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O sentido de trabalho para mulheres pós-modernas inseridas em contexto militar.

Andréa da Silva Ferreira


Universidade Estadual de Feira de Santana
Estudante de do sexto semestre de Psicologia

Resumo
Sob o amparo de autores da Teoria Crítica que consideraram o Trabalho crucial para a
compreensão da formação da subjetividade do sujeito, este artigo consiste na tentativa de
compreender a interpretação que mulheres em contexto militar atribuem ao trabalho a partir
de entrevistas estruturadas, nas quais foi possível detectar que a cultura organizacional militar
possui nuances que proporcionam desconfortos pontuais.

Resúmen

Bajo el amparo de autores de la Teoría Crítica que consideraran el Trabajo crucial para la
comprensión de la formación de la subjetividad del sujeto, este artículo consiste en el intento
de comprender la interpretación que las mujeres en contexto militar atribuyen al trabajo a
partir de entrevistas estructuradas, en las cuales fue posible detectar que la cultura
organizacional militar posee matices que proporcionan desalientos puntuales.

Palavras-chave: mulher, trabalho, subjetividade, cultura organizacional.


Palabras-llave: mujer, trabajo, subjetividad, cultura de la organización.
Introdução

De origem latina, a palavra trabalho derivou de tripalium, instrumento munido de pontas de


ferro que servia para os agricultores esfiapar grãos. Tripalium liga-se ao verbo trapaliare,
que significar torturar (Suzana Albornoz, 1994). O sentido de tortura e desonra foi assim
dado pelos grego-romanos e pela igreja católica e posteriormente os protestantes destoaram à
lógica negativa, mas persistiu a acepção religiosa considerando um modo de aproximar-se de
Deus. Com o advento da tecnologia e revolução industrial fez-se mister não só uma
atribuição positiva ao trabalho, mas algum modo de aumentá-lo sem provocar mais encargos
para os que dominavam o capital.

Nesse sentido, Os estudos clássicos foram voltados, durante boa parte do tempo pós
Revolução Industrial, para os modos de melhorar a produção. Sob uma perspectiva capitalista,
a ênfase era dada ao trabalho realizado e não à pessoa que o realizava. Após os estudos de
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Howtorne os trabalhadores foram vistos de maneira mais humanizada, pois foi percebido que
os problemas de eficiência e queda de produção estava diretamente ligado ao modo como as
relações eram estabelecidas no ambiente de trabalho. Na década de 1970 autores como
Wanderley Codo enfatizaram que o trabalho integra a constituição do sujeito, baseado nos
pressupostos marxistas, e, portanto, deve ter um olhar diferenciado da psicologia no que tange
saúde/doença do sujeito alienado ao trabalho.

Outras contribuições trazem novos conceitos que ajudam a entender a estrutura das
organizações e o melhor modo de gerenciar a parte humana para evitar adoecimento, e, para
tanto, o que há de melhor no indivíduo deve ser valorizado. “As pessoas seguem acorrentadas
ao trabalho depois que, em grande medida, elas já nem necessitam desse trabalho”. (Adorno,
1995ª, p. 77, APUD Jaqueline Imbrizi). Adorno salientou sobre a ideologia do sacrifício, em
que o sujeito possui esperança de lograr a satisfação que nunca virá. A sociedade
contemporânea estruturou-se tendo por base a opressão. (Imbrizi, 1995, p.71). Sendo assim, a
opressão e contradições ideológicas servem de base para a constituição do sujeito que trabalha
e sacrifica-se em nome do progresso e sucesso individual, mas sem ter noção que tal feito
desconsidera sua humanidade.

Nesse sentido, cabe uma investigação sobre as organizações militares e como os servidores
se sentem em relação ao modo como são geridos. Discussões sobre a estrutura militar e suas
repercussões sobre a saúde mental dos comandados são essenciais, haja vista a peculiaridade
do serviço prestado que envolve o risco de morte dentre outras circunstâncias que podem
levá-lo ao estresse.

