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Flávio G.

Vichinsky

HISTÓRIAS DOS MENINOS


DE PIJAMAS

Edição do autor
2012
Copyright © 2012 by Flávio G. Vichinsky
Capa: Equipe Makina Peluda
Revisão: Sérgio Miguel C. Cruz
Transporte / Digitalização: Vitória C. Vichinsky

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação


Vichinsky, Flávio Garcia.
Histórias dos meninos de pijamas / Flávio Garcia Vichinsky. –
São Paulo – Ed. do Autor, 2012.

1. Literatura Infanto-Juvenil I. Título. II. Autor


Índices para catálogo sistemático:
1. Literatura e Arte: Literatura infanto-juvenil B869.8

2012 – São Paulo - SP


Todos os direitos reservados ao autor
Flávio G. Vichinsky – flaviovichinsky@globo.com
Impressão e vendas: www.clubedeautores.com.br
PARA QUEM VAI ESTE LIVRO

A Cibele foi a minha primeira sobrinha. Nasceu


quando eu tinha apenas doze anos de idade e um montão
de sonhos na cabeça. A irmã dela nasceu alguns anos
depois e chamaram-na, seus pais, de Simone. Lembro-me
que elas compartilhavam o mesmo quarto. Cibele, a
princesinha, amava tudo o que tinha brilho, como fadas,
pôneis, Barbies e batom. Já a Simone, cortava as crinas
dos pôneis, torcia a cabeça das fadas e usava o batom
para pintar de vermelho os delicados rostos das bonecas.
Lembro-me do meu irmão Beto e da Celina, esposa dele,
relatando as várias peripécias engendradas pela dupla
pouco vulgar de meninas, quando o quarto tornava-se
palco e as camas, picadeiro de um circo-da-alegria-sem-
fim. Como eu gostaria que aquela alegria realmente não
tivesse fim. E sei que ainda hoje, já adultas e cheias de
responsabilidades, também elas gostariam de ter
perpetuadas aquelas gargalhadas que, imagino, muitas
vezes lhes roubavam o sono e as faziam imaginar
histórias...
Papau, Edu e Rafa, os três irmão deste meu
livrinho, são projeções da Cibele e da Simone. São
inteligentes, cheios de vida e criatividade, assim como
elas o são até hoje. São companheiros, sinceros e muito,
mas muito amigos mesmo. Elas também. Os meninos são
crianças, na mais pura acepção da palavra. Mesmo sem
saber, a Cibele e a Simone também... pelo menos para
mim ainda são.
Talvez tenha restado uma indagação: Por que três
irmãos para representar as duas irmãs? A resposta eu não
sei bem ao certo. A escrita saiu assim mesmo, não pude
controlar. Quem sabe o terceiro elemento seja o próprio
Beto, ou ainda o Scar? Não sei. Deixo para vocês, Cibele
e Simone, este livrinho e a decisão final.
ADVERTÊNCIA

Este livro não contém figuras. Escolhi fazê-lo


assim, apenas com palavras, de maneira que a maior
quantidade possível de imaginação pudesse ser usada
pela criança que o lê. Extrair o prazer da narrativa
utilizando apenas o recurso da palavra escrita é algo que
me comove: uma simples mancha de tinta preta sobre um
papel branco pode ser tão maravilhosa quanto uma flor
desabrochando no campo.
Há grandiosidade em ser simples.
Há abundância no pouco.
A magia está nos olhos de quem a vê, portanto
peço aos pequenos leitores que mantenham os seus olhos
e a sua imaginação abertos e sejam nossos parceiros nesta
aventura pelo mundo da leitura, imaginando e colorindo
cada cena de acordo com a sua vontade. O livro não é
meu. É nosso!
Se você é inteligente, venha e participe.

O Autor.
HISTÓRIAS DOS MENINOS
DE PIJAMAS
Flávio G. Vichinsky

Paulo, Eduardo e Rafael. Três irmãos.


Estão no quarto, é quase hora de dormir, mas cadê
o sono?
Cada um em sua cama, cada um com o seu
pijama, cada um com uma invenção diferente para fazer o
tempo passar mais depressa:
- Edu, Rafa, vamos jogar memória?
- Rafa, Papau, vamos brincar de cabana?
- Papau, Edu, vamos contar histórias!
Rafael, o menor, venceu. Contariam histórias até
o sono chegar.
O quarto está escuro, mas a porta fica só
encostada. Por essa fresta é que se olha para os meninos,
cada um em sua cama, cada um com o seu pijama, cada
um com as suas histórias.

