You are on page 1of 16

Febre Reumática

A febre reumática (FR) é uma complicação inflamatória tardia, não supurativa, de uma infecção das
vias aéreas superiores pelo estreptococo beta-hemolítico do grupo A de Lancefield que ocorre 2 a 4
semanas antes do início dos sintomas. É uma doença multissistêmica e caracteriza-se por acometimento
do coração (cardite), das articulações (artrite/artralgia), do sistema nervoso central (coreia), do tecido
celular subcutâneo e da pele.

A cardite reumática é a doença cardiovascular adquirida mais frequente e importante na infância e na

adolescência e a principal causa de óbito por doença cardíaca em indivíduos menores de 40 anos nos
países em desenvolvimento.

Ocorre um período assintomático de 2 a 3 semanas, observado entre a faringite e o início dos sintomas
da FR.

Epidemiologia
A FR é a doença reumática mais comum no Brasil. Em países desenvolvidos, a incidência anual está
em torno de 2 a 4 casos em 100.000 e, em países em desenvolvimento, esse número sobe para 8
casos/100.000. O primeiro surto de FR e suas recidivas ocorrem principalmente no paciente em idade
escolar e no adolescente, sendo raros os casos diagnosticados antes dos 5 anos e depois dos 15 anos ou
na vida adulta. Acomete ambos os sexos.

Cerca de 15 a 20% de todas infecções de orofaringe saõ causadas pelo estreptococo, embora 30 a 40%
sejam assintomáticas. Admite-se que 1 a 3% dos casos de faringotonsilite estreptocócica evoluam com
FR em indivíduos geneticamente predispostos.

A FR acomete crianças e adultos jovens. É rara antes dos 5 e após os 25 anos de idade. Há um leve
predomínio do sexo feminino em virtude de a coreia ocorrer com maior frequência nas meninas. A raça
não caucasoide é discretamente mais acometida.

A alta morbimortalidade da FR está ligada às manifestações cardíacas. O acometimento cardíaco pode


ser fatal na fase aguda da doença ou determinar uma cardiopatia reumática crônica com deformidades
das valvas cardíacas.

Etiopatogenia
A FR é uma complicação tardia, não supurativa, de uma infecção causada pelo Streptococcus
beta-hemolítico do grupo A de Lancefield.

A existência de um mimetismo molecular entre as estruturas antigénicas do Streptococcus


beta-hemolítico e antígenos do hospedeiro é o mecanismo proposto como responsável pelo processo.
autoimune da doença em indivíduos geneticamente predispostos. Têm sido demonstrados vários
anticorpos de reação cruzada entre o Streptococcus beta-hemolítico do grupo A e tecidos humanos.

O Streptococcus beta-hemolítico em discussão é uma bactéria gram-positiva, constituída por cápsula,


parede celular, membrana citoplasmática, citoplasma e núcleo.

A cápsula é formada por ácido hialurônico, que exerce papel antifagocitário. A parede celular contém
em sua camada externa as proteínas M, Te R e também o ácido lipoteicoico, que parece ser responsável
pela ligação da bactéria à fibronectina, preqente na célula epitelial da cavidade oral do hospedeiro e que
inicia a colonização bacteriana. A parede celular é ainda rica em carboidratos
e permite que seja feita a classificação sorológica do estreptococo em grupos de A a O. A parede
interna é mucopeptídica e confere à parede celular forma e rigidez. As proteínas M, R e T têm alta
capacidade antigénica, sendo a proteína M a mais importante, uma vez que apresenta

propriedade antifagocitária e é altamente antigénica, desempenhando papel fundamental na resposta


imune do hospedeiro contra o Streptococcus beta-hemolítico.

Do ponto de vista histopatológico, a doença é caracterizada por um processo inflamatório no tecido


conjuntivo dos órgãos afetados. A inflamacão das camadas do coracão caracteriza a cardite, a principal
manifestação da doença na fase aguda, podendo ser causa de morte nesta fase ou posteriormente,
devido às sequelas valvulares que pode impor ao órgão. Há envolvimento dos três folhetos cardíacos:
pericárdio, miocárdio e endocárdio, ou seja: uma verdadeira pancardite. A valva mais frequentemente
envolvida é a mitral, seguida pela valva aórtica e, raramente, a tricúspide e a pulmonar.

As estruturas antigênicas mais importantes do estreptococo são as proteínas M, R e T que se encontram


na camada externa da parede celular. A proteína M, além de ser responsável pelos diferentes tipos do
estreptococo beta-hemolítico do grupo A (cerca de 80 sorotipos), tem potente ação antifagocítica
resultante da sua ligação a imunoglobulinas por mecanismos não imunes. Dentre os sorotipos
associados com a FR, destacam-se: M1, M3, M5, M6, M14, M18, M19 e M24. Os pacientes com FR
aguda apresentam altos títulos de anticorpos contra essa proteína, que tem propriedades de
superantígeno e provoca resposta imune exagerada e autoimunidade.

Os produtos extracelulares bem individualizados e que possuem funções específicas são: estreptolisina
O, estreptolisina S, hialuronidase, desoxirribonuclease A, B, C e D, toxina eritrogênica e proteinase
estreptocina A e algumas substâncias denominadas de exotoxinas pirogênicas. É importante acentuar
que a antigenicidade é própria da estreptolisina O.

Independente do fator ambiental, o fato de apenas uma minoria (1 a 3%) dos atingidos por faringite
estreptocócica desenvolver FR, levou à suspeita de existir uma predisposição genética, baseado na
constatação de que indivíduos de uma mesma família têm maior probabilidade de desenvolver a doença

Apesar de as controvérsias em relação ao tipo de herança, os estudos mostram que a FR e a cardiopatia


reumática ocorrem em indivíduos geneticamente predispostos. Recente uma revisão observou que
alelos de HLA da classe II (DR a DQ) também foram encontrados em associação com a FR e a
cardiopatia reumática, mas achado curioso é que a ligação com determinados alelos é verificada
somente em certas regiões geográficas e não reproduzível em outras. É provável que os genes do
complexo não MHC, em combinação com as moléculas de HLA, também aumentem a suscetibilidade
à FR.

