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DOSSIÊ: CONSCIÊNCIAS DO MUNDO — JÜRGEN HABERMAS 65

Jürgen Habermas e a
virtualização da publicidade

ADRIÁN GURZA LAVALLE

Resumo sivos ganhos e abstração permitiram notá-


veis conquistas no processo de edificação
A concepção mais influente sobre o es- da macroteoria mais influente do último
paço público no debate teórico contempo- quartel do século XX, tais conquistas im-
râneo é tributária da obra de Jürgen Haber- puseram o ônus de despir a categoria de
mas, cujo trabalho seminal sobre as trans- seus componentes sociologicamente mais
formações estruturais da publicidade bur- ricos, aparando-lhe suas implicações ana-
guesa, Öffentlichkeit, atentou para os poten- líticas mais críticas.
ciais de emancipação e racionalização do Palavras-chave: espaço público; esfera
poder inscritos na dinâmica moderna des- pública; sociedade civil; publicidade;
se espaço. No entanto, as teses desenvolvi- Jürgen Habermas.
das nesse trabalho costumam receber pou-
ca atenção, porque obliteradas pelos des- Abstract
dobramentos do programa de pesquisa do
filósofo alemão e, mais especificamente, The most influent conception about the
pela própria redefinição da publicidade public sphere in the contemporary
como fluxo comunicativo. Isto, é claro, no theoretical debate is related to the work of
marco da sua teoria da ação comunicati- Jürgen Habermas, whose seminal work
va. As páginas que se seguem oferecem about the structural transformation of the
uma análise reconstrutiva da evolução des- bourgeois publicness — Öffentlichkeit —
sa categoria no programa de pesquisa has called attention to the emancipation
habermasiano. Sustenta-se que essa evo- and rationalization of power in this
lução apresenta face dupla: se os progres- sphere’s modern dynamics. Nevertheless,

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the theses developed in this work have a Horkheimer. No percurso de sua in-
tendency to receive less attention, once tensa carreira intelectual, com saldo
obliterated by the following unfolding of próximo a quarenta livros — alguns
the German philosopher research program dos quais indispensáveis para uma
and, more specifically, by the own
reconstituição da história contemporâ-
definition of publicity as a communicative
flux. That is, of course, inside the field of nea da teoria e ciências sociais —, as
his theory of communicative action. The reflexões de Habermas foram se des-
following pages offer a reconstructive dobrando em diversos flancos até as-
analysis of this category, present in the sumir o perfil definitivo de um progra-
Habermas’ research program. It is ma de pesquisa voltado para equacionar
defended that the evolution of this category no plano da teoria geral os grandes de-
is double-faced: even though the pro- safios da modernidade.
gressive gains and abstraction has led to Independentemente do mérito ou
notable conquests in the process of the most
dos alcances e limites desse programa
influent in macro-theory in the last quarter
de pesquisa, é fato isento de controvér-
of the 20th Century. Such conquests have
imposed the duty of separating this sia que esse autor conquistou a posi-
category from its sociologically richer ção de interlocutor obrigatório em dis-
components, trimming its most critical tintos campos da análise social: ora por
analytical implications. suas propostas no terreno da epistemo-
Key-words: public sphere; civil society; logia ou da ética, ora por seus aportes
publicity; Jürgen Habermas. no âmbito das teorias da democracia
ou do direito, ora pelas implicações do
seu pensamento para a compreensão da
A trajetória intelectual de Jürgen ação social ou das tarefas da filosofia e
Habermas começou há mais de quaren- da teoria, mas normalmente graças às
ta anos, se considerado como ponto potencialidades heurísticas de sua
inicial o ano da edição de seu primeiro pragmática universal de índole comu-
livro: Leituras (1958). Ainda nessa dé- nicativa. As páginas que se seguem ela-
cada publicou Estudantes e política boram uma interpretação reconstrutiva
(1959); todavia, a primeira obra do pen- da trajetória intelectual de Habermas
sador alemão a se tornar referência ca- quanto a uma peça-chave do seu pro-
nônica no debate acadêmico, no últi- grama de pesquisa, a saber, a catego-
mo quartel do século XX, viria à luz ria publicidade. O arco de tal itinerário
pouco tempo depois. Com efeito, sua não obedece a uma lógica linear e se-
reconstrução conceptual e seu diagnós- quer a uma evolução necessária, entre-
tico sobre as transformações estruturais da tanto, parece claro que sua reconstru-
publicidade burguesa (1962) introduzi- ção dentro dos limites destas páginas
ram-no nos circuitos internacionais seria improcedente sem lançar mão de
como expressão renovada da origina- certa estilização analítica. Pretende-se
lidade analítica da Escola de Frankfurt elucidar não apenas o conteúdo dessa
— mesmo a despeito das críticas de categoria — não raro sujeita a mal-

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entendidos —, mas também a dinâmi- Publicidade, opinião pública


ca de sua transformação; transforma- e esfera pública
ção responsável por elevar progressiva-
mente a publicidade a patamares de A publicidade — Öffentlichkeit — é
maior universalidade e abstração, em a categoria central que levou Haber-
detrimento de sua riqueza sociológica mas, em 1962, a sua formulação origi-
e de sua densidade histórica iniciais. nal sobre os efeitos de racionalização
Cumpre explicitar desde já que o es- do poder presentes na ação pública da
forço de reconstrução a ser desenvol- sociedade civil burguesa,2 entretanto,
vido não visa ao complexo programa tal categoria sói aparecer traduzida nas
de pesquisa do pensador alemão, e se- línguas neolatinas como “vida públi-
quer uma avaliação crítica de conjunto ca”, “opinião pública”, “espaço públi-
— assuntos já tratados alhures e com co”, “público” e “esfera pública” —
propósitos diferentes dos deste artigo.1