- Eu vou contar para vocês a maravilhosa história


do menino que tinha asas.
- Ah, Edu... Não venha com essas histórias bobas,
de anjinhos. Que coisa mais chata!
- Deixa ele contar, Papau. Cada um conta a
história que quiser. Depois é a nossa vez.
Silêncio. Olhos bem abertos. Um... dois... três...
- Eu quero contar essa história bem direitinho, do
jeito que a professora leu na escola. É assim:
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Histórias dos Meninos de Pijamas

O MENINO QUE TINHA ASAS

Tavinho era um menino inteligente. Morava em


um sobrado, na Rua dos Flamingos número quinze, e
estudava na escola Rui Barbosa, no sexto ano. Não tinha
irmãos, por isso acreditava que fazer amizades na escola
era a coisa mais importante da vida. Ou era, até ele
descobrir que podia voar.
Foi numa tarde de domingo que ele percebeu uma
coisa estranha acontecendo no seu corpo: Nasceram-lhe
asas. E foi assim, de repente, sem aviso ou preparo.
Olhou e as asas estavam lá. Ele ficou muito confuso.
Pensou em contar para a mãe, mas teve vergonha. Pensou
em cortar, mas ia doer. Decidiu esconder aquilo e não
falar sobre o assunto com ninguém. Talvez as asas
sumissem no dia seguinte.
Mas não sumiram. Nem na semana seguinte, ou
na outra... Tavinho conformou-se e resolveu usar as asas.
Ele esperava escurecer e, quando todos estavam
dormindo, fugia pela janela do quarto sobrevoando o
bairro. Nesses momentos de escapada, ele podia ver as
coisas do alto e achava bonito observar as árvores, as
casas, as ruas, os carros, os gatos sobre os telhados, tudo
de um ponto de vista diferente daquele de costume.
Os problemas surgiram quando, na escola,
começou a desenhar as coisas do jeito que as via voando,
de cima. Para desenhar uma árvore, ele fazia um borrão
verde. Uma casa parecia apenas com um retângulo
vermelho. Os gatos que ele desenhava ficavam iguais a
linguiças com rabo... Todos estranharam e até a
professora quis saber se ele estava doente. Mas não, não
era doença, era o seu novo jeito de ver o mundo. Os
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Flávio G. Vichinsky

amigos se afastaram. A diretora ficou preocupada. A mãe


foi chamada à escola e não gostou. Jogou os desenhos no
lixo. Por um tempo, o menino ficou triste. Não queria
mais voar quando a noite vinha e nem ir à escola quando
amanhecia. Até que Miguel veio para socorrê-lo.
Miguel bateu à porta e a mãe foi atender. Ele era
um entendido em arte, ou algo assim, e logo perguntou
pelo Tavinho. Disse que encontrou os desenhos no lixo e
viu neles o nome do Luís Otávio. Na escola deram o
endereço e, então, estava ali. Não era apenas para elogiar,
Miguel convidou o menino para fazer uma exposição
com aqueles desenhos e outros que, mais tarde, ele
poderia fazer. Isso se a mãe autorizasse. A mãe autorizou,
mesmo sem entender porque aqueles desenhos tão feios
tinham chamado a atenção do homem. Mas Tavinho
entendeu, especialmente quando se despediu do Miguel e
viu um par de asas escondido por baixo do capote do
homem.

- Que história mais chata!


- Foi assim que a professora contou, Papau! Ela
falou que era uma história para fazer pensar...
- Mas não tem nem falas. Nenhum personagem
fala?
- É mesmo, Edu. Não faltou nenhum travessão na
sua história?
- Não, Rafa. Foi assim, desse jeitinho mesmo.
- História, pra mim, tem que mostrar bem certinho
quem é que tá falando.

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Histórias dos Meninos de Pijamas

- Então conta logo a sua, Rafa. A gente quer ver


como é que os seus personagens falam.
- Isso, Rafa. Eu e o Papau queremos ouvir a sua
história com personagens falantes.
- Bom... Vocês vão ver como se faz. Ouçam:

