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Agosto de 2013
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Introdução
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Professora agregada de teoria política no Departamento de Ciências Sociais da Puc-Rio, professora do
curso de Pós-Graduação Lato Sensu em História e Cultura Afrodescendente do Departamento de
História da Puc-Rio e professora visitante do Curso de Especialização em Direitos Humanos, Gênero e
Sexualidade do Grupo de Direitos Humanos Helena Bessermann da Fiocruz. Ë bacharel ( Uerj) e mestre (
Puc-Rio) em Ciências Sociais, e doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUC-
Rio. Contato: alessandramtf@gmail.com
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Professor agregado do Departamento de Ciências Sociais da PUC-Rio e professor do curso de Pós-
Graduação Lato Sensu em Ciências Sociais da Puc-Rio. Doutor em Ciências (Saúde Pública) pela
ENSP/FIOCRUZ e mestre em Ciências Sociais pela PUC-Rio. Contato: pauloduran@puc-rio.br
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não exaure a discussão do ponto de vista deliberativo. O diálogo entre duas pesquisas de
tese3 visa pontuar como os atores dessas arenas interagem discursivamente e, com isso,
conflagram um espaço de disputas políticas, desafiado pela marca da burocratização do
controle social. Visa também destacar especificidades das lutas de base pela política de
saúde da cidade, e o seu refluxo à medida que a política se burocratiza, passando pelo
eixo distrito – município – estado; o que permite também destacar distinções entre os
diferentes lócus de participação e representação social.
3
Uma já concluída sobre o Conselho Estadual de Saúde, e outra em fase de conclusão sobre os
Conselhos Municipais e Distritais de Saúde.
4
Ver URBINATI & WARREN, 2008, p. 393.
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Conforme excelente discussão de Vieira e Runciman, 2008.
6
Sobre o tema ver FARIA, A. M. T. On the Social and the Political: Theories of Political Representation -
Beyond the universal suffrage. Trad. Renato Rezende. Saarbrücken: LAP LAMBERT Academic Publishing
AG & Co. KG, 2010; ALMEIDA, Débora Rezende. “Metamorfose da representação política: lições práticas
dos conselhos municipais de saúde no Brasil.” In: Avritzer, Leonardo. (org.). A Dinâmica da Participação
Local no Brasil. São Paulo: Ed. Cortez,. 2011; ROSANVALLON, Pierre. La contre-démocratie. Paris:
Éditions du Seuil, 2006.
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As Resoluções 333 e 453 dispõem, no geral, sobre as diretrizes para criação/instituição, definição,
reformulação, (re)estruturação e funcionamento dos Conselhos de Saúde (BRASIL, 2003, 2012).
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perdendo terreno perante os interesses dos atores estatais, pelo menos em duas
configurações atuais do processo deliberativo. Na primeira, os gestores tomam as
principais decisões sobre as políticas de saúde no âmbito das Comissões Intergestores
(CIT ou CIB) e com isso passam a frente da instância de deliberação pública que são os
Conselhos de Saúde. Na segunda configuração, os espaços de decisão conjunta – onde
participam gestores, prestadores, profissionais de saúde e representantes da sociedade –
torna-se presa à tecnoburocracia do Estado, e passa somente a funcionar como esfera de
homologação das escolhas políticas dos atores estatais. De qualquer forma, como
ressalta a literatura (CÔRTES, 2009b; SILVA, 2000; SILVA e LABRA, 2000;
GERSCHMAN, 2004a, 2004b), o papel político dos Conselhos de Saúde e dos próprios
conselheiros se fragilizam, acarretando o desvirtuamento do controle social. Assim,
Santos e Gerschman ressaltam que a criação das Comissões Intergestores afetaram
negativamente o funcionamento das arenas deliberativas dos Conselhos de Saúde e sua
capacidade de se tornarem fóruns centrais de decisão sobre as escolhas de políticas de
saúde (SANTOS e GERSCHMAN, 2006, p. 182).
8
Conforme consta em Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão Participativa. Reorganizando o
SUS no Município do Rio de Janeiro / Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão Participativa. – Brasília:
Editora do Ministério da Saúde, 2005.
