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24, nº 2, 771-786
DOI: 10.9788/TP2016.2-20
Resumo
O presente artigo tem como objetivo discutir o conteúdo da Resolução n° 007/2003 do Conselho Federal
de Psicologia, que trata sobre a elaboração de documentos psicológicos escritos e que teve como intuito
reduzir o número de queixas a sua qualidade. Contudo, o que se observa nos dias atuais é que ainda
existem muitos processos éticos decorrentes de falhas em documentos, especialmente em laudos/
relatórios psicológicos. A grande heterogeneidade desses documentos, tanto em termos de forma quanto
de conteúdo, pode suscitar dúvidas acerca de sua qualidade. Os comentários e críticas desenvolvidos
neste texto pretendem auxiliar os profissionais na produção de seus documentos, e também servir como
uma referência atualizada sobre essa temática, visando contribuir para a produção de documentos de
boa qualidade. São abordados os princípios técnicos da linguagem escrita, assim como os princípios
éticos, técnicos e científicos da profissão. A importância da devolução por escrito dos resultados das
avaliações, juntamente com a devolução oral obrigatória, também é apontada. As quatro modalidades
de documentos psicológicos são apresentadas, por meio da discussão de seus objetivos e estruturas,
com sugestões de acréscimos à estrutura do laudo/relatório. Por fim, algumas orientações práticas para
a escrita de documentos são oferecidas.
Palavras-chave: Avaliação psicológica, laudos psicológicos, ética profissional.
Abstract
This article aims to discuss the content of Resolution N° 007/2003 of the Federal Council of Psychology,
which comprised psychological reports’ writing and had the intention to reduce the number of
complaints to their quality. However, nowadays there are still many ethical processes due to faults
in these documents, especially in psychological reports. The great heterogeneity of these documents,
both in terms of form and content, may raise doubts about their quality. The comments and criticisms
developed in this paper are intended to assist professionals in the writing of their documents, and also
1
Endereço para correspondência: Travessa Alexandrino de Alencar, 50 / 701 A, Azenha, Porto Alegre, RS,
Brasil 90160-030. Fone: (51) 9323-5382. E-mail: vmlago@gmail.com
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serve as an updated reference on this topic, in order to contribute to the improvement of the quality of
the documents. The paper examines the technical principles of written language, as well as the ethical,
technical and scientific principles of the profession of psychologist. The importance of a written return
of the results of evaluations, along with the obligatory oral return is also highlighted. The four types
of psychological documents are presented, as well as the discussion of their goals and structures, with
suggestions for additions to the report structure. Finally, some practical guidelines for writing documents
are offered.
Keywords: Psychological assessment, psychological finds, professional ethics.
Resumen
Este artículo objetiva discutir el contenido de la Resolución N ° 007/2003 del Consejo Federal de
Psicología, que se ocupa de la preparación de documentos escritos psicológicos e intentaba reducir el
número de denuncias a la calidad de estos. Sin embargo, lo que se observa actualmente es que todavía
hay muchos procesos éticos de fallas en los informes psicológicos. La gran heterogeneidad de estos
documentos, tanto en términos de forma y contenido, puede plantear dudas sobre su calidad. Los
comentarios y críticas desarrollados en este trabajo están destinados a ayudar a los profesionales en la
producción de sus documentos, y sirven como una referencia actualizada para contribuir a la mejora de
la calidad de documentos. El trabajo examina los principios técnicos de la lengua escrita, así como los
principios éticos, técnicos y científicos de la profesión de psicólogo. La importancia de la devolución
de forma escrita de los resultados de las evaluaciones, además de la devolución oral obligatoria, es
destacada. Se presentan los cuatro tipos de documentos psicológicos, a través de la discusión de sus
objetivos y estructuras, con sugerencias para adiciones a la estructura del informe psicológico. Por
último, se ofrecen algunas directrices prácticas para la redacción de documentos.
Palabras clave: Evaluación psicológica, hallasgos psicológicos, ética profesional.
