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No livro “Os melhores anjos da nossa natureza: por que a violência diminuiu” (Companhia das
Letras, 2013), Pinker busca mostrar que o mundo atual está mais seguro para se viver e a raça
humana se mostra cada vez menos violenta consigo mesma. Embora com duas guerras
mundiais, um punhado de ditadores genocidas, homicídios, inúmeros conflitos localizados e 180
milhões de mortes nos diversos massacres, o século 20 é o campeão de um banho de sangue
em termos absolutos, mas não em termos relativos. Pinker considera que, em termos
proporcionais, a violência sempre foi maior entre os nossos ancestrais. Ou seja, a tese do livro é
simples: a violência diminuiu em termos absolutos ao longo da jornada milenar do Homo sapiens
até os dias de hoje. Por exemplo, a “gripe espanhola”, de 1918, matou muito mais gente que a
epidemia de Ebola, gripe aviária e outras epidemias recentes.
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Além disto a sociedade está ficando mais democrática. Pinker mostra que houve avanço da
democracia no mundo entre 1945 e 2013. A maioria dos países do globo hoje são democráticos
e não somente os países ricos do Ocidente, mas também as diversas nações de todos os
continentes. O autor considera que o fato de a humanidade ter caminhado para a prosperidade
e a paz não é garantia de que vá continuar a fazê-lo. Para manter a linha da paz e tolerância, ele
considera ser necessário que os “anjos" preponderem sobre os "demônios", e ele, como otimista
confesso, acredita mais nos anjos do que nos demônios.
Ele diz que o progresso incrivelmente rápido, possibilitou que a grande maioria dos americanos
pobres usufruíssem de luxos não disponíveis para os Vanderbilts e Astors de 150 anos atrás,
como eletricidade, ar-condicionado e televisores a cores. Os vendedores ambulantes do Sudão
do Sul têm melhores telefones celulares magnatas da primeira metade do século XX. As pessoas
têm tempo livre e a Amazon e a Apple oferecem uma deslumbrante variedade de
entretenimento para preenchê-lo. As pessoas também estão crescendo mais inteligentes e mais
humanas. As pontuações de QI aumentaram cerca de 30 pontos em 100 anos. Isto se deve à
melhor nutrição e mais estimulação cerebral. Para Pinker, o progresso e os valores iluministas
estão prevalecendo no mundo. A ciência e a tecnologia estão resolvendo os problemas materiais
da humanidade.
O filósofo Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716) costumava dizer, 300 anos atrás, que “Vivemos
no melhor dos mundos possíveis”. Em resposta, Voltaire (1694-1778) escreveu o livro “Cândido
ou o Otimismo”, onde ironiza o otimismo de Leibniz. Apesar de Cândido, em toda a história de
vida, apenas presenciar desastres e dificuldades, os ensinamentos do Dr. Pangloss sempre
insistiam no mantra de que “tudo vai pelo melhor no melhor dos mundos possíveis”. Desta
forma, enquanto Pinker tenta reviver e requentar o otimismo de Leibniz, parece que a maioria
do mundo se identifica com os apuros de Cândido.
Do ponto de vista dos interesses da humanidade, a ideia abraçada por Steven Pinker de que
“vivemos no melhor dos mundos” não é incorreta, pois os dados mostram que o avanço da
humanidade desde o início da Revolução Industrial e Energética foram realmente
inquestionáveis. Contudo, ele esqueceu de avaliar o estado do meio ambiente e comparar o que
aconteceu com a natureza nos últimos 200 anos desde o início do uso generalizado de
combustíveis fósseis e produtos químicos na agricultura e pecuária.
Mas como tenho insistido em dizer em vários artigos anteriores, todo o avanço das condições
de vida dos habitantes da Terra ocorreu às custas do retrocesso das condições ambientais.
Enquanto a humanidade avançou, as demais espécies vivas do Planeta regrediram e os
ecossistemas foram degradados. O ser humano usou a riqueza ecossistêmica para usufruto
próprio e reduziu as condições ambientais para as futuras gerações. Portanto, o extraordinário
avanço antrópico ocorrido nos últimos dois séculos pode não se repetir no futuro e diversas
conquistas podem ir por água abaixo. As mudanças climáticas e a perda de biodiversidade pode
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gerar um grande colapso ambiental ou até mesmo um apocalipse ecológico. É impossível o ser
humano ser rico em um Planeta empobrecido. O ecocídio é também um suicídio.
Referências:
ALVES, JED. A grande cisão: sucesso humano versus fracasso ecológico, Ecodebate, 25/03/2015
http://www.ecodebate.com.br/2015/03/25/a-grande-cisao-sucesso-humano-versus-fracasso-
ecologico-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/
PINKER, Steven. Os Anjos Bons da Nossa Natureza: por que a violência diminuiu, São Paulo,
Companhia das Letras, 2013
PINKER, Steven. Enlightenment Now: The Case for Reason, Science, Humanism and Progress. By
Steven Pinker. Viking; 2018