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Alexandre Borges
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Scruton é pessoalmente o que se espera de um conservador inglês: ironia que beira o cinismo,
humor sofisticado, um leve pedantismo e mais cultura, inteligência e bom senso do que em
quase todos os departamentos de humanas das universidades atuais somados. É uma lenda viva
e não conheço um único livro dele que não mereça ser lido.
O tema do encontro foi “Que Instituições Importam e Como Restaurar a Confiança Nelas?”, parte
da série “Transformação Cultural” promovida pelo instituto. Na platéia, representantes da
nobreza britânica lado a lado com alguns universitários, jornalistas, professores e até um
brasileiro, um rapaz de Natal (RN) que mora na Califórnia e que se apresentou antes do início da
palestra como alguém que escolheu cursar filosofia por causa da estrela principal da noite.
Logo na abertura, ele já fez uma ironia sobre o Legatum Institute ser um think tank conservador:
“é bom estar falando num evento de direita, ao menos aqui a divergência de opiniões é
permitida e tolerada”. Ele diz que vivemos sob “censura” e que é um dos principais problemas a
serem combatidos hoje. Triste realidade.
Scruton presenteou o grupo com sua habitual sabedoria e seu olhar atento e original sobre as
questões mais importantes do momento, especialmente aqui na Inglaterra. Para o filósofo, os
atuais problemas que a sociedade britânica enfrenta hoje devem ser resolvidas “do jeito
britânico”, com bom senso e liberdade de expressão, confrontado idéias até se chegar a uma
decisão.
Ele está particularmente incomodado com a maneira como a Inglaterra e o Ocidente são
comparados com modelos utópicos de sociedade supostamente perfeitas e não com a realidade
atual do mundo. A acusação de “islamobofia”, o “xingamento da moda”, despreza a realidade
sobre a quantidade de imigrantes muçulmanos foram recebidos recentemente no país e do
esforço britânico em acomodar essas pessoas da melhor maneira possível. Ouvi estas palavras
num momento em que Londres tem um prefeito muçulmano.
Um pequeno resumo do que foi dito por um dos maiores intelectuais do mundo.
Scruton conta que David Cameron, ex-primeiro-ministro que convocou o plebiscito sobre o
Brexit, só conseguia discutir o assunto em termos econômicos, sempre trazendo “especialistas”
para ameaçar os eleitores com os piores cenários caso optassem pela saída na União Européia.
Para sua surpresa e indignação, qualquer outra discussão política fora da economia parece ter
sido varrido para fora do mapa e só interessaria entender o que dá mais dinheiro e o que não dá.
Scruton lembra que parte do que é viver numa democracia é estar sob um governo de
adversários políticos, de um governo que parte do eleitorado votou contra. Como construir uma
sociedade em que não há nada mais que una a população além do dinheiro? Se um país é
apenas um aglomerado de indivíduos sem qualquer ligação, sem o “nós”, o que é capaz de fazer
com que tenham laços de compromissos sociais e confiança mútua nas instituições e na própria
nação?
2. Patriotismo x Nacionalismo
Para o filósofo, a idéia de que toda a explicação sobre as causas da Segunda Guerra serem
atualmente atribuídas ao “nacionalismo” e que a maneira de evitar guerras é abolir as nações é
simplesmente absurda. O sentimento abjeto de superioridade racial dos nazistas não pode ser
usada para manchar o nome do bom e velho patriotismo, do apreço pela história do país e das
suas tradições.
Boa parte da palestra foi investida na explicação das bases do “direito comum” ou common law,
tradição inglesa baseada na resolução de conflitos pessoais e locais que vai, aos poucos, sendo
incorporada ao arcabouço legal do país. Este é um dos temas recorrentes de Scruton e pode ser
visto em vários de seus livros, com destaque para o fundamental Pensadores da Nova Esquerda.
Quando a lei é entendida como uma consolidação do que emerge naturalmente na sociedade ao
longo das gerações e não como uma canetada arbitrária de legisladores e juízes, ela é o reflexo
direto da sabedoria acumulada por um povo e está em total harmonia com ele, formando os
alicerces para que governados possam consentir com os poderes dos governantes e suas
decisões.