O resultado de uma avaliação psicológica revogada pela Resolução CFP n° 17/2002, tam-
deveria ser comumente registrado por meio de bém revogada em seguida, pela Resolução CFP
diferentes documentos, de acordo com seus pro- n° 007/2003 (2003b). Essas resoluções instituí-
pósitos. Entretanto, questões como a formação ram o Manual de Elaboração de Documentos Es-
profissional e a subjetividade do examinador, critos produzidos pelo psicólogo, decorrentes de
presentes nas avaliações psicológicas, resultam avaliação psicológica. A normativa de 2003 é a
em uma heterogeneidade de documentos, tanto referência mais atualizada de que os psicólogos
em termos de forma quanto de conteúdo. Essa dispõem para a produção de documentos escri-
falta de um padrão mais homogêneo pode sus- tos. Shine (2009) inclusive aponta que a rapidez
citar dúvidas acerca de sua qualidade. Ademais, com que as revogações foram produzidas leva
muitos processos éticos são desencadeados em a crer que há muita dificuldade em se chegar a
decorrência da baixa qualidade de laudos e pa- um consenso satisfatório nesse campo. O autor
receres. destaca, ainda, que desde a criação da primeira
Com o objetivo de fornecer diretrizes para Resolução (n° 30/2001), o intuito era o de dimi-
os profissionais, garantindo maior uniformidade nuir o número crescente de queixas à qualidade
e qualidade na produção desses documentos, o dos documentos psicológicos. Contudo, o que
Conselho Federal de Psicologia (CFP) elaborou se observa nos dias atuais é que ainda existem
a Resolução CFP n° 30/2001, posteriormente muitos processos éticos decorrentes de falhas em
Elaboração de Documentos Psicológicos: Considerações Críticas à Resolução 773
CFP n°007/2003.
que se quer transmitir, podendo trazer consequ- portantes para os profissionais, bem como incen-
ências negativas para os avaliados, considerando tiva a autorreflexão do psicólogo sobre algumas
especialmente a quem o documento é destinado. questões, buscando responsabilizá-lo, pessoal e
Por exemplo, no contexto organizacional erros coletivamente, por ações e suas consequências
de redação podem levar um gestor a demitir um no exercício profissional.
funcionário. Dentre os deveres fundamentais dos psicó-
Cruz (2002) enfatiza que a linguagem uti- logos (Resolução CFP nº 010/2005), segundo o
lizada deve ser objetiva, coerente e consistente. Código de Ética (artigo 1º), destacam-se o de-
É importante que o conteúdo do documento seja ver de informar, a quem de direito, somente os
claro o suficiente para o melhor entendimento resultados da prestação de serviços psicológicos
do requerente e, para tanto, é necessária uma necessários para a tomada de decisões que afe-
organização dos argumentos, acompanhada de tem o usuário ou beneficiário (artigo 1º, alínea g)
capacidade teórica e conceitual. O autor ainda e o dever de orientar, a quem de direito, sobre os
aponta a importância de se evitar juízo de va- encaminhamentos apropriados e fornecer, sem-
lor e dogmas, resguardando a coerência interna pre que solicitado, os documentos pertinentes
na redação do documento e, apresentando cor- ao bom termo do trabalho (artigo 1º, alínea h).
relações técnicas entre a metodologia utilizada Ambos os deveres ressaltam a importância de
e a comunicação dos resultados obtidos a partir fornecer informações sobre os serviços presta-
dos procedimentos utilizados. Nesse sentido, ele dos, ao mesmo tempo resguardando-as ao míni-
também cita exemplos de incorreções teóricas mo necessário. Por outro lado, estes dispositivos
e técnicas (“falta maturidade”; “não dispõe de não deixam explícito se há a obrigatoriedade do
recursos intelectuais”) e de impropriedade na fornecimento de documentos escritos como for-
escrita e no uso de termos (“mostra falsas rea- ma de devolução dos serviços de avaliação psi-
ções”; “seu desempenho na avaliação foi muito cológica.