Houve associação entre HLA-DR4 e pacientes caucasianos, entre DR2 e pacientes negros, e entre o
DR3 e indianos. Outros estudos mostram que o DR4 foi relacionado ser mais comum na cardiopatia
reumática e que, com relação ao DR6, foi identificado exatamente o oposto.

Quanto ao mecanismo patogênico, ainda é pouco conhecido. Acredita-se que, após uma fase de

aparente convalescença de uma faringite estreptocócica não tratada, produtos degradados

do estreptococo com semelhança molecular com tecidos humanos são reconhecidos pelo sistema

imune, iniciando-se a resposta autoimune. A similaridade da proteína M com proteínas fibrilares

do tecido humano (miosina, tropomiosina, proteínas valvares e outras) é devido a semelhança

tanto na sequência de aminoácidos, como na conformação espacial. Essa é a base da teoria da

reação cruzada (ou do mimetismo molecular), segundo a qual o hospedeiro, por apresentar
sequências antigênicas comuns entre determinadas estruturas de seus tecidos e as do estreptococo,

passaria a agredir o próprio organismo. De acordo com essa teoria, os epítopos comuns
comprometeriam a habilidade do sistema imune de distinguir entre o próprio e o não próprio.

Mais recentemente, observou-se que o estreptococo também apresenta semelhança antigênica com
linfócitos circulantes e com determinadas moléculas HLA. Em trabalho realizado em nosso meio,
foram observados anticorpos reativos a proteínas ribossômicas do sistema nervoso central em pacientes
com coreia de Sydenham em associação com a atividade da doença.

A presença de altos níveis de imunocomplexos foi observada no soro e nas articulações de pacientes
com FR ativa.

Quanto à população de linfócitos T e o seu papel na patogenia da doença, sabe-se que os linfócitos
CD4 + estão aumentados na fase aguda, associados a aumento das interleucinas (IL) e à diminuição dos
linfócitos CD8 + . Alguns trabalhos sugerem que as IL-6, IL-8 e o fator de necrose tumoral (TNF)
possam ter papel na patogenia da FR, uma vez que se encontram elevados na fase aguda da doença e
normalizam na fase crônica.

Culturas de células CD4 + de pacientes com FR ativa com toxina eritrogênica pirogênica
(superantígeno do estreptococo beta-hemolítico) exibiram uma resposta do tipo Th1 com produção de
IL-2, enquanto células CD4 + de pacientes com cardite crônica provocaram uma resposta do tipo Th2
com produção de IL-4 e IL-10. A presença de linfócitos CD4 + e CD8 + em toda a espessura da parede
valvar e a expressão da molécula de adesão da célula endotelial (Vcam-1) no endotélio valvar podem
ter importante papel na patogenia da cardite reumática. Badr-Eldin defende a hipótese de que o
problema primário na patogênese da FR estaria na alteração da função de fagócitos mononucleares, os
quais levariam à fagocitose defeituosa e à persistência de imunocomplexos

circulantes, que, associados a diminuição do CD8 + e consequente aumento do CD4 + , maior


produção de anticorpos e formação de imunocomplexos, criariam um círculo vicioso.

Anatomia Patológica
Sinais patológicos de cardite reumática que incluem os miócitos de Anitshkow e os nódulos de Aschoff
podem se desenvolver no tecido cardíaco de pacientes com FR aguda. Nas valvas cardíacas,
observam-se edema e infiltrado celular com presença de células CD4 + e CD8 + e expressão de
antígenos do complexo maior de histocompatibilidade (MHC) classe II no endotélio vascular e
fibroblastos valvares. Estudos com linfocinas sugerem a produção de TNF-α e IL-1 pelos macrófagos
localizados nos nódulos de Aschoff.

Na histologia, além do infiltrado linfocítico com evidência de valvulite crônica, observam-se sinais de
fibrose, neovascularização e ausência de calcificação. Mesmo em lesões valvares calcificadas de
pessoas idosas, um infiltrado linfocitário está presente, indicando a progressão da doença valvar.

Manifestações Clínicas
Os sinais e sintomas da FR ocorrem, como regra geral, após 1 a 3 semanas do aparecimento da
infecção estreptocócica da orofaringe. Entretanto, em apenas 60% dos casos essa infecção é
sintomática. O surto da doença tem duração de 6 a 12 semanas. Manifestações gerais como febre, perda
do apetite, rash cutâneo e adinamia poderão não estar presentes. Outras manifestações clínicas da FR
incluem: artralgia, dor abdominal e epistaxe.

Pneumonite, pleurite, encefalite e glomerulonefrite, assim como o eritema nodoso, são raros.
Classicamente, nas crianças menores são comuns manifestações articulares frustras e cardite severa. Ao
contrário, nos jovens e adultos, é freqüente um comprometimento articular exuberante, sem ou com
manifestações frustras da cardite.

Entre a infecção estreptocócica e a eclosão da doença em sua fase aguda, há um período dito de
"latência" variável, de 2 semanas até 6 meses.

A. Cardite

A cardite e a resultante cardiopatia reumática crónica são as manifestações mais graves de febre
reumática aguda e respondem por essencialmente toda a morbidade e mortalidade associadas. A
cardite reumática é caracterizad.a por pancardite, com inflamação ativa do mioc.árdio, pericárdio
e enclocárdio.

A cardite caracteriza-se por acometimento isolado ou associado dos 3 folhetos (pancardite). É a


manifestação mais grave da FR, pois pode acarretar valvulopatia, descompensação cardíaca ou até
mesmo o óbito. Ocorre em cerca de 40 a 50% dos pacientes no primeiro surto..

A endocardite (valvulite}, que se manifesta por um ou mais sopros cardíacos, é um achada


universal na cardite reumática, ao passo que a presença de pericardite ou miocardite é variável.
A maioria dos casos consiste em doença valvular mitral isolada ou doença valvular mitral
combinada com aórtica. li incomurn o envolvimento isolado de vál vulas do coração direito ou da
válvula aórtica.