tura tende a organizar a interpretação da vasta


1. A crítica à concepção habermasiana da publici- obra de Habermas focando a atenção na teoria da
dade moderna, assim como uma análise porme- ação comunicativa. De fato, o próprio autor pare-
norizada de seus argumentos centrais, foi expos- ce preferir esse recorte, cuja hierarquização outor-
ta em GURZA LAVALLE, Adrián. (1998), Esta- ga menor relevância a seus primeiros doze livros.
do, sociedad y medios Reivindicación de lo público, Cf. HABERMAS, Jürgen, (1997), “Uma conversa
México, Plaza y Valdés Editores/UIA, pp. 109- sobre questões da teoria política”, entrevista con-
156; por sua vez, a reconstrução analítica do pen- cedida a Mikael Carlehedeme e René Gabriels. No-
samento de Habermas a partir da noção “progra- vos Estudos Cebrap. São Paulo, n. 47, pp. 85-102;
ma de pesquisa” — diferente dos esforços de Idem, (1993), “Moralidad, sociedad y ética”, en-
teorização desenvolvidos como sistema —, foi trevista concedida a Torven Hviid Nielsen. (1990).
elaborada em GURZA LAVALLE, Adrián, (1997), In: HERRERA, María (coord.). Jürgen Habermas —
“A humildade do universal: Habermas no espe- Moralidad, ética y política: propuestas y críticas, Mé-
lho de Rawls”, Lua Nova, São Paulo, Cedec, n. xico, Alianza Editorial, pp. 79-113. Em reflexão
42, pp. 145-182. No último texto explora-se a minuciosa acerca da caracterização do espaço
importância do trabalho sobre as transformações público em Habermas, Nora Rabotnikof também
da publicidade burguesa na trajetória intelectual salienta a primazia do trabalho de 1962: “Debate
do autor. O argumento aí exposto propõe que o crítico, racionalidade e correção moral aparecem
núcleo dos problemas fundamentais e das ten- geneticamente enlaçados nessa auto-imagem da
sões presentes no empenho de universalização te- esfera pública burguesa [...] Este parece ser o nú-
órica de Habermas aparece, em sua forma mais cleo normativo duro mantido quase intato desde
“pura”, ainda estilizada em moldes histórico-so- a gênese histórico-social da idéia kantiana de pu-
ciológicos, na caracterização do modelo clássico blicidade, a qual Habermas rastreia nesse texto
da publicidade burguesa e no diagnóstico sobre o pioneiro, até as versões mais modernas da sobe-
desacoplamento das condições estruturais que a rania popular como fluxo argumentativo sem su-
fizeram possível. As diferentes linhas do progra- jeito”. RABOTNIKOF, Nora. (1995), El espacio
ma de pesquisa do filósofo alemão ensejam público: caracterizaciones y espectativas. Tese de
reformulações conceituais cada vez mais abstra- doutorado, Facultad de Filosofía y Historia, Unam,
tas e universais do legado positivo e dos impasses México, p. 169; cf., também, pp. 162-3.
herdados por essa pesquisa seminal. O esclareci- 2. HABERMAS, Jürgen. (1962), Historia y crítica de
mento é pertinente, pois a posição aqui assumida la opinión pública. La transformación estructural de la
pode ser controversa se considerado que a litera- vida pública, México,Gustavo Gili, pp. 94-123.

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sendo a última opção de uso corrente sociedade civil burguesa, edificada sobre
em português e, aliás, também em in- uma robusta esfera privada, e distinta
glês.3 Os motivos para não verter lite- de outras formas de publicidade como
ralmente Öffentlichkeit como publicida- a plebéia ou a feudal — chamada por
de são claros, pois, ao longo do século Habermas de representativa.6
XIX, e sobretudo do XX, o vocábulo per- Na medida em que os traços histó-
deu qualquer referência a seu sentido ricos específicos da publicidade bur-
original, submetido a uma progressiva guesa se inscrevem no multifacetado
ressignificação dentro do campo se- processo de autonomização do social,
mântico da mídia e da propaganda co- eles exprimem uma constelação de fa-
mercial.4 Ainda assim, as soluções es- tores fortemente entrelaçados, porém
colhidas prestam-se a possíveis enga- irredutíveis entre si — expansão do
nos. No contexto do trabalho de 1962, mercado, emergência da família nuclear,
a publicidade burguesa conota a um tem- urbanização, proliferação do hábito
po o intrincado processo histórico de social da leitura e auge da imprensa,
gestação do social e as suas conseqüên- entre outros. Nessa constelação, aqui-
cias políticas, quer dizer, o movimento lo que normalmente é designado co-
simultâneo da construção da autono- mo esfera pública corresponde, em
mia material e moral da burguesia, e Habermas, às instituições da publicidade
da projeção dessa autonomia para o consolidadas ao longo da segunda me-
convívio social — publicidade literária — tade do século XVII e de todo o XVIII;
e para a esfera política — publicidade com maior precisão, trata-se de dois
política.5 De um lado, a publicidade re- tipos de cristalização institucional: pri-
mete em termos gerais ao estatuto da- meiro, a afirmação confiante da auto-
quilo que é público, à qualidade ou es- nomia burguesa em práticas e espaços
tado das coisas públicas; do outro, tra- de convívio dialógico — clubes de lei-
ta-se de reconstruir a emergência e as tura, salões, casas de café e de chá, reu-
feições de uma publicidade própria da

6. Cabe lembrar que em alemão bürgerliche


3. Cumpre lembrar que a obra de 1962, na sua Gesellschaft significa a um tempo sociedade civil e
versão em português, foi intitulada: Mudança es- burguesa; termo traduzido do inglês — civil society
trutural da esfera pública: Investigações quanto a uma — quando da difusão das idéias da ilustração
categoria da sociedade burguesa. escocesa e da economia política inglesa, particu-
4. Cf. DOMÈNECH, Antoni. (1981) “Prólogo a la larmente dos trabalhos de Adam Ferguson e Adam
edición castellana: el diagnóstico de Jürgen Smith; cf. BOBBIO, Norberto. (1967), O conceito de
Habermas, veinte años después”. In: HABERMAS, sociedade civil, Rio de Jaeiro, Graal, pp. 28-29. Para
Jürgen. Historia y crítica..., op. cit., p. 22. O valioso a publicidade representativa, cf. HABERMAS,
texto de Domènech consta da edição de 1981, da Jürgen. (1994) História e crítica..., op. cit., pp. 44-
qual é tradutor, e foi suprimido da edição de 1994 51; para a publicidade plebéia, cf. os esclareci-
para incluir o prefácio de Habermas, escrito para mentos do autor no que diz respeito à desconsi-
a nova edição alemã de 1990. deração desse tipo de publicidade no trabalho de
5. HABERMAS, Jürgen. (1994), Historia y crítica..., 1962: “Prefacio a la nueva edición alemana de
op. cit., pp. 65-68 e 88-93. 1990”, in ibid., pp. 5-6.

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niões de conversação, lojas maçônicas A opinião pública arremata o processo,


