiro e desejamos o outro”. Espaço e lugar • Epílogo
estão intimamente relacionados e devem ser
tratados como elementos do ambiente. O livro todo nos desafia com reflexões
Ao indagar “o que é espaço?” o autor e análises memoráveis, no entanto, alguns são
nos convida a confrontar espaço e mais provocativos, como a frase “As crianças
espaciosidade, imaginando-nos em uma cidade são miniaturas no mundo dos adultos, mas

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gigantes em seu mundo de brinquedos” (p. 31) colocando-nos claramente que não precisamos
que coloca os investigadores dos caminhos da trabalhar os espaços geográficos em círculos
aprendizagem de ciência geográfica pelo concêntricos, permitindo que a criança
público infantil a repensar suas propostas extrapole os limites das categorias dos livros
metodológicas. O capítulo terceiro - Espaço, didáticos. "Ao ler um livro ou ao ver suas
Lugar e a criança - é um convite para os figuras, ela entra rapidamente na fantasia de
professores pesquisadores do mundo infantil a um mundo de aventuras”. A imaginação se
reestudar as ações das crianças numa apresenta como um forte elemento para criar e
perspectiva analítica de observar as ações e dotar os espaços de sentido e emoções: é a
reflexos, pois o autor coloca algumas construção do lugar.
advertências para que o mundo da criança seja Ainda bastante interessante a
estudado e analisado como tal. "Os objetos no perspectiva com que o autor responde à
espaço são impressões; portanto tendem a questão "O que caracteriza o laço emocional
existir para ele somente enquanto permanecem da criança pequena com o lugar? É preciso
em seu campo visual". É a construção da que todos os educadores reflitam sobre essa
permanência a que se refere Piaget e que pergunta: pais, professores de diferentes idades
conforme descreve Tuan, neste livro, alertando desde a educação infantil aos ciclos iniciais do
também que a capacidade de ver está ensino fundamental, pois nem sempre os
relacionada a experiências não visuais lugares organizados para acolher crianças são
também."… a lua no alto é diferente da lua no adequados. É preciso pensar em um espaço
horizonte" e que "a lua se move ao redor da acolhedor, onde a criança se sinta segura com
Terra é uma abstração alheia à experiência da referências conhecidas como brinquedos
criança: a lua é vista apenas em dados trazidos de casa, fotografias de pais e amigos,
momentos, separados por intervalos de tempo colocação de mobília que convide a criança a
que a criança sente quase como eternos…" (p. se sentar e se dedicar a algum trabalho como
25). Ele afirma que a criança aprende a ver os quebra cabeça, leituras, desenho, organização
indicadores espaciais e ambientais. de material etc. É importante que haja
O autor afirma que "As realizações possibilidade de fomentar a imaginação.
sensório motoras, não implicam um Passar uma noite no quintal, em uma barraca
conhecimento conceitual das relações ou em uma casa na árvore é para elas uma
espaciais" concordando com afirmações de verdadeira festa, como se estivessem
Piaget sobre a construção da inteligência realmente fazendo uma longa viagem para
sensório-motora que precede em vários anos a uma cabana de caçador"
apreensão conceitual. Durante as atividades Conforme afirma Tuan, o lugar pode
do dia-a-dia, a criança revela habilidades ter um profundo significado para o adulto por
espaciais que estão muito além de sua meio de acréscimo de sentimento ao longo dos
compreensão intelectual. Ainda afirma que "O anos… é um quadro de referência dinâmica,
horizonte geográfico de uma criança expande à mobílias, odores, cores, movimentos. "A
medida que ela cresce, mas não criança tem um passado curto, mas seus olhos,
necessariamente passo a passo em direção à mais que os dos adultos, estão no presente e no
escala maior. Seu interesse e conhecimento se futuro imediato."
fixam primeiro na pequena comunidade local, O autor afirma que a criança não tem
depois na cidade, saltando o bairro; e da mundo, pois ele é construído pela sua ação,
cidade seu interesse pode pular para a nação e seus movimentos. Falta ao espaço do bebê,
para lugares estrangeiros, saltando a região. estrutura e permanência que ele constrói ao
Na idade de cinco ou seis anos, a criança pode longo da sua vida. As outras crianças, os
demonstrar curiosidade sobre a Geografia dos adultos, as informações do entorno e toda
lugares remotos." A criança muitas vezes espécie de estímulo auxiliam a formar o
interessa-se por notícias de lugares distantes e arquivo.
não conseguimos divisar fantasia e realidade,