A pericardite é a manifestação cardíaca menos comum, ocorrendo em 5 a 10% dos casos. Clinicamente,
caracteriza-se por dor torácica, hipofonese de bulhas e/ ou atrito pericárdico ou pode ser assintomática.
O tamponamento cardíaco é raro. Alterações no eletrocardiograma e na radiografia de tórax podem ser
observadas, porém a confirmação é feita pelo ecocardiograma. A pericardite raramente vem isolada. Se
isso acontecer, outros diagnósticos deverão ser afastados (lúpus eritematoso sistêmico, artrite
reumatoide juvenil ou pericardite viral).

A miocardite pode manifestar-se por sinais e sintomas de insuficiência cardíaca, como dispneia, tosse,
ortopneia, taquicardia, hipofonese de bulhas, ritmo de galope, arritmias cardíacas, hepatomegalia,
nictúria, edema agudo de pulmão e cardiomegalia. Ela é diagnosticada clinicamente em cerca de 10%
dos casos, sendo mais comum o seu diagnóstico eletrocardiográfico. A miocardite isolada também é
rara.

A endocardite é a manifestação mais frequente (90%) do comprometimento cardíaco, podendo ser


assintomática ou manifestar-se por meio de sopro cardíaco, na forma de insuficiência mitral.
Inicialmente, as válvulas se tornam friáveis, inflamadas e regurgitantes, mas, com o tempo, essas
alterações regridem, as válvulas se deformam e podem evoluir para estenose. Os achados clínicos
incluem taquicardia, insuficiência cardíaca congestiva, arritmias e atrito pericárdico.

Como o comprometimento cardíaco pode ocorrer até a 6ª semana do surto agudo, os pacientes devem
ser submetidos a avaliações clínicas periódicas semanais e, quando possível, a ecocardiografias
sequenciais.

Geralmente, na ausculta, ouve-se sopro sistólico apical, que não apresenta variação com a posição do
paciente ou com os movimentos respiratórios e que habitualmente é irradiado para a axila e/ou dorso
indicando a presença de insuficiência mitral. O sopro diastólico em foco aórtico, geralmente discreto,
indica insuficiência aórtica. As valvas mais acometidas são, em ordem de frequência, mitral, aórtica,
tricúspide e pulmonar. A presença de sopros na fase aguda não indica necessariamente a evolução para
defeito valvar definitivo e, na maioria dos casos, ocorre a sua remissão. A presença de estenose mitral é
rara na faixa etária pediátrica e traduz um comprometimento cardíaco pregresso.

SOPRO DE CAREY-COOMBS

Sopro diastólico de enchimento mitral gerado no paciente com FR ativa pela grande quantidade de
sangue que passa pela valva mitral edemaciada para o VE na diástole. Na atividade reumática aguda, a
manifestação inflamatória do endocárdio leva ao EDEMA da válvula mitral, funcionando como uma
“estenose mitral”

(duração: 2 a 3 semanas).

Baixa frequência e tonalidade grave = caráter em Ruflar lembra o bater de asas de um pássaro.

A cardite reumática de intensidade moderada a grave pode resultar em cardiorriegalia e


insuficiência cardíaca congestiva com hepatomegalia, edema periférico e pulmonar. Os achadas
ecocarcliográfi.cas incluem derrame pericárdico, contratilidade ventricular diminuída e
regurgitação aortica elou mitral. A regurgitação mitral é caracterizada por uni sopro
liolossistólico apical e de sonoridade aguda que se irradia para a axila. Em pacientes com
regurgitação mitral significativa, esta pode estar associada com sopro mesodiastólico apical
causado por uma estenose mitral relativa. A insuficiência aórtica é caracterizada por sopro
diastólico em decrescendo e de sonoridade aguda localizado na margem superior esquerda do
esterno.
A cardite ocorre em cerca de 50% - 60% de todos os casos de febre reumática aguda. Os
ataques recorrentes de febre reumática aguda em pacientes que apresentaram cardite no ataque
inicial são associados a altas taxas de cardite. A principal conseqüência da cardite reumática
aguda é a doença valvular progressiva e crónica, particularmente a estenose valvular, que pode
demandar a substituição da válvula e predispor á endocardite infecciosa.

O acometimento cardíaco é marcado por taquicardia persistente, aparecimento de sopros ou


exacerbação de sopros antigos, atrito pericárdico ou ritmo de galope.

Embora descrita como uma pancardite, o acometimento valvar é responsável pela gravidade da doença
na fase aguda e guarda relação direta com o prognóstico na fase crônica. As valvas mais
frequentemente acometidas são a mitral e a aórtica. A cardite pode variar de subclínica a grave, muitas
vezes com quadro de insuficiência cardíaca rebelde ao tratamento clínico, podendo ser necessário
tratamento cirúrgico na fase aguda. A cardite subclínica é encontrada nos pacientes que apresentam
artrite ou coreia sem sinais clínicos de cardite, porém com achados ao eco-Dopplercardiográfico com
padrão pat.ológico de regurgitação valvar.

O sopro usualmente encontrado nos casos de cardite é o de insuficiência mitral (holossistólico, com
sede no ápex, podendo se irradiar para a região axilar ou dorsal).

O envolvimento da valva aórtica origina um sopro diastólico de alta frequência acústica, caracterizando
a insuficiência aórtica. Outro sopro encontrado na fase aguda é o de Carey-Coombs, mesodiastólico na
região apical, que resulta da valvite mitral

O atrito pericárdico é raramente ouvido e é transitório, costumando desaparecer quando se aumenta o


derrame, que afasta os folhetos pericárdicos. Além disso, a presença dos sopros provocados pela
endocardite torna a ausculta do atrito mais difícil.

A degeneração hialina do tecido valvar provoca a formação de “verrugas” nas bordas dos folhetos,
impedindo a perfeita coaptação entre eles. Com a persistência da inflamação (seja por falta de
tratamento adequado ou por surtos repetidos), leva ao aparecimento de fibrose e calcificação dos
folhetos. Caso não haja reversão deste processo com cura, após alguns anos sobrevém estenose valvar e
calcificação grosseira da válvula e aparelho subvalvar, podendo acarretar a dupla lesão, com
regurgitação e estenose associadas, caso em que a válvula fica tão calcificada e distorcida que não

consegue se fechar nem abrir adequadamente.