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em articulação com o Sindicato dos Médicos, e outras entidades de saúde, dentre elas o
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes).
Como desdobramento da realização desse encontro, aconteceu o Segundo
Encontro Popular pela Saúde, em 1982. Nesse período, surge e é fortalecida a ideia da
participação popular na formulação, fiscalização e na gestão de políticas de saúde. A
proposta de criação dos conselhos comunitários de saúde no Município do Rio de
Janeiro surge como uma conquista dessas mobilizações sociais. Esses conselhos não
eram institucionais e cumpriam um papel fiscalizador. A força desse momento especial,
ainda é viva dentre conselheiros distritais mais antigos, conforme o relato do presidente
de um distrital “A criação das associações dos moradores, conselhos, dividiu e
enfraqueceu muito. Antigamente anotavam numa folha de papel as reivindicações e
encaminhavam aos políticos. A população perdeu com esta divisão toda” 9.
A primeira forma institucional do Controle Social no município, ocorreu no ano
de 1984 e o seu funcionamento se dava na forma de estrutura descentralizada, que tinha
como fim administrar o convênio das Ações Integradas de Saúde (AIS) com o Inamps.
Essas estruturas eram compostas por diretores de hospitais e representantes de
associações de moradores da região e foram denominadas Grupos Executivos Locais
(GELs). Os GELs marcaram a participação popular nos espaços institucionais de
decisão.
Assim, foi iniciada a construção de uma gestão democrática na saúde
caracterizada pelo estabelecimento de novas bases de relação entre estado e sociedade.
A partir dos anos 90, com todo o processo de regulamentação da Constituição de 1988 e
com as já mencionadas Leis n.º 8.080 e 8.142, de 1990, alguns mecanismos são
implementados, dentre eles os Conselhos e Conferências de Saúde.
O Conselho Municipal de Saúde do Rio de Janeiro (CMS-Rio) foi criado pela
Lei
Municipal n.º 1.746, de 23 de julho de 1991, de autoria dos vereadores Fernando
William Lira 10 , Laura Carneiro e Ludmila Mayrink, fruto do processo histórico já
9
Depoimento colhido do documento de Reunião de participação da comunidade do COD 3.3 de
30/09/2010, conforme banco de dados da pesquisa de tese “Participação e representação: tensão e
disputas pela política pública de saúde no município do Rio de Janeiro”.
10 Fernado William foi filiado ao PDT entre 1983-2000; médico formado pela UFRJ em 1978, com
passagem pelo Hospital Geral de Bonsucesso como residente. Há informação de que foi Presidente da
Associação de Moradores da Penha e da Federação das Associações de Moradores do Rio de Janeiro.
Registram-se tais informações para reforçar os contatos da base dos movimentos populares da cidade e
a instância legislativa municipal, bem como o que a literatura de movimentos socais chama de janela de
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oportunidade para a ação ( TARROW, Sidney. O poder em movimento. Movimentos sociais e confronto
político. Petrópolis: Vozes, 2009), no caso a institucionalização dos conselhos de saúde. Fonte :
www.camara.gov.br/Internet/Deputado/DepNovos_Detalhe.asp?nome=FERNANDO+WILLIAM&leg=52)
em Documento produzido em 01/05/2013 11:09:09 (SILEG - Módulo Deputados)
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DCM ANO XVI, N.° 182, QUARTA-FEIRA, 30 DE SETEMBRO DE 1992.