e sociedades diversas de índole cultu- visto que não apenas é a expressão por
ral —; segundo, a culminância dessa au- excelência de certos consensos emer-
tonomia perante o poder, dessa vez gidos do seio da sociedade civil — sedi-
materializada em um conjunto de ins- mentados e divulgados por fora da ór-
tituições dedicadas a veicular publica- bita de controle do poder através das
mente as opiniões representativas dos instituições da publicidade política —;
interesses desse segmento social de li- antes, quando olhada não da ótica da
vres proprietários — jornais, ligas, clu- sociedade, senão dos fundamentos do
bes e associações políticas extraparla- poder, a opinião pública representa a
mentares. A rigor, não existe em Ha- consagração das pretensões de legiti-
bermas o termo esfera pública, utiliza- midade dos interesses das pessoas pri-
do na tradução do conceito publicida- vadas enquanto imperativo funcional
de, segundo assinalado acima; no en- da própria democracia — o mandato da
tanto, o autor se utiliza da idéia esfera publicidade.
da publicidade para referir um espaço Embora “publicidade” e “esfera pú-
consolidado e garantido por institui- blica” admitam certa sinonímia, parti-
ções privadas — isto é, constituídas cularmente se considerada a importân-
pela sociedade civil burguesa —, cuja cia conferida, no trabalho de 1962, à
existência abre o caminho da notorie- dimensão institucional da publicidade,
dade pública à formação de consensos seu uso indistinto pode gerar mal-en-
emergentes no seio da sociedade.7 Por tendidos, tanto pela diferente abran-
isso, a publicidade burguesa como fe- gência dos conceitos, referida acima,
nômeno histórico abrangente fornece quanto pela impossibilidade de aplicar
a explicação das instituições da publi- o segundo em outros contextos que não
cidade — “esfera pública”— enquanto os das sociedades modernas. Em sua
suporte que contribuiu a cimentar uma formulação mais sucinta, os traços dis-
identidade de classe e a promover e tintivos da publicidade burguesa im-
defender publicamente seus interesses. plicam o complexo processo histórico
de autonomização do social e, especi-
7. V. g., ibid., pp. 46 e 118. Esse espaço de noto- ficamente, a construção de uma esfera
riedade pública, garantido por um suporte institu- institucional relevante — cuja dinâmi-
cional civil e desvencilhado do poder, é o conteú- ca incide nas decisões políticas, mas
do de fundo do termo esfera pública, tal como independe dos ditames do poder —,
utilizado hoje pela literatura; v. g.: “O conceito
esfera pública tem sido um dos pontos de aten-
assim como o deslocamento da produ-
ção mais importantes em torno do problema da ção do público para o terreno da socie-
sociedade civil democrática. Como é bem sabido, dade:
ele se refere a espaços de comunicação societal
abertos, autônomos e politicamente relevantes”.
A publicidade propriamente dita tem
ARATO, Andrew e COHEN, Jean. (1999), “Esfe-
ra pública y sociedad civil”, In: Metapolítica, n. 9,
de ser contabilizada nos ativos do âm-
Cepcom, jan/mar, p. 37.

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bito privado, visto se tratar de uma pu- verdade, no plano histórico de longa
blicidade de pessoas privadas.8 duração, a diferença fundamental no
que diz respeito à publicidade repre-
Cabe antecipar que os desenvolvi- sentativa remete à progressiva desa-
mentos do programa de pesquisa de gregação das sociedades baseadas nu-
Habermas levaram-no a redefinir a ma lógica comunitária e na corporifi-
publicidade em termos de fluxos co- cação representativa do poder, e ao
municativos espontâneos, abandonan- correlativo surgimento da sociedade
do, pela abstração do conceito, qual- de indivíduos, da subjetividade mo-
quer pressuposto empírico — notada- derna do íntimo, da privacidade e do
mente a existência de um suporte ins- interesse particular — com seu corres-
titucional consolidado. Entrementes, pondente mundo do social.10 Aqui, uti-
quanto às ressalvas com relação à apli- liza-se o termo original “publicidade”,
cação anacrônica da idéia de “esfera preservando-se a um tempo seu senti-
pública”, os traços da publicidade bur- do histórico mais abrangente e sua co-
guesa recém-assinalados são especifi- notação de espaço de interação dialó-
camente modernos, e, de fato, induzi- gica atrelado a uma base institucional
ria a sérios equívocos de interpretação autônoma. Como será visto, à medida
falar em “esfera pública representati-
va” ou “esfera pública plebéia”, pois
inexiste nesses casos uma instituciona- um âmbito social, como uma esfera da publicida-
lidade privada, abonada social e poli- de; é mais algo assim como uma categoria de
status — se permitido utilizar o termo nesse con-
ticamente como legítima em sua fun- texto.” Historia y crítica, op. cit., p. 46.
ção de veicular e intermediar interes- 10. Aliás, é bem conhecido quanta atenção dedi-
ses oriundos da sociedade diante das cou Arendt para esquadrinhar as conseqüências
instâncias do poder político. Não se da constituição do social como oposto ao políti-
co, porém, também ao privado: “[...] a aparição
trata de ressalva meramente hipotéti-
da esfera social, que a rigor não é pública nem
ca; na tradução ao português intitulada privada, é fenômeno relativamente novo, cuja ori-
Mudança estrutural da esfera pública en- gem coincidiu com a chegada da Idade Moderna
contram-se, por exemplo, expressões e cuja forma política foi encontrada na nação-
como as seguintes: “esfera pública ple- Estado.” ARENDT, Hannah. (1993), La condicion
humana. Barcelona, Paidós, p. 41. Para as diferen-
béia”, “esfera pública helênica”, “esfe- ças entre as sociedades comunitárias e a socieda-
ra pública de representação cortesã- de moderna, no que tange à configuração do es-
feudal” ou, ainda, “esfera pública em paço público, cf. CÓRDOVA, Arnaldo. (1984),
sua configuração representativa”9. Na Sociedad y Estado en el mundo moderno, México,
Enlace/Grijalbo, pp. 21-68; MACHADO DE
ACEDO, Clemy. (1996), “Individuo, sociedad,
8. HABERMAS, Jürgen. (1994), Historia y crítica, Estado: tensiones y oposiciones entre el interés
op. cit., p. 68. privado y el interés público”. In: GARCÍA-
9. Tais expressões aparecem, respectivamente, nas PELAYO, Graciela Soriano de e NJAIM, Humberto.
páginas 10, 16, 21 e 25. Quanto à publicidade (eds.). Lo público y lo privado — Redefinición de los
representativa, Habermas foi bastante explícito: ámbitos del Estado y de la sociedad. Caracas,
“A publicidade representativa não se constitui como Fundación Manuel García-Pelayo, pp. 63-94.

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que a análise se afasta das considera- menor distância, a publicidade moder-