A válvula mais comumente acometida é a mitral. A seguir, pela ordem de freqüência, aparecem a lesão
combinada mitroaórtica. Em seguida vem a lesão aórtica isolada, que é bastante rara, juntamente com a
tricúspide, que sempre se acompanha de lesão mitral.

O acometimento da válvula pulmonar é excessivamente raro e só ocorre em casos nos quais a doença
reumática incide sobre uma cardiopatia congênita, como a tetralogia de Fallot, por exemplo.

B. Artrite

A artrite é a manifestação mais frequente e a menos específica da FR, sendo observada em 60 a 80%
dos pacientes. É caracterizada por acometimento, geralmente, de grandes articulações (principalmente
joelhos, tornozelos, cotovelos e punhos) no início do quadro, migratório, fugaz e autolimitado, sem
deixar sequelas. O comprometimento articular dura 2 a 3 dias em cada articulação e 2 a 3 semanas no
total, regredindo sem sequelas.

Classicamente, a artrite é descrita como uma poliartrite migratória, não supurativa e usualmente não
deixa sequelas. Acomete grandes articulacões, podendo raramente envolver articulacões de mãos, pés e
coluna. Apresenta excelente resposta ao uso de anti-inflamatórios, após 1 a 5 dias de sua introdução.

É importante ressaltar que em cerca de 20% dos casos a artrite pode ser atípica, o que dificulta o
diagnóstico.

O envolvimento articular é de natureza caracteristicamente migratória; uma articulação gravemente


inflamada pode tornar-,se normal dentro de 1-3 dias sem tratamento, à medida que uma ou mais
dentre outras grandes articulações tornam-se afetadas.

A desproporção entre a intensidade da dor (muito dolorosa) e a presença de sinais flogísticos discretos
é um achado característico da artrite da FR. Outra característica é a resposta satisfatória aos salicilatos
em doses antiinflamatórias.

Em aproximadamente 1/3 dos pacientes com FR o acometimento articular não corresponde ao padrão
descrito anteriormente. Alguns consideram isso como artrite reativa pós-estreptocócica, quando não
existe a associação com outros sinais maiores da FR. Essa entidade tem envolvimento atípico: menor
período de latência entre a faringoamigdalite estreptocócica e o início da artrite (1 a 2 semanas em vez
de 2 a 3 semanas), resposta pobre aos salicilatos ou outros anti-inflamatórios não esteroidais,
acometimento de pequenas articulações e coluna, de caráter aditivo e crônico, com rigidez matinal em
20% dos casos.

Entretanto, quadros articulares atípicos podem ocorrer, como: monoartrite ou oligoartrite, artrite aditiva,
simétrica, com duração maior que 6 semanas e fraca resposta aos salicilatos. Entesopatia pode ser vista
ocasionalmente. A introdução precoce de anti-inflamatórios não hormonais pode promover a
interrupção da evolução natural do quadro articular, manifestando-se como uma monoartrite por
exemplo, dificultando o diagnóstico.

O entésio é a zona de inserção das fibras tendíneas, ligamentares ou capsulares nos ossos. A
entesopatia pode ser decorrente de afecções traumáticas, degenerativas, metabólicas, inflamatórias ou
iatrogênicas. Na entesopatia inflamatória, as lesões inflamatórias do entésio (entesite) são seguidas de
erosão óssea no local de inserção da cápsula, tendão ou ligamento; subsequentemente ocorre
ossificação. A entesopatia, entretanto, pode ser um achado radiológico assintomático.

Quando a artrite é a única manifestação maior, o diagnóstico de certeza de FR torna-se bastante difícil,
em virtude de sua baixa especificidade e dos inúmeros diagnósticos diferenciais.

A artrite é a manifestacão mais comum da FR, ocorrendo em mais de 75% dos casos no primeiro surto,
sendo mais comum em criancas maiores e adultos.

C. Coreia de Sydenham

A coreia de Sydenham (CSy) é uma manifestação do envolvimento dos gânglios da base do SNC,
descrita em 10 a 20% dos casos de FR, tem sido observada com frequência elevada em alguns países,
como o Brasil e se manifesta de 2 a 4 meses após a infecção, podendo se estender por até 12 meses.
Expressa-se por síndrome hipotônica e hipercinética, caracterizada clinicamente por movimentos
involuntários breves, ao acaso, súbitos, rápidos, arrítmicos e incoordenados, que variam em gravidade,
hipotonia muscular, quedas frequentes, disartria, dificuldade de concentração e de escrita e voz
arrastada. A labilidade emocional (irritabilidade e choro fácil), a fraqueza muscular e os distúrbios de
comportamento, geralmente, precedem o aparecimento dos movimentos coreicos. Atinge mais o sexo
feminino, em idade escolar e início da adolescência.

Os movimentos involuntários podem comprometer apenas um lado do corpo, entretanto, são


geralmente bilaterais, de extremidades, mas também de face. Acentuam-se com o estimulo sonoro ou
visual e desaparecem durante o sono e ao repouso.

Distúrbios neuropsiquiátricos, como os obsessivo-compulsivos, têm sido associados com a CSy.


Mercadante et al. observaram maior frequência de transtornos depressivos maiores, tiques (vocais ou
motores) e hiperatividade com déficit de atenção nos pacientes com CSy que nos pacientes com outras
manifestações da FR e nos controles.

A CSy é autolimitada, não deixa sequelas e o surto dura de 2 a 3 meses, podendo, em raros casos,
prolongar-se por mais de 1 ano. Embora seja possível apresentar-se associada a outras manifestações, a
CSy é, geralmente, uma manifestação isolada (tardia) da FR. Por essa razão, alterações nas provas de
atividade inflamatória ou evidência de estreptocócica são pouco observadas.