razoável”). Cunha (2000), no que tange ainda Em função desta falta de clareza, podem-
à questão da linguagem, aponta que o conteú- -se buscar outros referenciais éticos para refletir
do dos documentos deve estar apropriado a seu acerca da necessidade ou não do fornecimen-
destinatário, isto é, deve respeitar características to de documentos escritos como resultado da
como nível sociocultural, intelectual e emocio- avaliação psicológica. Os princípios éticos que
nal daquele a quem será endereçado o laudo ou orientam a pesquisa com seres humanos e que
parecer. A autora ressalta que a expressão escrita influenciam vários códigos de ética das ciências
do documento é definida pela identidade e qua- humanas e da saúde são denominados respeito,
lidade de seu destinatário, ou seja, um mesmo beneficência/não maleficência e justiça, tendo
psicólogo pode escrever diferentes documentos sido sistematizados pela primeira vez pelo Bel-
com níveis de profundidades teórico-técnicas di- mont Report: Ethical Principles and Guidelines
versas. Isso não desmerece a qualidade do seu for the Protection of Human Subjects of Resear-
documento. ch (The National Commission for the Protection
No que diz respeito aos princípios éticos, o of Human Subjects of Biomedical and Behavio-
psicólogo deve observar os dispositivos do Có- ral Research, 1979). Considerando que o princí-
digo de Ética Profissional do Psicólogo (Reso- pio da beneficiência/não maleficiência preconiza
lução CFP nº 010/2005), atentando a questões não causar o mal, maximizar os benefícios possí-
como o sigilo profissional, as relações com a veis e minimizar os danos possíveis, coloca-se a
justiça e o alcance das informações prestadas. O questão sobre o que beneficiaria mais o paciente
Código atual data de 2005 e tem como objeti- avaliado: a devolução apenas oral ou a devolu-
vo principal estabelecer um padrão de conduta ção oral acompanhada pelo documento escrito.
esperado para as práticas da categoria. Sendo Em nossa prática, observamos que muitos
assim, coloca alguns pontos de orientação im- pacientes que buscam uma avaliação psicológica
Elaboração de Documentos Psicológicos: Considerações Críticas à Resolução 775
CFP n°007/2003.
realizaram avaliações anteriores, mas não sabem direito de ter acesso irrestrito ao seu prontuário e
reportar com exatidão o que lhes foi informado a todos os resultados de avaliações psicológicas.
a respeito. Tal fato pode demonstrar a falta de No Brasil, ainda temos como orientação com-
compreensão dos pacientes acerca do que lhe foi plementar a Resolução CFP nº 001/2009, que
devolvido, bem como dificuldades de guardar na dispõe sobre a obrigatoriedade do registro docu-
memória informações técnicas que por vezes da- mental decorrente da prestação de serviços psi-
tam de vários anos. Se a avaliação psicológica cológicos. A referida normativa aponta que os
é considerada um instrumental psicológico, ela registros sobre a prestação de serviços psicológi-
deveria funcionar como o resultado de um exa- cos têm caráter sigiloso e devem ser permanen-
me, o qual deve ser registrado por escrito para temente atualizados e organizados pelo profis-
comparações posteriores. Certamente é necessá- sional que acompanha o procedimento. Garante,
rio que exista uma flexibilidade a respeito do tipo ainda, ao paciente, ou seu representante legal,
de informes escritos a serem fornecidos aos di- o acesso integral às informações registradas,
ferentes destinatários (profissional que encami- da mesma forma que o Código da APA. Nesse
nhou o paciente para avaliação, próprio paciente sentido, consideramos que seria necessária a in-
ou familiar, profissionais da área da educação ou clusão da obrigatoriedade de fornecimento dos
trabalho que convivem com o paciente), mas é documentos escritos aos interessados em futuras
importante que exista alguma forma de registro resoluções.