ções genéticas do trabalho de 1962, as na obedece à configuração de uma es-
distinções assinaladas assumem novos fera institucional de interação no in-
contornos, cada vez mais precisos e terior das camadas de livres proprie-
abstratos. tários e entre elas e o poder. Nessa
esfera institucional, primeiro consoli-
Publicidade, modernidade dou-se uma visão de mundo comum
e aposta programática no terreno do convívio social e, de-
pois, multiplicaram-se reclamos e ini-
A partir das balizas gerais recém- ciativas voltados para a auto-regu-
esboçadas, é possível avançar mais um lação da sociedade civil burguesa, da
passo na reconstituição do modelo sua atividade econômica e interesses
habermasiano da publicidade moder- — os quais, a despeito de serem pri-
na; para tanto, e embora já menciona- vados, atingiram extraordinária rele-
das, convém fixar suas principais ca- vância para o conjunto da sociedade
racterísticas. No pano de fundo de uma enquanto motores da reprodução da
temporalidade maior, a publicidade se vida social sob a lógica autônoma do
enquadra no processo histórico da mercado.
emergência do social como âmbito si- Assim, a relação da publicidade
multaneamente privado e público, de- com o mundo privado admite vínculo
limitado por fronteiras porosas em dois duplo, aliás, nem sempre corretamen-
flancos: a nova esfera da privacidade e te percebido. De um lado, a reprodu-
uma esfera política cada vez mais sen- ção material da sociedade tornou-se as-
sível à crítica e às solicitações provin- sunto privado, exprimindo a conquis-
das da sociedade por intermédio da ta da autonomia do econômico diante
opinião pública. A complexa causalida-
de histórica subjacente à aparição do
social segue a trilha do paulatino for- emergência do social, pelo que outras grandes
talecimento da sociedade de mercado, transformações em curso não aparecem no elenco
do crescimento das grandes metrópo- — notadamente, a centralização do poder políti-
co, a emergência de instituições políticas moder-
les, da afirmação material e simbólica nas e a consolidação do Estado. O surgimento do
da família burguesa, do surgimento do social também gerou transformações no âmbito
interesse privado como pretensão ra- privado-doméstico, agora simbolizado pela lógi-
cional e legítima, sem esquecer o ama- ca da intimidade. Para as mudanças que redefi-
niram a geografia do público e do privado no
durecimento da subjetividade moder- plano da intimidade e da moralidade, analisadas
na afiançada na moral em sua relação a partir de um de seus componentes mais clausu-
com o mundo.11 Quando focada com rados — o corpo —, cf. o trabalho de AMODIO,
Emanuele. (1996), “Vicios privados y públicas
virtudes. Itinerarios del eros ilustrado en los cam-
11. HABERMAS, Jürgen. (1994), Historia y críti- pos de lo público y de lo privado”, In: GARCÍA-
ca..., op. cit., pp. 53-64 e 80-88. Note-se que o con- PELAYO, Graciela Soriano de e NJAIM, Humbero
junto de tendências enunciadas dizem respeito à (eds.). Lo público e lo privado..., op. cit. pp. 169-201.

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do político e inaugurando o problema esfera privada, muito diferente da an-


moderno da inegração social — a ques- tiga relação, gerando o “social”.12
tão social —; por sua vez, a esfera polí-
tica especializou-se funcionalmente Por isso, a publicidade moderna
como instância incumbida de paliar exprime e consolida, mediante a inter-
esse problema, que, assumindo estatu- venção da esfera política, a progressi-
to público, não mais encontrava meca- va privatização da sociedade:
nismos de resolução nas antigas estru-
turas comunitárias das sociedades A publicidade politicamente ativa
estamentais. De outro lado, esse aspec- mantém o status normativo de um ór-
gão que se utiliza da automediação da
to amplamente salientado na literatu-
sociedade burguesa com um poder es-
ra ainda é parcial, pois não apenas o tatal coincidente com suas necessida-
pauperismo e a pobreza de amplas ca- des. O pressuposto social dessa pu-
madas da população adquiriram feições blicidade burguesa “desenvolvida” é
de coisa privada com relevância públi- um mercado progressivamente libe-
ca; antes, maior atenção foi despendida ralizado, que faz da troca na esfera da
em outro âmbito do privado, cuja ex- reprodução social um assunto entre
tensão atingiu proporções sociais iné- pessoas privadas, completando com
ditas: o mercado como cristalização da isso a privatização da sociedade bur-
guesa.13
atividade econômica dos particulares,
que, entretanto, pleitearam o caráter
O caráter moderno da publicidade
público de seus interesses, exigindo re-
não se esgota nesses traços, isto é, nos
conhecimento, regulação e salvaguar-
seus laços com o processo simultâneo
das das instituições políticas. Nas pa-
de afirmação das camadas de livres
lavras de Habermas:
proprietários e do alargamento do âm-
(...) [a privatização do processo de re- bito privado; tampouco decorre ape-
produção] afeta apenas um aspecto do nas da localização da publicidade no
curso empreendido [...], mas não sua período da ilustração, da crise do Es-
nova relevância “pública”. A ativida- tado absolutista e do assenhoreamento
de econômica privada tem de se ori- do mercado, para mencionar de forma
entar conforme um tráfego mercantil grosseira as mudanças que nos planos
submetido a diretrizes e supervisões ideológico, político e econômico cos-
de caráter público; as condições eco- tumam ser invocadas como divisores
nômicas nas quais ele se realiza ago-
de águas da modernidade. Por outras
ra são localizadas além dos confins
palavras, não se trata somente da in-
do lar: pela primeira vez são de inte-
resse geral. Essa esfera privada da so- serção descritiva e compreensiva do fe-
ciedade — esfera que adquiriu rele-
vância pública — tem caracterizado,
na opinião de Hannah Arendt, a mo- 12. HABERMAS, Jürgen. (1994), História y críti-
derna relação da publicidade com a ca..., op. cit., p. 57.
13. Ibid., p. 110.

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nômeno no seu contexto — tipificado racterizada em registro sociológico no


segundo cânones historiográficos de trabalho de 1962, Habermas extrai os
ampla aceitação. Há outro sentido no primórdios de seu modelo, cuja refor-
qual a configuração dessa publicidade mulação cada vez mais abstrata ir-se-á
é moderna, um sentido programático: as deslocando vagarosamente para o ter-
potencialidades nela encarnadas para reno da teoria social e da reflexão filo-
a realização do ideário político da mo- sófica, até atingir formulação mais ou
dernidade.14 Da interpretação dos prin- menos definitiva em 1981, quando da
cípios de universalidade contidos na edição de sua teoria da ação comuni-
publicidade burguesa, tal e como ca- cativa. Seja dito de passagem, esse des-
locamento não foi realizado sem cus-
tos e, paradoxalmente, quanto mais
14. Utiliza-se a noção programático e suas deri- universal tornou-se o esforço intelectual
vações correspondentes porque em Habermas a
modernidade preserva o caráter de projeto a ser do autor, menos mordazes resultaram
realizado; todavia, no pensamento do autor tal as críticas à realidade passíveis de se-
aposta deve prescindir de qualquer assunção afir- rem engastadas no seu programa de
mativa de conteúdos normativos — quer dizer, pesquisa.15
sua proposta teórica é “normativa” em um senti-
do muito peculiar. Em última análise, há um pro-
Quais, então, os princípios progra-
grama defensável no cerne da modernidade, cujos maticamente modernos detectados na-
pressupostos foram progressivamente deslocados quela obra? No meio de uma argumen-
para o terreno das premissas lógicas de uma on- tação intrincada e plena de nuanças, é
tologia da linguagem; o caráter formal de tais
estruturas lógicas tornou possível, para o pensa-
factível distinguir, grosso modo, o jogo
dor alemão, desprender-se do espinhoso proble- de três forças ou “vetores de univer-
ma dos conteúdos. Não é fortuito que os desdo- salização” presentes na publicidade
bramentos de seu programa de pesquisa, no cam- burguesa, que assim levaria no cerne a
po das teorias das democracia, tenha chegado a
possibilidade de sua própria superação.
sua afamada concepção da soberania como pro-
cedimento. Rawls assinalou corretamente o inilu- Primeiro, a inclusão nas práticas e ins-
dível teor metafísico de uma lógica como a haber-
masiana, que visa desvendar os pressupostos es-
truturais do que existe, embora tal existir seja 15. Os custos desse percurso também foram fri-
reconduzido à pragmática universal “[...] dos se- sados por Keane, John. (1992), em La vida pública
res humanos engajados na ação comunicativa”. y el capitalismo tardío — Hacia una teoría socialista de
RAWLS, John. (1997), “Resposta a Habermas”, la democracia. México, Alianza Editorial. pp. 214,
versão mimeografada para publicação na revista 228-34; v. g.: “Sua valiosa defesa [de Habermas]
Filosofia e Sociedade. Unicamp, item 1,2. Cf., tam- das formas alternativas de vida pública [...] é con-
bém, HABERMAS, Jürgen. (1993), “¿Qué signifi- tradita pelo modo de argumentação reconstrutiva,
ca pragmática universal?”. In: Teoría de la acción abstrata e formal que sustenta o projeto, especial-
comunicativa: estudios y complementos previos. mente na sua fase mais recente” (p. 232). Antoni
México, Rei. pp. 299-368; também, HABERMAS, Domènech defende opinião semelhante: “É típico
Jürgen. (1993), “La soberanía popular como pro- da posterior evolução de Jürgen Habermas carre-
cedimiento — Un concepto normativo de lo públi- gar as tintas na ‘boa intenção normativa’ em de-
co”. In: HERRERA, Maria (coord.). Jürgen Ha- trimento da exploração de seu possível encami-
bermas — Moralidad, ética y política: propuestas y nhamento material.”. DOMÈNECH, Antoni, op.
críticas.. México, Alianza Editorial. pp. 27-58. cit., p. 26.