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De acordo com entrevista prestada para a pesquisa o vereador Paulo Pinheiro, médico de São
Cristóvão, foi eleito pela primeira vez vereador pelo Partido Popular Socialista (PPS). Foi presidente da
Comissão de Saúde, e autor de leis que criaram os conselhos gestores nas unidades de saúde, o que é
apresentado como – “uma tentativa de democratizar as direções das unidades”. Cumpriu dois mandatos
como deputado estadual (1998/2002). A temática de oposição à privatização da administração da rede
pública hospitalar culminou com a aprovação da lei estadual (Lei 3.202/1999), sobre o Programa de
Terceirização dos Hospitais Estaduais. Em 2001, o então deputado foi eleito líder do Partido dos
Trabalhadores (PT) na Câmara- partido para o qual se filiou em 2000. Em 2006, voltou a atuar como
médico na Escola Nacional de Saúde Pública, da Fiocruz. Durante esse período, desenvolveu um
trabalho com os Conselhos de Saúde do Município do Rio de Janeiro, em convênio com o Tribunal de
Contas do Município, visando à capacitação dos conselheiros de saúde na fiscalização dos recursos
públicos. Em 2008, foi novamente eleito para a Câmara, pelo PSOL. É possível destacar que a
proximidade com os conselheiros, pode ser considerada enquanto fator relevante nas propostas de leis
sobre a regulamentação dos conselhos, bem como um perfil de vereança que tende a promoção da
participação popular, e do contato da população com a política.
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periodicidade e adaptação cronológica para 4 anos seja para os mandatos, seja para as
Conferências Municipal e Distritais.
A eleição que ocorreu posteriormente à aprovação da lei, contudo, referendou a
continuação do secretário de saúde à frente do CMS. Uma interpretação plausível para
sua recondução ao cargo mesmo com a inovação do procedimento eleitoral, pode ser de
um padrão burocratizado devido à proeminência histórica do segmento gestores no
CMS. Segundo relata o vereador Paulo Pinheiro, a presidência ocupada pelo secretário
municipal de saúde deixa o conselho “acéfalo”, e prejudicado em sua autonomia
deliberativa. Relatos de conselheiros entrevistados em Audiência Pública realizada em
janeiro de 2013, momento posterior a recondução do secretário à presidência, são
queixosos do distanciamento e denunciam o bloqueio de demandas sociais pela
prefeitura : “depois de eleito presidente, nunca mais apareceu no conselho”, “o conselho
municipal deliberou contra as O.S., mas o presidente nunca assinou”. Nesse sentido, o
Conselho Municipal se aproxima do Conselho Estadual, em relação à proeminência da
agenda do Executivo que sistematicamente refreia as demandas da base social.
O quadro distrital é muito diverso do municipal e estadual. Os Conselhos
Distritais de Saúde são órgãos colegiados, consultivos e deliberativos e a sua origem
também está ligada aos Grupos Executivos Locais (GELs). Estes foram criados no
convênio das Ações Integradas de Saúde com o Inamps, em 1984, enquanto uma
estrutura descentralizada, com o objetivo de administrar o convênio com um caráter
mais fiscalizador. Eram compostos por diretores e representantes das associações de
moradores da região. Nesse sentido, os Conselhos Distritais de Saúde herdaram dos
GELs a tradição de participação popular reivindicativa, que foi acrescida de uma
característica propositiva.
A lei 2011/1993, de autoria do vereador Milton Nahon13 instituiu os Conselhos
Distritais de Saúde, em agosto de 1993, e determinava que a composição deveria ser
paritária e que as entidades componentes desses conselhos deveriam ser eleitas em
Conferência Distrital de Saúde e nomeadas pelo secretário municipal de Saúde para
cumprir um mandato de dois anos ( de forma análoga ao municipal e estadual). Com
relação à Comissão Executiva, essa deveria ser eleita em reunião do conselho e ser
presidida por um de seus membros também eleito em reunião. Para o funcionamento
13
Há documentos que informam que além da vinculação política ao PCB, o vereador Milton Nahon,
médico, foi diretamente ligado ao médico Almir Dutton Ferreira, da Vanguarda Popular Revolucionária
(VPR), na militância pela democratização política. Conforme notícia disponível em ( acesso 14 de
fevereiro de 2013) montedo.blogspot.com.br/2011/12/documentos-secretos-da-marinha-relatam.html
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dos Conselhos Distritais de Saúde, seria destinada uma verba anual, aprovada pela
Câmara dos Vereadores, para a compra de material de consumo e equipamentos. Seria
também destinada uma verba mensal controlada pela coordenação de área para gastos
com material de consumo e contratação de serviços. A pesquisa observou, entretanto,
que em especial a infraestrutura para o funcionamento dos CODS ainda tem tido
dificuldade de ser operacionalizada, devido, em grande medida, a sua capilaridade com
os usuários do SUS, a sua localização em postos de saúde e centros comunitários de
saúde em bairros distantes, ao seu caráter constante de oposição e crítica aos gestores
municipais e estaduais. Esse dado difere dos Conselhos Municipal e Estadual, que
recebem infraestrutura e apoio organizacional constante, sendo a sede do CMS inclusive
no próprio prédio da Prefeitura, na Cidade Nova.