acerca do que foi observado no período da ava- No que se refere aos princípios técnicos e
liação psicológica. Tal como afirmamos acima: a científicos dos documentos psicológicos escri-
forma do documento é definida pela identidade e tos, é importante considerar as variáveis históri-
qualidade de seu receptor (Cunha, 2000). cas, sociais, econômicas e políticas do processo
Diversos psicólogos afirmam que o não de avaliação, que tornam o processo de ava-
fornecimento de documentos escritos se deve à liação psicológica de natureza dinâmica e não
preocupação com potenciais usos indevidos das definitiva. Nesse sentido, Silva (2006) salienta
informações contidas nesses informes. Muitos que o psicólogo deve fazer constar no documen-
temem que ocorra uma exposição de dados si- to psicológico (laudo ou parecer) que os dados
gilosos a respeito dos pacientes. Como forma de descritos dizem respeito ao estado psicológico
evitar este risco, vários profissionais e institui- do avaliado naquele momento, não podendo ser
ções colocam-se à disposição para serem conta- considerados definitivos ou imutáveis. Tavares
tados no futuro a respeito dos pacientes, mas se (2012) comenta a complexidade da avaliação
negam a produzir qualquer registro escrito. No psicológica, que é um produto de sua demanda,
entanto, ao negarem o fornecimento de informa- da compreensão que o avaliador tem sobre ela e
ções escritas, muitas vezes os profissionais estão os objetivos que traça para desenvolver o pro-
negando o acesso dos pacientes e profissionais cesso. Além dessas condições iniciais, o autor
de saúde aos resultados da avaliação, tendo em destaca também a influência do contexto de vida
vista que muitos pacientes perdem o contato com do indivíduo e da qualidade da relação entre ava-
psicólogos anteriores; além disso, nem sempre liador e avaliado para o resultado final da avalia-
os profissionais que atenderão esses pacientes ção. Esses aspectos integram os princípios téc-
estarão dispostos a entrar em contato. nicos descritos na Resolução CFP nº 007/2003
Hutz (2009) também relaciona o direito que (2003b), uma vez que permitem evidenciar a
os indivíduos têm de conhecer os resultados de natureza dinâmica da avaliação, influenciada pe-
suas avaliações, suas implicações e o uso que las circunstâncias do momento e da dinâmica da
poderá ser feito dos dados coletados ao princí- avaliação.
pio ético do respeito. O autor ressalta que o atual A Resolução orienta, ainda nos princípios
Código de Ética da American Psychological As- técnicos, que os documentos sejam baseados
sociation (APA, 2002) garante aos indivíduos o exclusivamente em instrumentais técnicos que
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-filosófico e científico adotado pelo psicólogo” mínimo, cinco itens: identificação, descrição da
(Resolução CFP nº 007/2003, 2003b, p. 7). Ain- demanda, procedimento, análise e conclusão.
da, percebe-se a importância dada ao uso de um No entanto, não explicita se esses subtítulos são
referencial técnico-filosófico e científico. Ainda obrigatórios ou se o documento em questão deve
mais relevante em termos éticos é a descrição apresentar itens que reflitam estes conteúdos,
dada à finalidade do laudo/relatório psicológico, não necessariamente com esta nomenclatura.
que seria a de “apresentar os procedimentos e Ao examinar cada item separadamente, sur-
conclusões gerados pelo processo da avaliação gem outras questões não contempladas direta-
psicológica, relatando sobre o encaminhamen- mente pela Resolução. No que se refere ao item
to, as intervenções, o diagnóstico, o prognós- Identificação, essa prevê três identificadores: o
tico e evolução do caso, orientação e sugestão autor/relator (quem elabora o documento); o in-
de projeto terapêutico, bem como, caso neces- teressado (quem o solicita) e o assunto/finalida-
sário, solicitação de acompanhamento psicológi- de (qual a razão/finalidade deste). Em nenhum
co” (Resolução CFP nº 007/2003, 2003b, p. 7). trecho da Resolução é especificado que dados
Contudo, o que se observa na prática é sobre o avaliado devem constar no documento.