OS TRÊS DESAFIOS

Há muito tempo, nas terras da Arábia, vivia um


sábio, muito sábio mesmo. Todas as pessoas procuravam
aquele velho de longa barba branca para solucionar os
problemas, desde os menores até aqueles problemas que
deixam a gente sem poder dormir. Um dia, um
pastorzinho de ovelhas foi procurá-lo. Contou ao velho
sábio o seu problema:
- Oh, grande sábio. Peço a sua ajuda para resolver
o meu problema.
O sábio passou a mão pela barba, suspirou e disse:
- Pode dizer, filhinho. O que preocupa a sua
alma?
- Eu cuido de um rebanho, muitas ovelhas estão
sob os meus cuidados - disse o pastor ao velho - e eu não
sei direito qual é a melhor forma de tratar os meus
animais.
O sábio ergueu os olhos para o céu e, sem desviá-
los do azul, perguntou ao jovem pastor:
- Diga-me, como você as tem tratado?
O rapaz, um pouco envergonhado respondeu:
- Às vezes, para mostrar a minha autoridade, eu
uso a força, grito, xingo e até bato nelas como meu
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Flávio G. Vichinsky

cajado. Vejo que, assim, elas ficam ariscas e fogem de


mim. Outras vezes, com pena delas, trato com carinho,
afago os pelos, faço cócegas na barriga delas e até toco a
minha flauta para diverti-las acreditando que elas verão
em mim um bom amigo e me respeitarão. Mas vejo que
ficam lerdas e não querem me obedecer...
O sábio passou novamente a mão pela longa barba
e, finalmente, ordenou:
- Traga-me uma pedra, um pouco de água e uma
fruta madura.
O pastorzinho, respeitando a sabedoria do velho,
foi até o lago, onde havia muitas árvores frutíferas, e de
lá trouxe a pedra, a fruta e a água.
- Aqui está, oh, grande sábio. – disse o jovem.
O velho olhou bem nos olhos do pastorzinho e
ordenou:
- Agora morda a pedra.
O rapaz ficou surpreso, mas, como queria obter a
resposta, mordeu a pedra. Não mordeu forte, porque
sabia que a pedra era dura demais e podia feri-lo. Quando
afastou a pedra da boca disse:
- É muito dura, não posso mordê-la.
O velho respondeu:
- Isso é bom... Agora morda a água.
Mais uma vez, o rapaz obedeceu. Pegou um
pouco da água que estava no pote e tentou, em vão,
mordê-la. Ao final disse:
- Não consigo, é muito mole e escapa.
O velho respondeu:
- Isso é bom... Agora, morda a fruta.
O jovem pastorzinho mordeu a fruta e sentiu que
não era nem dura demais, como a pedra, nem mole
demais, como a água. Ele pôde mastigar e engolir.
Quando terminou disse:
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Histórias dos Meninos de Pijamas

- Agora sim, oh, mestre. Consegui morder e sentir


o suave sabor da fruta madura.
O velho sábio sorriu dizendo:
- Isso é bom... Aí está a sua resposta.
O pastorzinho entendeu a lição e, daquele dia em
diante, não teve mais dificuldades para cuidar das
ovelhas.
*******

- Eu gostei muito, Rafa!


- Obrigado, Edu.
- Pois eu não gostei muito, outra história sem fim.
- Claro que a história do Rafa tem fim! Você é
que não entendeu. Ele até colocou uns asteriscos no
final...
- Tá bom, pode até ter fim, mas é um fim
estranho, igual ao da sua história. O fim mesmo não está
escrito. A gente precisa imaginar qual é a lição do pastor,
enquanto olha para os asteriscos.
- Por que as coisas devem sempre ser do mesmo
jeito? Essa história que eu contei tem um final meio
diferente sim, mas é de propósito.
- Tudo bem, Rafa. Eu já entendi. Mas ela não é
tão diferente de todas as outras que eu já escutei ou li. Se
é pra ser diferente, tem que ser diferente mesmo! Acho
que colocar uns asteriscos em vez de fim não é uma ideia
tão genial assim. Vejam, agora é a minha vez e vou
contar a história da forma mais diferente que você já viu,
Edu. E também vou me inspirar em você, Rafa, que gosta
dos diálogos bem marcadinhos. Aí vai:

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O IRMÃO ATRAPALHADO

Ó, de casa! Ó, de casa!

Quem é? Quem está


batendo aí?

Sou eu, o José. Vim


buscar a Maria pra
gente passear.

Ela é a minha irmã.


Espera aí que eu
vou chamar.

Está bem, eu espero


aqui no portão mesmo.

(...) Maria, um tal João


veio te ver.

Ai, ai, ai... Eu


tinha me esquecido!
Estou toda
desarrumada!
Ele não pode
me ver assim.
Fala que eu ainda
não cheguei.
Que ele volte daqui
a uma hora.
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Histórias dos Meninos de Pijamas

(...) Ô, moço. Seu João.