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tituições dessa publicidade não foi re- vos e regras do poder. Por essa via,
gida por cláusulas de hierarquia ou de estabelece-se vínculo forte entre a ca-
prestígio social, senão por uma solida- pacidade crítica do homem comum e a
riedade horizontal entre indivíduos razão como único parâmetro universal
contrapostos ao poder; mais: embora de acesso irrestrito, cujos efeitos me-
fossem pessoas privadas no sentido de diatos produziram resultados libertá-
possuidoras de propriedade, tais indi- rios ao erguer o imperativo da trans-
víduos reputavam-se representativos parência e da responsabilidade — res-
dos interesses da sociedade e do ho- ponsável e responsivo — diante das
mem em geral — da paridade “dos me- decisões da esfera política.18
ramente homens”, conforme expresso Por fim, a opinião pública emana-
pela autocompreensão da época.16 Nes- da do conjunto de instituições sociais
se sentido, não há na distinção operante da publicidade, potencialmente aber-
entre homem e proprietário qualquer tas e animadas pelo agir dialógico de
quesito funcional; muito pelo contrá- seus integrantes, cristalizou sua própria
rio, trata-se de diferença encoberta por legitimidade como depositária da for-
uma identidade fictícia que alavancou ça democratizadora da razão; mas foi
efetivamente processos de emancipa- muito além disso e imprimiu o princí-
ção política, tornando viável resgatar pio da publicidade no funcionamento
o princípio universal da igualdade no das instituições políticas, conferindo-
plano da participação. 17 Segundo, a lhe o estatuto de condição sine qua non
substituição das hierarquias pelo exer- da democracia — tal como mostrado,
cício do raciocínio e da concorrência de para Habermas, pelo caso paradigmá-
argumentos com pretensões de validez tico do parlamentarismo britânico.19 A
— enquanto eixo na dinâmica das prá- partir do momento em que o princípio
ticas e instituições da publicidade —, da publicidade tornou-se irrenunciável
descansa no pressuposto de os argu- para todo arcabouço institucional de-
mentos utilizados como fundamento mocrático, a esfera política não mais
serem passíveis de compreensão por pôde se manter hermética ante os re-
todo homem, sem mais exigências que clamos de uma opinião pública ativa, e
o uso da razão; isto é, os critérios de teve de desenvolver dispositivos sen-
validez do discurso em público pres- síveis aos consensos sociais emergentes
cindem do apelo à autoridade, do se- — “the sense of the people”, “the common
creto ou do aprendizado de saberes
exclusivos mediante a inserção dos in- 18. Ibid., pp. 115-123
divíduos em grupos “vocacionados” pa- 19. De certa forma, Reinhart Koselleck representa
ra entender e/ou questionar os moti- um contra-exemplo nesse ponto, pois, preocupa-
do como a relação entre crítica e crise política,
enfatizou — na sua análise da gênese cultural da
16. HABERMAS, Jürgen. (1994), Historia y críti- ilustração — o papel dos casos francês e alemão.
ca..., op. cit., p. 74. Cf. KOSELLECK, Reinhart. (1979), Le regne de la
17. Ibid., pp. 92-93. critique (1959). Paris, Les Editions de Minuit.

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voice”, “the general cry of the people”, “the zão identificada com a sociedade como
public spirit”, segundo as denominações única fonte de legitimação do poder e
utilizadas nos embates parlamentares de suas decisões, em face das formas
da Inglaterra do século XVIII 20. Em pré-burguesas de domínio público, nas
suma, os princípios da inclusão univer- quais a legitimidade da lei era emana-
sal, do juízo baseado em pretensões de ção direta da autoridade.
validez universais — a razão versus o É bem conhecido que no mesmo
privilégio —, e a adequação da esfera movimento de reconstrução conceitual
política a esses princípios sob os influ- da publicidade burguesa, do seu iné-
xos de uma crítica pública socialmente dito potencial para a autodetermina-
impulsionada subjazem no fundo da ção dos rumos da vida social median-
publicidade burguesa enquanto prin- te a articulação de fluxos comunicati-
cípios programáticos modernos: vos dirigidos a pressionar o poder, Ha-
bermas diagnosticou o desacoplamen-
O interesse de classe é a base da opi- to irreversível das condições estrutu-
nião pública. Durante aquela fase, ele rais que lhe deram sustento. Nessa
deve ter se confundido de tal forma, perspectiva, o curso da história com-
objetivamente, com o interesse geral, prometia a força emancipadora da pu-
que essa opinião pôde passar por opi-
blicidade moderna, pelo menos no
nião pública e racional — possibilita-
da pelo raciocínio do público [...] À ba- quadro de seus pressupostos liberais
se do progressivo domínio de uma clássicos: um público raciocinante e
classe sobre a outra, esse domínio de- esclarecido; um âmbito privado ainda
senvolve, contudo, instituições políti- composto essencialmente por proprie-
cas cujo sentido objetivo admite a tários iguais — o que, aliás, fez com
idéia de sua própria superação: que durante muito tempo a iniciativa
veritas, non auctoritas facit legem; a idéia privada fosse sinônimo da iniciativa
da dissolução da dominação naquela dos indivíduos particulares e não do
leve coação que apenas se impõe na
capital —; um Estado com severas res-
evidência vinculante de uma opinião
trições quanto ao espaço legítimo de
pública.21
sua intervenção; a inexistência de gran-
A passagem da frase “auctoritas facit des corporações de classe, quer do la-
legem”, formulada por Thomas Hobbes, do dos proprietários, quer do lado do
para sua subversão em “veritas non auc- trabalho; e o teor verdadeiramente
toritas facit legem” — “a verdade, não a representativo de uma opinião públi-
autoridade, é que faz a lei” — ilustra ca não mediatizada, cuja incipiente
de forma sintética a introdução da ra- base institucional não visava a mercan-
tilizar os veículos de transmissão co-
mo objetivo essencial.22 O exame des-
20. HABERMAS, Jürgen. (1994), Historia y críti-
se diagnóstico negativo, por via de re-
ca..., op. cit., p. 101.
21. Ibid., p. 122. 22. Ibid., pp. 173-260.