Dentro dessa perspectiva, entrevistas foram realizadas com quatro policiais femininas de
Feira de Santana, Bahia, com o objetivo de compreender a noção do significado de trabalho
para mulheres em um contexto militar, ressaltando que as quatro policiais são casadas,
possuem nível superior e dois filhos, demonstrando o contorno da mulher pós-moderna com
múltiplas atividades. Nesse viés, observando que elas apresentam o mesmo perfil, e, apesar
do número relativamente pequeno para representar uma amostra mais significativa, é possível
apreender que a noção de labor e o papel da mulher na contemporaneidade perpassam por
nuances positivas, deixando o peso das múltiplas jornadas apenas para a forma de organização
do trabalho militar, que implica em desconfortos pontuais, que por sua vez geram insatisfação
e desejo por mudanças.
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Metodologia

Foram realizadas entrevistas estruturadas com quatro policiais cujos perfis possuem
semelhanças. A entrevista foi o único instrumento utilizado e foi realizado de maneira
individual. As participantes são oriundas da mesma unidade militar. Trata-se de mulheres que
possuem múltipla jornada, pois são casadas, possuem nível superior, dois filhos e são
militares. Elas pertencem a postos hierárquicos distintos: uma capitã, duas cabas e uma
soldada, lotadas no Esquadrão de Polícia Montada da Bahia. Tal instrumento de coleta de
dados foi utilizado com objetivo de compreender qual o sentido que mulheres pós-modernas,
com múltiplas jornadas em um contexto militar dão ao trabalho.

A pesquisa estruturada é definida por Lakatos e Marconi (1985) como uma observação
sistemática que pode ser chamada também de entrevista controlada ou planejada. As questões
são planejadas antecipadamente de acordo com os objetivos do observador e devem ser
cuidadosamente planejadas e sistematizadas. A postura do observador deve ser impessoal e
deve ainda atentar para a devida orientação para que as respostas estejam de acordo com as
questões, ou seja, deve dirimir qualquer dúvida que possa surgir, mas sem exercer qualquer
influência sobre as repostas.

As participantes apresentaram boa desenvoltura para responder as questões, foram claras,


sucintas e principalmente inteligíveis, possibilitando vir à tona o material suficiente para
estabelecer uma discussão relevante sobre o tema proposto, mas dentro da peculiaridade
inerente ao serviço militar. Sua relevância situa-se na necessidade de repensar sobre a
estrutura laboral que abarca esses trabalhadores, bem como na produção de literatura com
esse viés, que ainda é muito tímida na Bahia.

Além da entrevista, para a construção da discussão foi realizada uma revisão bibliográfica
para melhor compreensão do problema percebido através da coleta de dados. Segundo
Lakatos e Marconi (2010), a revisão bibliográfica é indispensável para a delimitação do
problema em um projeto de pesquisa e para obter uma ideia precisa sobre o estado atual dos
conhecimentos sobre um tema, sobre suas lacunas e sobre a contribuição da investigação para
o desenvolvimento do conhecimento.

1.Vicissitudes do Trabalho que constituem o sujeito

Sob amparo do materialismo histórico e de autores que compreendem que o trabalho


compõe a formação subjetiva do indivíduo, é possível apreender que a sociedade
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contemporânea possui o reflexo das contradições existentes no próprio modo de subsistência.


O prazer e o sacrifício não compõem uma dicotomia real no que tange o labor. Segundo
Adorno, o prazer é nada mais que engodo para conduzir o sujeito a mais valia. O sujeito deve
produzir sempre mais e o prazer, teoricamente, virá em longo prazo. De acordo com sua
crítica, até mesmo as horas livres do trabalhador é gasta de modo a economizar suas energias
de maneira empobrecida através da Indústria Cultural que está a serviço da classe que domina
o capital. O sujeito está tão alienado ao trabalho que produz uma divisão na vida que consiste
no tempo que dedica-se ao trabalho e o tempo livre, este é por vezes preenchido por pseudo
atividades ou com atividades que o prepare ainda mais para o mercado competitivo. A
imbecilidade de muitas ocupações do tempo livre tem por objetivo não gastar energia e, sim,
preparar corpo e mente para maior produtividade no ambiente de trabalho (Imbrizi, 2005 p.
43).