que muitos dos documentos dessa modalidade, Mesmo dentre os identificadores detalhados, a
possivelmente elaborados por psicólogos sem informação central a ser mencionada é o nome
preparo, resultam em meras descrições de ins- do autor/relator e do interessado, não constan-
trumentos aplicados na avaliação, sem preocu- do dados como formação profissional e vínculo
pação com a coerência entre a demanda, as hi- institucional, por exemplo. Temos utilizado, na
póteses geradas, os procedimentos adotados, as nossa experiência, os seguintes dados de iden-
conclusões e os consequentes encaminhamentos. tificação específicos do(s) avaliado(s): nome
Os prejuízos nessas descrições podem advir de completo, data de nascimento, idade, sexo, es-
uma má interpretação da orientação do Código colaridade e ocupação e, em casos de criança ou
de Ética Profissional do Psicólogo (Resolução adolescente, os mesmos dados de identificação
CFP nº 010/2005) o qual afirma que “nos docu- para os pais.
mentos que embasam as atividades em equipe No identificador Assunto, a Resolução su-
multiprofissional, o psicólogo registrará apenas gere a indicação da razão ou motivo do pedido,
as informações necessárias para o cumprimen- e menciona alguns exemplos: “se para acom-
to dos objetivos do trabalho” (p. 11) ou mesmo panhamento psicológico, prorrogação de prazo
da própria Resolução, que diz que o psicólogo para acompanhamento ou outras razões perti-
deve limitar-se a fornecer somente as informa- nentes a uma avaliação psicológica”. É relevan-
ções necessárias relacionadas à demanda, soli- te observar que, na prática, muitos psicólogos
citação ou petição” (p. 7). Isso significa que nos colocam nesse item a informação “para fins de
documentos o psicólogo não precisa entrar em avaliação psicológica”, o que na verdade é uma
detalhes desnecessários ao caso analisado, dados tautologia, uma vez que tanto o atestado como
que muitas vezes podem levar a interpretações o relatório/laudo psicológico são decorrentes de
equivocadas por parte de quem lê assim como avaliação psicológica. Sugerimos que o motivo
expor em demasia o indivíduo avaliado. Talvez seja descrito de forma específica, por exemplo
fatores como temor exacerbado quanto ao uso “para investigação de queixas de memória”,
que poderá ser feito das informações, bem como “avaliação do funcionamento cognitivo devido a
uma tendência de omissão no esclarecimento de dificuldades escolares”, “para avaliação da com-
dados centrais da avaliação, podem gerar laudos/ petência parental para o exercício da guarda”.
relatórios psicológicos pouco claros ou inespecí- O segundo item previsto pela estrutura do
ficos, o que pode trazer danos tanto para o ava- laudo/relatório é a Descrição da demanda, que é
liado quanto para a imagem do profissional. destinada à “narração das informações referen-
No que se refere à estrutura do laudo/rela- tes à problemática apresentada e dos motivos,
tório, a Resolução exige a apresentação de, no razões e expectativas que produziram o pedido
Elaboração de Documentos Psicológicos: Considerações Críticas à Resolução 779
CFP n°007/2003.
respondidas pelos profissionais; contudo, esses das do solicitante. A Resolução deixa claro que
questionamentos não costumam ser identifica- não há necessidade de descrever detalhadamente
dos como quesitos. Por outro lado, nas avalia- os procedimentos, dados colhidos ou até mesmo
ções encaminhadas pelo Poder Judiciário, esse o nome dos envolvidos. Complementando a crí-
termo é bastante frequente, com a presença de tica feita anteriormente em relação à diferença
quesitos elaborados tanto pelo Juiz de Direito, de nomenclaturas entre as áreas da Psicologia e
quanto pelo Promotor de Justiça e/ou pelos ad- do Direito, cabe observar que o perito, ao ela-
vogados das partes. Nesse ponto, temos uma borar seu laudo, apresenta a “resposta aos que-
crítica relevante para apontar referente à diver- sitos” como um novo item, após a “conclusão”,
gência de nomenclaturas entre a Resolução do antes de datar e assinar o documento (Rovinski,
CFP e o que está disposto no Código de Processo 2004). A Resolução do CFP não deixa clara essa
Civil (CPC). informação; pelo contrário, entende-se que os
De acordo com a definição de parecer da quesitos deveriam constar no item “exposição de
Resolução do CFP, poderia se interpretar que motivos”, o que seria uma prática inadequada no
os peritos emitiriam um parecer, visto ser este contexto forense.