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gra julgado como herdeiro da escola Não se sabe de verdade se esta “so-
de Frankfurt, escapa aos propósitos ciedade cultural” só reflete a “força do
destas páginas; em todo caso, é fato belo” profanada com fins comerciais e
que em sua trajetória intelectual o au- de estratégia eleitoral, e com isso uma
cultura de massas privatista e seman-
tor enveredou no plano da macro-
ticamente rarefeita, ou se a mesma po-
teoria para a resolução desses e de deria constituir uma caixa de resso-
outros problemas, aprimorando a es- nância para uma publicidade revi-
pecificação conceitual do seu modelo talizada, na qual a semente das idéias
de publicidade. de 1789 apenas estivesse por nascer.24
Porém, convém assentar que as
transformações estruturais apontadas Além do mais, tanto pela via do pro-
por Habermas, em e para além de sua cesso histórico de privatização das ati-
obra, salientam o caráter problemático vidades destinadas à reprodução social,
da publicidade moderna, pois, diferen- quanto pela via da emergência e con-
temente da centralidade do mercado, solidação de uma instância de su-
da secularização, da expansão da “so- jeitos privados — o mercado — como
berania” legítima do interesse indivi- questão de interesse para o conjunto
dual ou de outras tendências de longa da sociedade, essa publicidade respon-
duração já consumadas na moderni- de e é conformada, na sua origem, por
dade, ela, como de resto a própria de- exigências e transformações amadure-
mocracia, dista de ser um fato estável cidas no mundo privado. Trata-se de
e garantido; antes, encontra-se consti- exigências por certo conflitantes, pois,
tuído por campo de tensões que a um de um lado, aparece o problema da
tempo preserva e põe à prova seus al- integração social — particularmente em
cances na realização do ideário políti- face da desagregação das formas de
co da modernidade.23 É emblemático vida comunitárias —, enquanto, do ou-
que Habermas tenha enfatizado o ca- tro, coloca-se a necessidade de garan-
ráter ambíguo ou não garantido dessa tir e regulamentar a dinâmica econô-
dimensão social moderna depois do seu mica do mercado, precisamente res-
trabalho sobre a publicidade burgue- ponsável pelo problema moderno da
sa, e mais de um lustro após ter con- integração.25 Assim, aceita-se a recons-
cluído sua teoria da ação comunicativa:

24. Jürgen Habermas, “La soberanía popular


23. Para uma análise elucidativa da forma como como...”, op. cit., p. 36.
a filosofia política moderna tem elaborado e cer- 25. Cf. o extraordinário trabalho de CASTELS,
cado, mediante o esforço do conceito, os riscos da Robert (1997), Las metamorfosis de la cuestión social
subordinação do público sob o império do priva- — Una crónica del salariado, Buenos Aires, Paidós,
do — particularmente no plano do exercício do pp. 29-69 e 158-267. Para uma síntese do próprio
poder —, cf. CHAUI, Marilena (1992), “Público, autor quanto aos conceitos fundamentais que ar-
privado, despotismo”. In: NOVAES, Adauto. ticulam a análise desse livro, cf. CASTELS, Robert.
(org.). Ética, São Paulo, SMC/Companhia das (1991), “De l’indigence à l’exclusion, la désaffi-
Letras, pp. 345-90, especificamente, pp. 357-81. liation — Précarité du travail et vulnérabilité

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trução genética da publicidade, tal e como suas implicações para um progra-


como desenvolvida por Habermas, a ma de reflexão sobre os problemas e
nota distintiva do estatuto do público desafios contemporâneos da moderni-
no mundo moderno, de sua ambigüi- dade, falta avançar mais um passo e
dade, reside na forma de sua relação esboçar a trajetória dessa categoria,
com o privado, a qual, seja dito de pas- estabelecendo os acréscimos fundamen-
sagem, antes de ser uma deturpação, tais que permitiram refinar a concep-
como postulado pelo modelo clássico ção habermasiana, tal e como hoje é uti-
de Arendt, adquire caráter consti- lizada na literatura por uma gama ex-
tutivo.26 pressiva de autores. A atenção será
focada apenas nos aportes mais rele-
Publicidade e fluxos comunicativos vantes, pois não cabe aqui acompanhar,
sequer sumariamente, o percurso de
Malgrado a recusa de Habermas a mais de quarenta anos de intensa pro-
qualquer elucidação afirmativa de pres- dução intelectual que, desde 1958, com
supostos axiológicos, a aposta por as- a edição de Leituras, como já mencio-
segurar os efeitos democráticos, de nado, deixou até o momento saldo
autodeterminação social e de raciona- aproximado aos quarenta livros. É pos-
lização do poder inscritos nas tensões sível distinguir dois grandes eixos de
constitutivas da publicidade moderna, trabalho teórico, a partir dos quais a
é sem dúvida condizente com o fato publicidade seria investida de atribu-
de o autor conferir a seu pensamento tos conceituais mais ou menos definiti-
o perfil de uma colossal empreitada vos: o vínculo conflitante entre a socie-
programática. Uma vez explicitado em dade civil e o Estado e a qualificação
grandes traços o núcleo das questões da lógica inerente a ambos os termos
envolvidas no surgimento e na conso- desse binômio.
lidação da publicidade moderna, assim Embora o princípio de publicidade
tenha impregnado o funcionamento
das instituições políticas no contexto
relationnelle”. In: DANZELOT, Jacques. (org.), dos regimes democráticos, subsiste o
Face à l’exclusion, Paris, Esprit. pp. 137-68.
26. Isso evidencia, aliás, quão rudimentar tem problema da efetiva realização desse
sido o debate dos últimos anos em torno da rede- princípio, tendo em vista evidências
finição dos limites do Estado e do mercado, do históricas abundantes quanto à perse-
público e do privado, como se fosse uma espécie verança do hermetismo na esfera polí-
de equação matemática de soma zero. Cf. Giu-
seppe Vacca, “Estado e mercado, público e priva-
tica e, ainda mais, quanto ao alastra-
do”, pp. 151-64, especialmente, pp. 160-2; mento de dinâmicas de manipulação da
GURZA LAVALLE, Adrián. (1997), “Por uma opinião pública após o advento da “re-
utopia ao alcance da mão: contracrítica antineoli- volução do número” ou da democra-
beral do espaço publico”. In: CARCANHOLO,
Marcelo; MALGUTI, Manoel Luiz (orgs.). A quem
cia de massas. A elaboração da teoria
pertence o amanh㠗 Ensaios sobre o neoliberalismo. da legitimidade (1973), a propósito do
São Paulo, Loyola. pp. 141-54. exame das crises sistêmicas no capita-