A referida Lei 2.011 foi promulgada pela Câmara dos Vereadores em 31 de
agosto de 1993, após ter sido integralmente vetada pelo Poder Executivo. O veto foi
rejeitado pelos vereadores por 33 votos. A Lei foi originária do Projeto de Lei no. 1912-
A, apresentado em 1992 pelo vereador Milton Nahon, como substitutivo ao Projeto de
Lei 896/90, da vereadora Laura Carneiro, que previa a instituição dos distritos sanitários
no município e a possibilidade de funcionamento de conselhos distritais, nos termos de
lei a ser posteriormente aprovada, o que acabou não acontecendo.
As Coordenações das Áreas de Planejamento (CAP) 14 configuram uma unidade
intermediária e mediadora entre o nível central e as unidades prestadoras de serviços do
SUS em seu território e, em algumas circunstâncias, dessas com a população usuária
desses serviços, ou com as lideranças e conselheiros de saúde da área. As CAPs
enfrentam diversas dificuldades de ordem financeira, técnico-administrativa e política,
as quais obstaculizam e limitam suas ações, tornando-as, grande parte das vezes, mais
uma instância burocrática envolvida na resolução de problemas emergenciais. Assim,
as Áreas de Planejamento (AP) estão longe de se constituírem Distritos Sanitários,
segundo a concepção proposta na 8.a Conferência Nacional de Saúde.
O Distrito Sanitário deveria propiciar a mudança das práticas sanitárias tendo
como base um território. Ele seria a menor unidade territorial com autonomia para
definir, planejar, organizar, gerir e executar as ações de saúde dirigidas à população
desse território. Nessa concepção, o território é visto como um espaço dinâmico, em
permanente construção, fruto de relações políticas, econômicas, culturais e
14
Conforme BRASIL, 2005, p. 60.
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MENDES, E. V. et al. Território: conceitos chave. In: MENDES, E. V. (Org.). Distrito Sanitário: o processo
social de mudança das práticas sanitárias do Sistema Único de Saúde. São Paulo: Hucitec; Rio de Janeiro:
ABRASCO, 1993.
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AP/CODS BAIRROS
CODS ( Conselho Distrital de Saúde) 1.0 - Benfica, Caju, Catumbi, Centro, Cidade Nova,
Estácio, Gamboa, Mangueira, Paquetá, Rio
1 sala na MATERNIDADE DA PRAÇA XV,
Comprido, Santa Teresa, Santo Cristo, São
Centro.
Cristóvão, Saúde e Vasco da Gama.
CODS ( Conselho Distrital de Saúde) 2.1 Botafogo, Catete, Copacabana, Cosme Velho,
Flamengo, Gávea, Glória, Humaitá, Ipanema,
1 sala na Av. Venceslau Brás, 65, Botafogo - Jardim Botânico, Lagoa, Laranjeiras, Leblon,
Hospital Pinel Leme, Rocinha, São Conrado, Urca e Vidigal.
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CODS ( Conselho Distrital de Saúde) 2.2 Alto da Boa Vista, Andaraí, Grajaú, Maracanã,
Praça da Bandeira, Tijuca e Vila Isabel.
1 sala e auditório compartilhado na Rua
Conde de Bonfim, 764, Pd. Prefeitura, Tijuca.
CODS ( Conselho Distrital de Saúde) 5.1 Bangu, Campo dos Afonsos, Deodoro, Jardim
Sulacap, Magalhães Bastos, Padre Miguel,
CMS Waldir Franco, Praça Cecília Pedro – Realengo, Senador Camará e Vila Militar.