um “documento fundamentado e resumido sobre A análise deve responder à demanda des-
uma questão focal do campo psicológico cujo crita no item “exposição de motivos”, de uma
resultado pode ser indicativo ou conclusivo”. forma resumida, com base no corpo conceitual
Responderiam, também, aos quesitos apresenta- da ciência psicológica. Pode, ainda, incluir re-
dos pelas partes. Outra Resolução do CFP que ferências de trabalhos científicos para citações e
corrobora essa divergência de nomenclaturas informações. Diferentemente da discussão pro-
é a Resolução nº 17/2012, que dispõe sobre a posta na estrutura do Laudo/Relatório acerca do
atuação do psicólogo como perito nos diversos termo Análise, aqui entendemos que o termo
contextos. Em seu artigo 8º, há a orientação de mostra-se adequado.
que “em seu parecer, o psicólogo perito apresen- Por fim, a conclusão apresentará o posicio-
tará indicativos pertinentes à sua investigação . namento do parecerista, que deverá responder à
. .”. Entendemos que a definição de parecer da questão levantada. A conclusão deve ser objetiva
Resolução CFP nº 007/2003 (2003b) gera dú- e concisa, pois se espera que a discussão dos da-
vidas e confusões quando essa demanda advém dos levantados conste no item “análise”, ou seja,
do Poder Judiciário, cujas legislações preveem a a justificativa da conclusão estaria apresentada
denominação de laudo para o documento produ- no item anterior. E, como em todos os documen-
zido por peritos, e de parecer para o documento tos psicológicos, ao final deverá ser informada
emitido pelos assistentes técnicos. data e local, e deverão constar a assinatura do
Após a apresentação das críticas em relação psicólogo e seu carimbo, com número do regis-
à nomenclatura do documento, explorar-se-á a tro profissional. No caso de documentos com
partir de agora a estrutura do parecer. Conforme mais de uma página, o psicólogo deverá rubricar
disposto na Resolução CFP nº 007/2003 (2003b), todas as folhas do documento (a numeração das
quatro itens compõem o parecer: identificação, páginas não é obrigatória, mas indicada).
exposição de motivos, análise e conclusão. Em
relação à Identificação, diferentemente do laudo, Validade e Guarda dos Documentos
há a orientação de indicar a titulação do parece-
rista, assim como a titulação de quem está soli- Os últimos itens contemplados pela Reso-
citando. Entende-se que essa orientação seja no lução CFP nº 007/2003 (2003b) dizem respeito
sentido de reforçar a especialidade do psicólogo a à “validade dos conteúdos dos documentos” e
quem foi encaminhada a demanda do parecer, jus- “guarda dos documentos e condições de guar-
tificando sua competência para tratar do assunto. da”. Em relação ao prazo de validade, a Reso-
No item “exposição de motivos”, deve cons- lução orienta que o psicólogo deverá considerar
tar o objetivo da consulta e dos quesitos ou dúvi- a legislação vigente nos casos já definidos. Em
Elaboração de Documentos Psicológicos: Considerações Críticas à Resolução 783
CFP n°007/2003.
não havendo definição legal, o psicólogo poderá parecem do fundo de sua alma infantil”. “Joana
indicar, sempre que possível, o prazo da valida- é uma mulher guerreira e muito sofredora”.