Scruton evidentemente se orgulha de falar pelo país que criou a idéia de monarcas que
respondem às leis e por elas podem ser até destituídos de suas coroas. O império é das leis
(naturais) e não dos homens e seus humores.
4. Proibir e Permitir
A idéia central de um sistema baseado no direito comum é que tudo é permitido até que haja
uma lei proibindo especificamente, o que é um fenômeno raríssimo num mundo em que tudo é
proibido até que o governo permite. A sociedade dos alvarás, carimbos, permissões e
autorizações restritas não é o que o Reino Unido entende por um sistema legal democrático e
saudável.
Scruton alfinetou a esquerda britânica e seu braço político, o Partido Trabalhista, por querer
adotar o sistema nada britânico de colocar o governo como supremo decididor de tudo, até
quem pode ou não fazer filantropia. Ele diz que na Alemanha você precisa de permissão da
polícia até para se mudar e que isso é tudo menos a maneira como ingleses vivem e construíram
sua sociedade.
5. “Islamofobia”
Scruton evidentemente rejeita os rótulos jogados pela esquerda para a sociedade ocidental e
inglesa, os que “dizem que tudo que é britânico é racista”. O filósofo é enfático ao lembrar do
esforço genuíno da sociedade britânica em acomodar os muçulmanos da “melhor maneira
possível” e que quem acusa a Inglaterra de “islamofóbica” não costuma discutir a “cristofobia”
em países islâmicos, preferindo falar de modelos utópicos de sociedade e não do mundo real.
“Que tal dar uma olhada em como os países vizinhos estão lidando com a situação? Será que a
Inglaterra está mesmo atrás deles em termos de tolerância e aceitação?”
Neste momento, Scruton volta ao sistema legal britânico, “uma lei de homens e não um
revelação divina”. Ele lembra que “lei de homens pode ser mudada, pode ser adaptada para
melhor acomodar as demandas sociais com o tempo, pode ser questionada e melhorada, o que
é impossível com leis entendidas como divinas”. Scruton sugere que leis como a da Sharia são
incompatíveis com uma sociedade secular como a britânica e este assunto precisa ser
enfrentado com urgência e com coragem.
Scruton acredita que é preciso um debate público e aberto, sem medos ou censura, sobre o
tema. Se alguém acha que quem não é muçulmano merece ser morto, que tem sentimentos
destrutivos em relação a quem não tem a mesma fé, precisa ser confrontado intelectualmente e,
eventualmente, ser avaliado sob a ótica de sua aceitação sobre o arcabouço legal e social da
sociedade britânica.
7. Pessimismo
Scruton se diz um “pessimista”, dizendo que evidentemente os pessimistas são os que podem
estar sempre se surpreendendo positivamente, como ele mesmo em relação ao resultado do
Brexit. Ele é o autor do ótimo As Vantagens do Pessimismo, um dos meus preferidos dele.
8. Cristianismo e política
Ao ser perguntado sobre as bases cristãs da sociedade ocidental e de como deveriam ser
resgatadas para sua sobrevivência, Scruton deu uma resposta que passeou entre o sarcasmo e o
cinismo. Ele se assumiu como cristão e que reconhece as evidentes contribuições cristãs para as
bases culturais e civilizacionais da Inglaterra, mas que o iluminismo teria conseguido separar
igreja e estado numa maneira que ele considera fundamental para o ordenamento social e
jurídico do país atualmente.
Scruton foi sarcástico ao elogiar a igreja anglicana dizendo que ela “acabou por diluir com o
tempo e se tornar irrelevante” em assuntos de estado, o que para ele é o ideal. Em tempos de
Papa Francisco, não é uma postura incomum entre conservadores. Ao ouvir uma citação de T. S.
Eliot sobre o assunto, Scruton tira um sarro do poeta dizendo que ele não era exatamente um
pensador político “muito ágil”, tirando risos da platéia.
Na minha conversa particular com ele, quando fui apresentado ao filósofo por Nick Chance, ele
ironizou dizendo que sempre recebe emails de brasileiros dizendo “por favor, venha aqui e nos
salve”. Ele disse que já está em conversações para ir ao Brasil.
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