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lismo tardio, aparece em Habermas co- a opinião pública. Destarte, apesar de


mo resposta a equacionar a impossibi- o princípio de publicidade na esfera
lidade da clausura total do poder; im- política estar sujeito a inúmeros cons-
possibilidade derivada da diluição da trangimentos que o tornam vulnerável,
imagem liberal do Estado como instân- ele se encontra atrelado de forma indis-
cia imparcial, em virtude de sua cres- solúvel à dinâmica dos reclamos sociais
cente intervenção nos processos de re- veiculados por intermédio das institui-
produção da sociedade. 27 No marco ções autônomas da opinião pública —
dessa proposta, a legitimidade não se as quais, por sua vez, e devido a seu
reduz aos motivos psicológicos ou so- enraizamento na vida social, constituem
ciológicos para acreditar nas razões do um âmbito indispensável de pro-
poder — e aqui a referência explícita é cessamento da legitimidade para o po-
à influência das formulações clássicas der.30 É claro que as instituições autô-
de Max Weber —; 28 na verdade, ela nomas da publicidade arraigadas no
condensaria os limites da autonomia do mundo social são passíveis de coação
Estado em seu vínculo contraditório, mediante expedientes diversos, mas
porém constitutivo, com a sociedade.29 não podem ser desmontadas nem ba-
Nas democracias, e desde que nesse nidas sem quebrantar os pressupostos
contexto, pois o programa de pesquisa de todo Estado de direito democráti-
do autor não se preocupa com “casos co. O desfecho de tais formulações pa-
exceptivos”, o poder precisa justificar rece evidente: a opinião pública pode
seu agir, expor e ponderar publicamen- ser artificialmente fabricada, e, sem
te os motivos de suas decisões, sem- dúvida, as verdadeiras causas que ani-
pre passíveis de contestação quanto a mam as decisões políticas podem ser-
suas pretensões de validez e à luz dos lhe escamoteadas de modo a manipu-
elementos probatórios disponíveis para
30. “À proposição que os valores-metas dos sis-
temas sociais variam historicamente, precisa ser
27. HABERMAS, Jürgen. (1980), A crise de acrescentada a proposição que a variação em va-
legitimação no capitalismo tardio, Rio de Janeiro, lores-metas é limitada pela lógica do desenvolvi-
Tempo Brasileiro, pp. 34-38, 50-52. mento das estruturas das visões do mundo; uma
28. Ibid., pp. 121-40. A principal crítica de Haber- lógica que não está à disposição dos imperativos
mas à concepção weberiana da legitimidade apon- do poder.” Ibid., p. 25. Compare-se tal assevera-
ta para os obstáculos incontornáveis que ela erige ção com a seguinte, formulada vinte anos depois:
para resolver de forma satisfatória a relação entre “O desenvolvimento de tais estruturas do mundo
verdade e legitimidade. da vida pode, certamente, ser estimulado, mas
29. O caráter constitutivo desse vínculo suscitou escapa em boa medida à regulamentação jurídi-
em seu momento sérias críticas à visão instrumen- ca, à intervenção administrativa ou à regulação
tal do Estado e à redução da questão da legitimi- política. O sentido é um recurso escasso que não
dade ao caráter presuntivamente formal da de- pode ser regenerado ou incrementado voluntaria-
mocracia burguesa; é claro que o destinatário de mente [...]”. HABERMAS, Jürgen (1998), Facticidad
tais críticas era uma parte do pensamento mar- y validez — Sobre el derecho y el Estado democrático de
xista e sua “estratégia conceitual dogmática”; cf. derecho en términos de teoría del discurso, Madri,
ibid., p. 78. Trotta, p. 439.

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lar sua orientação; entretanto, em meio estão ‘sempre prontas’ e moventes”,32


a esses riscos e à sua própria ambigüi- os indivíduos interagem não apenas
dade, ela mantém seu potencial demo- na interpretação e reapropriação do
cratizador graças ao fato de que o pro- preexistente — costumes e cultura —,
cesso de legitimação das decisões polí- como também na produção de senti-
ticas não pode ocorrer totalmente à dos que escapam ao controle adminis-
margem das práticas e espaços da pu- trativo e às necessidades de auto-re-
blicidade. Note-se a mudança concei- generação do poder. Já a esfera polí-
tual: trata-se agora de uma publicida- tica ganha novos contornos como uni-
de depurada de suas feições burgue- verso sistêmico alheio à dinâmica das
sas, consagrada como instância geral mediações lingüísticas imperantes no
de intermediação entre o Estado e a mundo social. De fato, o nível sistê-
única fonte insuprimível de legitimação mico expande-se analiticamente para
nos regimes democráticos, ou seja, a abarcar a lógica funcional da política
sociedade. e da economia — não mais represen-
No que diz respeito ao segundo ei- tativa do empenho material mais ou
xo, a separação entre o social e o polí- menos igualitário de pessoas privadas
tico — entre o mundo autônomo da —; sendo que tal cisão com o mundo
sociedade e o Estado com suas regras da vida assume caráter irreversível,
internas de poder — seria levada até pois responde ao incremento da com-
às últimas conseqüências na teoria da plexidade na evolução social. A reali-
ação comunicativa (1981), particular- dade sistêmica é organizada, então,
mente na idéia de sociedade em dois ní- pelo automatismo de imperativos fun-
veis. O primeiro termo do binômio, a cionais refratários à linguagem moral
sociedade, aparece radicalmente res- e ao controle comunicativo da socie-
significada mediante sua definição dade, o que, em certo sentido, eqüi-
conceitual como mundo da vida, em cuja vale a dizer que a atividade da econo-
lógica prima a produção simbólica de mia e da política encontra-se subordi-
sentidos não subordinada a qualquer nada à lógica do poder e do dinheiro
determinação heterônoma aos agen- enquanto dispositivos de coordenação
tes envolvidos na interação.31 No mun- — media — cifrados de modo “deslin-
do da vida, trama intersubjetiva de güistificado”.33
todos os sentidos herdados e dos no- A oposição entre o nível do mun-
vos sentidos possíveis ou, para dizê- do da vida e o sistêmico, aqui bosque-
lo com Habermas, um “horizonte no jada de forma rápida, traz conseqüên-
interior do qual ações comunicativas cias relevantes para o modelo haber-
masiano da publicidade: aprimora sen-
sivelmente o achado histórico e socio-
31. HABERMAS, Jürgen. 1987), The theory of
communicative action II — Lifeworld and system: a
critique of funcionalist reason. Boston, Bacon Press, 32. Ibid., p. 119.
pp. 113-152. 33. Ibid., pp. 153-197.