A coreia de Sydenharn caracteriza-se por Labilidade emocional, falta de coordenação,


desempenho escolar precário, caretas e movimentos incontroláveis, que são exacerbados pelo
estresse e desaparecem com o sono. Ocasionalmente, a coréia é unilateral. O período latente,
desde a infecção pelo estreptococo do grupo A até o surgimento da coréia, geralmente é mais
prolongado do que aquele que ocorre até o aparecimento da artrite ou da cardite e pode chegar
a meses. O inicio pode ser insidioso, estando os sintomas presentes por vários meses antes de
serem reconhecidos

Manobras para Avaliação da Coreia:

 Sinal da Ordenha: pede-se ao paciente para apertar a mão do examinador. Este sentirá a
incoordenação das contrações da mão do paciente como se ele estivesse ordenhando;

 Sinal da Colher: pede-se ao paciente para estender as mãos. Ocorre a hiperextensão das duas
articulações metacarpofalangianas que tornam o aspecto côncavo como uma colher;

 Sinal da Pronação ou da Bailarina: pede-se ao paciente para elevar os braços acima da cabeça.
Durante o exame as mãos executam movimentos de pronação;
 Movimentos Vermiformes da Língua: contração involuntária ao se expor a língua;

 Distúrbio da Fala;

 Alteração da Mímica Facial;

 Alteração na Escrita;

 Avaliação da Marcha: dificuldade ou incapacidade de deambular, tropeços;

D. Alterações Cutâneas

O eritema marginado (5%) e os nódulos subcutâneos (3%) são manifestações raras, autolimitadas e
associadas, por alguns autores, aos quadros de cardite grave. O eritema marginado é uma erupção não
pruriginosa, evanescente, rósea ou ligeiramente avermelhada, presente no tronco e em extremidades
dos membros, geralmente poupando a face.

Os nódulos subcutâneos apresentam-se indolores, endurecidos, móveis, com diâmetro entre 1 a 2 cm e


estão usualmente localizados nas superfícies extensoras das articulações e ao longo de tendões.
Ocasionalmente em região occipital ou coluna.

O eritema marginado é caracterizado por lesões maculares, 11ão pruriginosas, b.ordas eritematosas e
centro claro, evanescente. Usualmente é visto no tronco e raízes dos membros e pode surgir ou se
intensificar com o calor.

E. Outras Manifestações

Outras manifestações clínicas importantes, porém consideradas critérios menores para o diagnóstico da
FR, são: febre (38,5ºa 40º na fase aguda), artralgia, alteração nas provas de fase aguda (VHS e PCR) e
alargamento do intervalo PR (acima de 0,2 segundos) no eletrocardiograma.

Exames Subsidiários
Não existem testes laboratoriais patognomônicos para o diagnóstico da FR, no entanto, alguns exames
auxiliam na caracterização do processo inflamatório e na comprovação da infecção estreptocócica.

A. Hemograma

O hemograma pode mostrar leucocitose com neutrofilia e anemia de leve a moderada. Hemoglobina
inferior a 9 mg/dL é rara e, quando presente na FR, está relacionada com os quadros mais graves de
cardite. Linfocitose e anemia importantes e progressivas impõem o diagnóstico diferencial com
leucemia ou doença falciforme.

B. Provas de Atividade Inflamatória

As provas de atividade inflamatória encontram-se sempre alteradas na fase aguda da FR. A velocidade
de hemossedimentação (VHS) eleva-se já nas primeiras semanas da doença (> 60), e níveis mais altos
são encontrados nos pacientes com comprometimento cardíaco. A proteína C-reativa (PCR) eleva-se
precocemente e tende a desaparecer no final da 2ª ou 3ª semana (> 3). Assim como a VHS, a PCR sofre
influência da medicação antiinflamatória.

A α-1-glicoproteína ácida e a α-2-globulina elevam-se na fase aguda da doença e mantem-se elevadas


por tempo mais prolongado. Não sofrem influência da medicação anti-inflamatória e são utilizadas para
monitorar a atividade da FR.

A alfa-1-glicoproteína ácida é outro componente rnucoproteico que indica processo inflamatório,


semelhante à rnucoproteína, sendo de mais fácil realização. Apresenta ,títulos elevados na fase aguda
da doença, que se mantêm por tempo prolongado.

C. Detecção da Infecção Estreptocócica

A cultura de orofaringe para isolamento do estreptococo é de baixa sensibilidade, em torno de 15 a


20%, por causa do período de latência entre a infecção estreptocócica e o início das manifestações da
FR, bem como do uso prévio de antibióticos. Outro fator a ser considerado é o estado de portador são.
Testes rápidos para detecção do estreptococo são disponíveis em alguns serviços, com uma
especificidade de 95%, porém com sensibilidade menor.

Antiestreptolisina O (ASLO): consideram-se, para crianças, valores acima de 320 UI/mL como
elevados. A dosagem de ASLO deve ser repetida entre duas a três semanas após a primeira aferição,
pela possibilidade de se detectar ascensão dos títulos em resposta à infecção. Início com 7 dias e pico
entre 2 a 4 semanas. É importante lembrar que aproximadamente 20% dos pacientes com FR poderão
não apresentar elevação dos títulos de ASLO. Nesses casos, a determinação dos anticorpos para
hialuronidase, desoxirribonuclease B e/ou estreptocinase poderá ser decisiva para o diagnóstico da
infecção. Entretanto, por questões principalmente de custo, dispõe-se apenas da Aslo.

A estreptozima é um teste baseado na pesquisa simultânea de vários anticorpos para o estreptococo,


porém, na prática, ela não se mostrou superior à Aslo.

Os títulos costumam se elevar a partir da 2ª semana do início da infecção estreptocócica, atingindo seu
maximo ao final de 4 a 6 semanas, declinando então lentamente. Alguns pacientes podem permanecer
com títulos elevados durante vários meses. Recomenda-se a realização de duas dosagens de ASLO com
intervalo de 15 dias.

D. Radiografia de Tórax e Eletrocardiograma

A radiografia de tórax e o eletrocardiograma podem auxiliar no diagnóstico de cardite, porém


mostram-se alterados em apenas 30% dos pacientes. A radiografia de tórax costuma evidenciar
aumento da área cardíaca somente nos casos de miocardite ou de derrame pericárdico moderado ou
grave. No eletrocardiograma, observam-se alterações da repolarização, caracterizadas por alongamento
do espaço P-R e do espaço Q-T. Essas alterações não são especificas da FR, e podem estar presentes na
artrite idiopática juvenil sistêmica e no lúpus eritematoso sistêmico.