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São piagetianas as suas referência à experimental de Warner Brown, colocando as
capacidade de coordenação de pontos de vista, principais etapas de seu experimento sobre as
egocentrismo: "O egocentrismo se manifesta habilidades para os seres humanos aprenderem
na tendência em pensar que todos os carros a se orientar em um espaço labiríntico,
que vão na mesma direção devem estar indo utilizando padrões táteis-cinestésicos.
para o lugar dela.". "Para a criança lugar é um Conforme Brown (apud Tuan) "… a princípio,
tipo de objeto grande e um tanto imóvel.(…) A somente o ponto de entrada é claramente
ideia de lugar da criança torna-se mais reconhecido; além fica o espaço. após um
específica e geográfica à medida que ela tempo, mais referencias são identificadas e o
cresce. sujeito adquire confiança no movimento.
"Tão logo a criança é capaz de falar Finalmente o espaço consiste em caminhos e
com certa fluência, quer saber o nome das referencias familiares - em outras palavras,
coisas. As coisas não são bem reais até que lugar." (p. 81). No entanto, Brown afirma que
tenham nomes e possam ser classificadas de após essa experiência, se pedirmos aos sujeitos
alguma maneira" (p.33). que desenhem o espaço labiríntico percorrido,
Através da leitura integral do livro, é há muitas dificuldades para essa reprodução.
possível realizar reflexões importantes sobre a E Tuan confirma: "Quando o espaço
forma que nós – homens e mulheres, adultos e nos é inteiramente familiar, torna-se lugar".
crianças – criamos vínculos e exploramos os As explanações do autor sobre a
espaços que nos entornam. concepção de lugar de alguns povos como
Nesse sentido, todos os capítulos são Tasadai, de Mindanau que ocupam um
ricos e significativos, porém destacamos o pequeno nicho ecológico e sentem-se
capítulo 3, por ser um exemplo da perspectiva inseguros em sair do limite conhecido e ainda
da experiência e reflexões, como também o relata o autor que eles não têm palavras para
capítulo 6 que relataremos a seguir por mar ou lago. Também Tuan relata sobre
proporcionar uma articulação entre concepções grupos primitivos de caçadores da Siberia que
de espaço e lugar. têm conhecimentos de astronomia. Os Yakute
"… a mente, uma vez iniciado o e os Buriate que conseguem reconhecer
caminho exploratório, cria grandes e estrelas no céu para se orientarem.
complexos esquemas espaciais, que vão muito "O desenho de mapas é evidência
além do que o indivíduo pode abranger através incontestável do poder de conceituar as
da experiência direta."(p. 76) e em seguida relações espaciais. (…) Se se procura
coloca: "A habilidade espacial se transforma conceituar, o resultado pode permanecer na
em conhecimento espacial quando podem ser mente em vez de ser transcrito para um meio
intuídos os movimentos e as mudanças de de comunicação material" (p. 86, 87).
localização" e também esclarece "Andar é uma E como faz em todo o livro, Tuan lança
habilidade mas, se eu puder conservar esta uma pergunta provocativa: "Que ocasiões
imagem em minha mente que me permita exigem um mapa?(…) Talvez a ocasião mais
analisar como me movo e que caminho estou comum seja quando se necessita transmitir
seguindo, então eu também tenho eficientemente conhecimento geográfico a
conhecimento" (p. 77) outra pessoa. Quando alguém quer saber
como ir ao acampamento ou à cacimba, o
"Como os seres humanos adquirem a auxílio que mais tempo consome é ir com ele
habilidade de ziguezaguear em um ambiente até lá. Em vez disso, pode-se procurar
desconhecido, como no caso das ruas de uma explicar verbalmente o caminho e a natureza
cidade estranha? os indicadores visuais têm do terreno, mas isto é sempre difícil, porque a
importância fundamental, mas as pessoas linguagem serve melhor para narrar eventos do
dependem da imagem e de mapas mentais que para descrever relações espaciais
conscientes bem menos do que elas possam simultâneas. Um mapa esquemático,
pensar. E Tuan faz alusão ao trabalho rabiscado rapidamente na areia, barro ou neve,

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é a maneira mais simples e mais clara de
revelar a natureza da região." Os registros em
argila, couro ou rochas de cavernas "sugerem
um desejo de guardar como relíquia o
conhecimento geográfico comum em forma
cartográfica."
O autor dá o exemplo dos chukchi do
nordeste da Sibéria que foram desenhados com
sangue de rena sobre tábua de madeira e é
possível perceber a excepcional habilidade.
Ainda o autor acrescenta que os mapas dos
chukchi não ficam nada a dever aos elaborados
pelo ministério da Marinha da Rússia por volta
de 1900 da mesma região.
Pelo conteúdo e a forma com que o
autor aborda estes temas, “Espaço e Lugar”
torna-se uma leitura obrigatória a todos os
leitores que desejam se aventurar pelos
caminhos indicados por Tuan.

Data de recebimento: 08.02.2012


Data de aceite: 11.02.2012

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