de do conteúdo no próprio documento, dispondo Os trechos acima, extraídos de documentos
dos fundamentos para tal indicação. A título de emitidos por psicólogos, demonstram a ausência
exemplo, cita-se o caso de uma paciente que se de linguagem técnica e incorrem na emissão de
submeteu à avaliação neuropsicológica e, para- julgamentos morais. Parecem, inclusive, reme-
lelamente, estava passando por processo de de- ter a uma linguagem de texto dramático e/ou ro-
sintoxicação por agentes químicos. Foi sugerido mântico. Nesses casos, termos como “a paciente
no laudo decorrente da avaliação que, após um apresenta grave sofrimento psíquico” e “revela
ano, a avaliação fosse refeita, a fim de compa- persistência diante de seus objetivos” são su-
rar os resultados, com o objetivo de verificar a gestões que apresentam uma linguagem técnica
incidência de progressos ou prejuízos na área da mais adequada.
cognição, considerando os possíveis efeitos do
tratamento de desintoxicação. Afirmações Categóricas
No que tange à guarda dos documentos, a
“A partir das entrevistas realizadas com
Resolução indica o prazo mínimo de cinco anos
mãe, pai, filha, avós e tia materna da vítima, é
para a guarda não apenas do laudo, mas de todos
possível afirmar, com certeza, que abusos sexu-
os materiais referentes à avaliação. Neste caso,
ais e físicos ocorreram”.
orientamos que se incluam anotações do psicó-
Ainda que o psicólogo possa estar conven-
logo, folhas de resposta dos testes e outros mate-
cido da possível ocorrência de abusos sexuais
riais que fundamentem os achados da avaliação.
e físicos, a redação de seu documento deve ser
A guarda é de responsabilidade do psicólogo ou
mais cautelosa. A Psicologia não é uma ciência
da instituição em que a avaliação foi realizada.
que nos permita certezas absolutas, especialmen-
Poderá haver ampliação desse prazo nos casos
te por meio de dados coletados exclusivamente a
previstos em lei. Por fim, caso haja a extinção
partir de entrevistas. Nesse caso, o profissional
do Serviço de Psicologia, deverão ser seguidas
poderia ter usado alguma expressão do tipo “é
as orientações do Código de Ética para o destino
possível evidenciar a existência de fortes indí-
dos documentos.
cios de ocorrência de abusos sexuais e físicos”.
Nessa situação, é importante que o profissional
Orientações Práticas para a Escrita
descreva, ainda, quais são esses indícios, pre-
de Documentos
ferencialmente relacionando o observado com
Considerando nossa experiência enquanto referências da literatura que corroborem seus
supervisoras de avaliação psicológica, foi possí- achados clínicos. Tais referências podem constar
vel observar a dificuldade que muitos estudantes como nota de rodapé ou, ainda, em uma lista ao
e/ou profissionais da Psicologia apresentam para final do documento.
redigir seus documentos. No intuito de contri-
buir para esse aprimoramento da escrita, exem- Informação Imprecisa,
plificaremos algumas falhas encontradas em do- Sem Fundamentação Técnico-Científica
cumentos, justificando sua inadequação, a fim de “Sr. João demonstra um comportamento
que aqueles que buscam orientações de redação extremamente agressivo e, sem que haja míni-
possam, ao menos, evitar incorrer em tais erros. mos critérios de segurança, quanto à doença
mental/neurológica que acomete o Sr. João e
Utilização de Linguagem Não-Técnica que se apresenta como grave, seu contato com
“E de repente, surge aquele estranho que- a filha não deve ser permitido, para segurança
rendo abusá-la, atacando-a da forma mais cruel desta.”
que uma criança pode conceber . . . Essa pacien- Os profissionais que emitiram o documento
te está muito sentida, com aqueles soluços que cujo trecho foi extraído acima fazem referência
784 Lago, V. M., Yates, D. B., Bandeira, D. R.
“Na escala SNAP, das 26 questões da esca- tência. Por isso, a formação continuada após a
la, as respostas da mãe foram, 15 ‘bastante’, 8 graduação, como a especialização em Avaliação
‘demais’, 2 ‘um pouco’ e 1 ‘nada’. As respostas Psicológica, deveria ser uma exigência do Con-
da professora não foram muito diferentes: 17 selho Federal de Psicologia para aqueles que
‘bastante’, 6 ‘demais’ e 3 ‘um pouco’”. gostariam de atuar nessa área. Nesse sentido, de-
“A análise das características de persona- fendemos a criação do título de Especialista em
lidade de Maria sugere que ela não dispõe de Avaliação Psicológica.