A persistência do espaço P-R alongado relaciona-se, por vezes, à fibrose do tecido cardíaco, e não
necessariamente ao processo ativo, já a persistência do espaço Q-T aumentado pode ter relação com
maior gravidade e má evolução. Nos casos de pericardite, observam-se complexos QRS de baixa
voltagem e alterações no segmento S-T.

E. Ecocardiograma-Doppler
O ecocardiograma Doppler (ECO-Doppler) é útil para avaliar o desempenho cardíaco e auxiliar no
diagnóstico das valvulopatias, disfunção miocárdica, pericardite e também para seguimento dos
pacientes com cardite reumática.

Para uma completa avaliação do fluxo sanguíneo intracardíaco, o ECO-Doppler colorido é a técnica
mais indicada. Se for normal e a suspeita de FR permanecer, ele deverá ser repetido em intervalo de 2 a
3 semanas.

F. Radiografia do Coração

Pode evidenciar aumento da área cardíaca em razão da miocardite reumática, derrame pericárdico ou
lesões orovalvulares, principalmente de insuficiência mitral e/ou aórtica.

Nos adolescentes, e principalmente adultos jovens, podemos encontrar lesões de estenose mitral
crônica, com coração, aos raios X, de diâmetro próximo do normal, porém com grande aumento do
átrio esquerdo e congestão venosa pulmonar acentuada.

Diagnóstico
Dois critérios maiores ou um critério maior + dois menores, tendo ambos como denominador comum a
evidência de uma infeccão estreptocócica prévia, indicam alta probabilidade de FR

Não existe sintoma, sinal clínico ou exame


laboratorial patognomônico da doença e, portanto, o
diagnóstico da FR baseia-se na combinação de
achados clínicos e laboratoriais que suportam essa
hipótese. O diagnóstico de certeza torna-se ainda mais
difícil em função da grande variabilidade do quadro
clínico.

Jones estabeleceu critérios que continuam sendo um


importante guia para o diagnóstico da FR. É
importante lembrar que nem todos os pacientes com

FR preenchem esses critérios


no início do quadro.

Existem 2 exceções em que os


critérios de Jones não são válidos:
coreia isolada de etiologia não
definida é suficiente para o
diagnóstico mesmo na ausência
das outras manifestações e cardite
indolente, que é o

acometimento de válvula mitral e


aórtica simultaneamente sem cardite prévia.

Baseado nos critérios de Jones modificados, o diagnóstico é confirmado pela presença de dois critérios
maiores ou um critério maior e dois menores, associados à infecção estreptocócica prévia.
Febre

A febre geralmente está presente quando há


artrite e acompanha‐se de mal-estar, prostração e
palidez. Pode ser alta (38 a 39C), mas diminui
com o passar dos dias, podendo durar 2 a 3
semanas e desaparecer mesmo sem tratamento. A
resposta aos anti-inflamatórios é muito rápida.
Pacientes com cardite podem cursar com febre
baixa, enquanto aqueles com coreia pura são
afebris.

Artralgia

É a presença de dor articular sem limitar os


movimentos e costuma envolver as grandes
articulações. Só pode ser contada como critério
menor na ausência de artrite (critério maior). Poliartralgia migratória, assimétrica, envolvendo grandes
articulações é sugestiva de FR.

Intervalo PR

Aumento do espaço PR no eletrocardiograma não é específico de FR; pode estar presente na FR com e
sem cardite, mas tam‐ bém pode existir em pessoas saudáveis. O eletrocardiograma deve ser solicitado
em todos os pacientes com suspeita de FR e, depois, repetido para registrar o retorno à normalidade.

Reagentes de fase aguda

As reações de fase aguda, como o aumento da VHS, PCR, alfa‐ glicoproteína ácida e a alfa2 globulina,
refletem apenas uma resposta inflamatória do organismo, que pode surgir em qualquer condição
infecciosa ou imunoinflamatória. Na FR, ajudam no diagnóstico e no acompanhamento do processo
inflamatório. Os critérios de Jones consideram os valores da VHS e da PCR.

Evidência de estreptococcia prévia

O diagnóstico de FR requer a comprovaçaõ de uma infecção estreptocócica recente, seja por história de
escarlatina ou por comprovação laboratorial: cultura de orofaringe positiva para Streptococcus
pyogenes ou presença de elevados títulos de an ticorpos antiestreptocócicos, como a antiestreptolisina
O (ASO) e a anti-DNase.

A cultura positiva é o padraõ ouro do diagnóstico de infecção estreptocócica, mas como existe um
período de latência de 7 a 21 dias antes do início dos sintomas e, muitas vezes, o paciente já usou
antibióticos, a cultura frequentemente é negativa.

Testes rápidos para detecção de antígeno estreptocócico têm a vantagem da rapidez do diagnóstico e
apresentam sensibilidade de 80% e especificidade de 95%. Na dúvida, se o teste rápido for negativo,
recomenda-se a realização de cultura de orofaringe.

Os testes sorológicos que detectam anticorpos que denunciam a infecçaõ pregressa não têm valor para
o diagnóstico do quadro agudo da faringotonsilite. Infelizmente, na maioria dos laboratórios do país, o
único anticorpo antiestreptocócico dosado é a ASO. A literatura mostra que apenas 80% dos pa cientes
com FR apresentam aumento da ASO, mas se outro anticorpo, como a antiDNase, for dosado, esse
percentual subirá.
Uma única verificação de ASO pode ser insuficiente se o período de latência for muito curto e os níveis
iniciais forem normais. Por esse motivo, recomenda-se a repetição do exame após 15 dias do primeiro
teste. Na avaliação da ASO, é preciso atentar ao fato de que esses anticorpos cairão lentamente ao
longo dos meses, em geral 3 meses, mas, em alguns casos, persistirão por anos e, assim, nem toda ASO
alta indica infecçaõ recente..