A ideia de progresso atrelada ao trabalho sustenta o ânimo, mas ao mesmo tempo


bestializa o sujeito de modo que ao buscar incessantemente o seu próprio progresso e
crendo na possibilidade de contribuição para os avanços da sociedade, pode atrofiar e
perder a capacidade de criar e fantasiar. A criatividade e a fantasia são bases para
transformação do sujeito. “Quem quiser adaptar-se, deve renunciar cada vez mais as
fantasia”. (Adorno, APUD Imbrizi, p. 46).
A renúncia da fantasia e da criatividade é o prenúncio da alienação, em que o sujeito perde
a autonomia e sua participação naquilo que produz é amplamente controlado, bem como tudo
que ele próprio consome, o que também abarca seu tempo “livre”. Marx, sobre o progresso e
trabalho e a contradição inerente a esse processo salienta:

(...) a importância do trabalho como atividade que possibilitou a construção da


sociedade até nossos dias, e aponta o trabalho humano como o responsável pelo
progresso técnico. Mas esse é visto, também, como fonte de desprazer, como
“sofrimento universal”. Esse sofrimento é justificado pela formação histórica da
sociedade. (APUD Imbrizi, 2005).
Sigmund Freud também considerou essencial considerar na formação do sujeito os
fenômenos sociais. O Outro é via de regra, considerado modelo, objeto auxiliador e
adversário. Diz que nenhuma outra forma de conduzir a vida prende tanto quanto o trabalho,
porém salienta:

A atividade profissional traz particular satisfação quando escolhida livremente, isso


é, quando permite tornar úteis, através de sublimação, pendores existentes, impulsos
instintuais existentes ou constitucionalmente reforçados. E, no entanto, o trabalho
não é muito apreciado como via para felicidade. As pessoas não se lançam a ele
como a outras possibilidades de gratificação. A maioria dos homens trabalha apenas
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pela forçada necessidade, e graves problemas sociais derivam dessa natural aversão
humana ao trabalho. (Freud, 1930, p. 24).
Autores mais contemporâneos, como Wanderley Codo, tentaram positivar o sentido do
trabalho considerando-o enquanto ato de atribuir significado social à natureza, que pode ser
transformada e provocar também transformação ao homem. Codo atrela a formação do sujeito
ao trabalho e não necessariamente à cultura.

As mediações são construídas através do trabalho, exatamente por que trabalho é


o ato de depositar significado humano à natureza. Em uma cidade fundada na
cooperação e na troca, desaparece qualquer outra forma que não a do significado
social do trabalho (...). Trabalho, então, passa a ser definido como ato de depositar
significado social à natureza. (Codo, 1996, p. 141, APUD Imbrizi, 2005)
Jaqueline Imbrizi chama atenção para as contradições que ainda persistem na
contemporaneidade e que foram contempladas pelos arcabouços teóricos de Marx, Freud,
Adorno e Marcuse. As incompatibilidades presentes na sociedade não promovem a felicidade
e a liberdade buscada como algo que engendra, motiva. O sujeito não pode ser considerado
individualmente como se fosse o único responsável pelo que sucede ao seu redor. Ele faz
parte de um todo cujo desenrolar histórico desembocou em uma sociedade que degrada a
subjetividade.

2. Nuances do Serviço Militar

As relações que se estabelecem em um ambiente militar são baseadas na hierarquia e


disciplina. A hierarquia é o que caracteriza a organização e serve de base para o delineamento
da cultura na instituição. O acatamento e rigor, previstos como pressupostos da disciplina, em
uma estrutura dividida em dois grupos (oficiais e praças) em 11 patamares na hierarquia, é
muitas vezes a causa primeira da angústia dos trabalhadores. Todos os ritos, simbologias,
fardamentos e regras identificam a hierarquia, ou seja, a mensagem de quem acata a ordem de
quem está contida em todas as esferas do comportamento da organização.

Para apreensão da cultura organizacional da policia militar faz-se necessário visitar sua
origem. Enquanto cultura organizacional entende-se que tal construção é pautada em
processo histórico de trocas e experiências entre os membros que compartilham, ao longo do
processo de trabalho, os valores e crenças a respeito de como as atividades devem ser
realizadas. (FLEURY, 1987; BATITUCCI, 2013, APUD SENASP, 2016). A estrutura da
polícia militar é proveniente do exército que objetiva criar forças auxiliares para o serviço
ostensivo, uma força coercitiva que pudesse ser vista todo o tempo para estabelecer assim a
ordem pública. Desse modo, a estrutura do exército serviu de modelo e por muito tempo todo
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o rigor do treinamento de homens para a guerra era aplicado aos homens que iriam trabalhar
cotidianamente com problemas da comunidade que vão desde o furto de coisas de pequeno
valor até o homicídio na favela. A inserção da mulher na polícia mudou um pouco os rumos
de pesados treinamentos, bem como o tratamento direcionado à tropa.