Bangu - Ocupam 2 salas há pelo menos 10
anos no mesmo lugar
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CODS ( Conselho Distrital de Saúde) 5.2 Barra de Guaratiba, Campo Grande, Cosmos,
Guaratiba, Inhoaíba, Santíssimo, Senador
Praça Vieira de Melo, s/n, Comari – Campo Vasconcelos e Pedra de Guaratiba.
Grande
do Presidente pelos próprios conselheiros distritais e foi a partir dela que o CODS 3.1
foi legalmente reconhecido como instância de participação, com a publicação do seu
Regimento Interno no Diário Oficial do Município, que ficou todo o ano de 1994 na
Secretaria Municipal de Saúde, depois de aprovado pelos conselheiros. Com o novo
dispositivo legal, outros conselhos distritais elegeram usuários como presidentes.
A possibilidade de eleição para presidência dos conselhos distritais antecedeu
em pelo menos 10 anos a primeira eleição para o mesmo cargo no Conselho Municipal
da Saúde. Mais do que permitir a rotatividade de cargos, a eleição para a presidência
dos conselhos, é possível afirmar a partir dos dados obtidos pela pesquisa, abriu espaço
para o empoderamento, ao menos a nível distrital, do segmento usuários. As
informações coletadas em campo serão discutidas a seguir. A análise do perfil dos
conselheiros marca também as distinções possíveis quanto às esferas estadual,
municipal e distrital.
18
O objetivo geral do projeto foi “Explorar a definição da política estadual de saúde e sua aplicação nos
âmbitos relativos à estrutura político organizativa de gestão e participação das instituições e
organizações que compõem o sistema estadual de saúde, com especial ênfase na Secretaria Estadual e
no Conselho Estadual de Saúde”.
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Esse dado se diferencia da gestão governamental de Rosinha Garotinho (2003-2006), em que havia
um balanceamento entre homens e mulheres trabalhando na gestão (respectivamente, 46,2% e 53,8%).
Mesmo assim, há uma expressiva predominância de mulheres no cargo de gestoras, o que configura um
dado interessante acerca do papel do trabalho feminino em cargos de gestão governamental.
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entidades presentes no Conselho, que (2) não representam a sociedade, tendo pouca
independência política em relação à gestão (ou a SES/RJ). Corresponde a essa questão
crítica, a percepção de que, para 68,4% dos entrevistados, o CES/RJ não cumpre com
todas as disposições previstas no Regimento Interno. Essa percepção se justificou, para
a maioria dos entrevistados, porque há indução da gestão nos trabalho dos conselheiros
(30,8%); o Conselho não atua pelo Estado do RJ (23,1%); o CES/RJ não cumpre com
seu papel fiscalizador (10,5%) e porque há desconhecimento dos conteúdos regimentais
por parte de alguns conselheiros (7,7%).
Apesar disso, os conselheiros entrevistados afirmam existirem documentos de
regulamentam o papel do conselheiro (89,5%). Deste total, 64,5% dos entrevistados
mencionaram o Regimento Interno como documento que esclarece as competências dos
conselheiros de saúde. Além do Regimento, 35,5% dos entrevistados mencionaram as
leis de criação do CES/RJ; 23,5% mencionaram as Resoluções do CNS e 11,8%
indicaram as leis orgânicas do SUS como parâmetros das e para as atividades que
concernem aos conselheiros de saúde.
A composição acompanha, nesse sentido, o que recomenda a Resolução 333/03
do CNS. No entanto, somente o critério da paridade não permite aprofundar a análise
sobre como se delineia o processo deliberativo no âmbito das Reuniões Plenárias. Esses
aspectos serão analisados à luz da frequência dos atores nas Plenárias e de como são
deliberados os temas da agenda da SES/RJ no âmbito do Conselho. Dessa forma,
tencionaremos abordar a forma como se estabelecem os diálogos entre os conselheiros
de saúde e os gestores da Secretaria e como, de outra parte, a forma de interação
dialógica entre os segmentos do Conselho expressa aspectos conflitivos entre as
demandas societárias e as escolhas políticas governamentais. Mas antes disso, serão
discutidos alguns traços diferenciais dos perfis distritais.