A Maria disse que ela
Saiu. É para você
Voltar depois.

O quê, Ela disse que


saiu? O que é isso?

Não, seu tonto!


Você é
um estúpido mesmo!

Ela diz também que


você é tonto e
estúpido mesmo.

Mas que desaforo!


eu não sabia que
ela era assim, desaforada!

Não, peça desculpas.


Diga
que foi um engano!

Ela diz também que não


pede desculpas e que tudo
foi um engano.

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Flávio G. Vichinsky

Não é isso! Imbecil!


Você é quem se
enganou!
Que mais ela falou?
Hein?

Chamou de imbecil
e disse que você
se enganou.

É isso mesmo! Eu
me enganei. Pensei
que a sua irmã fosse
diferente. Adeus!

(...) Maria, que cara estranho...


Será que eu fiz algo errado?

Buá...Buá...

- Fim -

- Muito bem, Papau!


- Obrigado, Rafa!
- Concordo com o Rafa, a história foi bem
contada, mas é muito boba. Parece mais uma piada.

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Histórias dos Meninos de Pijamas

- Às vezes o que importa é não é o que se faz, mas


como se faz...
- Boa, Rafa! Obrigado por me defender.
- Além de boba, acho que ficou tudo muito por
conta dos personagens... Gosto quando a gente também
pode participar... Espera aí, estou pensando em uma
história bem diferente mesmo! Agora vai ser legal.
- Vai lá, Edu. Conta pra gente!
- Tudo bem, preparem-se. É a história de uma
princesa e de um príncipe, mas vocês precisam ajudar um
pouco:

A PRINCESA EM APUROS

Era uma vez, no reino de *****, uma linda


princesa chamada *****. Certo dia, andando pelos *****
encontrou um ***** malvado que pediu a ela um *****.
Como não haviam ***** no reino, a princesa disse que
não poderia atender ao pedido. Então o ***** ficou
bravo e disse que a levaria para *****, até que alguém
entregasse a ele um *****.
Quando o rei soube da notícia disse:
- ********************* !
Um príncipe que vivia em ***** ficou
interessado pelo caso e resolveu ajudar. Disse ao rei, pai
da princesa, que encontraria um ***** para levar ao
*****, mas que precisava de ***** para começar a
jornada. O rei concordou e deu ao príncipe o que ele
queria, dizendo:
- ********************* !
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Flávio G. Vichinsky

O jovem montou em seu ***** e partiu para a


terra dos *****, onde encontraria o que precisava para
salvar a princesa. Chegando lá, alguns ***** queriam
impedi-lo, mas ele usou o ***** e conseguiu um *****
para levar ao ***** e salvar a princesa. Pôs o *****
dentro do ***** e partiu.
Quando encontrou a princesa, ela estava ***** e
não conseguia *****. O príncipe entregou o ***** para o
*****, que logo libertou a princesa. O Jovem e a moça,
montados no *****, voltaram para o reino de *****,
onde o rei os esperava com uma festa de *****. Quando
todos se encontraram, o rei pôde dizer, com carinho:
- ********************* !

Acabou

- Ótima, a sua história, Edu! Não é Papau?


- É boa, sim, mas precisa de muito cuidado para a
gente não se perder nela.
- Isso é uma responsabilidade a mais. Na minha
história você tem tanta importância quanto eu. Na
verdade, você também é o autor.
- Eu não sei se quero essa responsabilidade...
- Papau! Acho que eu entendi uma coisa... tudo o
que a gente lê tem esses espaços vazios! Qualquer
história deixa um pouco pra gente criar também. Por
exemplo, de que cor são os olhos da Chapeuzinho
Vermelho? Como é o telhado da casa dos anões da
Branca de Neve? Não é isso, Edu?

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Histórias dos Meninos de Pijamas

- É mais ou menos o que eu queria mostrar com a


minha história. Não é só quem inventa que é o dono da
história. Todos são.
- Agora eu entendi...
- Manos, eu tive outra ideia... a gente pode contar
histórias de muitas formas diferentes... E se a gente
misturar as coisas?
- Como, Rafa?
- Misturar história com poesia, por exemplo...
escuta essa:

O CACHORRO CANTOR Pegou a chave e partiu.