Os padrões de comportamentos são considerados fortes, pois há ampla aceitação e possui


características facilmente identificáveis. A divisão social é manifesta nos pequenos detalhes
da farda, simbologias, rituais dessa forma as reações de poder se estabelecem enquanto
peculiaridade da organização militar, gerando alto nível de burocracia e autoritarismo e
determinam a dinâmica da organização. Quando o poder é exercido dentro das organizações,
ele se transforma em uma arma de controle, que regula o comportamento dos profissionais e,
não raro, configura uma série de dilemas éticos que se desenham nas relações
socioprofissionais. (SENASP, 2016).

Esse padrão organizacional, também denominado por Morgan (2006) como uma
organização do tipo máquina, estrutura-se a partir de um organograma altamente
vertical, que estabelece precisamente as direções de comando e as possibilidades
de comunicação entre seus membros. Nesse contexto, os profissionais devem
comportar-se segundo um script pré-determinado, sendo freqüente a utilização de
treinamentos e códigos detalhados para direcionar como agir perante o público
interno e externo. Deste modo, valoriza-se e prioriza-se a estabilidade, deixando-
se em segundo plano a criatividade, a inovação e a adaptação às mudanças.
(SENASP, 2016).
A hierarquia possui como alicerce a disciplina considerada princípio que norteia e adestra
o comportamento dos comandados e pressupõe que a base acata ordens de quem está no topo,
o que confere status, recompensas associadas e o modo de estabelecer o poder dentro da
organização. O culto à disciplina é ferramenta essencial para garantir a ordem que se
estabelece na instituição, bem como a que mutila a criatividade e autonomia.

É essencial ressaltar que um dos principais fatores que conduz o sujeito à angústia no
trabalho é justamente essa regulamentação inerente à cultura militar.

Dentre os aspectos, destacam-se as regras e regulamentações excessivamente


rígidas e frequentemente conflitivas, que atingem principalmente os membros de
baixo escalão, inibindo o estabelecimento de uma comunicação efetiva e
cerceando a autonomia do sujeito. O autor sugere, ainda, que estes aspectos
relacionados à organização policial são mais fortemente associados ao estresse
ocupacional do que as operações policiais em si (SHANE, 2010a, APUD
SENASP, 2016).
Apesar do olhar voltado hoje para essa organização, os estudos ainda são tímidos e assim
também o é sua repercussão. A mulher, depois que adentrou na corporação, provocou certa
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humanização tanto no processo de formação quanto no modus operandi com a população,


porém, segundo dados estatísticos, ela é maior vítima de transtornos de ansiedade e Bournout.

“(...) quanto mais hierarquizada a relação entre os homens, mais cada indivíduo
estará impossibilitado de se reconhecer no outro, se identificar com o outro e, por
conseguinte, ser capaz de amar. O amor se transforma em ideologia e, assim, se
presta à tarefa de dissimular ódio dos competidores.” (Horkheimer & Adorno,
1985, p. 75 APUD Jaqueline Ambrizi)

3.A mulher militar

A inserção da mulher na Polícia Militar da Bahia ocorreu em cumprimento ao Decreto