Elas não apenas foram as mais assíduas nas reuniões de participação comunitária
dos Conselhos Distritais junto ao Ministério Público de Tutela da Saúde Coletiva ao
qual a pesquisa teve acesso, bem como se consideradas as 10 presidências de Conselhos
Distritais, nada menos do que 50% delas são presididas por mulheres. Segundo relato da
promotora de Tutela Coletiva de Saúde da Capital, elas seriam “aquelas senhorinhas,
aposentadas, e muito participativas”.
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TABELA - Profissões
TOTAL
ACESSOR ALERJ 1
ACESSOR CAMARA MUNRJ 1
ADM DE EMPRESAS 1
AGENTE COM SAUDE 2
AGENTE DE APOIO 1
APOSENTADO 4
ARTESAO 1
AUTONOMO 1
AUX ENF 4
COMERCIANTE 1
DO LAR 4
ENFERMEIRO 4
ENGENHEIRO 1
FISIOTERAPEUTA 3
FUNC PUBLICO 3
MEDICO 2
N.I. 1
PENSIONISTA 2
PROFESSOR 1
SECRETARIO 1
SEM OCUPAÇÃO 1
TEC ENF SERV MUN 3
TEC. RADIOL. 1
TOTAL 44
entrevistados, possui o segundo grau completo. Ainda que esse percentual caia para
45,5% se considerarmos o ensino superior completo, o que está um pouco abaixo dos
dados obtidos junto ao Conselho Estadual e mencionados anteriormente. Somando-se
primeiro e segundo grau obtém-se o total geral de 43,2% dos Conselheiros
entrevistados.
A distribuição dos atores por segmento representativo, por outro lado, nas
Reuniões do CES/RJ é espaçada, principalmente no que se refere à presença dos
gestores da SES/RJ. Esse fato é atribuído, na visão dos conselheiros de saúde, a uma
atitude dos gestores de fazer tramitar no espaço deliberativo as matérias que interessam
diretamente aos projetos políticos da gestão governamental (caso, por exemplo, das
Organizações Sociais – OSs). Alguns conselheiros referem-se ao espaço deliberativo do
CES/RJ como “uma [arena] de guerra; estratégias são utilizadas para tomar a palavras
de conselheiros/opiniões indesejáveis; [a gestão faz] uso disso para desgastar as
discussões” (Entrevistado 10, Representante dos profissionais/SINDPSI).
Nas entrevistas feitas com os conselheiros, foi inquirido se estes achavam adequada a
composição de representantes da sociedade no CES/RJ. A resposta, em termos de
distribuição de frequência, foi que 56,5% de conselheiros acham adequada a
representatividade da sociedade no CES/RJ e 39,1% responderam negativamente a esta
questão. Ou seja, ainda que a distribuição de cadeiras seja cada vez mais plural e
paritária, permanece certa impressão entre os conselheiros de que as vagas ocupadas
não têm qualquer expressividade no processo deliberativo de políticas para o âmbito
estadual.
Sobre se consideram as condições de diálogo nas Reuniões Plenárias
satisfatórias, 30,4% dos conselheiros estaduais de saúde responderam que sim e 69,6%
responderam que não consideram as condições satisfatórias. No geral, os conselheiros
atribuem essa percepção às relações conflituosas entre alguns segmentos,
principalmente aqueles dos quais os gestores da SES/RJ fazem parte. Acerca das
relações entre segmentos, os conselheiros são enfáticos ao identificar que “há muita
dificuldade de diálogo, tendo em vista os interesses particulares” (Entrevistado 15,
Representante da sociedade/FAMERJ). Em outro registro, um conselheiro coloca que as
relações “são antagônicas, defendem causas próprias” (Entrevistado 9, Representante da
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[...] uma maioria expressiva não está ali para respeitar os anseios da
sociedade; na maioria das vezes, negociam com o gestor qualquer
aprovação de matéria [as quais] prejudicam a sociedade. (Entrevistado
8, Representante da sociedade/SAVK).