Alguns lembretes sobre evidências de infecçao


̃ estreptococica:
 Somente 50% dos pacientes referem tonsilite prévia;

 A cultura de orofaringe só é positiva em 20% dos casos;

 Testes rápidos de detecção de estreptococo são menos sensiveis que a cultura;

 Culturas positivas podem indicar apenas estado de “portador”, e não infecção;

 Somente 80% dos casos têm elevaçaõ da ASO;

 ASO começa a se elevar na primeira semana após a infecção estreptocócica, alcança o máximo
em 3 a 4 semanas e demora meses para retornar ao normal;

 Os títulos de ASO não têm relação com a gravidade da FR;

 Nem toda ASO alta significa infecçao


̃ recente;
 Uma curva de níveis ascendentes de ASO é indicativa de infecçao

Diagnóstico Diferencial
As maiores dificuldades ainda hoje enfrentadas no diagnóstico da FR ocorrem nos pacientes que
apresentam apenas artrite como manifestação da doença, uma vez que a artrite é inespecífica, sendo
frequentemente observada ou mesmo confundida com dor em membros, outras artrites reativas
(pós-estreptocócicas e não estreptocócicas), artrite infecciosa, doenças do colágeno (artrite idiopática
juvenil e lúpus eritematoso sistêmico), artrite da doença falciforme, da hemoglobinopatia C, das
leucemias, dos linfomas e com tumores ósseos.

No Brasil, os quadros inespecíficos de dores em membros ou artralgias são, muitas vezes,


supervalorizados, em especial quando associados à elevação dos títulos de Aslo, levando a falsos
diagnósticos de FR.

Outra dificuldade relaciona-se com a


propedêutica cardiológica, em virtude da alta
frequência, nas crianças normais, de sopros
funcionais, que podem dificultar a interpretação
da ausculta do paciente, tornando-se necessária,
algumas vezes, a avaliação do cardiologista.
Cardiopatias congênitas, valva mixomatosa
congênita, endocardite infecciosa (bacteriana),
prolapso de valva mitral e até sopros funcionais
fazem parte do diagnóstico diferencial da
endocardite reumática. O comprometimento
cardíaco decorrente de doenças do colágeno que
cursam com artrite e das infecções virais
(perimiocardites) podem, ainda, ser causa de erro diagnóstico.

Com relação à coreia, embora sendo altamente sugestiva de FR, é preciso ficar atento quando se
apresenta como manifestação isolada e lembrar que encefalites virais, lúpus eritematoso sistêmico,
policitemia, coreia familiar benigna, síndrome antifosfolípide e outras doenças neurológicas primárias
devem ser afastadas.

Outros diagnósticos: sarcoidose e infecções (Hansen, Lyme, Yersinia).

Tratamento
O tratamento da FR consiste na erradicação do foco de estreptococo, nos tratamentos da cardite, da
artrite e da coreia, e na profilaxia secundária. Os AINES estão contraindicados na gravidez.

A. Tratamento da Infecção Estreptocócica

A erradicação se faz com penicilina benzatina intramuscular na dose de 600.000 UI para pacientes com
menos de 20 kg e 1.200.000 UI para aqueles com peso superior. O tratamento oral é com penicilina V
oral 25 a 50.000 UI/kg/dia, de 8/8h ou de 12/12h, por 10 dias, ou com amoxicilina 30 a 50 mg/kg/dia,
de 8/8h ou de 12/12h, por 10 dias, ou ampicilina 100 mg/kg/dia, de 8/8h, por 10 dias. Nos casos de
alergia comprovada à penicilina, utilizase a eritromicina (estearato de eritromicina) na dose de 30 a 40
mg/kg/dia (máximo 1g/dia), via oral, de 8/8h ou de 12/12h, por 10 dias. A azitromicina tem o menor
efeito em comparação aos outros medicamentos.

As medicações orais são menos efetivas, em virtude, principalmente, da baixa adesão ao tratamento.
Por outro lado, a absorção dessas medicações é variável, o que poderá interferir na sua eficácia. A
claritromicina (por 10 dias) e a azitromicina (por 5 dias) podem ser outra opção terapêutica. Entretanto,
deve-se ter muito cuidado com o uso indiscriminado dos macrolídeos, em razão da possibilidade de se
desenvolver resistência à droga. Além disso, são medicações caras para a população menos favorecida.

Estudos com Amoxicilina-Clavulanato e com cefalosporinas em esquemas terapêuticos por 5 dias


mostraram que esses tratamentos são eficazes tanto para o sucesso clínico quanto para a erradicação
bacteriológica. É importante salientar que os antibióticos derivados da sulfa não são eficazes para a
erradicação do estreptococo.
B. Tratamento com Anti-inflamatórios

Para o tratamento da cardite, utiliza-se a prednisona na dose de 1 a 2 mg/kg/dia (dose máxima de 60


mg), administrada 2 ou 3 vezes/dia na 1ª semana, passando-se a seguir para dose única diária, que deve
ser mantida por 2 a 3 semanas até a melhora clínica e laboratorial, quando se inicia a redução lenta até
a suspensão, em 8 a 12 semanas. Essa redução não deve exceder 20 a 25%/semana da dose anterior e,
desse modo, não se tem observado o rebote do quadro, mesmo sem a introdução do ácido
acetilsalicílico.

Diuréticos e digitálicos são utilizados nos casos de insuficiência cardíaca. O repouso é importante e
deverá ser individualizado de acordo com as manifestações e sua gravidade.

A artrite é tratada com ácido acetilsalicílico na dose de 80 a 100 mg/kg/dia (máximo de 3 g), divididos
em 4 tomadas, até a melhora do quadro e normalização das provas inflamatórias (2 a 4 semanas).
Outros antiinflamatórios não hormonais moderados como Naproxeno (10 a 15 mg/kg/dia, de 12/12h),
indometacina (2 a 3 mg/kg/dia, de 6/6h) e o Ibuprofeno (30 a 50 mg/kg/dia, de 6/6h) também podem
ser utilizados, porém, com custo mais elevado. A resposta costuma-se a ser boa, com regressão dos
sinais inflamatórios em 24 a 48 horas. A duração do tratamento deve ser de 2 a 4 semanas. Para
pacientes com cardite e artrite associadas, é suficiente o uso isolado do corticosteroide.