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lógico de uma sociabilidade mediada sos de manipulação e dos estímulos


por fluxos autônomos de comunicação, artificiais, ela preserva liames constitu-
capazes de produzir efeitos de racio- tivos com o mundo da vida. Outra ope-
nalização do poder; mas, sobretudo, ração analítica na redefinição do mo-
eleva esse achado ao plano de uma delo merece destaque. Por seus obje-
teoria geral da evolução social e da tivos, modo de proceder, autocon-
ação social, despindo-o de todo vestí- cepção e fonte de suas demandas, o
gio particularista oriundo de sua gê- protagonismo político da opinião pú-
nese burguesa.34 Na realidade, o resul- blica era, stricto sensu, pré-político:
tado é a postulação de um modelo de nunca aspirou a se entronizar como
publicidade passível de ser analitica- ator central no exercício das funções
mente mobilizado na reflexão progra- políticas, limitando-se à prática de um
mática acerca das possibilidades con- assédio constante sobre o poder —
temporâneas de realização dos ideais que assim recebia pressões racionali-
modernos. A publicidade já desempe- zadoras “de fora” —; a opinião públi-
nhava funções de espaço de mediação ca tampouco cristalizou autopercep-
— no interior da sociedade e entre ela ções como poder alternativo, muito
e o poder —, todavia, seu papel con- pelo contrário, animada por uma ló-
quistou salvaguarda inabalável como gica liberal apresentou-se como en-
“caixa de ressonância” do mundo da carnação da crítica racional para o apri-
vida; ainda mais, ela não mais pode ser moramento das instituições; por últi-
compreendida como conjunto de insti- mo, a força da opinião pública visava
tuições ancoradas no tecido social, pois à esfera política, mas seus reclamos ti-
agora se constitui na intangível articu- nham raízes fundas que atravessavam
lação de fluxos comunicativos, como o âmbito do social e suas instituições
rede ou como espaço abstrato materia- de convívio e projeção pública, para
lizado em cada momento e lugar onde se encravar nas experiências de vida e
a formação de opinião emerge do mun- preocupações emergentes da privaci-
do da vida e vem à luz pública.35 A dade familiar.36 Assim, a índole pré-
opinião pública também é reforçada no
seu potencial democratizador, não por- 36. As três considerações expostas acerca do ca-
que seus conteúdos e posições sejam ráter pré-político da opinião pública foram ni-
definitivamente garantidos, senão por- tidamente expressas em diversas passagens da
que, apesar dos alcances dos proces- obra de 1962; v. g., com respeito às duas primei-
ras considerações: “Conforme a suas próprias in-
tenções, a opinião pública não quer ser nem limite
do poder nem o poder mesmo, e ainda menos
34. Para a apresentação dessa teoria geral, cf. fonte de todo poder. Dentro de seu próprio con-
HABERMAS, Jürgen. (1984), The theory of commu- texto, é antes obrigada a modificar o caráter do
nicative action I — Reason and rationalization of society, poder executivo, da própria dominação”.
Boston, Bacon Press, pp. 237-337. HABERMAS, Jürgen. (1994), Historia y crítica...,
35. Cf. HABERMAS, Jürgen. (1998), Facticidad y op. cit., pp. 117-118. Para a terceira consideração,
validez... op. cit., pp. 439-446. cf. ibid., pp. 80-88.

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política da opinião pública já era con- da publicidade como “espaço social


dição a garantir sua missão política; gerado na ação comunicativa”37 recon-
entretanto, essa condição é agora in- figura-se, no essencial, no quadro das
vestida de notável solidez, visto que definições teóricas próprias à legitimi-
o mundo da vida sintetiza não apenas dade, ao mundo da vida e à realidade
o universo das experiências de vida, sistêmica — as duas últimas direta-
dos processos de socialização e de for- mente vinculadas à teoria da ação co-
mação da personalidade dos indiví- municativa. Na trajetória de tal espe-
duos, mas também, e sobretudo, a ba- cificação conceitual ocorreu um des-
se comum graças à qual e somente por locamento progressivo da publicida-
intermediação da qual se torna pos- de como fenômeno histórico abran-
sível a reapropriação e produção de gente, que envolveu instituições polí-
sentidos. ticas e de comunicação, associações
Para que tais inovações conceituais civis e a vida pública de uma pujante
fossem possíveis, tiveram de conver- camada de livres proprietários, para
gir distintas linhas de trabalho no pro- a publicidade como constructo abstrato
grama de pesquisa de Habermas, em e altamente estilizado, cuja nota dis-
áreas tão diversas como a epistemo- tintiva é tão-só a confluência de flu-
logia, a ética, as teorias da linguagem xos comunicativos oriundos do mun-
e da ação e evolução sociais e, mais do da vida. Sob suas feições mais abs-
recentemente, as teorias da democra- tratas, de rede tecida ao sabor da es-
cia e do direito. No quadro mais res- pontaneidade social e da emergência
trito dos propósitos desta análise, é de consensos, a publicidade condensa
cabível afirmar que a chave do revigo- seus significados como virtualidade
ramento da publicidade reside na “ar- comunicativa indeterminada, embora
quitetura dual da sociedade” e na re- sujeita aos limites do mundo da vida
lação necessária entre ambos os níveis. quanto à capacidade de criação e
De um lado, o mundo da vida sempre reapropriação de sentidos. Nesse per-
exposto às investidas colonizadoras curso, dimensões problemáticas do es-
provindas dos sistemas, mas por de- paço público moderno como o perfil
finição salvo, já que a espontaneidade das instituições políticas e do Estado
social e a infindável produção de sen- ou as tendências dos meios de comu-
tidos nunca serão suprimidas ou regu- nicação, pesadamente presentes no
ladas por completo; do outro, a reali- diagnóstico de 1962, permanecem à
dade sistêmica ensimesmada, porém margem dos novos contornos do con-
incapaz de produzir sua própria le- ceito — sem dúvida mais universal e
gitimidade e, portanto, de se clausurar preciso, embora sociologicamente em-
diante dos reclamos que, emergindo
do mundo da vida, alcançam consen-
so social pela via da publicidade. 37. HABERMAS, Jürgen. (1998), Facticidade y
Em suma, o modelo habermasiano validez..., op. cit., p. 441.

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pobrecido. Cumpre ressalvar que o


fato de abstrair essas dimensões na
definição da publicidade não implicou
sua exclusão do programa de pesqui-
sa de Habermas, como ilustrado pelo
tratamento mais acurado do direito e
do Estado nos trabalhos de finais dos
anos 1980 e da primeira metade dos
90.

Recebido em 19/8/2002
Aprovado em 30/10/2002

Adrián Gurza Lavalle, professor do Departa-


mento de Política da PUC-SP.
E-mail: layda@usp.br

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