Começou a procurar.
Latir, para ele, era tudo e a porta conseguiu
o que sabia fazer. a muito custo encontrar.
Também, nascera cachorro,
que mais podia ser? Estava longe de tudo:
Longe de casa, do abrigo.
E, latindo, ele cantava E atrás da porta, outro mundo
as canções que aprendia. bem diferente do antigo.
Pena que ninguém parava.
Ninguém o entendia. - Entrar, ou não entrar?
Eis, agora a decisão!
Mas, um dia, uma surpresa O que posso ganhar
chegou bem de repente. se sou apenas um cão?
Estava ali, perto da mesa,
para ele um presente. Decidido, não entrou.
Voltou naquele mesmo dia.
Uma chave encantada A chave e o sonho deixou.
que abria uma porta. E você, o que faria?

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Histórias dos Meninos de Pijamas

- Não é novidade, Rafa. Eu mesmo já ouvi um


montão de poemas que são histórias.
- O Edu tem Razão, Rafa. Mas a sua história-
poema, ou poema-história é muito legal.
- Obrigado. Eu gosto de rimar. E gosto de
cachorro também.
- Mas essa história é mais do que a história de um
cachorro, não é Papau?
- É mesmo, Edu. O Rafa deixou uma pergunta no
final pra gente responder. É história pra pensar, também.
- Eu acho que a coisa mais legal foi a ideia de
contar a história em forma de poema. É diferente, fora do
normal. Isso eu acho bom.
- Foi o que eu disse antes, manos. Por que as
coisas têm que ser sempre do mesmo jeito? Nós podemos
fazer as mesmas coisas de todo dia de forma nova. Tudo
depende da criatividade.
- Espera aí, Rafa. Acho que não é só criatividade.
Quem quer fazer diferente precisa ter coragem, também.
É difícil começar uma coisa nova, sabendo que muita
gente quer que tudo, tudinho, seja sempre do mesmo
jeito. Quem quer fazer diferente tem que ser criativo, sim.
Mas também não pode ter medo.
- É mesmo? Eu sou o mais velho, então tenho que
mostrar para vocês que sou bem corajoso. Por isso eu
também vou inventar uma coisa bem diferente. Rafa,
Edu, preparem-se, aí vem a história que não tem fim:

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Flávio G. Vichinsky

A PESCARIA DE TODO DIA


Martim, o
pescador,
rema
o barco e
joga a rede
no mar.

No outro dia, Ele pesca


ele pega a muitos
sua rede e peixes.
coloca o Alguns
barco grandes,
alugado na outros
água. pequenos.

Com metade Martim vai


do que até o
ganhou, ele mercado


comprou a para vender
comida para os seus
o dia. Com o peixes.
resto, ele
alugou um
barco para o
dia seguinte.
Martim - Olha o
ganha algum peixe! Tem
dinheiro; não do grande e
é muito, mas do pequeno!
é suficiente.
Muitos
compram.
Ele é bom
pescador e
também bom
vendedor.

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Histórias dos Meninos de Pijamas

- Caramba, Papau, Essa foi difícil! Eu quase não


entendi.
- Difícil nada, Rafa! Essa eu achei boa demais.
Papau, você teve uma ideia sensacional! A história não
tem fim mesmo. Eu até fiquei com pena do Martim. Todo
dia a mesma rotina... a vida dele é só pescar e vender...
- Isso mesmo, Edu. Eu disse que seria bem
diferente mesmo, não é?
- Mas é difícil de entender! Acho que o Edu é
mais esperto do que eu...
- Não é isso Rafa! Ela é difícil mesmo, porque
tem uma direção certa. Mas se você se perde no caminho
é só voltar e tentar de novo. É como uma brincadeira!
- Acho que agora eu estou entendendo...

- Meninos! Hora de dormir! Parem de conversa e


já pra cama, porque amanhã cedo tem aula!

Era o pai que, do outro quarto, podia ouvir a


conversa animada dos três irmãos. Paulo, o mais velho, e
responsável pelos, outros respondeu:
- Tá bom, pai.
- Acho melhor eu fechar a porta.
Rafael levantou-se para fechar a porta do quarto,
mas parou no meio do caminho...
- Que voz é essa? Quem é que está falando?

Xiiii...Acho que o Rafael começou a ouvir a


minha voz...

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Flávio G. Vichinsky

- Como é que você sabe o meu nome? Papau,


estou ouvindo alguém.
- Nós também estamos ouvindo, Rafa.

Os meninos podem me ouvir agora. Será que foi


de tanto brincar com as narrativas? Talvez eles tenham
desenvolvido a habilidade de ouvir o narrador...

- Narrador? Por acaso você está narrando a nossa


história?

Sim, Rafael. Eu sou o narrador desta história.