[...] [o] órgão não atinge seus objetivos, não produz resultado
satisfatório, nem gera condições de cobrança como órgão de controle.
(Entrevistado representante dos gestores da SES/RJ).
Nas entrevistas com os gestores, perguntou-se que tipo de papel eles achavam
que os conselheiros ocupam no processo decisório. De uma parte, salienta-se uma
relação com as respostas dos conselheiros de que as relações/interações entre segmentos
são pouco definidas ou influenciam pouco (36,9%); de outra parte, fica evidenciado que
os gestores atribuem pouca significação ao papel de controle/fiscalização dos
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surgido no Conselho, teria “uso político” ou “uso eleitoreiro”. Essa uma forma de evitar
a política entendida como o salutar conflito de ideias e debate, na deliberação pública, e
de tentar frequentemente mimetizar a discussão do Conselho Municipal com a
perspectiva da agenda da prefeitura e do estado, como forma de aprovação das políticas
públicas de saúde, sem “atrapalhar” a gestão.
Os dados levantados permitem afirmar, que mesmo que sejam refreadas as
demandas dos distritais, quando chegam ao nível municipal, em virtude da possível
burocratização e proximidade da gestão, os Conselhos Distritais são espaço latente na
cidade de formulação política de demandas sociais de base dos usuários. Perguntados
para que serve o Conselho Distrital, todos responderam que em primeiro lugar deve-se
fiscalizar e cobrar os gestores sobre políticas na área da saúde, muitos mencionaram o
distrital como “a ferramenta do controle social”, havendo também a menção “da voz da
comunidade para fomento das políticas públicas e contato com a sociedade”, por último,
acompanhamento de contratos e do orçamento.
Considerações Finais
A pesquisa sobre o CES/RJ mostrou, de certa maneira, como na arena política de
deliberação no estado do RJ os conflitos sociais e/ou políticos estão organizados
segundo uma seletividade que lhes é impressa/plasmada pelo próprio Estado, portanto
pelos representantes da SES/RJ. Assim, os decisores de políticas (policy makers), tal
como na lógica da ação coletiva, procuram maximizar seus interesses – que
correspondem aos projetos políticos do governo estadual – imprimindo às atividades
dos conselheiros estaduais de saúde barreiras institucionais à sua efetiva ação política.
Dessa maneira, a distribuição de informações relevantes sobre a aprovação de
documentos da gestão (como o PES e os Relatórios Anuais de Gestão) seria um dos
modos pelos quais a interlocução entre os atores na via da democracia deliberativa se
inviabiliza. Além disso, as desigualdades sociopolíticas entre os atores representantes
do CES/RJ ficam evidentes na capacidade que esses sujeitos políticos têm de tomarem
decisões. Visto que aprovar/homologar um documento da SES/RJ (como o Plano
Estadual de Saúde ou os Relatórios Anuais de Gestão) requer dos atores certa expertise
no trato técnico das informações produzidas pelos gestores, a pesquisa demonstrou que
os conselheiros de saúde sentem-se despreparados para esse processo de tomada de
decisão pela falta de investimento na capacitação (ou educação permanente) dos sujeitos
políticos. Padrão esse que se repete no CMS e nos CODS. São exemplos desses tipos de
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funcionamento. Muitos deles ficam sem sede fixa, devido a obras nas unidades públicas
de saúde. Este trabalho buscou frisar, contudo, a importância do fator eleições internas
nos CODs para o fortalecimento político do segmento usuários.
No seu modo formal de funcionamento, todas as decisões homologadas pelos
conselheiros de saúde nas Conferências deveriam ser incorporadas nos Planos de Saúde
(nacional, estaduais e municipais), de forma que as arenas deliberativas do SUS
(plenárias dos Conselhos e das Conferências de Saúde) expressassem as demandas da
sociedade (inputs) e a ampliação do caráter participativo da democracia.
Referências Bibliográficas
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ANEXO