governamental n.º 2.905, de 12 de outubro de 1989, que criou a Companhia de Polícia Militar
Feminina, em 1990, recebe em suas fileiras as primeiras mulheres na Instituição Militar.
Foram incorporadas no dia 30 de abril desse ano, 27 Sargentos, e, no dia 07 de maio, 78
Soldados, que compuseram a primeira tropa policial militar feminina da Bahia, instalada na
Vila Policial Militar do Bonfim, no bairro Dendezeiros. Porém, tal companhia foi extinta e as
militares que ascenderam hierarquicamente e compõe outras unidades.
Às mulheres, a princípio, couberam os empregos administrativos. Em uma instituição em
que os trabalhadores são majoritariamente masculinos, a inserção feminina não obteve
direcionamento distinto das indústrias pós segunda guerra. Se integrar a mulher na sociedade
independente de casamento tem sido difícil ao longo dos anos, é possível imaginar vinte oito
anos atrás o imaginário masculino ao se darem conta de uma “invasão” feminina no quartel.
Não existiam outras mulheres para confeccionar escalas. Havia homens que naturalmente
estranharam essa inclusão e isso de algum modo manteve-se impregnado na cultura
organizacional. A mulher ainda é vista como sexo frágil cuja prioridade é a família e,
portanto, deve encaixar-se em uma configuração semelhante ao do lar: servir aos homens.
Em análise sobre a mão de obra feminina da Inglaterra, observa-se que as queixas não eram
diferentes, e é possível encontrar nas organizações comportamentos semelhantes. Na década
de 1930 na Inglaterra a mão de obra feminina era desvalorizada, considerada dócil, porém
passível de confiança.
Mais da metade das mulheres que trabalham nesse país é casada, e a suposição é
que a família é sua principal preocupação, que o trabalho fora do lar representa
um dinheirinho extra para enfeites, que elas não têm ambição. (...) O aspecto
ancilar do trabalho das mulheres é quase universal; no lar deve tornar mais fácil a
vida do marido, e, reconstruir sua confiança como provedor, a este é um aspecto
da situação secundária do trabalho feminino fora do lar. (...) Mesmo no trabalho,
as mulheres devem servir aos homens. (GREER, 1976).
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Germanie Greer na década de 1970 descreveu comportamentos que são ainda


contemporâneos. Muitas mulheres ainda são empregadas em serviços administrativos que se
aproximam em alguma medida do serviço “doméstico”. Elas secretariam os comandantes.
Algumas delas são passivas a essa ideia ou não fazem reflexão sobre isso, pois culturalmente
a mulher ainda é preparada para ser protegida. Poucas mulheres se lançam ao serviço
operacional, pois são subestimadas por sua capacidade física ou psicológica. A capitã Denice
Santiago, Psicóloga, destaca em seu artigo publicado em um blog sobre segurança pública:
Uma prática cruel ao se pensar em autonomia profissional que infelizmente
também aparenta estar legitimada em algumas mulheres ao preferir estarem em
condição “doméstica” da corporação que sinaliza mais de 80% do efetivo
feminino em atividade administrativa. Salienta-se também o processo seletivo
para o ingresso da corporação que reserva apenas 10% de suas vagas ao público
feminino, sem que exista um embasamento legal que indique isto. Um conclame a
reflexão. Uma possibilidade de análise. Uma angústia profissional. Uma vontade
de fazer diferente. É assim que se consubstancia esta inquietude acadêmica
despertada através dos estudos da disciplina Administração de Recursos Humanos
(humanos e materiais), ao podermos vislumbrar a proposta de instituir a discussão
sobre o lugar da mulher na corporação e de como esta (a PMBA) não se preparou
para seu ingresso e permanência. (Santiago, 2014).

Estes são os contornos do serviço militar feminino. Saliento que a discussão não se ocupa
exatamente do gênero, não é essa a questão, mas se fez necessário demonstrar, ainda que de
modo superficial, peculiaridades do emprego da mulher na Polícia Militar para um
aprofundamento teórico posterior, mas, principalmente, para demonstrar que apesar dessas
modulações a queixa principal detectada durante a coleta de dados se ateve ao sistema por si
só. O desconforto existente nas relações que são estabelecidas na organização que admite
contornos rígidos e exclui a criatividade e tomada de atitude das trabalhadoras.

4.Discussão

A despeito de conceitos negativos que a palavra trabalho tem carregado ao longo dos
anos, é interessante notar nos discursos das entrevistadas os aspectos positivos entrelaçados
no sentido que é atribuído ao serviço: “Sustento para família, alimento para o corpo, mente e
alma!” (A. G. 43 anos);“ Algo fundamental para o ser humano... A oportunidade de deixar a
mente mais ativa, de superar desafios e desenvolver novos caminhos” (L. T. 35 anos). O
conceito de trabalho em um contexto ocidental perpassa basicamente pelas sociedades antigas
a partir da ideologia grego-romana, na tradição judaico-cristã e pelo protestantismo. Este
último, segundo Weber, modificou a ideia de degradação do homem pelo trabalho
substituindo o sacrifício pela honra. O homem que trabalha herda o paraíso. Expressões como
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“mente vazia oficina do diabo” surge em detrimento à ideia do ócio enquanto status quo para
felicidade. É possível perceber a força dessa substituição de valores no discurso das
trabalhadoras em questão.