- Papau, Edu, Vocês ouviram isso? Nós também


estamos dentro de uma história! Que legal!
- Seu narrador, você narrou tudo, desde o
começo?

Acho que sim, Eduardo. Comecei a narração


quando vocês puseram os seus pijamas.

- Que legal, narrador. E qual é o título da nossa


história?

Ela se chama “Histórias dos meninos de pijama”.


Gostou, Paulo?

- Eu gostei muito! Mas quero saber uma coisa.


Por que você não falou com a gente antes?

Eu estive falando o tempo todo. Vocês é que não


ouviram, aliás, acho que não deveriam me ouvir nem

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Histórias dos Meninos de Pijamas

agora. Eu sou uma voz que não participa da história. Não


sou personagem.
- Agora é! Se está falando com a gente, é porque
está dentro da história também!

Agora a coisa ficou confusa...

- Por quê, narrador?

Porque não sou apenas eu e vocês nessa


discussão... olha aqui, no canto da porta... Viram quem
está olhando pela fresta?

- Olha, Rafa! Olha Edu! Tem mais alguém ali...


- Quem é essa pessoa, seu narrador?
- Quem está olhando aí, pela fresta da porta, junto
com você?

Quem vocês acham que é? Só pode ser quem está


lendo... E esteve aqui desde o início. Fui eu que mostrei
vocês pela fresta da porta. Nós ficamos aqui, espiando e
ouvindo as histórias que vocês contaram.

- Que coisa mais louca!


- Será que a gente pode saber de qual história
vocês gostaram mais?

Eu, como narrador, não posso dar essa opinião,


seria injusto. Mas quem está lendo pode dizer. Não é
colega? É... estou falando com você, dentro da leitura.
Qual foi, na sua opinião, a melhor história?

22
Flávio G. Vichinsky

- Não fique com vergonha, pessoa-que está-lendo.


Você já conhece a gente... esteve aí, junto com o
narrador, o tempo todo...
- Isso mesmo, não se assuste só porque nenhum
personagem falou com você antes.
- É que eles não tiveram a oportunidade... Quem
sabe a partir de agora as coisas mudem...

Ei, não se esqueçam de mim... ei, leitor, você


também está conversando com o narrador, não é? Fala
para mim, de que história gostou mais?

- Espera, seu narrador, eu quero conversar!


- Não, Edu! É a minha vez!
- Nada disso, Papau! Eu falei menos! Ei, você-
que-está-lendo, ouça... fala comigo...
- Não! Comigo! Eu nunca falei com um leitor
antes.
- Nem eu! É a minha vez!

Não, meninos, eu sou o narrador, tenho


privilégios! Eu quero falar com...

CHEGA!!!

Uma voz ecoou pelo quarto... os meninos ficaram


em silêncio e, também, um pouco assustados.
- Quem falou isso, Papau?
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Histórias dos Meninos de Pijamas

- Não sei Edu...


- Que voz estranha, Rafa.

SOU EU, O AUTOR DESSE LIVRO! CHEGA DE


BAGUNÇA. JÁ É NOITE E VOCÊS PRECISAM
ACORDAR CEDO AMANHÃ! NÃO OUVIRAM O
SEU PAI?

Desculpe-nos, senhor autor. Os meninos não têm


culpa. Nós não queríamos incomodar. É que tem uma
pessoa lendo aqui e nós...

CHEGA DE CONVERSA! ESTÃO


ATRAPALHANDO A LEITURA! JÁ PARA A
CAMA, MENINOS! E VOCÊ, NARRADOR, TRATE
DE TERMINAR LOGO ESSA NARRATIVA. JÁ
PASSOU DO LIMITE!

Tudo certo, senhor autor. Eu vou terminar em


algumas linhas. Veja só:

Satisfeitos com o resultado da brincadeira de


narrar, os três meninos decidem que é hora de dormir.
- Rafa, Edu. Acho melhor a gente ir para a cama.
- Boa noite Rafa, boa noite Papau, boa noite, seu
narrador.
- Boa noite, Papau, boa noite Edu, boa noite
colega-que-esteve-espiando-lendo.
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Flávio G. Vichinsky

- Boa noite, manos. Boa noite, senhor autor e


desculpe pela bagunça, tá?

BONS SONHOS!

E, assim, os meninos finalmente fecharam a porta


e, cada um em sua cama, cada um com o seu pijama,
cada um com as suas histórias, sonham o futuro.
Boa noite.

FIM

25
Impresso em São Paulo pelo
Clube de Autores
www.clubedeautores.com.br
MMXII

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