recursos psicológicos suficientes para enfren- Por fim, vale destacar que os documentos,
tar seus disparadores internos de tensão. Os em especial, laudo e parecer, são um dos meios
dados indicaram que a paciente apresenta pelos quais o psicólogo se comunica com pessoas
um estilo vivencial do tipo ambigual, isto é, leigas ou profissionais de outras áreas do conhe-
seu estilo de responder as demandas do meio cimento e, portanto, esses registros representam
ocorrem tanto por meio de atividades reflexivas a sua competência profissional. Essa expressão
(pensamento), bem como por meio dos afetos de competência engloba a seleção dos dados que
eliciados (emoção).” serão expostos nos documentos psicológicos.
Os dois exemplos iniciais apresentam des- Percebe-se, então, a responsabilidade que o psi-
crições excessivas das técnicas utilizadas, sem cólogo possui ao produzir esses documentos, já
benefício para a compreensão do desempenho do que precisa entender até que ponto oferece bene-
avaliado ou da responsável. O terceiro exemplo fícios ou mesmo riscos para seu cliente/paciente,
apresenta uma interpretação que utiliza muitos ao destinatário e a si próprio.
termos específicos da literatura das técnicas
projetivas que não contribuem para a clara expli- Referências
cação dos fenômenos observados.
American Psychological Association. (2002). Ethical
Considerações Finais principles of psychologists and Code of Con-
duct. Retrieved from http://www.apa.org/ethics/
code/index.aspx
O presente artigo buscou apresentar comen-
tários e críticas à Resolução CFP n° 007/2003 Capellini, S. A., Oliveira, A. M., & Cuetos, F. (2010).
(2003b), almejando contribuir para o aprimora- PROLEC: Provas de avaliação dos processos
de leitura. São Paulo, SP: Casa do Psicólogo.
mento dos documentos psicológicos produzidos.
Vários apontamentos feitos ao longo do texto são Cruz, R. M. (2002). Perícia em Psicologia e laudo.
decorrentes de discussões em sala de aula e/ou In R. M. Cruz, J. C. Alchieri, & J. J. Sardá Jr.
de supervisões e que não estavam formalizadas (Eds.), Avaliação e medidas psicológicas: Pro-
dução do conhecimento e da intervenção pro-
em um material de referência. Esperamos que
fissional (pp. 263-274). São Paulo, SP: Casa do
este artigo possa ser utilizado como um recurso Psicólogo.
didático, fomentando novas discussões e contri-
Cunha, J. A. (2000). Passos do Processo Psicodiag-
buindo para a formação dos psicólogos. Além
nóstico. In J. A. Cunha (Ed.), Psicodiagnóstico
disso, desejamos que aqueles profissionais que
– V (pp. 105-140). Porto Alegre, RS: Artmed.
trabalham com avaliação psicológica possam se
beneficiar das informações aqui dispostas como Del-Ben, C. M., Vilela, J. A. A., Crippa, J. A. S.,
Hallak, J. E. C., Labate, C. M., & Zuardi, A. W.
uma fonte de esclarecimentos.
(2001). Confiabilidade da “Entrevista Clínica
A produção escrita de documentos deixa Estruturada para o DSM-IV - Versão Clínica”
evidente a quantidade de conhecimentos especí- traduzida para o português. Revista Brasileira
ficos necessários para o trabalho com avaliação de Psiquiatria, 23(3), 156-159. doi:10.1590/
psicológica. Entendemos que a formação bási- S1516-44462001000300008
ca em Psicologia não é suficiente para dar conta Dicionário do Aurélio Online – Dicionário de Portu-
desse conhecimento e realizar uma avaliação de guês. (2008-2016). Laudo. Copyright 2008-2016
qualidade, produzindo um laudo com compe- de Dicionário do Aurélio Online – Dicionário de
786 Lago, V. M., Yates, D. B., Bandeira, D. R.