No que tange ao acúmulo de atividades, apenas uma delas admite que, se pudesse,
agregaria ainda mais. As demais frisam que é um encargo que deve ser enfrentado, pois
fizeram tal escolha. Enquanto mulheres, donas de casa, mães e estudantes, não podem desviar
os objetivos ou reclamar. Uma delas retruca a injustiça, pois as atividades domésticas
poderiam ser divididas com o companheiro, mas em seguida afirma que consegue dar conta
das demandas. O processo de inserção da mulher no mercado de trabalho não foi algo
totalmente planejado. Nota-se que tal acúmulo de atividades não era uma pauta ou uma
preocupação, bem como não o é a retirada desse peso cultural sobre as mulheres. As
entrevistadas não aceitam o subterfúgio que ainda lhes cabem, pois a feminilidade e a
fragilidade atrelada a elas ainda estão impregnadas no imaginário social.

Porém, cabe ressaltar, que embora seja um tanto óbvio que tal fenômeno não esteja
inteiramente acabado e sob função de atores socioculturais, mulher e trabalho estiveram
sempre interligadas na história. A mulher das camadas sociais diretamente ocupadas na
produção de bens e serviços nunca foi alheia ao trabalho. Nas economias pré- capitalistas,
especificamente no estágio imediatamente anterior à revolução agrícola e industrial, a mulher
das camadas trabalhadoras era ativa (SAFFIOTI, 2006). Ser importante para a economia não
significou ascensão social. A mulher, por muitos anos, teve atrelada à sua felicidade o
casamento. A integração social dependia da sombra masculina.

A discussão não é a importância da produtividade feminina ou a marginalização de suas


funções, mas salientar sua força diante dos múltiplos papeis que exercem no cotidiano em
condições adversas e ainda assim preservarem um sentido positivo para o trabalho, ainda que
isso possa esconder nas entrelinhas a força do próprio sistema capitalista, em que toda a força
do sujeito deve ser aproveitada, seja portador de falo ou não. Essa força, proveniente do
discurso conveniente ao sistema, possui um sentido positivo para favorecer a produtividade e
está presente no discurso da mulher contemporânea que ainda está tentando conquistar sua
integração sem com isso ter que despender tanto sacrifício.

Ao serem questionadas pelo que poderia trazer sofrimento, as policiais relatam o mesmo
problema, que não está diretamente atrelado ao tempo gasto no trabalho e a relação produção,
força e lucro ou a contradição progresso e sofrimento. Não é o trabalho em si, mas a queixa
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não foge dos pressupostos marxistas que situam a formação da subjetividade do indivíduo em
um processo de coisificação. Freud também oferece base para entender a pseudoformação do
ser humano, cuja liberdade lhe é retirada e em seu lugar lhe é oferecida a degradação. O
cerne da questão é a relação estabelecida no trabalho. O poder e a hierarquia que se imbricam
e formulam uma cultura organizacional que sobrepuja os limites do sujeito e está situada
desde a base, a soldada, até as posições de comando, a capitã.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Albornoz, Suzana. (1994). O que é Trabalho (6ª ed.). São Paulo: Editora Brasiliense.

Freud, Sigmund. O Mal-Estar na Civilização. São Paulo: Editora Schwarcz.

Greer, Germanie. A mulher Eunuco. 1974. São Paulo; Editora Círculo do Livro.

Imbrizi, Jaqueline Maria. (2005). A formação do Indivíduo no Capitalismo Tardio. São Paulo: Editora
Hucitec.

Lakatos, Eva Maria; Marconi, Marina de Andrade. (2003). Fundamentos de Metodologia Científica (5ª
ed.). São Paulo: Atlas.

Safiotti, Heleieth. (2013). A mulher na Sociedade de Classes (3ª ed.). São Paulo: Expressão
Popular.

Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP). (2016). Hierarquia, Aspectos da Cultura


Organizacional e Implicações na Qualidade de Vida: Um Estudo nas Polícias Militares Brasileiras.
Brasília, DF: Ministério da Justiça e da Cidadania/SENASP.

Santiago, Denice. 2014. História e Emprego da Mulher Policial-Militar. Recuperado em:

http://abordagempolicial.com/2014/03/historia-e-emprego-profissional-da-mulher-policial-militar/

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