C. Tratamento da Coreia

Para a coreia, são utilizados o haloperidol (dose inicial de 0,5 a 1 mg/dia até 5 mg/dia de acordo com a

necessidade) ou o ácido valproico (15 a 20 mg/kg/dia) ou, eventualmente, a pimozida (1 a 6 mg/dia),


por 8 a 12 semanas com redução gradativa por meses, após terem desaparecido os movimentos.

Deve-se, entretanto, ficar atento para os seus efeitos colaterais.

Profilaxia Primária

A antibiaticoterapia adequada instituída antes do nono dia de sintomas da faringite por


estreptococos do grupo A é altamente eficaz pra prevenir os primeiros ataques de febre reumática
aguda a partir daquele episódio. No entanto, cerca de um terço dos pacientas com febre reumática
aguda não se lembra de um episódio antecedente de faringite.
Deve ser feito principalmente nas crianças
acima dos três anos de idade, quando a
incidência de estreptocócica aumenta
consideravelmente. A penicilina benzatina é a
medicação de escolha, pois garante um
tratamento completo com uma única
aplicação.

Profilaxia Secundária

A prevenção secundária requer profilaxia


antibiótica contínua; esta deve começar
tão logo o diagnóstico de febre reumática
aguda tenha sido feito e imediatamente
após ter sido completado um curso completo de antibioticoterapia. A profilaxia secundária é
realizada com penicilina benzatina nas mesmas doses que na profilaxia primária. O intervalo de
administração recomendado é de 4 semanas, porém, para as populações com alto risco de desenvolver a
doença, como a brasileira, deve ser de 3 semanas.

Quanto à duração, preconiza-se que, nos casos sem cardite, a profilaxia seja realizada até o paciente
completar 21 anos ou por um tempo mínimo de 5 anos após o último surto, valendo o que cobrir o
maior tempo.

Nos pacientes que apresentaram cardite


leve, insuficiência mitral leve residual ou
resolução da lesão valvar, é recomendável
manter a profilaxia até os 25 anos ou por
10 anos após o último surto. Nos casos de
lesão valvar residual moderada a grave, a
profilaxia deve ser continuada até os 40
anos ou por toda a vida.

Após cirurgia valvar é recomendado por


toda a vida.

Quando a profilaxia não é realizada adequadamente, a FR poderá recorrer após novas infecções
estreptocócicas de orofaringe, com taxas de recorrência de 50%. As recorrências são mais comuns nos
primeiros 5 anos após o surto inicial.

Em casos de alergia à penicilina, é recomendado o uso da sulfadiazina nas doses de 500 mg/dia para
crianças com peso inferior a 30 kg e 1.000 mg/dia para aquelas com peso superior. Embora a
frequência de alergia à penicilina seja baixa, de 3,2% as primeiras aplicações devem ser realizadas em
local com disponibilidade de recursos para atendimento imediato de reações alérgicas graves.

A eritromicina também é eficaz para a prevenção secundária, podendo ser usada em casos de alergia à
penicilina e sulfadiazina, 250 mg, por via oral, de 12/12h.

A amidalectomia não é uma conduta no tratamento da FR, porque não modifica a evolução da doença e
não altera a frequência do primeiro surto ou das recorrências. Portanto, as indicações de amidalectomia
em pacientes com FR são as mesmas de qualquer outra criança.

Pacientes que serão submetidos a intervenção cirúrgica ou procedimento dentário deverão receber
profilaxia adicional, com amoxicilina.
COMPLICAÇÕES.

A artrite e a coréia da febre reumática aguda desaparecem completamente sem deixar seqüelas.
Desse modo, a.s seqüelas da febre reumática a longo prazo limitam-se geralmente ao coração
Os pacientes com valvulopatia cardíaca secundária à febre reu mática aguda apresentam maior
risco de desenvolver endocardite infecciosa durante episódios de bacterernia. transitória. Os
esquemas. antibióticos usados para evitar as recorrências da febre reumática aguda sio
inadequados para a proteção contra a endocardite infec ciosa. As recomendações atuais da
American Heart Association a respeito da profilaxia da endocardite infecciosa devem ser
seguidas (Cap. 437). Os pacientes com valvulopatia reumática residual nem sempre necessitarei
de profilaxia para endocartite. Também deve-se enfatizar a importância da boa higiene dental na
prevenção da endocardite infecciosa. Os pacientes que tiveram febre reumática, mas apresentam
evidências de doença valvular residual não necessitam de profilaxia para endocardite.

PROGNÓSTICO.

O prog;nóstico para os pacientes com febre reumática aguda depende das manifestações clinicas
presentes no momento do episódio inicial, da gravidade do episódio inicial e da presença de
recidivas. Aproximadamente 70% dos pacientes com cardite durante o episódio inicial de febre
reumática aguda se recuperam sem carcliopatia residual; quanto mais grave o envolvimento
cardíaco inicial, maior o risco de cardiapatia residual. Os pacientes sem cardite du rante o
episódio inicial apresentam pouca probabilidade de ter cardi te nas recidivas. Por outro lado, os
pacientes com cardite durante o episódio inicial provavelmente terão cardite nas recidivas, e o risco
de lesão cardíaca permanente aumenta a cada recidiva. Os pacientes que tiveram febre reumática
aguda são suscetíveis a ataques recorrentes ardas uma reinfer_ção do trato respiratório superior
por estreptococo do grupo A. Por essa razão, eles necessitam de quirnioprofilaxia contínua de
longa duração.
Antes da existência da profilaxia com antibióticos, 75% dos pa cientes que tinham um
episódio inicial de febre reumática aguda tinham uma ou mais recidivas durante suas vidas.
Essas recidivas eram uma importante fonte de morbidade e mortalidade. O risco de
recorrência é máximo imediatamente após o episódio inicial e diminui com o decorrer do
tempo.
Aproximadamente 20% dos pacientes que apresentam "apenas" coréia e que não são
submetidos à profilaxia secundária desenvolvem cardiopatia reumática dentro de 20 anos.
Portanto, os pacientes com coréia, mesmo na ausência de outras manifestações de febre reumática,
necessitam de profilaxia antibiótica de longa duração.

You might also like